Resumo
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura acerca dos processos de trabalho dos profissionais dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), refletindo sobre as práticas dos serviços, destacando a reinserção social dos usuários, através do cumprimento da perspectiva biopsicossocial. A bibliografia levantada objetiva demonstrar como os processos de trabalho estão sendo desenvolvidos pelos profissionais dos CAPS, e suas repercussões para o usuário desse serviço. A revisão da literatura foi feita nas bases de dados Lilacs, SciELO e PubMed, em Português, Inglês e Espanhol, com o produto de 57 artigos que foram analisados e organizados em planilha Excel. Este estudo mostrou deficiências na quantidade e qualidade dos recursos físicos, humanos e materiais, fragilidade da rede em saúde mental, além de identificar dissonâncias no atendimento aos usuários e seus familiares, o que leva à redução da qualidade nos processos de trabalho. Os desfechos mais pautados foram acolhimento, projeto terapêutico singular e a territorialização como dissonância na proposta de desinstitucionalização. Este trabalho reúne experiência e conhecimentos profissionais espalhados por todo o país, com notas que orientam o redirecionamento das práticas assistenciais.
Palavras-chave
Saúde mental; Serviços comunitários de saúde mental; Serviços de saúde mental; Avaliação de processos
Introdução
Diante do modelo manicomial vigente, resultando na Lei n° 10.216/2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica que regulamenta a Política Nacional de Saúde Mental (PNSM). Há ênfase no cuidado em serviços substitutivos, de base comunitária, com vistas a reinserção social de pessoas com transtorno mental11. Brasil. Lei n°. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União 2001; 7 abr..
Na perspectiva do modelo de Atenção Psicossocial, foram criados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que se diferenciam entre si, de acordo com a clientela atendida (transtornos mentais, álcool e outras drogas, e infanto-juvenil), sendo classificados por ordem crescente de complexidade e abrangência populacional22. Brasil. Portaria/GM n° 336, de 19 de fevereiro de 2002. Portaria que define e estabelece diretrizes para o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial. Estes serviços passam a ser categorizados por porte e clientela, recebendo as denominações de CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad. Documento fundamental para gestores e trabalhadores em saúde mental. Diário Oficial da União 2001; 20 fev..
Tais serviços possuem cultura própria, no qual os processos de trabalho são desenvolvidos por equipes multiprofissionais. Oferecem atividades diversificadas, com atendimentos individuais e em grupos. A família é considerada fundamental no tratamento, com atendimento específico e com livre acesso ao serviço, sempre que necessário33. Mielke FB, Kantorski LP, Jardim VMR, Olschowsky A. Avaliação de um serviço substitutivo em saúde mental. Cogitare Enferm 2009; 14(1):52-58.
4. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm 2008; 17(4):758-764.-55. Roman AR, Friedlander MR. Revisão integrativa de pesquisa aplicada à enfermagem. Cogitare Enferm. 1998; 3(2):109-112..
Na lógica da PNSM, atender a integralidade dos usuários é um dos grandes desafios para os profissionais da área, considerando o déficit de recursos nos serviços, que implica diretamente nos seus processos de trabalho.
Buscando dar visibilidade ao tema, este artigo objetivou caracterizar as produções acerca dos processos de trabalho dos profissionais dos CAPS, segundo as diretrizes da PNSM.
Metodologia
Optou-se pela revisão integrativa, pois é uma ferramenta importante na comunicação dos resultados de pesquisas, proporciona a síntese do conhecimento produzido, podendo fornecer subsídios para a melhoria da assistência à saúde. Este processo pode facilitar a incorporação de evidências, agilizando a transferência de conhecimento para o redirecionamento das práticas assistenciais.
Este método tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um delimitado tema, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado.
O levantamento bibliográfico, realizado em julho de 2014, foi nas bases de dados Lilacs, SciELO e PubMed, por serem as mais usadas em publicações no âmbito da saúde, abrangendo as publicações entre os anos de 2001 a 2014, nos idiomas Português, Inglês e Espanhol. O início do período pesquisado foi determinado pelo ano da promulgação da Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira até a atualidade. Utilizaram-se as seguintes palavras chaves, em inglês e português: saúde mental, CAPS, processos de trabalho, serviços substitutivos em saúde mental, serviços comunitários em saúde mental, também com o operador booleano AND para combinações entre os grupos de palavras.
Desta forma, incluíram-se artigos que tratavam dos processos de trabalho dos profissionais, ligados à assistência, desenvolvidos exclusivamente nos CAPS.
Foram excluídas monografias, dissertações e teses, por ser impraticável analisá-las sistematicamente, como também artigos de reflexão e revisão, além daqueles que tratavam de experiências de uma só categoria profissional, pois o objeto de pesquisa foca o trabalho da equipe na Atenção Psicossocial.
A seleção inicial dos artigos se deu pela avaliação dos títulos e dos resumos a partir da utilização das palavras chaves supracitadas. Quando o título e/ou resumo não eram esclarecedores, buscava-se o artigo na íntegra, evitando deixar estudos importantes fora desta revisão integrativa.
Após o descarte dos resumos duplicados, da leitura minuciosa dos restantes, encontrou-se 153 artigos que foram lidos na íntegra, sendo excluídos 96, que não atendiam o presente objetivo.
Ressalta-se que todo o processo na captura dos dados foi empreendido por dois pesquisadores que realizaram ao mesmo tempo a busca nas bases de dados utilizando os mesmos critérios, de forma independente. Após discutirem as avaliações prévias, resultaram 57 artigos que foram organizados em planilha no Excel discriminando: região de realização do estudo, autor(es), ano da publicação, desfecho e método. Ao final, houve avaliação de um terceiro pesquisador, para apreciação dos resultados obtidos.
Resultados e discussão
Os dados foram organizados de acordo com as temáticas e processos de trabalhos discorridos nos artigos analisados, tendo sido agrupados em três categorias e 18 subcategorias, as quais representam os desfechos sinalizados pelos autores (Quadro 1).
Com intuito de sinalizar os artigos e seus respectivos desfechos, a Tabela 1 aponta a frequência com que eles aparecem nas 57 publicações analisadas.
Verifica-se que todos os estudos utilizaram abordagem qualitativa, dos quais, 38,6% deles referem questões relativas às práticas desenvolvidas no CAPS, sendo que os desfechos Territorializaçao e Acolhimento sao os mais frequentes, seguidos do Projeto Terapêutico Singular (PTS).
