Resumo
O presente artigo busca avaliar o consumo alimentar de trabalhadores bancários e sua associação com fatores socioeconômicos, comportamentais e laborais. Trata-se de um estudo transversal com 515 bancários. Para avaliar o consumo alimentar foi utilizado Questionário de Frequência Alimentar semiquantitativo, empregando-se a análise de componentes principais com rotação varimax para determinação dos padrões alimentares. Foram identificados três padrões alimentares: “hortaliças, frutas, cereais e tubérculos”, “doces e petiscos” e “tradicional e proteico”. Constatou-se que os indivíduos que não consumiam adoçantes possuíam mais chances de aderirem ao padrão “hortaliças, frutas, cereais e tubérculos” e menos chances de aderirem aos padrões “doces e petiscos” e “tradicional e proteico”. Os bancários, que raramente comiam em restaurante, tinham três vezes mais adesão ao “doces e petiscos”. Entretanto, os que consumiam temperos industrializados e os que relataram receber baixo apoio social tinham, respectivamente, 2,3 e 1,5 vezes mais chances de aderirem ao “tradicional e proteico”. Conclui-se que o consumo alimentar de bancários não está relacionado às condições sociodemográficas destes indivíduos, estando associado a estes padrões alimentares, o comportamento e a percepção do apoio social recebido.
Palavras-chave
Padrões alimentares; Consumo alimentar; Trabalhadores
Introdução
A partir da segunda metade do século XX, foi possível observar mudanças no padrão alimentar brasileiro, entre as quais encontra-se o alto consumo de alimentos ultraprocessados e a redução na ingestão de frutas, verduras e do tradicional arroz com feijão11 Monteiro CA, Mondini L, Levy-Costa RB. Mudanças na composição e adequação nutricional da dieta familiar nas áreas metropolitanas do Brasil (1988-1996). Rev Saude Publica 2000; 34(3):251-258.,22 Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, Moubarac J-C, Cannon G, Monteiro CA. Alimentos ultraprocessados e perfil nutricional da dieta no Brasil. Rev Saude Publica 2015; 49:38., além do maior gasto com o consumo de alimentos fora do domicílio33 Diez Garcia RW. Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Rev Nutr 2003; 16(4):483-492.,44 Bezerra IN, Verly Junior E, Pereira RA, Sichieri R. Away-from-home eating: nutritional status and dietary intake among Brazilian adults. Public Health Nutr 2013; 18(6):1011-1017..
Em paralelo às alterações dos padrões alimentares, constata-se um aumento no número de indivíduos obesos e com sobrepeso e uma redução do baixo peso e de algumas carências nutricionais55 Batista Filho M, Rissin A. Transição nutricional no Brasil: tendências regionais e temporais. Cad Saude Publica 2003; 19(Supl. 1):S181-S191.. É importante destacar que as mudanças ocorridas no padrão alimentar brasileiro estão intimamente ligadas à transição nutricional, visto que o declínio da qualidade nutricional dos alimentos, em detrimento do consumo de produtos de alta densidade energética, levou ao ganho de peso corporal sem a ingestão adequada de nutrientes66 Soares LR, Pereira MLC, Mota MA, Jacob TA, Nakaoka VY, Kashiwabara TGB. A transição da desnutrição para a obesidade. Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research 2014; 5(1):64-68..
Nesse cenário epidemiológico e nutricional, também ocorreram transformações estruturais e tecnológicas no processo produtivo e no trabalho de distintas categorias profissionais, entre as quais destacam-se os bancários77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde. Brasília: MS; 2001.. Esta profissão é reconhecida por ser altamente afetada por doenças laborais, uma vez que o cotidiano de trabalho é marcado pela alta demanda de serviços. Além disso, a ansiedade e a pressão relacionadas às atividades podem interferir em suas escolhas alimentares e em seu padrão de saúde88 Araújo MPN, Costa-Souza J, Trad LAB. A alimentação do trabalhador no Brasil: um resgate da produção científica nacional. História, Ciências, Saúde - Manguinhos 2010; 17(4):975-992..
Vale ressaltar que a saúde do trabalhador, segundo Minayo99 Minayo MCS. A saúde em estado de choque. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo; 1992., é resultado das combinações entre habitação adequada, renda, emprego, transporte e alimentação. Contudo, estudos que empregam metodologias específicas à análise do consumo alimentar em grupos de trabalhadores ainda são escassos, especialmente em bancários. Este fato é preocupante, tendo em vista que as mudanças alimentares que acompanham a transição nutricional no Brasil culminam no aumento da prevalência do excesso de peso e obesidade e das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)66 Soares LR, Pereira MLC, Mota MA, Jacob TA, Nakaoka VY, Kashiwabara TGB. A transição da desnutrição para a obesidade. Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research 2014; 5(1):64-68.. Este perfil de morbidade afeta a população em idade produtiva, podendo gerar impacto nas condições de emprego e salário, bem como na saúde dos trabalhadores, ocasionando onerosos custos à saúde pública, às empresas contratantes e à previdência social1010 Oliveira JRG, Bianchin O, Sampaio AA, Baez MAC, Leão Júnior CM. Perfil do estilo de vida relacionado à saúde dos bancários de Sorriso - MT. Revista científica JOPEF 2012; 13(1):249-258..
Dessa forma, o objetivo do presente trabalho foi avaliar o consumo alimentar de bancários por meio da Análise de Componentes Principais (ACP) e sua associação com fatores socioeconômicos, características comportamentais e laborais, buscando identificar os fatores associados ao consumo alimentar de trabalhadores com jornadas e cargas de trabalho intensas.
Métodos
Desenho do estudo e participantes
Trata-se de um estudo observacional transversal, cujos dados foram derivados de uma investigação sobre síndrome metabólica, resistência à insulina e fatores associados em bancários1111 Salaroli LB, Saliba RAD, Zandonade E, Molina MCB, BissoliI NZ. Prevalence of metabolic syndrome and related factors in bank employees according to different defining criteria, Vitória/ES, Brazil. Clinics 2013; 68(1):69-74.. A amostra aqui analisada foi constituída por funcionários de uma rede bancária do estado do Espírito Santo, com idade entre 20 e 64 anos, de ambos os sexos, que trabalhassem na região da Grande Vitória e estivessem em plena atividade laboral durante o período de coleta (agosto de 2008 a agosto de 2009).
