Masculinidades em construção, corpos em (re)construção: desejos, contradições e ambiguidades de homens trans no processo transexualizador

Cláudia Regina Ribeiro Andrea Felizardo Ahmad Beatriz Selles Dantas Adriana Lemos Sobre os autores

Resumo

O artigo traz os resultados de uma pesquisa sobre as estratégias, expectativas e desejos de 28 homens transexuais na construção das suas masculinidades e reconstrução de seus corpos por meio da hormonização cruzada. A pesquisa qualitativa foi realizada em um ambulatório do processo transexualizador de um município da região metropolitana do Rio de Janeiro. Para a construção dos dados, foram utilizadas a entrevista semiestruturada e a observação participante, empreendidas entre os meses de novembro de 2019 e janeiro de 2020. A análise de conteúdo orientou a análise das falas, das quais emergiram as categorias que foram discutidas à luz dos conceitos de gênero, transexualidade e masculinidades, além de referências de estudos sobre raça/cor em suas articulações com a saúde. Os dados revelaram desejos, contradições e ambiguidades no que diz respeito à construção da masculinidade e à (re)construção de corpos mais adequados a ela; evidenciaram o desejo pelo padrão corporal de masculinidade que seria conquistado por meio da hormonização e de cirurgias, e a cor negra surgiu como uma importante marca de desigualdade. Concluímos que, mesmo refutando muitos traços do modelo de masculinidade, esses homens desejam adentrar esse mundo e confundir-se na multidão como homens, vivenciando a masculinidade mais plena.

Palavras-chave:
Gênero; Saúde trans; Homens trans; Processo transexualizador

Introdução

Estudos revelam o impacto do gênero e da orientação sexual na qualidade da assistência em saúde, atuando quase sempre no reforço das iniquidades e assimetrias entre a promoção da saúde feminina e masculina11 Gomes R, Murta D, Facchini R, Meneghel SN. Gênero, direitos dexuais e suas implicações na Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1997-2005.,22 Cobo B, Cruz C, Dick PC. Desigualdades de gênero e raciais no acesso e uso dos serviços de atenção primária à saúde no Brasil. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4021-4032.. Com relação às identidades trans, o sistema de saúde imprime um movimento de desumanização dessa população, reduzindo-a a seres portadores de patologia e de uma Classificação Internacional de Doença (CID), não sendo vistos/as como sujeitos de direito em saúde33 Braz C. Vidas que esperam? Itinerários do acesso a serviços de saúde para homens trans no Brasil e na Argentina Cad Saude Publica 2019; 35(4):e00110618.

4 Lima AM, Nascimento RT, Caselli CM, Carvalho TGF. Atributos da Atenção Primária à Saúde e ferramentas de medicina de família no atendimento às diversidades sexual e de gênero: relato de caso. Rev Bras Med Fam Comunidade 2019; 14(41):1785.

5 Áran M. A transexualidade e a gramática normativa do sistema sexo-gênero. Ágora 2006; 9(1):49-63.

6 Simpson K. Transexualidade e travestilidade na saúde. In: Ministério da Saúde. Transexualidade e travestilidade na saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 9-15.
-77 Bento B, Pelúcio L. Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas. Rev Estud Fem 2012; 20(2):569-581..

A formulação da ideia de um sexo natural e um gênero que se constrói, que sustentaram as potentes críticas feministas dos anos 1960, acabaram por limitar a historicização da natureza e do corpo como também conformados por relações de poder historicamente situadas, estreitando os limites de compreensão das narrativas de gênero não-coerentes. Guacira Louro88 Louro GL. Um corpo estranho - ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica; 2002., no exercício de repensar o sexo como uma construção cultural, argumenta que essa “ordem só parece segura por se assentar sobre o duvidoso pressuposto de que o sexo existe fora da cultura e, consequentemente, por inscrevê-lo num domínio aparentemente estável e universal, o domínio da natureza”88 Louro GL. Um corpo estranho - ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica; 2002. (p. 81), enquanto “as descontinuidades, as transgressões e as subversões que essas três categorias (sexo-gênero-sexualidade) podem experimentar são empurradas para o terreno do incompreendido ou patológico”88 Louro GL. Um corpo estranho - ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica; 2002. (p. 82).

