O livro “Atenção Primária à Saúde na coordenação do cuidado e Regiões de Saúde” foi organizado por pesquisadores da área das políticas, gestão e atenção à saúde. Trata-se de uma coletânea de textos que aborda o sistema de organização e prestação de assistência à saúde com foco em um dos atributos essenciais no nível dos cuidados primários: a coordenação do cuidado.
Conforme evidenciado ao longo dos capítulos, não há unanimidade acerca da conceituação deste atributo, uma vez que “coordenação do cuidado” compreende dimensões que ensejam diversas terminologias, tais como: colaboração, trabalho em equipe, continuidade do cuidado e gestão da doença, por exemplo. O ponto central é que, apesar da fluidez semântica, a coordenação do cuidado “traduz a ideia de unir o todo em uma perspectiva de harmonia ou esforço comum. Sem a coordenação, a longitudinalidade perderia muito de seu potencial e a integralidade seria dificultada” 11. Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília : Unesco, Brasil. Ministério da Saúde (MS) ; 2002 . . Dito de outro modo, os usuários de sistemas de saúde universais, como no caso dos brasileiros, necessitam de serviços de saúde conectados, interligados e eficazes. Está posto o cardápio de desafios a serem enfrentados por um país com dimensões continentais, com mais de 5 mil municípios, cuja população enfrenta diversificado processo de transição demográfica e epidemiológica.
Dividida em três partes, a obra apresenta um panorama sobre a organização dos sistemas de saúde em outros países, debatendo aspectos dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) (quais sejam, descentralização, regionalização e integralidade) e descreve estratégias que auxiliam no delineamento de estudos e pesquisas acerca da qualidade dos serviços prestados no âmbito dos cuidados primários à saúde, particularmente no âmbito municipal. Quanto aos aspectos metodológicos, os capítulos contemplaram desde reflexões teóricas sobre a organização e desempenho do sistema de saúde em nível primário, até a descrição de resultados de uma pesquisa avaliativa que coletou dados sobre os serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) e a Rede de Atenção à Saúde (RAS) em três municípios do estado da Bahia: Feira de Santana, Vitoria da Conquista e Santo Antônio de Jesus.
O fato de investigar a articulação das RAS em municípios de pequeno e médio porte de uma das unidades federadas do Brasil é um dos quesitos que merece destaque na organização da coletânea. De modo geral, como indicam os autores do quarto capítulo, em seu conjunto, as análises dos atributos da Atenção Primária à Saúde vêm sendo realizadas para os serviços de saúde presentes nos grandes centros urbanos.
O primeiro capítulo apresenta, comparativamente, os sistemas de saúde de três países europeus (Alemanha, Espanha e Inglaterra). Giovanella e Stegmüller descrevem características dos sistemas de saúde desses países que, assim como o brasileiro, se pretendem universais, e de modo semelhante enfrentam desafios em sua operacionalização e no financiamento das ações. Evidenciam que, assim como o SUS, os sistemas de saúde mencionados padecem com as normativas impostas pelo neoliberalismo e os ditames do Estado mínimo, entretanto, guardadas as devidas proporções, os recursos públicos aplicados por lá são, em média, o dobro daqueles investidos por aqui.
No segundo capítulo, Assis traça um panorama da APS no estado da Bahia, em perspectiva comparativa com o cenário nacional e introduz à segunda parte do livro, quando se apresentam os estudos de casos municipais. Em síntese, a autora comenta que, de modo geral, a oferta dos serviços de cuidados primários à saúde naquele estado não se diferencia de outras localidades do país, enfatizando que aspectos como acesso e resolutividade ainda não se consolidaram no nível primário do sistema de saúde.
Silva Junior e colaboradores apresentam no terceiro capítulo elementos para um debate sobre regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família (ESF). Partindo de ampla revisão de literatura, os autores apontam o modelo de APS adotado no Brasil (baseado na ESF) como dispositivo central no desenvolvimento da prestação de um cuidado articulado em redes, autogerido e autônomo. Para tanto, análises sobre alguns sistemas locais distribuídos pelo Brasil demonstraram a eficiência do modelo proposto, e também destacaram alguns entraves para a consolidação de medidas resolutivas, com destaque para falhas nos processos de governança clínica e de gestão.