Para o cálculo do tamanho amostral, considerou-se como população do estudo todos os 1.410 bancários da instituição pesquisada, com prevalência esperada de consumo nutricional inadequado de aproximadamente 50%, nível de significância de 5%, erro amostral de 6% e efeito do desenho igual a dois (efeito dos conglomerados das agências), tendo 450 funcionários como tamanho mínimo da amostra.
Medidas
Os dados foram coletados por meio de um questionário estruturado, aplicado por entrevistadores treinados, cujas variáveis independentes são descritas a seguir. A variável dependente foi o consumo alimentar, representado por padrões alimentares.
As variáveis sociodemográficas utilizadas neste estudo foram: sexo; faixa etária, categorizada em “até 30 anos”, “entre 30 e 50 anos” e “mais de 50 anos”; raça/cor, categorizada em “branca” e “não branca”; escolaridade, classificada em “ensino fundamental e médio” e “ensino superior e pós-graduado”; estado civil, categorizado em “vive maritalmente”, “solteiro” e “separado/divorciado/viúvo”; e classe socioeconômica, estabelecida de acordo com o critério de classificação econômica do Brasil1212 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Economic Classification Criteria Brazil (ECCB). São Paulo: 2003. [acessado 2015 Nov 29]. Disponível em: http://www.abep.org/novo/Content.aspx?ContentID=302
http://www.abep.org/novo/Content.aspx?Co... e categorizada em “A + B” e “C + D + E”.
Os trabalhadores bancários caracterizam-se por uma formação generalista e polivalente e ritmo de trabalho intenso, devido aos avanços tecnológicos. Funcionários com jornada de trabalho de até 6 horas/dia possuem menos de uma hora de intervalo para a realização das refeições. Além disto, parte dos bancários realizam atendimento direto ao cliente, o que os difere dos cargos nas unidades administrativas. Por se tratar de uma rede bancária da região metropolitana, há também a necessidade de deslocamento entre cidades para chegar ao local de trabalho. Dessa forma, as características do trabalho foram avaliadas mediante a investigação do tempo de intervalo para almoço, de morar na mesma cidade que trabalha, do estresse ocupacional e do apoio social recebido. Para determinação do “estresse ocupacional” e do “apoio social”, utilizou-se a versão reduzida e adaptada para o Brasil do Job Stress Scale1313 Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL, Lopes CS. Versão resumida "job stress scale": adaptação para o português. Rev Saude Publica 2004; 38(2):164-171., de acordo com o modelo demanda-controle de Karasek e Theorell1414 Karasek R, Theorell T. Healthy work: stress, productivity and the reconstruction of working life. New York: Basic Books; 1990., classificando o indivíduo em “estressado” (alto desgaste e trabalho passivo) e “não estressado” (trabalho ativo e baixo desgaste)1515 Petarli GB, Zandonade E, Salaroli LB, Bissoli NS. Estresse ocupacional e fatores associados em trabalhadores bancários, Vitória - ES, Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20(2):3925-3934.. Para a definição do “apoio social”, procedeu-se o estabelecimento da mediana dos escores desta dimensão, categorizando em alto apoio social escores > 22, e baixo apoio social escores ≤ 221515 Petarli GB, Zandonade E, Salaroli LB, Bissoli NS. Estresse ocupacional e fatores associados em trabalhadores bancários, Vitória - ES, Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20(2):3925-3934..
As variáveis comportamentais incluem o hábito de fumar, o de beber e o de fazer atividade física, além de hábitos alimentares como: substituir o almoço por lanches, de comer em restaurante, de fazer uso de adoçante, de utilizar o saleiro à mesa, de consumir temperos industrializados, além de quantas refeições realiza diariamente. As perguntas a respeito dos hábitos alimentares foram adaptadas do questionário da Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) e foram categorizadas conforme a frequência autorreferida. Foram classificados como fumantes os indivíduos que fazem uso do tabaco, independentemente da quantidade ou frequência de consumo. O nível de atividade física foi determinado pela versão longa do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) validado para a população brasileira1616 Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC, Braggion G. Internacional physical activity questionnaire (IPAQ): study of validy and reliability in Brazil. Rev Bras Ativ Fís Saúd 2001; 6(2):5-18., sendo considerados indivíduos suficientemente ativos aqueles que relataram no mínimo 150 minutos de atividades com frequência ≥ 5 dias/semana1717 Centro de estudos do laboratório de aptidão física de São Caetano do Sul (CELAFISCS). Classificação do nível de atividade física - IPAQ. [acessado 2015 Nov 24]. Disponível em: http://www.celafiscs.institucional.ws/?c=148
http://www.celafiscs.institucional.ws/?c... nas sessões referentes ao lazer e ao transporte1818 Hallal PC, Gomez LF, Parra DC, Lobelo F, Mosquera J, Florindo AA, Gomez LF, Hallal PRC. Lições Aprendidas depois de 10 Anos de uso do IPAQ no Brasil e Colômbia. J Phys Act Health 2010; 7(2):259-264..
Para avaliar o consumo alimentar, foi utilizado o Questionário de Frequência Alimentar semiquantitativo (QFA) desenvolvido por Sichieri e Everhart1919 Sichieri R, Everhart JE. Validity of a Brazilian food frequency questionnaire against dietary recalls and estimated energy intake. Nutrition Research 1998; 18(10):1649-1659., validado para adultos brasileiros.
Inicialmente, os valores do QFA foram transformados em frequências diárias segundo Cade et al.2020 Cade J, Thompson R, Burley V, Warm D. Development, validation and utilization of food frequency questionnaires. Public Health Nutr 2002; 5(4):567-587.. Após obter os valores diários de cada alimento, os nutrientes foram aferidos com a utilização da máscara de avaliação dos nutrientes validados por Sichieri e Everhart1919 Sichieri R, Everhart JE. Validity of a Brazilian food frequency questionnaire against dietary recalls and estimated energy intake. Nutrition Research 1998; 18(10):1649-1659.. Com a obtenção dos valores dos nutrientes, os participantes que apresentaram consumo de energia ≤ 500 Kcal e > 6.000 Kcal foram excluídos da avaliação, uma vez que tais valores não indicam o consumo habitual do indivíduo2121 Willett, W. Nutritional Epidemiology. 3rd ed. New York: Oxford University Press; 2013, v. 40, IX.. Em seguida, foi realizado o ajuste pela energia, empregando o método residual, que corrige as estimativas de nutrientes pela ingestão de energia total2222 Olinto MTA. Padrões alimentares: análise de componentes principais. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Editora Atheneu; 2007. p. 213-225..