Adotaremos nesse artigo a definição de Judith Butler, que compreende gênero como uma identidade constitu ída de forma tênue no tempo “por meio de uma repetição estilizada de atos”99 Butler J. Actos perfomativos e constituição de género. Um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista. In: Macedo AG, Rayner F, organizadores. Gênero, cultura visual e perfomance. Antologia crítica. Minho: Universidade do Minho/Húmus; 2011. p. 1-16. (p. 3), tornando-se crença. O gênero “deve ser entendido como a maneira cotidiana por meio da qual gestos corporais, movimentos e encenações de todos os tipos constituem a ilusão de um ‘eu’ generificado permanente”9 (p. 3), que está em “conformidade com um modelo de verdade e falsidade que não só contradiz a sua própria fluidez performativa, mas serve a uma política social de regulação e controle do gênero”99 Butler J. Actos perfomativos e constituição de género. Um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista. In: Macedo AG, Rayner F, organizadores. Gênero, cultura visual e perfomance. Antologia crítica. Minho: Universidade do Minho/Húmus; 2011. p. 1-16. (p. 14). Enquanto a sua fluidez nos possibilita pensar “nas várias formas possíveis de repetição e na ruptura ou repetição subversiva desse estilo”99 Butler J. Actos perfomativos e constituição de género. Um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista. In: Macedo AG, Rayner F, organizadores. Gênero, cultura visual e perfomance. Antologia crítica. Minho: Universidade do Minho/Húmus; 2011. p. 1-16. (p. 3).

Tomar o corpo sexuado também como construção e o gênero como performance possibilita avançar para além do binarismo sexo-natureza versus gênero-cultura e compreender as identidades transexuais, aquelas que não decorrem diretamente do sexo, não como incongruentes, mas como possibilidades1010 Butler J. Sujeitos do sexo/gênero/desejo. In: Butler J. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense; 2015. p. 17-70.,1111 Haraway D. "Gênero" para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cad Pagu 2004; 22:201-246.. Essa perspectiva teórica nos leva ainda a compreender que a experiência transexual tem origem “nas articulações históricas e sociais que produzem os corpos-sexuados, e que têm na heterossexualidade a matriz que confere inteligibilidade aos gêneros”1010 Butler J. Sujeitos do sexo/gênero/desejo. In: Butler J. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense; 2015. p. 17-70. (p. 16), sendo a incoerência entre essas vivências e o sistema binário de sexo-gênero o que confere a elas o status de patologia55 Áran M. A transexualidade e a gramática normativa do sistema sexo-gênero. Ágora 2006; 9(1):49-63.,77 Bento B, Pelúcio L. Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas. Rev Estud Fem 2012; 20(2):569-581.,1212 Bento B. A campanha internacional de ação pela despatologização das identidades trans: entrevista com o ativista Amets Suess. Rev Estud Fem 2012; 20(2):481-484.,1313 Bento B. A reinvenção do corpo - sexualidade e gênero na experiência transexual. Salvador: Editora Devires; 2017..

Compreendemos como transexuais as “pessoas que, em diferentes contextos sociais e culturais, conflituam com o gênero (com que foram assignadas ao nascer e que foi reiterado em grande parte da socialização delas) e, em alguma medida (que não precisa ser cirúrgica/química), decidem modificá-lo”1414 Almeida GS. 'Homens trans': novos matizes na aquarela das masculinidades? Rev Estud Fem 2012; 20(2):513-523. (p. 515). Com relação aos homens trans, Almeida99 Butler J. Actos perfomativos e constituição de género. Um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista. In: Macedo AG, Rayner F, organizadores. Gênero, cultura visual e perfomance. Antologia crítica. Minho: Universidade do Minho/Húmus; 2011. p. 1-16. afirma tratar-se de uma “complexa ‘aquarela de masculinidades’” que, embora não se possa alocar em um mesmo grupo, deve-se considerar a transitividade entre elas.

