Mindfulness é uma adaptação ocidental da técnica meditativa budista, sati, despojada de qualquer conotação religiosa. Foi desenvolvida, com o nome de Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR), na década de 1970, por Jon Kabat-Zinn, num programa de redução de estresse da Universidade de Massachusetts. A MBSR foi desenhada para lidar com estresse, ansiedade, enfermidades e dor, e vem sendo aplicada em centros médicos, hospitais e instituições de saúde, nos EEUU, no Reino Unido, na Espanha e, esparsamente, em outros países, como o Brasil.
O livro Manual Práctico. Mindfulness. Curiosidad y aceptación11. Campayo JG, Demarzo M. Manual Práctico. Mindfulness. Curiosidad y aceptación. España: Editorial Siglantana; 2015. contém um Prólogo, 15 capítulos, além de Anexos e Índice Analítico, distribuídos em 255 páginas. Alguns temas apresentados nesta obra já foram abordados no livro de Cebolla et al.22. Cebolla A, García-Campayo J, Demarzo M, organizadores. Mindfulness y Ciencia, de la Tradición a la Modernidad. Madrid: Alianza Editorial; 2014.. A diferença é que o primeiro apresenta um formato mais didático.
Cada capítulo contém tabelas comparativas e exercícios imaginativos e respiratórios a serem praticados, além de quadros sinópticos que resumem o conteúdo. Os primeiros cinco capítulos tratam da definição de mindfulness e suas origens. O leitor será familiarizado com o conceito de observar, contemplar e examinar, sem julgar. Há ênfase sobre a aceitação da realidade de forma não crítica, distinguindo o modo fazer do de ser. Haveria benefícios sanitários (ajuda no tratamento de algumas doenças clínicas e psiquiátricas, prevenção contra o estresse), educativos (melhor concentração/rendimento, relações interpessoais) e empresariais (redução/prevenção do estresse, aumento da satisfação), além do que o praticante desenvolveria um sentimento de espiritualidade natural, não ligado a uma religião específica.
No capítulo sobre as dificuldades, o texto traz uma tabela com comparações, como a falta de tempo, por exemplo, e dos benefícios, dentre os quais a sensação de paz. Há, também, os conselhos práticos sobre onde, quando e por quanto tempo meditar. Menciona algumas posturas usadas em práticas meditativas, mas indica uma posição sentada, confortável, com recomendações mínimas sobre a posição da coluna, do peito, das mãos, dos pés, do rosto e dos olhos. A ênfase é sobre a respiração e o porquê de escolhê-la como âncora da meditação: só se deve observá-la.
Outrossim, o texto ensina como domesticar o macaco louco, metáfora usada para descrever a nossa mente. O praticante deve retornar sempre à respiração, ao manejo das distrações, distanciando-se delas.
Nos seguintes capítulos, de 6 a 10, o texto apresenta os problemas que podem surgir durante a meditação, como dor, sensações estranhas, inquietação, sonolência, estupor e a forma de combatê-los com respirações, autossugestões e prática perseverante. Os problemas psicológicos podem incluir: falta de atenção, tédio, medo, rejeição e excesso de cuidado. Há a sugestão de uso de frases autoafirmativas, de perdão, e pode ser necessária a ajuda de um profissional em alguns casos.
A seguir, os autores apresentam os passos formais do mindfulness, a saber: exercício de percepção e deglutição da uva passa, mindfulness na respiração, body scan, mindfulness caminhando, mindfulness nos movimentos corporais, e a prática dos três minutos, que consiste em indagações como: qual é a minha experiência agora, que pensamentos e sentimentos estão ocorrendo? Há exercícios imaginativos sobre a expansão da consciência. O texto também apresenta alguns desenhos de posições deitadas, flexão e extensão das pernas, deslizamento das mãos; movimento circular dos ombros; postura do gato; movimento do 8, fechando com postura de meditação.
O manual ensina como levar o estado mental da atenção plena à vida diária de forma contínua, usando estratégias como lembretes, criando uma desaceleração da atividade mental e física. Recomenda, sobretudo, a prática durante atividades rotineiras e tempos mortos: cuidado e asseio, comida, deslocamento, esperas (trânsito, consultórios, caixas, recepções e semáforos).
Os autores enfatizam a prática da compaixão, sinônimo de bondade amorosa. Segundo eles, os neurotransmissores envolvidos na compaixão seriam os opiáceos endógenos, que fazem o sujeito sentir-se tranquilo e seguro, daí a importância das relações sociais e o enorme poder viciante das redes sociais, e a Oxitocina, ligada à quantidade e qualidade do afeto trocado entre pais/filhos.
Chamamos a atenção para o fato de que a prática de atitudes éticas, o irmanar-se com o planeta e com a humanidade, enfim a fraternidade, é sugerida não só no budismo, mas em todas as religiões. No yoga, são conhecidas como os yamas e niyamas, entre os quais se inclui o contentamento e a não violência33. Siegel P, Barros NF. Yoga – Tradição e Prática Integrativa de Saúde. Fortaleza: Eduece; 2016..
No capítulo 10 há a menção da busca do sentido da vida. São citadas a Logoterapia de Viktor Frankl e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), com exercícios para identificar o que é mais importante para nós. O capítulo vai acrescido de uma lista de valores usados na ACT para auxiliar na identificação.