A determinação dos padrões alimentares dos bancários foi realizada pela Análise de Componentes Principais (ACP). Distintas metodologias podem ser aplicadas ao se analisar o consumo alimentar. Entre elas, encontra-se a análise de forma quantitativa por Padrões Alimentares. Este procedimento é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)2323 World Health Organization (WHO). Report of a Joint FAO/WHO Consultation. Preparation and use of food-based dietary guidelines. Geneva: WHO; 1998., uma vez que possibilita a apresentação de perfis alimentares ao invés de nutrientes isolados, demonstrando as complexas combinações químicas que podem ser adversas, competir ou alterar a biodisponibilidade de outros compostos ou nutrientes2323 World Health Organization (WHO). Report of a Joint FAO/WHO Consultation. Preparation and use of food-based dietary guidelines. Geneva: WHO; 1998.,2424 Neumann AICP, Martins IS, Marcopito LF, Araujo EAC. Padrões alimentares associados a fatores de risco para doenças cardiovasculares entre residentes de um município brasileiro. Pan Am J Public Health 2007; 22(5):329-339..
A princípio, a adequação do tamanho da amostra foi avaliada, tendo em vista a relação indivíduos/itens alimentares, a qual deve ser cinco vezes maior que o número total de indivíduos da amostra2222 Olinto MTA. Padrões alimentares: análise de componentes principais. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Editora Atheneu; 2007. p. 213-225..
A fim de identificar os padrões alimentares, foram excluídos 3 itens (chicória, mate e bebidas alcóolicas, exceto cerveja e vinho) por apresentarem uma frequência de consumo inferior a 10%2525 Souza AM, Pereira RA, Yokoo E, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica 2013; 47(Supl. 1):S190-S199., ou seja, por não fazerem parte da dieta habitual desse grupo de trabalhadores. De tal modo, utilizou-se as 77 variáveis para análise da consistência interna das dimensões do QFA, sendo considerado aceitável um índice alpha de Cronbach ≥ 0,502626 Hair Jr JS, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2009..
Após a validade da consistência interna do QFA, foi realizada a matriz de correlação entre as 77 variáveis. Estas foram agrupadas e classificadas em 39 grupos (Tabela 1), de acordo com as suas características nutricionais e a correlação de Pearson entre os seus itens alimentares2525 Souza AM, Pereira RA, Yokoo E, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica 2013; 47(Supl. 1):S190-S199..
Tabela de grupos de alimentos segundo características nutricionais e Correlação de Pearson do Questionário de Frequência Alimentar semiquantitativo, utilizados para Análise de Componentes Principais.
Posteriormente, foi avaliada a aplicabilidade do método de ACP mediante os testes do coeficiente de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e da esfericidade de Bartlett (Bartlett’s test of sphericity, BTS). Ambos os testes indicam a adequação dos dados à análise fatorial e verificam a adequação do modelo para o grupo estudado, sendo os pontos de corte de avaliação > 0,6 para o KMO e p < 0,001 para o BTS2222 Olinto MTA. Padrões alimentares: análise de componentes principais. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Editora Atheneu; 2007. p. 213-225..
O número de fatores a serem extraídos na análise foi definido pelo teste de Lebart, baseado no teste gráfico de Cattel, que traça uma reta entre os autovalores e os fatores em sua ordem de extração. Os valores localizados antes do ponto de inflexão da reta indicaram o número de fatores a serem retidos2222 Olinto MTA. Padrões alimentares: análise de componentes principais. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Editora Atheneu; 2007. p. 213-225.,2626 Hair Jr JS, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.. Para a determinação dos padrões alimentares, foi realizado, primeiramente, um modelo de análise sem fixar o número de padrões. Em seguida, após a análise do gráfico de Cattel, o segundo modelo foi construído fixando o número de padrões a serem retidos.
Para a obtenção de fatores não correlacionados entre si, foi aplicada a análise fatorial aos 39 grupos de alimentos, selecionando-se a rotação ortogonal varimax para a extração dos fatores, visto que esta é a técnica mais empregada para determinação de padrões alimentares2222 Olinto MTA. Padrões alimentares: análise de componentes principais. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Editora Atheneu; 2007. p. 213-225.,2626 Hair Jr JS, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2009..
Alimentos ou grupos de alimentos cujas cargas de saturação do fator ficaram acima de 0,3 foram avaliados como tendo uma forte associação com o componente, fornecendo melhor informação para a descrição de um padrão alimentar2525 Souza AM, Pereira RA, Yokoo E, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica 2013; 47(Supl. 1):S190-S199.. Os padrões foram nomeados com base na interpretabilidade e nas características dos itens retidos em cada padrão, sendo que os itens que apresentavam maior carga fatorial foram os que mais influenciaram na interpretação e denominação dos fatores2222 Olinto MTA. Padrões alimentares: análise de componentes principais. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Editora Atheneu; 2007. p. 213-225..
Análise estatística
Para descrever as variáveis de estudo, foram utilizadas medidas de tendência central (média e mediana); e medidas de dispersão (desvios-padrão e intervalo interquartílico) para as variáveis contínuas. Já para as variáveis categóricas, foram utilizadas percentuais.
A análise da aderência da distribuição das variáveis quantitativas à distribuição normal foi realizada com o teste estatístico Komolgorov-Smirnov.
Para variáveis qualitativas, foi utilizado o teste de associação pelo qui-quadrado. Quando os valores esperados nas células da tabela eram inferiores a cinco ou quando a soma do valor da coluna era menor que vinte, foi utilizado o teste exato de Fisher.
Para uma variável quantitativa e outra qualitativa, foi utilizado o teste U de Mann-Whitney, devido à anormalidade das variáveis. Quando a variável qualitativa possuía três ou mais categorias, foi realizada a comparação entre as médias pelo teste de Kruskal-Wallis (utilizando o Teste U de Mann-Whitney, dois a dois, para identificar as diferenças).
O modelo de regressão logística binária foi utilizado para testar associações entre os padrões alimentares e as variáveis sociodemográficas, comportamentais e laborais. Os padrões alimentares foram classificados segundo a mediana dos escores fatoriais, utilizando-se como referência o grupo acima da mediana. As variáveis que tiveram até 10% de significância na análise univariada foram inseridas no modelo de regressão logística.
Para todas as análises, o nível de significância adotado foi de α ≤ 5%. Essas análises foram realizadas por meio do programa estatístico IBM SPSS Statistics 22.