Até 2007, poucas publicações faziam referência aos processos de trabalho nos CAPS, que se concentram entre os anos de 2009 e 2012, com decréscimo acentuado em 2013 e 2014, embora este último ainda não tenha se completado.
Há diferença significativa na distribuição onde os estudos foram realizados: as regiões sul, sudeste e nordeste são as que mais publicaram acerca do tema, com 16, 13 e 11 artigos, respectivamente, enquanto que as regiões centro-oeste e norte apresentaram 3 e 1 trabalhos.
Considerando que as três categorias que emergiram na análise dos artigos capturados trazem contribuições significativas para a identificação dos processos de trabalho desenvolvidos nos CAPS, o conteúdo que os mesmos apresentam serão detalhados, buscando apreender o que tratam especificamente.
Fatores intervenientes nos processos de trabalho
As publicações a respeito dos fatores intervenientes nos processos de trabalho nos CAPS sinalizam as dificuldades geralmente atreladas à estrutura física e material, para a realização das oficinas66. Schneider JF, Camatta MW, Nasi C, Adamoli NA, Kantorski LP. Avaliação de um centro de atenção psicossocial brasileiro. Ciencia y Enfermeria 2009; XV (3):91-100.,77. Rézio LA, Oliveira AGB. Equipes e condições de trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial em Mato Grosso. Esc Anna Nery 2010; 14(2):346-354.. Evidenciam também a insuficiência de recursos humanos compatíveis com as necessidades do serviço, rotatividade de profissionais, desordem dos prontuários, jornada extensa de trabalho88. Cedraz A, Dimenstein M. Oficinas terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica: modalidades desinstitucionalizantes ou não? Revista mal-estar e subjetividade 2005; V(2):300-327.
9. Filizola CLA, Milioni DB, Pavarini SCI. A vivência dos trabalhadores de um CAPS diante da nova organização do trabalho em equipe. Revista Eletrônica de Enfermagem 2008; 10(2).-1010. Leão A, Barros S. As Representações Sociais dos Profissionais de Saúde Mental acerca do Modelo de Atenção e as Possibilidades de Inclusão Social. Saúde Soc. 2008; 17(1):95-106..
Os rearranjos feitos pelos profissionais com relação à falta das ferramentas adequadas para o trabalho interferem na satisfação do profissional em desenvolver suas atividades assistenciais1111. Mielke FB, Kantorski LP, Jardim VMR, Olschowsky A, Machado MS. O cuidado em saúde mental no CAPS no entendimento dos profissionais. Cien Saude Colet 2009; 14(1):159-164., além de comprometer o planejamento na perspectiva psicossocial1212. Colombarolli MS, Alves ACA, Soares AC, Souza JCPD, Velasquez MV, Katsurayama M. Desafios e progressos da reforma psiquiátrica no Amazonas: as perspectivas baseadas no primeiro Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Manaus. Psicologia: Teoria e Prática 2010; 12(3):22-33..
A formação deficiente para trabalhar nos serviços de base comunitária é também apontada como fator dificultador nos processos de trabalho. Para o atendimento no modelo psicossocial, a formação deve voltar-se para a reinserção social do usuário que traz fortemente ideias antimanicomiais77. Rézio LA, Oliveira AGB. Equipes e condições de trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial em Mato Grosso. Esc Anna Nery 2010; 14(2):346-354.,1010. Leão A, Barros S. As Representações Sociais dos Profissionais de Saúde Mental acerca do Modelo de Atenção e as Possibilidades de Inclusão Social. Saúde Soc. 2008; 17(1):95-106.. Muitos profissionais que atuam nos CAPS foram formados no antigo modelo assistencial, cuja consequência é a dificuldade de realizarem seu trabalho na perspectiva da atenção psicossocial1313. Milhomem MAGC, Oliveira AGB. O trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial: um estudo em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Rev Gaúcha Enferm 2009; 30(2):272-279..
A realidade nacional desvela a necessidade de capacitação de Recursos Humanos em Saúde Mental1414. Scandolara AS, Rockenbach A, Sgarbossa EA, Linke LR, Tonini NS. Avaliação do centro de atenção psicossocial infantil de Cascavel - PR. Psicologia & Sociedade 2009; 21(3):334-342., muitas vezes não concretizadas pelos reduzidos investimentos financeiros1212. Colombarolli MS, Alves ACA, Soares AC, Souza JCPD, Velasquez MV, Katsurayama M. Desafios e progressos da reforma psiquiátrica no Amazonas: as perspectivas baseadas no primeiro Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Manaus. Psicologia: Teoria e Prática 2010; 12(3):22-33.. O desconhecimento do papel do CAPS se configura como obstáculos ao avanço da Reforma Psiquiátrica, impossibilitando o cuidado integral, reduzindo as mudanças de modelo assistencial à simples abertura de novos serviços. Os profissionais precisam acreditar e defender o modelo psicossocial1515. Ballarin MLGS, Carvalho FB, Ferigato SH, Miranda IMS, Magaldi CC. Centro de Atenção Psicossocial: convergência entre saúde mental e coletiva. Psicologia em Estudo 2011; 16(4):603-611.,1616. Pinho L, Hernández A, Kantorski L. Serviços substitutivos de saúde mental e inclusão no território: contradições e potencialidades. Cienc Cuid Saude 2010; 9(1):28-35..
Outros fatores abordados pela literatura exercem influência nos processos de trabalho, como vínculo precário (contrato temporário), pouca ou quase nenhuma experiência de trabalho em saúde mental1717. Pinho L, Hernández A, Kantorski L. Trabalhadores de saúde mental:contradições e desafios no contexto da Reforma Psiquiátrica. Esc Anna Nery Rev Enferm 2010; 14(2):260-267.; baixos salários1515. Ballarin MLGS, Carvalho FB, Ferigato SH, Miranda IMS, Magaldi CC. Centro de Atenção Psicossocial: convergência entre saúde mental e coletiva. Psicologia em Estudo 2011; 16(4):603-611., desestimulando a prática assistencial e o investimento em formação profissional1818. Nunes M, Torrenté M, Ottoni V, Neto VM, Santana M. A dinâmica do cuidado em saúde mental: signos, significados e práticas de profissionais em um Centro de Assistência Psicossocial em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(1):188-196.. Tais condições podem resultar no despreparo para atender os usuários do serviço, muitas vezes gerando sentimentos de frustração e culpa entre os trabalhadores1919. Mello R; Furegato ARF. Representações de usuários, familiares e profissionais acerca de um centro de atenção psicossocial. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12(3):457-464..