A transitividade se revela, muitas vezes, no desejo e na busca desses homens por uma masculinidade que corresponda ao modelo hegemônico, sobretudo no que diz respeito ao corpo, que deve ser musculoso, ter o peito liso, mas saliente, e um rosto com barba. Um modelo que submete e exerce sobre homens cisgêneros ou transexuais um efeito controlador, mas que não é capaz de apagar a multiplicidade de vivências que nos permite falar de masculinidades, no plural, como conceito e como pluralidade dentro de um persistente sistema de gênero1515 Connell R. Políticas da masculinidade. Rev Edu Real 1995; 20(2):185-206.

16 Connell R, Messerschmidt JW. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Rev Estud Fem 2013; 21(1):241-282.

17 Kimmel M. A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas. Horiz Antropol 1998; 4(9):103-117.

18 Almeida MV. Senhores de si: uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim de Século; 2000.
-1919 Ribeiro CR. Sexualidade, corpo e saúde masculinos: transformações e permanências nos discursos de homens e da revista Men´s Health [tese]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2011..

O processo transexualizador2020 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.707, de 18 de agosto de 2008. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Diário Oficial da União 2008; 18 ago.,2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.803, de 19 novembro de 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; 20 nov. é um programa de saúde e uma linha de cuidado que apresenta um conjunto de estratégias para a atenção à saúde para a população trans, incluindo as modificações corporais. Inicialmente, só contemplava a assistência às mulheres trans, tendo sido ampliado e redefinido em 20132121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.803, de 19 novembro de 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; 20 nov., passando a incluir os homens trans (e as travestis), com oferecimento da hormonização cruzada e cirurgias como mamoplastia masculinizadora, histerectomia e ooforectomia. O programa tem sido fundamental no itinerário terapêutico dessa população, mas também revela que suas necessidades de saúde vêm sendo reduzidas ao desejo de adequação corporal, desconsiderando o princípio da integralidade que deveria nortear os cuidados de saúde2222 Coleman E, Bockting W, Botzer M, Cohen-Kettenis P, DeCuypere G, Feldman J, Fraser L, Green J, Knudson G, Meyer WJ, Monstrey S, Adler RK, Brown GR, Devor AH, Ehrbar R, Ettner R, Eyler E, Garofalo R, Karasic DH, Lev AI, Mayer G, Meyer-Bahlburg H, Hall BP, Pfäfflin F, Rachlin K, Robinson B, Schechter LS, Tangpricha V, van Trotsenburg M, Vitale A, Winter S, Whittle S, Wylie KR, Zucker K. Normas de atenção à saúde das pessoas trans e com variabilidade de gênero. 7ª versão. World Professional Association for Transgender Health (WPATH); 2012.

23 Ahmad AF. "Ah sei lá, só quero ser eu!": significados, saberes e práticas da hormonização cruzada na saúde de mulheres e homens trans [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; 2020.

24 Dantas BRSS. Buscas pelo cuidado: o itinerário terapêutico de transexuais no município de Niterói [dissertação]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2021.

25 Borba R. O (des)aprendizado de si: transexualidades, interação e cuidado em saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2016.
-2626 Pinto DL, Costa DFP, Carvalho LCF, Ribeiro CR. Ambulatório de Atenção à Saúde da População Travesti e Transexual João W. Nery: cuidado e respeito à diversidade. In: Fernandes VR, Magalhães MG, D'Oliveira CBLC, Campos Filho E, Sergio JV, Silva JPV, Amorim AC, Jardineiro JC, Machado KS, organizadores. IdeaSUS: saberes e práticas nos territórios do Sistema Único de Saúde. Rio de Janeiro: Cebes; 2020, p. 121-142.. Além disso, o ingresso no programa e a possibilidade de transição assistida por uma equipe de saúde é viabilizada pelo diagnóstico e pela patologização dessas experiências.

Por considerar que as experiências trans são únicas, não cabendo em fórmulas universalistas, trazemos para a discussão as expectativas, os desejos, as certezas, ambiguidades e contradições presentes nas falas de homens transexuais, usuários de um ambulatório do processo transexualizador, sobre a construção das suas masculinidades trans. As discussões se apoiam mais fortemente nos conceitos de gênero, transexualidade e masculinidades, mas buscamos também referências nos estudos sobre raça/etnia em suas articulações com a saúde.