Questões éticas
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Todos os indivíduos autorizaram a participação mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Resultados
Como forma de compensar possíveis perdas, considerou-se todos os 525 bancários sorteados aleatoriamente para o projeto original. Dos 525 bancários convidados a participar do estudo, 518 (98,6%) completaram todo o questionário, sendo que três indivíduos não responderam ao QFA e três indivíduos apresentaram consumo calórico superior aos valores plausíveis de uma dieta habitual, o que configurou a remoção destes indivíduos das análises. Portanto, a amostra final foi de 515 indivíduos.
A maioria dos indivíduos estava na faixa etária de 31 a 50 anos (61,5%, n = 317), era da classe socioeconômica A e B (55,5%, n = 286), brancos (57,7%, n = 297), com nível de escolaridade elevado (ensino superior e pós-graduação, 74%, n = 381) e viviam maritalmente (64,4%, n = 331). O hábito de consumir bebidas alcóolicas foi relatado por 62,5% (n = 322) da amostra. O tabagismo esteve presente em 9,5% dos trabalhadores (n = 49), sendo que 23,8% (n = 122) afirmaram já ter sido fumantes e 65,8% (n = 339) eram insuficientemente ativos.
A adequação da amostra para aplicação da ACP foi de 6,43 indivíduos/itens alimentares. O Índice alpha de Cronbach do QFA foi de 0,548. O resultado do teste de KMO foi de 0,606 e o valor de p do teste de BTS foi < 0,001. Tais dados indicaram a adequação dos dados à análise fatorial, recomendando a aplicação da ACP2525 Souza AM, Pereira RA, Yokoo E, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica 2013; 47(Supl. 1):S190-S199.
26 Hair Jr JS, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.-2727 Leal D. Crescimento da alimentação fora do domicílio. Segurança Alimentar e Nutricional 2010; 17(1):123-132..
Três fatores foram extraídos na análise com base no ponto de inflexão da reta no gráfico de Cattel. Após a análise fatorial rotacionada, foram gerados três padrões alimentares, representando o consumo alimentar da população em estudo (Tabela 2). Os alimentos ou grupos de alimentos cujas cargas de saturação ficaram acima de 0,3 foram avaliados como fortemente associados ao componente. A variância total explicada pelos fatores foi de 19,16%. Pertenciam a cada padrão alimentar identificado:
Tabela de distribuição das cargas fatoriais dos alimentos/grupos de alimentos dos três padrões alimentares identificados para bancários.
Padrão 1: Hortaliças, frutas, cereais e tubérculos: repolho, cenoura, couve e pepino; abóbora, abobrinha, quiabo, chuchu, couve-flor, beterraba e vagem; alface; tomate; mamão, maçã, pera, melancia, goiaba, manga, abacaxi e uva; laranja; mandioca, polenta, batata inglesa cozida e inhame; cebola, alho e pimentão.
Padrão 2: Doces e petiscos: lentilha; bolo, sorvete, chocolate, pudim, balas e chocolate em pó; pizza; salgados; peixe, peixe enlatado e camarão; vinho; vísceras; abacate.
Padrão 3: Tradicional e proteico: arroz, feijão, carne de porco, carne bovina com osso e bife bovino, salsicha, ovos, batata frita, hambúrguer, bacon e maionese, pão doce e pão de sal, manteiga/margarina.
O componente “batata frita, hambúrguer, bacon e maionese” possuiu carga fatorial alta negativa no grupo “hortaliças, frutas, cereais e tubérculos”, demonstrando que os indivíduos deste primeiro padrão alimentar possuem muito baixo consumo desse tipo de alimento. Já alimentos com carga fatorial (correlação do alimento com o fator) ≤ 0,3 em um componente foram considerados de baixa correlação, não tendo participado da composição de nenhum padrão alimentar, o que possibilita considerá-los como alimentos de consumo igualitário entre todos os indivíduos. São eles: “macarrão”, “banana”, “leite, queijo e requeijão”, “café”, “açúcar”, “biscoito salgado e biscoito doce”, “refrigerante”, “maracujá e limão”, “frango”, “milho verde”, “farinha”, “cerveja” e “suco”.
Ao avaliar a associação da mediana dos escores fatoriais dos padrões alimentares e as variáveis estudadas (Tabela 3 e 4), foram identificadas diferenças estatísticas em relação à escolaridade, ao trocar o almoço por lanche, ao comer em restaurante, ao número de refeições feitas ao dia, ao uso de adoçante, ao uso do saleiro à mesa, ao uso de temperos industrializados e ao nível de apoio recebido. Em relação ao padrão “hortaliças, frutas, cereais e tubérculos”, foram identificadas diferenças estatísticas em relação ao hábito de trocar o almoço por lanche, de usar adoçante, de consumir temperos industrializados e ao número de refeições ao dia. No padrão dos “doces e petiscos”, os fatores foram associados ao hábito de trocar o almoço por lanche, de comer em restaurante, de usar adoçante, de usar saleiro à mesa, de consumir temperos industrializados e à escolaridade. Já o padrão alimentar “tradicional e proteico” esteve associado às refeições ao dia, ao uso de adoçantes, ao consumo de temperos industrializados e ao nível de apoio social.
Associação da mediana dos escores fatoriais dos padrões alimentares e características sociodemográficas de trabalhadores bancários.
Associação da mediana dos escores fatoriais dos padrões alimentares e as características comportamentais e de trabalho de bancários.
Após a análise de regressão logística (Tabela 5), a associação do padrão “hortaliças, frutas, cereais e tubérculos” com o uso de adoçantes foi mantida, sendo que os indivíduos que não consumiam adoçantes possuíam 1,83 vezes mais chances de aderirem a este padrão alimentar (IC 1,247-2,591). De maneira diferente, o não consumo de adoçantes foi associado a uma menor chance de adesão ao padrão “doces e petiscos” (OR 0,641, IC 0,44-0,934) e ao padrão “tradicional e proteico” (OR 0,459, IC 0,317-0,665).
Regressão logística binária, considerando as variáveis associadas aos padrões alimentares de trabalhadores bancários.
Os bancários que raramente comiam em restaurante tinham quase três vezes mais chances de maior adesão ao padrão “doces e petiscos” (OR 2,9, IC 1,522-5,558). Entretanto, os que não consumiam temperos industrializados e os que relataram receber baixo apoio social tinham, respectivamente, 2,3 e 1,5 vezes mais chances de aderirem ao padrão “tradicional e proteico”.