A hegemonia médica e a medicalização da assistência foram citadas como desfechos, indicando ser um fator que muitas vezes inviabiliza ou dificulta os processos de trabalho da equipe interdisciplinar nos serviços substitutivos, na perspectiva do modelo de atenção psicossocial.
A PNSM rompe com a exclusividade do modelo médico centrado, ocorrendo à incorporação de profissionais de diversas áreas da saúde2020. Almeida MM, Schall VT, Martins AM, Modena CM. Representações dos cuidadores sobre a atenção na esquizofrenia. Psicologia em Estudo 2010; 41(1):110-117.. Junto a essa mudança vem às dificuldades do trabalho em equipe, na comunicação ou, simplesmente, a não comunicação entre os profissionais2121. Vasconcellos VC. Trabalho em equipe na saúde mental:o desafio interdisciplinar em um CAPS. SMAD, Revista eletrônica de Saúde Mental Álcool e Drogas 2010; 6(1)..
Com a persistência da hegemonia médica é percebida a supervalorização do saber médico em detrimento dos outros saberes. A tradição da medicina confere ao médico prestígio social2020. Almeida MM, Schall VT, Martins AM, Modena CM. Representações dos cuidadores sobre a atenção na esquizofrenia. Psicologia em Estudo 2010; 41(1):110-117.,2121. Vasconcellos VC. Trabalho em equipe na saúde mental:o desafio interdisciplinar em um CAPS. SMAD, Revista eletrônica de Saúde Mental Álcool e Drogas 2010; 6(1)., reforçado pelo fato de que, muitas vezes, o acesso à equipe multiprofissional ocorre por meio de seu encaminhamento, mantendo dependência da consulta psiquiátrica para o desenvolvimento das demais práticas assistenciais. Tal situação colabora fortemente para a fila de espera e medicalização da assistência2222. Jorge MSB, Sales FDA, Pinto AGA, Sampaio JJC. Interdisciplinaridade no processo de trabalho em Centro de Atenção Psicossocial. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, RBPS 2010; 23(3):221-230., que é bastante discutida na literatura, como um dos grandes entraves da Reforma Psiquiátrica.
Profissionais, usuários e familiares admitem que a não adesão ao tratamento medicamentoso significa não adesão ao tratamento, ficando a resolubilidade do cuidado remetida somente aos medicamentos. Neste aspecto, o tratamento médico é considerado absolutamente necessário e indispensável, há a subvalorização das ações de reabilitação psicossocial, vistas apenas como possibilidades2020. Almeida MM, Schall VT, Martins AM, Modena CM. Representações dos cuidadores sobre a atenção na esquizofrenia. Psicologia em Estudo 2010; 41(1):110-117.,2323. Quinderé PHD, Jorge MSB, Franco TB. Rede de Atenção Psicossocial: qual o lugar da saúde mental? Revista de Saúde Coletiva 2014; 24(1):253-271..
Neste sentido, nesta análise é percebida a necessidade de superar os modelos biomédico e manicomial, ainda muito presentes nas ações em saúde mental2323. Quinderé PHD, Jorge MSB, Franco TB. Rede de Atenção Psicossocial: qual o lugar da saúde mental? Revista de Saúde Coletiva 2014; 24(1):253-271..
Práticas desenvolvidas no CAPS
O acolhimento, que pressupõe a escuta qualificada e o vínculo, foi o desfecho mais frequente nos últimos cinco anos nas publicações analisadas. Abordam sua essência e habilidades necessárias para o seu real valor, superando o conceito de triagem e remetendo à primeira aproximação um tom mais caloroso no atendimento2424. Jucá VJS, Lima M, Nunes MO. A (re) invenção de tecnologias no contexto dos centros de atenção psicossocial: recepção e atividades grupais. Mental 2008; VI(11):125-143.. O ato de acolher é visto como uma ferramenta de intervenção caracterizada por ser uma atitude de inclusão, por meio da escuta das necessidades que emergem da história de vida e da circunstância vivenciada dos usuários e sua família2525. Coimbra VCC, Nunes CK, Kantorski LP, Oliveira MM, Eslabão AD, Cruz VD. As tecnologias utilizadas no processo de trabalho do Centro de Atenção Psicossocial com vistas à integralidade. Rev pesqui cuid fundam (Online) 2013; 5(2):3876-3883.
26. Jorge MSB, Pinto DM, Quinderé PHD, Pinto AGA, Sousa FSP, Cavalcante CM. Promoção da Saúde Mental - Tecnologias do Cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Cien Saude Colet 2011; 16(7):3051-3060.-2727. Scheibel A, Ferreira LH. Acolhimento no CAPS: reflexões acerca da assistência em saúde mental. Revista Baiana de Saúde Pública 2011; 35(4):966-983..
Desenvolver o acolhimento na perspectiva da valorização do saber do outro implica na produção de efeito terapêutico em sujeitos que se encontram em sofrimento psíquico, favorecendo a compreensão de suas demandas2727. Scheibel A, Ferreira LH. Acolhimento no CAPS: reflexões acerca da assistência em saúde mental. Revista Baiana de Saúde Pública 2011; 35(4):966-983.,2828. Ballarin MLGS, Ferigato SH, Carvalho FBD, Miranda IMSD. Percepção de profissionais de um CAPS sobre as práticas de acolhimento no serviço. O Mundo da Saúde 2011; 35(2):162-168., o alívio e o estabelecimento da relação de ajuda2929. Soares SRR, Saeki T. O centro de atenção psicossocial sob a ótica dos usuários. Rev Latino-am Enfermagem 2006; 14(6):923-929..
Possibilita ainda a construção de relações de confiança entre trabalhadores e usuários, pautados na construção de laços afetivos, edificação de vínculos como conquista, de forma gradual, o que facilita o tratamento e favorece a relação entre usuários e equipe1111. Mielke FB, Kantorski LP, Jardim VMR, Olschowsky A, Machado MS. O cuidado em saúde mental no CAPS no entendimento dos profissionais. Cien Saude Colet 2009; 14(1):159-164.,2626. Jorge MSB, Pinto DM, Quinderé PHD, Pinto AGA, Sousa FSP, Cavalcante CM. Promoção da Saúde Mental - Tecnologias do Cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Cien Saude Colet 2011; 16(7):3051-3060..