A segunda parte do livro apresenta resultados de levantamentos que utilizaram métodos mistos de pesquisa. Foram aplicados questionários a uma amostra probabilística de usuários dos serviços primários de saúde, análise documental e entrevistas semiestruturadas realizadas com gestores municipais e profissionais de saúde de três municípios da Bahia (Feira de Santana, Vitoria da Conquista e Santo Antônio de Jesus). Os diferentes métodos e técnicas de pesquisas evidenciaram um conjunto de resultados que demonstraram a necessidade de fortalecimento dos serviços de Atenção Primária e da rede de atenção à saúde nas regiões analisadas.
Nos capítulos 6, 7 e 8 estão descritos resultados da pesquisa que buscou captar evidências da eficiência dos serviços de saúde em Feira de Santana, Vitoria da Conquista e Santo Antônio de Jesus, respectivamente, no contexto das regiões de saúde da Bahia. À época da coleta de dados (2013), mais da metade das populações desses municípios estava cadastrada por equipes de saúde. Apesar da notável expansão da ESF, os autores apontam que a presença dessa estratégia não tem demonstrado melhora da qualidade da prestação de cuidados, tampouco tem permitido que as equipes de saúde da família possam assumir a coordenação do cuidado. Segundo eles, o que se observou é reflexo dos processos de implantação reproduzidos em todo o país, marcados por “descontinuidade das ações, USF com espaço não adequado para realização de assistência, sobrecarga de trabalho assistencial, perfil inadequado de alguns profissionais, deficiência/ausência de material de suporte para diferentes atividades”.
Os dois capítulos da terceira parte trazem reflexões sobre as expectativas do que é desejável no processo de cuidar, nas etapas que envolvem o intrínseco relacionamento entre profissional-usuário e como os serviços devem se preparar para manejar essa relação. Franco problematiza questões éticas acerca do “trabalho vivo”, enfatizando a autonomia dos usuários e o poder de decisão daqueles que são alvo dos planos assistenciais, cenários onde imperam pactuações e negociações entre os “prestadores de serviço” e “consumidores”. O autor esclarece que a construção de redes de cuidado não se processa de modo cartesiano, e que, portanto, não há um modelo a ser seguido. O que se espera é que se tenha desejo de ambas as partes (profissionais e usuários dos serviços) para que ambos sigam na direção do estabelecimento da terapêutica mais adequada.
Almeida e Santos encerram o volume com um capítulo no qual sintetizam o atributo da APS, centralmente debatido ao longo da obra, qual seja, a coordenação do cuidado que possui como característica elevada abrangência, item indispensável para um debate sincero entre a gestão, os cuidadores e os usuários do sistema de saúde. Elencam um conjunto de sugestões que, para eles, resumem as recomendações para que as redes de atenção regionalizadas operem no sentido de alcançar resultados positivos para a coordenação do cuidado. Dentre eles, destacam-se: valorização dos profissionais das equipes, sobretudo Agentes Comunitários e enfermeiros; maior empenho dos atores envolvidos com as instâncias do controle social e nas representações deliberativas junto aos poderes executivo e legislativo; e divulgações permanentes sobre o papel dos usuários nos serviços, em busca de autonomia e responsabilidade pelo processo terapêutico.
Da leitura desta coletânea, pode-se apreender sobre a preocupação dos autores em demonstrar a perenidade e atualidade da temática das Redes de Atenção em Saúde, sob a égide dos atributos da Atenção Primária, com foco na coordenação do cuidado. Material fundamental para profissionais envolvidos nas equipes de saúde, gestores e usuários do SUS, além de importante fonte para estudantes dos cursos de saúde. O sistema de saúde vigente no Brasil tem menos de três décadas, e se considerarmos a imensurável diversidade regional e as necessidades em saúde dos grupos populacionais, aludimos sobre a importância dos estudos avaliativos e das constantes reflexões para que o SUS se torne cada vez mais consolidado e resolutivo.
O recado é simples, mas o caminho é complexo: qualidade de vida e bem-estar social são conquistados ao longo de nossas trajetórias de vida. Do mesmo modo, o SUS e a APS precisam se articular e estabelecer “redes” para que sejam longevos e plenos, capazes de coordenar o cuidado prestado aos brasileiros, desde às grandes metrópoles até os mais distantes locais do interior do país.
Referências
- 1Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília : Unesco, Brasil. Ministério da Saúde (MS) ; 2002 .
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Dez 2018