Discussão
Os padrões alimentares identificados neste estudo caracterizam de forma interessante o consumo alimentar dos bancários, tanto pela variedade de alimentos consumidos quanto por estarem em consonância com os alimentos disponíveis nas regiões urbanizadas em que estes profissionais estão inseridos33 Diez Garcia RW. Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Rev Nutr 2003; 16(4):483-492.,2727 Leal D. Crescimento da alimentação fora do domicílio. Segurança Alimentar e Nutricional 2010; 17(1):123-132.. O padrão “hortaliças, frutas, cereais e tubérculos” pode ser considerado o padrão mais saudável entre a classe trabalhadora investigada. Já o padrão “doces e petiscos” caracteriza os funcionários que consomem mais lanches ao invés de realizar as grandes refeições (almoço e jantar). Por fim, o grupo “tradicional e proteico” engloba os indivíduos que consomem pratos comuns, com a ingestão de feijão e arroz, além de fast foods e carnes e derivados.
Nas últimas décadas, o ato de se alimentar modificou-se, em grande medida, devido ao pouco tempo destinado ao preparo, escolha e consumo dos alimentos88 Araújo MPN, Costa-Souza J, Trad LAB. A alimentação do trabalhador no Brasil: um resgate da produção científica nacional. História, Ciências, Saúde - Manguinhos 2010; 17(4):975-992.. Esse comportamento pode ser observado no cotidiano de muitos trabalhadores que possuem sobrecarga de tarefas, metas a serem alcançadas e jornadas de trabalho extenuantes, como no caso dos bancários2828 Nagler EM, Viswanath K, Ebbeling CB, Stoddard AM, Sorensen GC. Correlates of fruit and vegetable consumption among construction laborers and motor freight workers. Cancer Causes Control 2013; 24(4):637-647.. Além disso, grande parte das unidades bancárias estão localizadas em centros urbanos que funcionam como polos gastronômicos que oferecem uma enorme variedade de alimentos, o que pode contribuir com a oferta de refeições estilo “prato feito” e de panificação e confeitaria2424 Neumann AICP, Martins IS, Marcopito LF, Araujo EAC. Padrões alimentares associados a fatores de risco para doenças cardiovasculares entre residentes de um município brasileiro. Pan Am J Public Health 2007; 22(5):329-339..
Convém ressaltar que, decorrente desta grande oferta alimentícia, muitos alimentos apresentaram consumo equalitário entre estes trabalhadores, não saturando em nenhum padrão alimentar. Tais alimentos estão disponíveis em diferentes versões e teores nutricionais, podendo compor padrões alimentares mistos1919 Sichieri R, Everhart JE. Validity of a Brazilian food frequency questionnaire against dietary recalls and estimated energy intake. Nutrition Research 1998; 18(10):1649-1659., além de terem alto consumo entre a população brasileira, como no caso do café e da banana2525 Souza AM, Pereira RA, Yokoo E, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica 2013; 47(Supl. 1):S190-S199..
Alves et al.2929 Alves ALS, Olinto MTA, Costa JSD, Bairros FS, Balbinotti MAA. Padrões alimentares de mulheres adultas residentes em área urbana no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2006; 40(5):865-873. analisaram mulheres de 20 a 60 anos, residentes na zona urbana de São Leopoldo/RS/BR, e identificaram, de forma semelhante ao presente estudo, que padrões alimentares com alimentos típicos, como pão e feijão, saturaram também com alimentos ricos em colesterol, gordura saturada e carboidratos simples. Tal fato pode ser justificado pelo consumo de alimentos que deveriam ser consumidos com moderação, como as frituras, juntamente com alimentos tradicionais2929 Alves ALS, Olinto MTA, Costa JSD, Bairros FS, Balbinotti MAA. Padrões alimentares de mulheres adultas residentes em área urbana no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2006; 40(5):865-873.. Além disto, o consumo de alimentos típicos por bancários não saturou no padrão das “hortaliças, frutas, cereais e tubérculos”, fato que está em consonância com a atual alimentação da população brasileira, caraterizada pela baixa ingestão de frutas e hortaliças, apesar da manutenção do hábito de consumo de arroz e feijão por grande parte da população.
Ao analisar a conformidade dos padrões alimentares dos bancários com as demais pesquisas que aplicaram a metodologia de ACP para o estudo do consumo alimentar, foram identificadas semelhanças em seus resultados, uma vez que é constante o aparecimento de grupos com alimentos tradicionais, alimentos reconhecidos como mais saudáveis e lanches2424 Neumann AICP, Martins IS, Marcopito LF, Araujo EAC. Padrões alimentares associados a fatores de risco para doenças cardiovasculares entre residentes de um município brasileiro. Pan Am J Public Health 2007; 22(5):329-339.,2929 Alves ALS, Olinto MTA, Costa JSD, Bairros FS, Balbinotti MAA. Padrões alimentares de mulheres adultas residentes em área urbana no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2006; 40(5):865-873.
30 Sichieri R, Casto JF, Moura AS. Fatores associados ao padrão de consumo alimentar da população brasileira urbana. Cad Saude Publica 2003; 19(Supl. 1):S47-S53.
31 Esmaillzadeh A, Kimiagar M, Mehrabi Y, Azadbakht L, Hu FB, Willett WC. Dietary patterns, insulin resistance, and prevalence of the metabolic syndrome in women. Am J Clin Nutr 2007; 85(3):910-918.
32 Eilat-Adar S, Mete M, Fretts A, Fabsitz RR, Handeland V, Lee ET, Loria C, Xu J, Yeh J, Howard BV. Dietary patterns and their association with cardiovascular risk factors in a population undergoing lifestyle changes: The Strong Heart Study. Nutr Metab Cardiovasc Dis 2013; 23(6):528-535.
33 Suzuki T, Miyaki K, Tsutsumi A, Hashimoto H, Kawakami N, Takahashi M, Shimazu A, Inoue A, Kurioka S, Kakehashi M, Sasaki Y, Shimbo T; J-HOPE study group (the Japanese study of Health, Occupation, and Psychosocial factors related Equity). Japanese dietary pattern consistently relates to low depressive symptoms and it is modified by job strain and worksite supports. J Affect Disord 2013; 150(2):490-498.
34 Vilela AAF, Sichieri R, Pereira RA, Cunha DB, Rodrigues PRM, Gonçalves-Silva RMV, Ferreira MG. Dietary patterns associated with anthropometric indicators of abdominal fat in adults. Cad Saude Publica 2014; 30(3):502-510.