O acolhimento e a vinculação devem envolver a família, que passa a perceber o CAPS como recurso adequado para atender às suas necessidades e de seus familiares3030. Kantorski L, Machado R, Lemões M, Quadros L, Coimbra V, Jardim V. Avaliação da estrutura e processo na visão dos familiares de usuários de saúde mental. Cienc Cuid Saude 2012; 11(1):173-180..
Tidos como ferramentas interdependentes, acolhimento, escuta e vínculo, só funcionam com comprometimento da equipe2525. Coimbra VCC, Nunes CK, Kantorski LP, Oliveira MM, Eslabão AD, Cruz VD. As tecnologias utilizadas no processo de trabalho do Centro de Atenção Psicossocial com vistas à integralidade. Rev pesqui cuid fundam (Online) 2013; 5(2):3876-3883.. Assim, o CAPS deve permitir a circulação da palavra, troca de experiências, considerando a subjetividade de cada um, sendo desafio atender as demandas do indivíduo singular no ambiente coletivo2020. Almeida MM, Schall VT, Martins AM, Modena CM. Representações dos cuidadores sobre a atenção na esquizofrenia. Psicologia em Estudo 2010; 41(1):110-117..
O terceiro desfecho mais citado entre os artigos visitados, foi o Projeto Terapêutico Singular, compreendido como norteador da assistência. Precisa ser construído junto com o usuário como estratégia de corresponsabilização e estímulo à sua autonomia, com vistas ao resgate da cidadania, autoestima e poder contratual, tendo como pilar o projeto de vida de cada um3131. Oliveira RF, Andrade LOM, Goya N. Acesso e integralidade: a compreensão dos usuários de uma rede de saúde mental. Cien Saude Colet 2012; 17(11):3069-3078.. O PTS busca instituir ações que trabalhem incapacidades, necessidades, medos, angústias e sonhos para que a pessoa possa voltar a gerenciar sua vida2626. Jorge MSB, Pinto DM, Quinderé PHD, Pinto AGA, Sousa FSP, Cavalcante CM. Promoção da Saúde Mental - Tecnologias do Cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Cien Saude Colet 2011; 16(7):3051-3060..
É essencial que seja avaliado periodicamente com o usuário, familiares a partir da discussão entre a equipe, readequando as necessidades que vão surgindo3232. Mororó MEML, Colvero LA, Machado AL. Os desafios da integralidade em um Centro de Atenção Psicossocial e a produção de projetos terapêuticos. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(5):1171-1176..
No estudo de Camatta e Schneider3333. Camatta MW, Schneider JF. A visão da família sobre o trabalho de profissionais de saúde mental de um Centro de Atenção Psicossocial. Esc Anna Nery Rev Enferm 2009; 13(3):477-484., realizado com familiares, percebeu-se que os mesmos não reconhecem o PTS como instrumento de trabalho da equipe, questionando-se se estes o são incluídos na construção e desenvolvimento da proposta terapêutica.
Figueiró e Dimenstein3434. Figueiró RA, Dimenstein M. O cotidiano de usuários de CAPS: empoderamento ou captura? Fractal: Revista de Psicologia 2010; 22(2):431-446. apontam como dissonância no PTS, a estrutura rígida no funcionamento do serviço, no qual o planejamento das oficinas e replanejamento de estratégias foram realizados apenas pela equipe técnica, invalidando a capacidade dos usuários de pensarem seus cotidianos, refletirem sobre seu próprio tratamento e de gerirem sua existência.
O desenvolvimento do projeto terapêutico junto ao usuário e seus familiares, conta com o acompanhamento do referente técnico ou da equipe de referência, sendo conduzido por profissionais que mantêm o diálogo entre os diferentes atores sociais, potencializando vínculos, além de estabelecer responsabilidades entre os serviços de saúde e a rede de relações do usuário. O referente desponta como forte influenciador no comportamento de usuários e familiares, atuando como mediador em algumas situações3535. Pinho L, Kantorski L, Wetzel C, Schwartz E, Lange C, Zillmer J. Avaliação qualitativa do processo de trabalho em um centro de atenção psicossocial no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2011; 30(4):354-360..
As publicações discutem seu desempenho e como por vezes os profissionais institucionalizam o cuidado, confundindo o papel de referente com o de tutor. Deve-se ter cautela para que não se estabeleça relação de domínio sobre o sujeito, sob riscos de práticas controladoras3636. Miranda L, Onocko-Campos R. Análise das equipes de referência em saúde mental: uma perspectiva de gestão da clínica. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1153-1162..
O modelo de equipe de referência, o qual desloca a referência de um único profissional para um conjunto de técnicos, é referido como vantagem, pois permite a cobertura assistencial mais completa com discussão interdisciplinar, evita a centralização do caso numa só pessoa, institui o compartilhamento das responsabilidades além de contribuir para que os usuários ampliem seus laços afetivos2121. Vasconcellos VC. Trabalho em equipe na saúde mental:o desafio interdisciplinar em um CAPS. SMAD, Revista eletrônica de Saúde Mental Álcool e Drogas 2010; 6(1).,3636. Miranda L, Onocko-Campos R. Análise das equipes de referência em saúde mental: uma perspectiva de gestão da clínica. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1153-1162..
Dentre as práticas desenvolvidas no CAPS, as publicações focam as atividades grupais e oficinas, demonstrando o interesse em avaliá-las quanto sua eficácia como finalidades terapêuticas.
Em estudo realizado com usuários, destaca-se que o grupo é tido num lugar de apoio, onde se debate a necessidade de ajudar a si próprio, pedir suporte quando necessário, sendo que as recomendações compartilhadas contribuem na valorização das atitudes positivas de seus membros e na maneira de se posicionarem no mundo3737. Cardoso C, Seminotti N. O grupo psicoterapêutico no Caps. Cien Saude Colet 2006; 11(3):775-783.. Por outro lado, a compreensão dos objetivos das oficinas entre os cuidadores é entendida como atividade de lazer, embora tenha certa percepção do seu poder terapêutico2020. Almeida MM, Schall VT, Martins AM, Modena CM. Representações dos cuidadores sobre a atenção na esquizofrenia. Psicologia em Estudo 2010; 41(1):110-117..
É vista a inquietação ao fato dos grupos e oficinas não considerarem a capacidade de simbolização e elaboração dos sujeitos, resultando em atividades meramente operativas, com usuários sem vontade de participar3434. Figueiró RA, Dimenstein M. O cotidiano de usuários de CAPS: empoderamento ou captura? Fractal: Revista de Psicologia 2010; 22(2):431-446..