Nos cinco últimos capítulos do livro, há indicações sobre o manejo das emoções: ir desmontando seus componentes e centrar-se nos aspectos corporais da emoção, identificando as negativas e aceitando-as como parte de nós mesmos.
A terapia dialética conductual é mencionada como exemplo de uma técnica psicoeducativa que permite desenvolver a qualidade do mindfulness sem que seja necessária a prática. Este modelo teórico-prático facilita a aceitação da realidade e pode ser usado concomitantemente com o mindfulness. O texto define os princípios de aceitação da realidade como: “a realidade é como é. Não poderia ser de outra maneira. E, além disso, tudo é perfeito do jeito que é”11. Campayo JG, Demarzo M. Manual Práctico. Mindfulness. Curiosidad y aceptación. España: Editorial Siglantana; 2015.. Consideramos que esta definição da realidade pertence à filosofia budista e dificilmente pode ser inculcada na mentalidade ocidental.
Segundo os autores, o mindfulness e as terapias da terceira geração defendem que o importante não é tanto que o conteúdo do pensamento seja positivo ou negativo, mas como nos relacionamos com ele. A seguir apresentam uma série de exercícios para a dissolução do eu.
Na lista das contraindicações estariam as pessoas hipercríticas ou com atitude oposicionista; pessoas em fase aguda de qualquer transtorno (depressão, transtorno bipolar, psicose, estresse pós-traumático, deterioração cognitiva grave, epilepsia, muito medicadas).
Os efeitos não esperados ou adversos da meditação poderiam ser: ansiedade/angústia; depressão/culpa e visão negativa do mundo; confusão e desorientação; dissociação; ideais de grandeza; sentimentos de indefensibilidade; menor capacidade de avaliar a realidade; dor; hipertensão arterial paradoxal; sensações corporais de incômodo; tornar-se mais crítico e intolerante com os demais; sentimentos de grandeza e narcisismo; menosprezo pelos demais; busca de solidão e isolamento das outras pessoas; menor motivação na vida; tédio; vício pela meditação. Segundo os autores, se os praticantes são pessoas com doenças físicas ou psicológicas, o profissional de mindfulness deve ser um médico ou psicólogo. E o próprio profissional tem que ser praticante para saber responder às perguntas dos alunos.
Contudo, nem tudo são flores de loto no campo meditativo. Tem havido críticas substanciais à prática do mindfulness como uma forma de intervenção no tratamento de pacientes. Há quem diga que os efeitos positivos do mindfulness têm sido exagerados e que a prática pode estimular a ansiedade, a depressão ou mesmo desencadear sintomas psicóticos44. Farias M, Wikholm C. Ommm… Aargh. New Sci 2015; 226:28-29.. Um artigo recente publicado na imprensa britânica questiona a falta de pesquisas sobre os efeitos adversos da meditação e o lado “escuro” do mindfulness55. Foster D. Is mindfulness making us ill? The Guardian, 23rd of January 2016..
O livro termina com dicas para manter a prática como um estilo de vida, a saber: 1) ela deve ser importante, ocupar um ranking importante nos nossos valores; logo, devemos revisar os valores periodicamente; 2) pode ser reforçada pela prática grupal (sangha em sânscrito); 3) ler periodicamente livros ou artigos sobre o tema, ou assistir a conferências e cursos, visitar páginas web relacionadas. O que mais fideliza são os retiros periódicos; 4) convertê-la em parte da profissão: ajudar os outros.
Sentimos falta de um levantamento sociodemográfico dos praticantes de mindfulness, já que, no caso do yoga, um estudo de Birdee et al.66. Birdee GS, Legedza AT, Saper RB, Bertisch SM, Eisenberg DM, Phillips RS. Characteristics of yoga useres: results of a national survey. J Gen Intern Med 2008; 23(10):1653-1658. mostrou que nos EUA eram em sua maioria brancos, mulheres, jovens, com formação universitária, com idade média de 39,5 anos. Ficaria aqui a pergunta: o mindfulness é uma prática desenhada para a classe média ocidental? Haveria que ver se, com sua prática de compaixão e não julgamento, o mindfulness passaria o teste nas periferais das grandes cidades.
Enfim, o livro é escrito com clareza e é recomendado para profissionais de saúde em geral que tenham interesse em Práticas integrativas e, sobretudo, nas contemplativas.
Referências
- 1Campayo JG, Demarzo M. Manual Práctico. Mindfulness. Curiosidad y aceptación España: Editorial Siglantana; 2015.
- 2Cebolla A, García-Campayo J, Demarzo M, organizadores. Mindfulness y Ciencia, de la Tradición a la Modernidad Madrid: Alianza Editorial; 2014.
- 3Siegel P, Barros NF. Yoga – Tradição e Prática Integrativa de Saúde Fortaleza: Eduece; 2016.
- 4Farias M, Wikholm C. Ommm… Aargh. New Sci 2015; 226:28-29.
- 5Foster D. Is mindfulness making us ill? The Guardian, 23rd of January 2016.
- 6Birdee GS, Legedza AT, Saper RB, Bertisch SM, Eisenberg DM, Phillips RS. Characteristics of yoga useres: results of a national survey. J Gen Intern Med 2008; 23(10):1653-1658.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Abr 2017