35 Massarani FA, Cunha DB, Muraro AP, Souza BS, Sichieri R, Yokoo EM. Familial aggregation and dietary patterns in the Brazilian population. Cad Saude Publica 2015; 31(12):2535-2545.-3636 Cardoso LO, Carvalho MS, Cruz OG, Melere C, Luft VC, Molina MCB, Faria CP, Benseñor IM, Matos SM, Fonseca MJ, Griep RH, Chor D. Eating patterns in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil):an exploratory analysis. Cad Saude Publica 2016; 32(5):e00066215.. Tiveram o consumo alimentar avaliado pela ACP professores da cidade de Teerã (capital do Irã)3131 Esmaillzadeh A, Kimiagar M, Mehrabi Y, Azadbakht L, Hu FB, Willett WC. Dietary patterns, insulin resistance, and prevalence of the metabolic syndrome in women. Am J Clin Nutr 2007; 85(3):910-918., funcionários de uma fábrica japonesa3333 Suzuki T, Miyaki K, Tsutsumi A, Hashimoto H, Kawakami N, Takahashi M, Shimazu A, Inoue A, Kurioka S, Kakehashi M, Sasaki Y, Shimbo T; J-HOPE study group (the Japanese study of Health, Occupation, and Psychosocial factors related Equity). Japanese dietary pattern consistently relates to low depressive symptoms and it is modified by job strain and worksite supports. J Affect Disord 2013; 150(2):490-498. e, recentemente, funcionários públicos brasileiros3636 Cardoso LO, Carvalho MS, Cruz OG, Melere C, Luft VC, Molina MCB, Faria CP, Benseñor IM, Matos SM, Fonseca MJ, Griep RH, Chor D. Eating patterns in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil):an exploratory analysis. Cad Saude Publica 2016; 32(5):e00066215., demonstrando que poucas são as publicações a respeito do consumo alimentar de grupos de trabalhadores sob a forma de padrão alimentar. Tal fato deve ser modificado, conforme as orientações da OMS, uma vez que esta reconhece que no campo da epidemiologia, o estudo do consumo alimentar deve ser baseado em perfis alimentares ao invés de nutrientes isolados2323 World Health Organization (WHO). Report of a Joint FAO/WHO Consultation. Preparation and use of food-based dietary guidelines. Geneva: WHO; 1998..
Além da determinação dos padrões alimentares dos trabalhadores bancários, também foi possível observar associações destes padrões com características comportamentais e laborais. As variáveis sociodemográficas não mantiveram associação após as análises múltiplas, possivelmente pelas características singulares do grupo, tais como renda, salário e escolaridade3737 Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF). Pesquisa de Emprego Bancário (PEB):expansão do emprego no setor bancário ultrapassa 5% em 2010, mas rotatividade tem efeito negativo sobre os salários. [acessado 2016 Set 15]. Disponível em: http://www.dieese.org.br/pesquisaempregobancario/2011/empregoBancarioMarco2011.pdf
http://www.dieese.org.br/pesquisaemprego... . Entretanto, o comportamento destes profissionais mostrou-se como os principais fatores relacionados à maior adesão aos padrões alimentares.
O hábito de não consumir adoçantes esteve associado a maior adesão ao padrão “hortaliças, frutas, cereais e tubérculos”, possivelmente pela adoção de hábitos alimentares mais saudáveis e naturais por estes trabalhadores, consumindo, então, menos produtos industrializados44 Bezerra IN, Verly Junior E, Pereira RA, Sichieri R. Away-from-home eating: nutritional status and dietary intake among Brazilian adults. Public Health Nutr 2013; 18(6):1011-1017.. Diferentemente, a associação do consumo de adoçantes aos padrões “doces e petiscos” e “tradicional e proteico” deve ser interpretada com cautela, uma vez que, na tentativa de melhorar seus hábitos alimentares, indivíduos podem adotar o uso de adoçantes. Contudo, a transversalidade do estudo não permite visualizar o tempo de permanência deste hábito alimentar, podendo ocorrer causalidade reversa3838 Pereira MA. Diet beverages and the risk of obesity, diabetes, and cardiovascular disease: A review of the evidence. Nutr Rev 2013; 71(7):433-440..
O consumo de temperos industrializados foi relacionado ao padrão “tradicional e proteico” decorrente dos tipos de alimentos que compõem este padrão alimentar, caracterizados por preparações prontas para o consumo, facilmente adquiridos em lanchonetes e restaurantes3939 Insawang T, Selmi C, Cha'on U, Pethlert S, Yongvanit P, Areejitranusorn P, Boonsiri P, Khampitak T, Tangrassameeprasert R, Pinitsoontorn C, Prasongwattana V, Gershwin ME, Hammock BD. Monosodium glutamate (MSG) intake is associated with the prevalence of metabolic syndrome in a rural Thai population. Nutr Metab 2012; 9(1):50., inferindo-se que os indivíduos deste padrão não possuíam o hábito de cozinhar com frequência e, por conseguinte, utilizavam menos estes tipos de temperos.
Ainda, o hábito de raramente comer em restaurantes associou-se à maior adesão ao padrão “doces e petiscos”, decorrente da adoção de lanches rápidos e simples ao invés de refeições completas oferecidas neste tipo de estabelecimento. A disposição de locais para lanches rápidos, como padarias, barraquinhas de alimentos e bares também são frequentes nos centros urbanos em que estes bancários permanecem33 Diez Garcia RW. Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Rev Nutr 2003; 16(4):483-492.,2727 Leal D. Crescimento da alimentação fora do domicílio. Segurança Alimentar e Nutricional 2010; 17(1):123-132. e podem contribuir com a aquisição de alimentos fora do domicílio. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-20094040 Instituto Brasileiro de Geogra?a e Estatística (IBGE). Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011. demonstra que houve um crescimento expressivo no percentual de despesas da família brasileira com alimentação fora de casa, hábito reportado por 42,8% dos brasileiros entrevistados na área urbana. Além disso, a maior parte da ingestão destes alimentos ocorre entre 12 e 14 horas (40%), ou seja, no horário de almoço4040 Instituto Brasileiro de Geogra?a e Estatística (IBGE). Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011..