As atividades não devem ser consideradas apenas para preencher o tempo, mas sim como importantes espaços para trabalhar a concentração, criatividade e ansiedades do indivíduo ou do grupo. Devem, pois se estender ao campo socioeconômico, configurando-se como oportunidades de aprendizagem de técnicas artesanais que podem ser posteriormente utilizadas como atividades de geração de renda3838. Teixeira Júnior S, Kantorski LP, Olschowsky A. O Centro de Atenção Psicossocial a partir da vivência do portador de transtorno psíquico. Rev Gaúcha Enferm. 2009; 30(3):453-460..
As oficinas profissionalizantes associam-se à inclusão social no sentido da Reabilitação Psicossocial, uma vez que promovem a mudança de papel social dos usuários, na medida em que os instrumentaliza a produzir e vender seus produtos, de forma autônoma3939. Pinho PH, Oliveira MAF, Vargas D, Almeida MM, Machado AL, Silva ALA, Colvero LA, Barros S. Reabilitação psicossocial dos usuários de álcool e outras drogas: a concepção de profissionais de saúde. Rev Esc Enferm USP 2009; 43(Esp. 2):1261-1266..
Tavares4040. Tavares CMM. O papel da arte nos centros de atenção psicossocial - CAPS. Rev Bras Enferm 2003; 56(1):35-39. elenca algumas possibilidades dos grupos e oficinas de base artística, considerando -os como potentes ferramentas terapêuticas, na medida em que favorecem a comunicação com o usuário e circulação de afetos, permitem a expressão de emoções e sentimentos, promovem a reabilitação, proporcionam novas experiências e possibilitam a construção subjetiva.
As oficinas de arte e cultura nos CAPS têm este papel, ao se apresentarem como dispositivos terapêuticos capazes de proporcionar, além da saúde mental, espaço de convivência e integração dos usuários com a sociedade, resultando em parcerias com espaços culturais no território, em que os participantes trabalhando com temas relacionados aos seus desejos, projetos e criações podem se reconhecer como sujeitos criativos, competentes e produtivos4141. Galvanese ATC, Nascimento AF, D'Oliveira AFPL. Arte, cultura e cuidado nos centros de atenção psicossocial. Rev Saude Publica 2013; 47(3):360-367..
O desfecho matriciamento foi encontrado como o principal objeto de estudo nas publicações a partir de 2010 e não sendo capturados antes deste período.
O apoio matricial é uma prática em que a equipe da saúde mental oferece suporte às equipes de Saúde da Família, promovendo a articulação dos serviços especializados em rede horizontalizada com vistas à interlocução mais profunda entre serviços de saúde, ao promover maior capilaridade das ações em saúde mental no território, articulando-se com outros setores sociais2323. Quinderé PHD, Jorge MSB, Franco TB. Rede de Atenção Psicossocial: qual o lugar da saúde mental? Revista de Saúde Coletiva 2014; 24(1):253-271..
Chiavagatti et al.4242. Chiavagatti FG, Kantorski LP, Willrich JQ, Cortes JM, Jardim VMDR, Rodrigues CGSS. Articulação entre Centros de Atenção Psicossocial e Serviços de Atenção Básica de Saúde. Acta Paul Enferm 2012; 25(1):11-17. observam que a articulação se estrutura basicamente na supervisão e capacitação das equipes e em um sistema de referência e contra referência, muitas vezes, mascarados sob a lógica dos encaminhamentos.
Nesse aspecto, destaca-se que para a efetuação do matriciamento é imprescindível a construção de redes de diálogo entre os serviços da rede de atenção. Tal responsabilidade cabe não apenas aos trabalhadores, mas também o empenho e envolvimento dos gestores públicos com vistas à efetivação da PNSM2727. Scheibel A, Ferreira LH. Acolhimento no CAPS: reflexões acerca da assistência em saúde mental. Revista Baiana de Saúde Pública 2011; 35(4):966-983..
A visita domiciliar (VD) é uma ferramenta no apoio matricial que pode ser utilizada conjuntamente entre a equipe da saúde da família e a equipe do CAPS. Sendo um dispositivo de cuidado tende a fortalecer vínculos e construir pontes entre sujeitos, serviços e sociedade. Embora citada em somente 05 dos artigos selecionados, é considerada como um importante mecanismo terapêutico, pois permite aos profissionais compreenderem a dinâmica familiar e a forma de inserção do usuário na família, além de oferecer apoio às famílias, valorizando-as na condução do tratamento, podendo ainda mediar melhor os conflitos entre eles1616. Pinho L, Hernández A, Kantorski L. Serviços substitutivos de saúde mental e inclusão no território: contradições e potencialidades. Cienc Cuid Saude 2010; 9(1):28-35.,3030. Kantorski L, Machado R, Lemões M, Quadros L, Coimbra V, Jardim V. Avaliação da estrutura e processo na visão dos familiares de usuários de saúde mental. Cienc Cuid Saude 2012; 11(1):173-180..
A literatura não questiona a importância da participação da família na proposta terapêutica e a considera como retaguarda para suportar os encargos do sofrimento mental, destacando que muitas vezes o sucesso decorre também da sua responsabilidade. A reinserção do usuário na comunidade e a retomada de suas atividades diárias são facilitadas quando os familiares acreditam na melhora na condição de saúde do usuário.
Wetzel et al.4343. Wetzel C, Schwartz E, Lange C, Pinho LB, Zillmer JGV, Kantorski LP. A inserção da família no cuidado de um centro de atenção psicossocial. Cienc Cuid Saude 2009; 8(Supl.):40-46 defendem que a família é a unidade cuidadora e sua inclusão é essencial para a proposta de reabilitação psicossocial, exigindo que a equipe se responsabilize por ela, pois é igualmente afetada pela condição da doença. No entanto, ainda há ausência de familiares nas atividades dos serviços, que pode estar relacionada às dificuldades em assumir a responsabilidade que lhe cabe no tratamento, o que se justifica pelo sentimento de sobrecarga em relação ao usuário33. Mielke FB, Kantorski LP, Jardim VMR, Olschowsky A. Avaliação de um serviço substitutivo em saúde mental. Cogitare Enferm 2009; 14(1):52-58..
