As histórias reunidas no livro “Being Mortal: Medicine and what matters in the end”, editado sob crivo da Metropolitan Books/Henry Holt & Company fornecem uma clara visão acerca do processo de envelhecimento e da morte, discutindo o papel da medicina, dos ambientes institucionalizados e da obstinação no prolongamento da duração da vida, independentemente da qualidade dos dias prolongados, muitos dos quais usufruídos sobre um leito na unidade de terapia intensiva, no aguardo do inevitável fim.
O livro versa acerca das histórias dos pacientes do médico Atul Gawande, cuja atuação profissional circunscreve-se a região de Massachusetts, nos Estados Unidos da América, demonstrando a realidade do envelhecimento naquele país e os desafios impostos para que nossos derradeiros dias tornem-se confortáveis, financeiramente acessíveis e providos de sentido.
Segundo o autor, o processo de envelhecimento nos Estados Unidos da América é permeado principalmente pela demência, pela fragilidade óssea que gera quedas e fraturas, pelo esgotamento físico e mental dos idosos e de suas famílias, as quais muitas vezes não sabem lidar com o envelhecimento e pela redução das capacidades motoras e/ou mentais.
Ao longo dos oito capítulos que compõem o livro há uma preocupação do autor em conceder voz ativa às pessoas idosas no processo de perda da independência em virtude das moléstias do envelhecimento, propondo a adoção da perspectiva do idoso como premissa para o debate. Há também uma descrição de como os avanços científicos transformaram os processos do envelhecimento e da morte em experiências médicas, que precisam necessariamente, segundo o autor, de gerenciamento por profissionais da saúde, apesar da inexistência de preparo formal para tanto.
O gerenciamento decorre do fato de que até 1945 a maior parte da população poderia contar com passar seus últimos dias em casa, sendo a velhice e a enfermidade uma responsabilidade compartilhada de forma multigeracional. Todavia, nas sociedades contemporâneas, o envelhecimento e a enfermidade tornaram-se uma experiência mais privada, algo a ser vivido em grande parte sozinho ou com a ajuda de médicos e instituições, razão pela qual já na década de 1980 a proporção de mortes ocorridas no ambiente residencial caiu para apenas 17% to total de óbitos, tornando a morte uma experiência médica.
Os dois primeiros capítulos do livro trazem algumas experiências do autor na condição de médico cirurgião que o levam a reflexões sobre o envelhecimento e a morte, bem como sobre o papel desempenhado pelos asilos levando-o a afirmar que os ambientes institucionais transformaram os dias finais em momentos dedicados a tratamentos que confundem o cérebro e exaurem o corpo em troca de uma eventual chance mínima de sobrevida, os quais são passados em instituições, casas de repouso e unidades de tratamento intensivo, nas quais rotinas regradas e anônimas isolam o paciente, gerando sofrimento psíquico.
Segundo o autor a razão pela qual os idosos eram alocados em asilos não decorria da ausência de economias para sustentar uma casa, mas sim devido à fragilidade que os acometia, tornando-os enfermos, senis ou esgotados demais para continuar cuidando de si mesmo, quadro este acompanhado pela ausência da disponibilidade de parentes para auxiliá-los. Os asilos ofereciam aos idosos uma maneira de se manterem independentes pelo máximo de tempo possível durante sua aposentadoria.
No capítulo 3 o autor pontua que no decorrer da década de 1950 os asilos foram fechando e a responsabilidade por aqueles que eram classificados como idosos desfavorecidos foi transferida para os departamentos de previdência social, enquanto os doentes e inválidos foram transferidos para os hospitais.
Ocorre que os hospitais não tinham como solucionar as debilidades causadas pelas doenças crônicas ou pela velhice o que gerou uma superpopulação hospitalar, razão pela qual se destinou recursos para a construção de unidades separadas para pacientes que necessitassem de um período prolongado de recuperação, nascendo assim as casas de repouso atuais.
O autor afirma que essas casas de repouso nunca foram criadas para auxiliar as pessoas que estivessem enfrentando a dependência na velhice e sim para liberar leitos nos hospitais
É de se registrar que, segundo o autor, os asilos se transformaram em casas de repouso apenas no mundo industrializado, tendo como referência os Estados Unidos da América, persistindo a figura do asilo, principalmente nos países em desenvolvimento, como a Índia, por exemplo, nos quais o envelhecimento demográfico ocorre sem a produção da riqueza material necessária para proteção dos idosos da pobreza e do abandono.
Os capítulos 4 e 5 da obra são dedicados aos modelos de atenção e cuidados aos idosos que promovem a capacidade das pessoas frágeis, discutindo a evolução histórica dos asilos e dos ambientes institucionalizados, bem como dos motivos que levam os idosos a esses ambientes, explorando ainda os diferentes modelos de residências para idosos, o que inclui tanto os estabelecimentos multigeracionais quanto os asilos ultramodernos.