Método

O artigo foi produzido no âmbito da pesquisa “Gênero, sexualidades, diversidades e direitos sexuais e reprodutivos: acesso, inclusão, promoção e educação em saúde”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e registrada com o número CAAE 10003219.6.0000.5243 em 2019.

Como desenho metodológico optamos pela abordagem qualitativa com uso de observação participante e entrevistas com roteiro semiestruturado como técnicas de construção dos dados2727 Nogueira-Martins MCF, Bógus CM. Considerações sobre a metodologia qualitativa como recurso para o estudo das ações de humanização em saúde. Saude Soc 2004; 13(3):44-57.,2828 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Editora Hucitec; 2014.. A pesquisa teve como campo o Ambulatório do Processo Transexualizador de um dos municípios da região metropolitana II, no Rio de Janeiro, inaugurado em novembro de 2018. O ambulatório funciona em um único turno uma vez na semana e atende a usuários/as de diversos municípios do entorno que não contam com esse tipo de serviço.

Entre os meses de março de 2019 e fevereiro de 2020, foram feitas 28 entrevistas semiestruturadas com homens trans, que foram convidados a participar enquanto aguardavam o atendimento no ambulatório. As entrevistas tiveram duração aproximada de 40 minutos e foram conduzidas em um dos consultórios do ambulatório, em sua maioria por uma dupla de pesquisadoras, gravadas em áudio e transcritas pela equipe de pesquisa.

Atendendo às normas de pesquisa das Resoluções 466/12 e 510/16 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, todos leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como garantia do anonimato, os participantes foram identificados pela letra H, seguida de números de acordo com a ordem das entrevistas.

O critério de inclusão dos participantes foi a autodeclaração como homem transexual. A idade não foi um dado relevante, pois naquele momento não havia menores de 18 anos no ambulatório, uma vez que a redução da idade mínima de 16 anos para o ingresso no processo transexualizador só entrou em vigor em janeiro de 2020, com a resolução 2.265/2019. No entanto, a pesquisa de campo foi encerrada pouco tempo depois em decorrência da pandemia de COVID-19.

As observações se deram de forma consecutiva às entrevistas. O serviço funciona em um único turno uma vez na semana, o que possibilitou a presença de pelo menos uma pesquisadora em todos os dias de atendimento. As observações ocorriam na sala de espera e durante as consultas médicas ou da assistência social, sempre após a autorização dos/as usuários e profissionais e nunca com mais de uma pesquisadora nos consultórios. Foram utilizados diários de campo para o registro de eventos considerados relevantes, que são trazidos na discussão.

Para a definição do número de participantes e a finalização das entrevistas, foi utilizada a técnica de amostragem por saturação teórica, recurso que consiste na interrupção da captação de dados a partir da repetição de ideias, momento em que o acréscimo de entrevistas não mais contribui para atingir os objetivos propostos2929 Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Abordagem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saude Publica 2008; 24(1):17-27.. Quando o serviço foi interrompido devido à pandemia, já tínhamos dados suficientes para a análise.

O tratamento dos dados se deu por análise de conteúdo, técnica em que a avaliação das falas construídas ocorre por meio de instrumentos que permitam a descrição organizada e imparcial do conteúdo a ser analisado e a definição de categorias de análise3030 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.,3131 Oliveira DC. Análise de conteúdo temático-categorial: uma proposta de sistematização. Rev Enferm UERJ 2008; 16(4):569-576.. A análise das falas que versaram sobre a construção das masculinidades trans fez emergir cinco categorias de análise, das quais elegemos duas para a discutir nesse artigo: (1) desejos, contradições e ambiguidades na construção das masculinidades trans e (2) raça/cor como marcadores de desigualdade nessa construção.