É preciso compreender a família como parceira no enfrentamento e vivência da doença mental para além dos muros hospitalares, a fim de se evitar a fragmentação do cuidado, facilitar a continuidade e cumplicidade entre os envolvidos em todos os espaços sociais possíveis, indo ao encontro da proposta psicossocial de reabilitação4444. Schrank G, Olschowsky A. O centro de Atenção Psicossocial e as estratégias para inserção da família. Rev Esc Enferm USP 2008; 42(1):127-134.,4545. Lavall E, Olschowsky A, Kantorski LP. Avaliação de família: rede de apoio social na atenção em saúde mental. Rev Gaúcha Enferm 2009; 30(2):198-205..
Para a inclusão da família no tratamento, deve-se conhecer plenamente sua situação biográfica. Compreender a história da família pode ser uma potente estratégia da equipe do CAPS na atenção à saúde mental, podendo potencializar o enfrentamento das adversidades impostas no seu cotidiano, possibilitando-as caminhar de maneira menos dolorosa, superando momentos de crise3333. Camatta MW, Schneider JF. A visão da família sobre o trabalho de profissionais de saúde mental de um Centro de Atenção Psicossocial. Esc Anna Nery Rev Enferm 2009; 13(3):477-484..
O manejo em situações de crise foi mencionado em algumas publicações e tem implicação direta na qualidade de vida das pessoas, vez que diante de sofrimento intenso acaba por gerar desestruturação na vida psíquica, familiar e social do sujeito, acarretando ruptura com a realidade socialmente aceita. Os momentos de crise não se restringem apenas ao momento agudo em que os sintomas estão presentes, mas a um momento complexo que envolve a existência do sujeito com suas questões familiares, sociais, de relação e de afeto. Por isso é necessário a escuta que permita a expressão das subjetividades e intervenção que instrumentalize a pessoa a responder as situações desencadeantes da crise4646. Willrich JQ, Kantorski LP, Chiavagatti FG, Cortes JM, Pinheiro GW. Periculosidade versus cidadania: os sentidos da atenção à crise nas práticas discursivas dos profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial. Revista de Saúde Coletiva 2011; 21(1):47-64..
Esse momento exige apoio e cuidado intensivos, com responsabilidade e humanização, respeitando a individualidade e valorizando a subjetividade. A abordagem deve incluir, além da relação empática profissional/usuário, preocupações com o ambiente e torná-lo seguro para todos os presentes4646. Willrich JQ, Kantorski LP, Chiavagatti FG, Cortes JM, Pinheiro GW. Periculosidade versus cidadania: os sentidos da atenção à crise nas práticas discursivas dos profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial. Revista de Saúde Coletiva 2011; 21(1):47-64..
Estudo de Lima et al.4747. Lima M, Jucá VJS, Nunes MO, Ottoni VE. Signos, significados e práticas de manejo da crise em Centros de Atenção Psicossocial. Interface (Botucatu) 2012; 16(41):423-434., demonstrou que na crise o primeiro recurso de enfrentamento é a internação psiquiátrica, muitas vezes mediada pela polícia, fato questionável, visto que o vínculo eficaz e a escuta do sujeito possibilitam a estabilização do quadro crítico, sem o uso mandatório da medicação ou mesmo da força policial.
É percebido que o sentido de periculosidade presente no imaginário social e de alguns profissionais dificulta o atendimento adequado na crise. Torna-se necessário romper com tal lógica que coloca o louco como ameaçador4646. Willrich JQ, Kantorski LP, Chiavagatti FG, Cortes JM, Pinheiro GW. Periculosidade versus cidadania: os sentidos da atenção à crise nas práticas discursivas dos profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial. Revista de Saúde Coletiva 2011; 21(1):47-64..
É levantada a necessidade de investimento na formação para o atendimento de crises nos CAPS, introduzindo tecnologias para a clínica ampliada, que possibilitem que o usuário e sua família tenham suporte nesses momentos. Os profissionais reconhecem seu despreparo, gerando sentimentos de insegurança, medo e dificuldades nos processos de trabalho, pois o CAPS atende um público que pode a qualquer momento desencadear uma crise4848. Wetzel C, Kantorski LP, Olschowsky A, Schneider JF, Camatta MW. Dimensões do objeto de trabalho em um Centro de Atenção Psicossocial. Cien Saude Colet 2011; 16(4):2133-2143.,4949. Martinhago F, Oliveira WF. A prática profissional nos Centros de Atenção Psicossocial II (CAPS II), na perspectiva dos profissionais de saúde mental de Santa Catarina. Saúde em Debate 2012; 36(95):583-594..
Outros aspectos que dificultam o manejo das crises são abordados por Lima et al.4747. Lima M, Jucá VJS, Nunes MO, Ottoni VE. Signos, significados e práticas de manejo da crise em Centros de Atenção Psicossocial. Interface (Botucatu) 2012; 16(41):423-434. como falta de retaguarda e resistência de outros equipamentos de saúde para receber usuários nestes momentos, insuficiência da capacidade institucional para o atendimento de demanda por psicoterapia, além de dificuldades materiais e/ou afetivas, por parte das famílias. A não responsabilização pelas crises pode desencadear encaminhamentos do usuário para o hospital psiquiátrico, criando o risco de tornar o CAPS um equipamento complementar e paralelo a essa instituição, e não serviço substitutivo a estes4848. Wetzel C, Kantorski LP, Olschowsky A, Schneider JF, Camatta MW. Dimensões do objeto de trabalho em um Centro de Atenção Psicossocial. Cien Saude Colet 2011; 16(4):2133-2143..
Vale destacar a experiência de atendimento a crise em regime de internação parcial descrita por Willrich et al.5050. Willrich JQ, Kantorski LP, Chiavagatti FG, Cortes JM, Antonacci MH. Os sentidos construídos na atenção à crise no território: o Centro de Atenção Psicossocial como protagonista. Rev Esc Enferm USP 2013; 47(3):657-663., na qual o usuário em crise passa a noite no Hospital Geral e, durante o dia, é acompanhado pelo CAPS, configurando serviços capazes de atender às urgências e acolher os usuários em crise, tal como preconiza a PNSM.
A importância do trabalho e seus benefícios para o indivíduo também foram abordados por cinco pesquisas que compõem este estudo. O trabalho se configura como fator de inclusão social, que implica no exercício da cidadania e inserção no mercado de trabalho, distinto das ações humanistas, ou mesmo assistenciais e terapêuticas. A experiência de geração de renda se mostrou como possibilidade de intervir sobre o aspecto do trabalho no contexto da inclusão social, embora não tenha sido vislumbrado como uma meta, pois os profissionais de saúde consideram-se impotentes em promover ações nesse sentido5151. Leão A, Barros S. Inclusão e exclusão social: as representações sociais dos profissionais de saúde mental. Interface (Botucatu) 2011; 15(36):137-152..