As casas de repouso, conforme argumentação do autor abrandaram a debilidade e a velhice para milhões de pessoas, efetivando os cuidados e a segurança dos idosos, algo que teria sido impensável para os residentes dos antigos asilos. Ainda assim, a maioria das pessoas considera as modernas casas de repouso como lugares assustadores, desolados e até repugnantes para se passar a última fase da vida.
Outra opção para as casas de repouso que o autor aborda é a possibilidade da ida dos idosos para a casa de seus descendentes para estabelecer residência. Todavia, o autor relata que o papel do idoso foi alterado com o aumento da longevidade e a inclusão de novas tecnologias, criando-se novas profissões e competências, cuja assimilação é demasiada dificultosa para os detentores de muitas décadas vividas. Ademais, a estabilidade e a proteção econômica que os pais idosos forneciam aos descendentes tornaram-se pontos conflituosos, dada à longevidade, o que resultou em litígios pelo controle das propriedades e das finanças, bem como ao acirramento das relações familiares.
Assim, a ida dos idosos para a casa de seus descendentes tornou-se extremamente conflituosa ante as tensões que surgem inevitavelmente, reforçadas pelos choques tecnológicos e intergeracionais.
Ainda no que tange aos modelos de atenção aos idosos, o autor cita uma experiência desenvolvida em Nova York no início dos anos 1990 que propôs tratar as pessoas idosas como pessoas, criando-se um espaço ao lado de uma creche infantil para que pudessem interagir com as crianças. Ademais, introduziu-se no local pássaros e jardins para que os idosos cuidassem, o que reduziu significativamente o índice de mortalidade e o uso de sedativos.
No capítulo 6 do livro, o autor argumenta de forma contrária ao modelo de tratamento a todo e qualquer custo prevalecente na medicina em alguns países. Afirma que pessoas com doenças graves têm outras prioridades além de simplesmente prolongar suas vidas, como a redução ou inibição do sofrimento, o fortalecimento dos relacionamentos familiares e das amizades, estar mentalmente consciente, não ser um fardo para os outros e alcançar uma sensação de completude. Todavia, o autor entende que o sistema atual de cuidados médicos fracassou por completo em atender a essas necessidades, preocupando-se apenas com o prolongamento da vida independentemente do sofrimento do paciente e do custo suportado.
Nesse diapasão, de forma a demonstrar o paradoxo do processo de envelhecimento em culturas distintas e da atuação da medicina frente ao fim, o autor contrasta o final da vida da avó de sua esposa que viveu e faleceu nos Estados Unidos da América, frequentando assiduamente hospitais e tendo um final de vida isolado e de seu próprio avô que viveu e faleceu na Índia, na fazenda que amava, cercado por sua família e tendo uma razoável liberdade, ainda que limitada por restrições impostas pela idade.
Os capítulos 7 e 8 da obra são dedicados à história médica do pai do autor, diagnosticado e vitimado pelo câncer, a qual é utilizada para explorar o conceito de tomada de decisão compartilhada na área da medicina, ou seja, de que o médico moderno ideal não deve ser nem paternalista nem informativo, mas sim interpretativo, ajudando os pacientes a determinarem suas prioridades e alcançá-las.
Ao final do livro, no capítulo 8, o autor oferece uma discussão sucinta sobre a eutanásia, criticando a política formulada pelos Países Baixos, que privilegiaria o suicídio assistido, uma medida falha que pode reforçar as crenças de que reduzir o sofrimento e melhorar a vida por meio de outros métodos não é viável, crença essa que ignora os tratamentos paliativos e os potenciais benefícios que tais tratamentos podem gerar.
Por fim, o autor conclui que não há soluções perfeitas para os problemas inerentes ao declínio corporal e mental imposto pela velhice, mas pugna pela criação de um sistema que forneça melhores opções aos idosos de modo que o final da vida tenha conforto e propósito, de modo a permitir uma forma mais humana de morrer.
O livro ora abordado inova ao arguir, com supedâneo nos casos narrados, que o verdadeiro papel da medicina é de enriquecer com vida os dias e não apenas prolongá-los a qualquer custo, bem como ao demonstrar a importância das famílias e da sociedade na garantia do bem-estar no processo de envelhecimento, que se intensifica a cada ano com a redução da natalidade e a majoração da expectativa de vida.
Nesse diapasão, a importância dos cuidados paliativos e do tratamento dos idosos enquanto pessoas e não somente como paciente rotulados sob números são contribuições importantes do livro, impondo reflexões tanto acerca do modelo de atendimento aos idosos que vem se construindo, quanto à expectativa sociológica criada em cada cultura tangente ao modo de atuação de cada ator social no processo de envelhecimento.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Nov 2017