Resultados e discussão

Os homens eram maioria no ambulatório no período da pesquisa, além de bastante jovens, aspectos que chamaram a nossa atenção. Sobre isso, os participantes afirmaram que, diferentemente das mulheres trans e travestis, não contavam com uma rede de informação e apoio com relação às modificações corporais. E só conseguiriam comprar a testosterona legalmente mediante a apresentação de receita médica. Foram entrevistados 28 homens transexuais com idades entre 18 e 53 anos, sendo a maioria com idade inferior a 25 anos. Entre eles, 14 se declararam heterossexuais, quatro se disseram “indefinidos”, sete pansexuais e três, bissexuais. Sobre o estado conjugal, sete disseram viver uma união estável, três se declararam casados e os demais estavam solteiros no momento da entrevista.

No que se refere à raça-etnia, 13 se declararam negros; oito brancos; três pardos e quatro preferiram não se auto identificar. Acerca da ocupação, quatro estavam desempregados, três tinham emprego formal, três apenas estudavam, dois se disseram freelancer e os demais eram autônomos/prestadores de serviço. Chamou nossa atenção o fato de 12 desses homens estarem cursando a universidade ou terem interrompido momentaneamente o curso, aspecto que foge ao padrão dessa população que tem a evasão escolar como um marco de suas trajetórias3232 Winter S, Diamond M, Green J, Karasic D, Reed T, Whittle S, Wylie K. Transgender people: health at the margins of society. Lancet 2016; 388(10042):390-400.

33 Nunes T, organizador. Ensaio sobre vivências reais de crianças e adolescentes transgêneres dentro do sistema educacional brasileiro. Curitiba: IBDSEX; 2021.
-3434 The European Sting. A major win for transgender rights: UN health agency drops 'gender identity disorder', as official diagnosis. 2019. [cited 2022 fev 11]. Available from: https://europeansting.com/2019/06/03/a-major-win-for-transgender-rights-un-health-agency-drops-gender-identity-disorder-as-official-diagnosis/
https://europeansting.com/2019/06/03/a-m...
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Alguns afirmaram que durante algum tempo se identificaram como lésbicas butches, até que a identidade trans se impôs ou, como disseram, foi descoberta. Essa descoberta se deu por vídeos na internet, youtubers e, em especial, de um personagem de novela - Ivana/Ivan - que percorreu o seu caminho de estranhamento em relação à identidade cis, compreensão e autoaceitação como homem trans, servindo de espelho para alguns participantes.

Quatro entrevistados relataram já ter usado hormônio comprado no mercado paralelo, que foi administrado de acordo com orientação de youtubers ou de outros homens trans que faziam uso, enquanto os demais disseram temer essa prática. Embora três se dissessem participantes de movimentos sociais, a maioria se mostrou alheia a esse tipo de ação, preferindo a discrição que já vivenciavam ou que conquistariam com o uso dos hormônios.

Com relação à renda individual, a maior parte ganha entre dois e quatro salários-mínimos, seguida dos que têm renda variável e do grupo menor, que reunia os que não tinham renda própria. Nesse último grupo estavam os estudantes que dependiam do sustento familiar. Todos disseram ter condições de comprar o hormônio, mas reconheciam que a testosterona é cara para um tratamento de uso contínuo, lamentando que não fosse oferecida pelo SUS. Entre os que tinham plano de saúde, todos falaram da dificuldade de encontrar profissionais dispostos ou competentes para atender às suas demandas. E quatro relataram ter vivenciado experiências ruins em consultórios médicos.

A maior parte buscava no uso da testosterona a diminuição dos seios, o engrossamento da voz, o ganho de pelos no peito e rosto, a suspensão do ciclo menstrual e a perda “das curvas do corpo”. Relataram que já haviam começado a transição por meio da troca das roupas, corte de cabelo e adoção de um nome social mais adequado ao seu gênero. Muitas dessas mudanças tiveram o auxílio de familiares, principalmente as avós e mães. E alguns, como forma de homenagear a mãe, assumiram o nome que ela o chamaria caso o tivesse registrado como menino. Por outro lado, alguns relataram que a negação dos familiares, sobretudo os pais, de chamá-los pelo nome social configurava-se como uma fonte de sofrimento e motivo de rancor.