Diante das dificuldades de inserção dos usuários dos serviços no mercado de trabalho formal surgiu, no cenário da reforma psiquiátrica brasileira, o trabalho protegido, constituindo-se em mais um recurso terapêutico que tem como finalidade a socialização, expressão e inserção social, por meio de oficinas com fins profissionalizantes5252. Moll MF, Saeki T. A vida social de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, usuárias de um centro de atenção psicossocial. Rev Latino-am Enfermagem 2009; 17(6):995-1000..
Assim, a atividade produtiva não é a finalidade do tratamento, mas um instrumento de intervenção, buscando a qualidade de vida transformada, na medida em que o trabalho apanha um significado articulador com o mundo, relacionado ao acesso à cidadania. O sujeito que trabalha, recebe remuneração no final do mês, assina ponto, experimenta novas relações sociais que indicam mudança interna e exercício intenso de enfrentamento de dificuldades e de aprendizagem5353. Silva ALA, Fonseca RMGS. O Projeto Copiadora do CAPS: do trabalho de reproduzir coisas à produção de vida. Rev Esc Enferm USP 2002; 36(4):358-366..
A questão do trabalho precisa ser resgatada, articulando-se a clínica com a compreensão do trabalho enquanto um direito e proposta concreta de reinserção social além do espaço físico dos CAPS5454. Rodrigues RC, Marinho TPC, Amorim P. Reforma psiquiátrica e inclusão social pelo trabalho. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 1):1615-1625..
Por fim, dentre as práticas desenvolvidas nos CAPS, a reunião de equipe foi apresentada na literatura como espaço formal da equipe técnica, de coordenação do trabalho, não apenas por sua regularidade, mas também por propiciar um local para o consórcio de todos os técnicos e por promover discussões que resultam em arranjos organizacionais que pautam a realização das atividades2121. Vasconcellos VC. Trabalho em equipe na saúde mental:o desafio interdisciplinar em um CAPS. SMAD, Revista eletrônica de Saúde Mental Álcool e Drogas 2010; 6(1).. Caracteriza-se por ser o espaço no qual se concretiza o trabalho interdisciplinar, sendo o local para discussão, diálogo entre os diferentes profissionais, buscando a interação sem a perda da especificidade, possibilitando olhar ampliado sobre o cuidado em saúde mental1111. Mielke FB, Kantorski LP, Jardim VMR, Olschowsky A, Machado MS. O cuidado em saúde mental no CAPS no entendimento dos profissionais. Cien Saude Colet 2009; 14(1):159-164..
As assembleias, por sua vez, consistem num espaço no qual usuário, familiares, profissionais e pessoas da comunidade têm oportunidade de manifestar-se abertamente sobre questões relativas ao serviço, possibilitando a participação e reintegração social66. Schneider JF, Camatta MW, Nasi C, Adamoli NA, Kantorski LP. Avaliação de um centro de atenção psicossocial brasileiro. Ciencia y Enfermeria 2009; XV (3):91-100.,3838. Teixeira Júnior S, Kantorski LP, Olschowsky A. O Centro de Atenção Psicossocial a partir da vivência do portador de transtorno psíquico. Rev Gaúcha Enferm. 2009; 30(3):453-460..
Dissonâncias na proposta de desinstitucionalização
Grande parte das publicações (63,1%) abordou as dissonâncias relativas à desinstitucionalização e cronicidade em Saúde Mental, ressaltando as dificuldades em relação ao território, aspecto que esbarra frontalmente com os princípios da Reforma Psiquiátrica.
Territorializar significa articular serviço com diferentes finalidades para auxiliar a reinserção social. Ao articular a concepção de rede ao da integralidade do cuidado, constata-se que a clínica da saúde mental se integra a um conjunto amplo de ações, que incluem a Atenção Básica, equipe de referência, apoio matricial, equidade, intersetorialidade e a participação da comunidade. Neste sentido, a rede de cuidado de saúde mental também depende dos avanços que cada região conseguiu adquirir1111. Mielke FB, Kantorski LP, Jardim VMR, Olschowsky A, Machado MS. O cuidado em saúde mental no CAPS no entendimento dos profissionais. Cien Saude Colet 2009; 14(1):159-164..
A literatura mostra que é relevante à problemática que envolve questões do território, as quais interferem diretamente nos processos de trabalho dos CAPS. A ausência ou pouca formação de redes sociais dificulta o estabelecimento do trabalho intersetorial, tornando as ações no território insuficientes1616. Pinho L, Hernández A, Kantorski L. Serviços substitutivos de saúde mental e inclusão no território: contradições e potencialidades. Cienc Cuid Saude 2010; 9(1):28-35.,5555. Leão A, Barros S. Território e Serviço Comunitário de Saúde Mental: as concepções presentes nos discursos dos atores do processo da reforma psiquiátrica brasileira. Saúde Soc. 2012; 21(3):572-586.,5656. Mielke FB, Olschowsky A, Pinho LB, Wetzel C, Kantorski LP. Avaliação qualitativa da relação de atores sociais com a loucura em um serviço substitutivo de saúde mental. Rev Bras Enferm 2012; 65(3):501-507..
Pinho et al.1616. Pinho L, Hernández A, Kantorski L. Serviços substitutivos de saúde mental e inclusão no território: contradições e potencialidades. Cienc Cuid Saude 2010; 9(1):28-35. descrevem como os profissionais percebem o quão contraditório é a situação do CAPS em relação ao território, pois, sendo um serviço que nasceu na comunidade, aproxima-se muito pouco dela. Neste sentido, reiteram que também é responsabilidade dos trabalhadores se encontrarem restritos ao espaço interno do serviço.