O aumento da realização de refeições fora de casa é considerado uma característica preocupante devido a imprecisão da qualidade nutricional dos alimentos disponibilizados. Bezerra et al.44 Bezerra IN, Verly Junior E, Pereira RA, Sichieri R. Away-from-home eating: nutritional status and dietary intake among Brazilian adults. Public Health Nutr 2013; 18(6):1011-1017. identificaram que comer fora de casa culminava numa menor ingestão de proteína, arroz, feijão e leite, além do maior consumo de gorduras totais, gorduras saturadas, açúcares simples, doces, frituras, salgados, refrigerantes e bebidas alcóolicas. Bandoni et al.4141 Bandoni DH, Canella DS, Levy RB, Jaime PC. Eating out or in from home: Analyzing the quality of meal according eating locations. Rev Nutr. 2013; 26(6):625-632., em 2013, identificaram que os trabalhadores de empresas do município de São Paulo que comiam no local de trabalho (35,7%) consumiam menos calorias e realizavam refeições menos densas energeticamente, com mais vegetais, mais frutas e mais leguminosas. Aqueles que comiam em restaurantes (37,1%) consumiam mais carnes, açúcares e doces. Já aqueles que comiam em casa (27,2%) consumiam mais cereais, raízes e tubérculos e menos óleos, gorduras, açúcares e doces.
Ao avaliar os dados laborais, houve associação entre o padrão “tradicional e proteico” e a percepção do indivíduo quanto ao apoio social recebido. Em estudo, realizado nesta mesma população de bancários, foi relatado alto apoio social percebido em 48% destes funcionários (n = 256), sendo este um importante fator na atenuação dos efeitos negativos do trabalho à saúde dos trabalhadores1515 Petarli GB, Zandonade E, Salaroli LB, Bissoli NS. Estresse ocupacional e fatores associados em trabalhadores bancários, Vitória - ES, Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20(2):3925-3934.. Assim, indivíduos com maior apoio social provavelmente identificam-se mais com seus colegas de trabalho, possuindo um convívio mais ativo que permita maior consumo dos alimentos pertencentes ao padrão “tradicional e proteico”, tanto no período de trabalho ou até mesmo fora dele4242 Ferranti EP, Dunbar SB, Higgins M, Dai J, Ziegler TR, Frediani JK, Reilly C, Brigham KL. Psychosocial Factors Associated with Diet Quality in a Working Adult Population. Res Nurs Health 2013; 36(3):242-256..
Ferrantini et al.4242 Ferranti EP, Dunbar SB, Higgins M, Dai J, Ziegler TR, Frediani JK, Reilly C, Brigham KL. Psychosocial Factors Associated with Diet Quality in a Working Adult Population. Res Nurs Health 2013; 36(3):242-256. também demonstraram que o apoio social em funcionários da Universidade de Emory (Geórgia/EUA) foi positivamente associado com uma melhor qualidade da dieta para todos os três índices de qualidade da dieta pesquisados, a saber: Índice alternativo de alimentação saudável (Alternate Healthy Eating Index - AHEI), dieta DASH (Dietary Approaches to Stopping Hypertension) e escore da dieta mediterrânea (p < 0,01).
Diferentemente do apoio social, o nível de estresse dos bancários não foi associado aos padrões alimentares identificados, visto que este grupo possui majoritariamente risco intermediário de estresse (34,4%, n = 179), tendo apenas 18,8% (n = 98) indivíduos classificados como alto risco de estresse ocupacional1515 Petarli GB, Zandonade E, Salaroli LB, Bissoli NS. Estresse ocupacional e fatores associados em trabalhadores bancários, Vitória - ES, Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20(2):3925-3934., além de características laborais e socioeconômicas semelhantes em todo o grupo3737 Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF). Pesquisa de Emprego Bancário (PEB):expansão do emprego no setor bancário ultrapassa 5% em 2010, mas rotatividade tem efeito negativo sobre os salários. [acessado 2016 Set 15]. Disponível em: http://www.dieese.org.br/pesquisaempregobancario/2011/empregoBancarioMarco2011.pdf
http://www.dieese.org.br/pesquisaemprego... e certa flexibilidade no tempo disponível para a realização das refeições. Entretanto, outros estudos demostram possíveis associações entre o consumo alimentar e/ou hábitos alimentares e o nível de estresse, como o estudo com trabalhadores de uma fábrica no Japão, no qual foi identificado que o estresse psicológico e a tensão/ansiedade associaram-se positivamente com comportamentos alimentares semelhantes aos de indivíduos obesos4343 Nishitani N, Sakakibara H. Relationship of obesity to job stress and eating behavior in male Japanese workers. Int J Obes 2006; 30(3):528-533.. Outro estudo com funcionários públicos japoneses em acompanhamento por 5 anos (1997-2002) identificou que o padrão alimentar interagiu com estresse mental, influenciando no ganho de peso e na menor saciedade, independentemente da ingestão de energia ou outros hábitos de vida. Estes resultados indicam a presença de uma interação entre o padrão alimentar e estresse mental a longo prazo4444 Toyoshima H, Masuoka N, Hashimoto S, Otsuka R, Sasaki S, Tamakoshi K, Yatsuya H. Effect of the Interaction between Mental Stress and Eating Pattern on Body Mass Index Gain in Healthy Japanese Male Workers. J Epidemiol 2009; 19(2):88-93..
Apesar da população estudada ser constituída por trabalhadores de uma rede bancária, é plausível assumir que as características deste grupo sejam semelhantes às características de bancários de outras redes ou até mesmo de outras profissões que possuam condições laborais similares, com jornadas de trabalho intensas e que passam a maior parte do tempo no local de trabalho, tendo suas escolhas alimentares influenciadas pelo tempo e disponibilidade alimentar4545 Wandel M, Roos G. Work, food and physical activity. A qualitative study of coping strategies among men in three occupations. Appetite 2005; 44(1):93-102.. É importante salientar, também, que a coleta de dados foi finalizada em 2009, podendo alguns dados alimentares não expressarem plenamente a realidade atual dos bancários, decorrente das intensas mudanças das práticas alimentares dos brasileiros nos últimos anos11 Monteiro CA, Mondini L, Levy-Costa RB. Mudanças na composição e adequação nutricional da dieta familiar nas áreas metropolitanas do Brasil (1988-1996). Rev Saude Publica 2000; 34(3):251-258.
2 Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, Moubarac J-C, Cannon G, Monteiro CA. Alimentos ultraprocessados e perfil nutricional da dieta no Brasil. Rev Saude Publica 2015; 49:38.