Embora os CAPS tenham o objetivo de substituir o hospital psiquiátrico, de forma a não reproduzir o modelo tradicional de atenção, ainda há mecanismos de institucionalização nestes serviços. Não é a mera abertura do serviço no território que produzirá a desinstitucionalização das práticas envolvidas pela cultura manicomial, mas o caráter das ações desenvolvidas por ele. Wetzel et al.4848. Wetzel C, Kantorski LP, Olschowsky A, Schneider JF, Camatta MW. Dimensões do objeto de trabalho em um Centro de Atenção Psicossocial. Cien Saude Colet 2011; 16(4):2133-2143. utilizam o termo enCAPSulados, ao se tratar do perigo da reprodução das velhas práticas nesses dispositivos de saúde. Alguns estudos discutem as justificativas desta situação como tentativa de proteger os usuários dos desafios impostos pela sociedade5555. Leão A, Barros S. Território e Serviço Comunitário de Saúde Mental: as concepções presentes nos discursos dos atores do processo da reforma psiquiátrica brasileira. Saúde Soc. 2012; 21(3):572-586.,5757. Pande MNR, Amarante PDC. Desafios para os Centros de Atenção Psicossocial como serviços substitutivos: a nova cronicidade em questão. Cien Saude Colet 2011; 16(4):2067-2076..
Há obstáculos e desafios para a inserção social, que vão sendo superados na medida em que as ações deixarem de ser realizadas exclusivamente dentro do CAPS, lembrando que o processo inclusivo se inicia fora de seus espaços5858. Lima M, Jucá VJS, Santos L. Produção de subjetividade e estratégias de inserção social para usuários em um Centro de Atenção Psicossocial, na Bahia. Mental 2011; IX(16):327-352..
Outro mecanismo institucionalizante apontado por alguns estudos foi a não adesão ao projeto de alta nos PTS. A alta não deve ser entendida como desassistência, mas como possibilidade de articulação com os serviços da rede que podem atender os usuários em suas necessidades, quando não for necessário o atendimento intensivo no CAPS. É primordial discutir com eles os benefícios e oportunidades que encontrará com a alta, pois é uma conquista do seu processo de reabilitação4848. Wetzel C, Kantorski LP, Olschowsky A, Schneider JF, Camatta MW. Dimensões do objeto de trabalho em um Centro de Atenção Psicossocial. Cien Saude Colet 2011; 16(4):2133-2143.,5959. Mielke FB, Kantorski LP, Olschowsky A, Jardim VMR. Características do cuidado em saúde mental em um CAPS na perspectiva dos profissionais. Trab Educ Saúde. 2011; 9(2):265-276..
A consciência e a crítica aos processos de institucionalização por parte dos profissionais é elemento de mudança necessário no processo de transformação do modelo de atenção à saúde mental5757. Pande MNR, Amarante PDC. Desafios para os Centros de Atenção Psicossocial como serviços substitutivos: a nova cronicidade em questão. Cien Saude Colet 2011; 16(4):2067-2076..
Os estudos apontam a necessidade do CAPS em transitar nos espaços comunitários, porque além de fortalecer a desmistificação do conceito de louco, mostra que é possível estar fora dos muros institucionais, possibilita conhecer os recursos e demandas da comunidade e instigando a sociedade a conhecê-lo5656. Mielke FB, Olschowsky A, Pinho LB, Wetzel C, Kantorski LP. Avaliação qualitativa da relação de atores sociais com a loucura em um serviço substitutivo de saúde mental. Rev Bras Enferm 2012; 65(3):501-507.,6060. Azevedo EB, Filha MOF, Araruna MHM, Carvalho RN, Cordeiro RC, Silva VCL. Práticas inclusivas extramuros de um Centro de Atenção Psicossocial: possibilidades inovadoras. Saúde em Debate 2012; 36(95):595-605..
Tal estratégia de inclusão auxilia o sujeito a lidar com seus medos, vergonhas e com a discriminação que lhe é imposta. A sociedade precisa aprender a conviver com estes usuários nas ruas e entendê-lo nas particularidades, sem excluí-lo. Isso favorecerá o exercício da sua autonomia, indo contra o risco da produção de uma nova cronicidade.
Evidencia-se que o CAPS por meio do trabalho da equipe tem alcançado resultados concretos, como redução das crises dos sujeitos e das internações psiquiátricas6161. Camatta MW; Schneider JF. O trabalho da equipe de um Centro de Atenção Psicossocial na perspectiva da família. Rev Esc Enferm USP 2009; 43(2):393-400..
Considerações finais
Este trabalho vai além da identificação dos processos de trabalho executados nos CAPS nos últimos 13 anos completos, no Brasil, devido seu caráter integrativo reúne vivência e saberes de profissionais difundidos por todo o território nacional com apontamentos que norteiam o redirecionamento das práticas assistências.
A avaliação do processo de trabalho acontece pelos relatos sobre a assistência, refletindo as atividades desenvolvidas na condução dos cuidados prestados em saúde mental, tomando consciência dos fatores intervenientes assistenciais. O que foi percebido devido aos artigos integrados neste estudo utilizarem a abordagem qualitativa, que dá voz aos autores em saúde mental, sejam eles usuários, familiares ou profissionais.
Diante deste estudo sugere-se mais publicações científicas nas temáticas: visita domiciliar, assembleias e reuniões de equipe, referência técnica, reinserção pelo trabalho e apoio matricial. Considerando que são importantes ferramentas do cuidado na atenção psicossocial. Ressaltamos que o apoio matricial é uma temática emergente o que explica as poucas publicações e orienta a necessidade de pesquisas.
A deficiente qualificação profissional, vínculos empregatícios precários e baixos salários estão difundidos em vários serviços de saúde mental do Brasil e são destacados em diversos trabalhos como fatores desestimuladores aos profissionais. Esta realidade demanda investimento científico e financeiro às equipes de trabalho, para que se sintam motivados na proposta da PNSM e tenham capacidade de ampliar as discussões para aperfeiçoamento da assistência e reflexão sobre os processos de trabalho desenvolvidos.
Familiares e usuários avaliam os Centros de Atenção Psicossocial positivamente, evidenciando que a proposta da PNSM vem sendo alcançada. As vivências retratadas pelos autores da saúde mental são relatadas como transformadoras de um modo de viver autônomo e inclusivo na sociedade. Contudo ainda há muito a aperfeiçoar neste processo de inclusão, destaca-se a reinserção dos usuários pelo trabalho e a articulação e efetivação da RAPS, integrando os serviços de saúde para melhor assistir os usuários e familiares da saúde mental.
Esta revisão aponta deficiências dos processos de trabalho que precisam ser pensadas pelos profissionais dos serviços, bem como pelas esferas gestoras, como a valorização das atividades psicossociais do CAPS, a fim de desconstruir a medicalização da assistência, o desenvolvimento do matriciamento, e investimento na realização de estudos que revelem a realidade da saúde mental no Brasil.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan 2018
Histórico
- Recebido
07 Out 2015 - Revisado
17 Dez 2015 - Aceito
19 Dez 2015