3 Diez Garcia RW. Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Rev Nutr 2003; 16(4):483-492.-44 Bezerra IN, Verly Junior E, Pereira RA, Sichieri R. Away-from-home eating: nutritional status and dietary intake among Brazilian adults. Public Health Nutr 2013; 18(6):1011-1017.. Entretanto, estes dados estão em consonância com os estudos atuais sobre o hábito alimentar brasileiro, que utiliza dados derivadas da POF 2009/201022 Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, Moubarac J-C, Cannon G, Monteiro CA. Alimentos ultraprocessados e perfil nutricional da dieta no Brasil. Rev Saude Publica 2015; 49:38.,44 Bezerra IN, Verly Junior E, Pereira RA, Sichieri R. Away-from-home eating: nutritional status and dietary intake among Brazilian adults. Public Health Nutr 2013; 18(6):1011-1017.. Por fim, há uma possível limitação metodológica relacionada à utilização da análise fatorial na derivação dos padrões alimentares, tendo em vista que este método envolve a tomada de algumas decisões subjetivamente. Entretanto, estas são amenizadas com o detalhamento de todas as decisões tomadas3030 Sichieri R, Casto JF, Moura AS. Fatores associados ao padrão de consumo alimentar da população brasileira urbana. Cad Saude Publica 2003; 19(Supl. 1):S47-S53.. Da mesma forma, apesar da variância total explicada dos padrões alimentares ficar em torno de 20%, outros estudos na área utilizam valores próximos dessa variação2929 Alves ALS, Olinto MTA, Costa JSD, Bairros FS, Balbinotti MAA. Padrões alimentares de mulheres adultas residentes em área urbana no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2006; 40(5):865-873.,3131 Esmaillzadeh A, Kimiagar M, Mehrabi Y, Azadbakht L, Hu FB, Willett WC. Dietary patterns, insulin resistance, and prevalence of the metabolic syndrome in women. Am J Clin Nutr 2007; 85(3):910-918. e outros não problematizam esta situação3030 Sichieri R, Casto JF, Moura AS. Fatores associados ao padrão de consumo alimentar da população brasileira urbana. Cad Saude Publica 2003; 19(Supl. 1):S47-S53.,3333 Suzuki T, Miyaki K, Tsutsumi A, Hashimoto H, Kawakami N, Takahashi M, Shimazu A, Inoue A, Kurioka S, Kakehashi M, Sasaki Y, Shimbo T; J-HOPE study group (the Japanese study of Health, Occupation, and Psychosocial factors related Equity). Japanese dietary pattern consistently relates to low depressive symptoms and it is modified by job strain and worksite supports. J Affect Disord 2013; 150(2):490-498.,3636 Cardoso LO, Carvalho MS, Cruz OG, Melere C, Luft VC, Molina MCB, Faria CP, Benseñor IM, Matos SM, Fonseca MJ, Griep RH, Chor D. Eating patterns in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil):an exploratory analysis. Cad Saude Publica 2016; 32(5):e00066215.. Além do mais, os padrões alimentares detectados foram comparáveis com outros estudos, caracterizando sua validade externa2424 Neumann AICP, Martins IS, Marcopito LF, Araujo EAC. Padrões alimentares associados a fatores de risco para doenças cardiovasculares entre residentes de um município brasileiro. Pan Am J Public Health 2007; 22(5):329-339.,2929 Alves ALS, Olinto MTA, Costa JSD, Bairros FS, Balbinotti MAA. Padrões alimentares de mulheres adultas residentes em área urbana no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2006; 40(5):865-873.
30 Sichieri R, Casto JF, Moura AS. Fatores associados ao padrão de consumo alimentar da população brasileira urbana. Cad Saude Publica 2003; 19(Supl. 1):S47-S53.
31 Esmaillzadeh A, Kimiagar M, Mehrabi Y, Azadbakht L, Hu FB, Willett WC. Dietary patterns, insulin resistance, and prevalence of the metabolic syndrome in women. Am J Clin Nutr 2007; 85(3):910-918.
32 Eilat-Adar S, Mete M, Fretts A, Fabsitz RR, Handeland V, Lee ET, Loria C, Xu J, Yeh J, Howard BV. Dietary patterns and their association with cardiovascular risk factors in a population undergoing lifestyle changes: The Strong Heart Study. Nutr Metab Cardiovasc Dis 2013; 23(6):528-535.
33 Suzuki T, Miyaki K, Tsutsumi A, Hashimoto H, Kawakami N, Takahashi M, Shimazu A, Inoue A, Kurioka S, Kakehashi M, Sasaki Y, Shimbo T; J-HOPE study group (the Japanese study of Health, Occupation, and Psychosocial factors related Equity). Japanese dietary pattern consistently relates to low depressive symptoms and it is modified by job strain and worksite supports. J Affect Disord 2013; 150(2):490-498.
34 Vilela AAF, Sichieri R, Pereira RA, Cunha DB, Rodrigues PRM, Gonçalves-Silva RMV, Ferreira MG. Dietary patterns associated with anthropometric indicators of abdominal fat in adults. Cad Saude Publica 2014; 30(3):502-510.
35 Massarani FA, Cunha DB, Muraro AP, Souza BS, Sichieri R, Yokoo EM. Familial aggregation and dietary patterns in the Brazilian population. Cad Saude Publica 2015; 31(12):2535-2545.-3636 Cardoso LO, Carvalho MS, Cruz OG, Melere C, Luft VC, Molina MCB, Faria CP, Benseñor IM, Matos SM, Fonseca MJ, Griep RH, Chor D. Eating patterns in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil):an exploratory analysis. Cad Saude Publica 2016; 32(5):e00066215..
Desta forma, neste estudo, foram identificados três padrões alimentares, sendo estes o padrão “hortaliças, frutas, cereais e tubérculos”, o padrão “doces e petiscos” e o padrão “tradicional e proteico”. A partir destes padrões, conclui-se, ainda, que o consumo alimentar de bancários não está relacionado às condições sociodemográficas destes indivíduos, estando associado a estes padrões alimentares, o comportamento de tais trabalhadores e a percepção do apoio social recebido.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Banco do Estado do Espírito Santo/Brasil, por seu apoio em todas as fases deste estudo, e à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES), pela bolsa de mestrado fornecida.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
26 Set 2019 - Data do Fascículo
Out 2019
Histórico
- Recebido
24 Jul 2017 - Aceito
26 Mar 2018 - Publicado
28 Mar 2018