Apesar do ingresso no ambulatório ser um passo importante no itinerário de quem deseja a mamoplastia masculinizadora, essa não era uma demanda imediata desses homens, e os argumentos eram a falta de recursos financeiros e a certeza da demora para a realização no serviço público. Quem tinha seios volumosos usava binder - faixa ou atadura utilizada para comprimir as mamas e deixar o peitoral mais reto, estratégia que, se utilizada por muito tempo, costuma trazer desconforto e prejuízos à saúde, como hematomas, falta de ar, fraturas na coluna e displasia mamária3535 Sousa D, Iriart J. "Viver dignamente": necessidades e demandas de saúde de homens trans em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(10): e00036318.. E dois participantes se apresentaram como mastectomizados, tendo recorrido para isso a serviços particulares.

A fala de um entrevistado nos causou especial surpresa no que diz respeito à relação entre renda, mudança corporal e retificação do nome civil: segundo H24 (31 anos, pansexual, negro, solteiro, curso superior incompleto, técnico em contabilidade, renda variável), a mudança do nome civil o faria perder a pensão deixada pelo pai, que só as filhas solteiras têm direito de receber, o que dificultaria a realização da mamoplastia masculinizadora no serviço privado. Assim, ele se via atrelado a um nome que não o representava, mas que garantiria a transição para o corpo que o representa.

Com relação ao ambulatório, foi descrito como um espaço de acolhimento e cuidado. Alguns revelaram ter realizado ali os primeiros contatos com outros homens trans, tendo a possibilidade de trocar experiências e informações. Outros revelaram ser aquele o primeiro espaço público em que se sentiram bem e relaxados com relação à sua expressão de gênero. Nas palavras de H22 (26 anos, heterossexual, negro, casado, ensino médio, balconista, renda de três salários-mínimos), aqui não preciso ter a blindagem que tenho na rua, posso ficar mais à vontade. Essas características do ambulatório são fundamentais para a adesão a qualquer serviço ou programa de saúde, mas ganham relevo por se tratar de uma população pouco compreendida e excluída também no SUS.

Diferentemente das travestis e mulheres trans usuárias do ambulatório, que estavam quase sempre sozinhas, os homens, em sua maioria, se faziam acompanhar por namoradas, esposas, companheiras, mães, irmãs, tias e, um deles, pelo irmão mais velho. Um aspecto já descrito na literatura, que aponta que os cuidados de saúde masculinos são historicamente uma função também das mulheres, que devem zelar pela saúde dos homens da família, uma vez que, na construção da masculinidade, o autocuidado não é um aspecto valorizado3636 Gomes R, Moreira MCN, Rebello LEFS, Couto MT, Scharaiber LB. Os homens não vêm! Ausência e/ou invisibilidade masculina na atenção primária. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):983-992.,3737 Ribeiro CR, Gomes R, Moreira MCN. Encontros e desencontros entre saúde do homem, a promoção da paternidade participativa e a saúde sexual e reprodutiva na atenção básica. Physis 2017; 27(1):41-60..

Portanto, é de grande importância destacar que o ambulatório não emitia um diagnóstico de “transexual verdadeiro”, valorizando a autodeclaração de gênero dos/as usuários/as. Dessa forma, a equipe conferia autonomia e liberdade de expressão incomuns em outros ambulatórios que haviam construído seus protocolos a partir das classificações e manuais que definem as vivências transexuais como patológicas e desconsideram as discussões atuais sobre a despatologização dessas identidades77 Bento B, Pelúcio L. Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas. Rev Estud Fem 2012; 20(2):569-581.,1212 Bento B. A campanha internacional de ação pela despatologização das identidades trans: entrevista com o ativista Amets Suess. Rev Estud Fem 2012; 20(2):481-484.,3838 Butler J. Desdiagnosticando o gênero. Physis 2009; 19(1):95-126..

Assim, era possível encontrar nesse serviço mulheres trans com alguma barba, homens trans com unhas pintadas, por exemplo, além de pessoas que se declaravam não binárias. Na perspectiva dos protocolos e manuais médicos, essas pessoas não deveriam ter acesso ao processo transexualizador, mas no ambulatório eram acolhidas. A presença desses corpos não totalmente atrelados às normas de gênero nos remete à afirmação de Preciado3939 Preciado B. Género y performance: 3 episodios de un cybermanga feminista queer trans. Debate Feminista 2009; 40:111-123. sobre não ser mais o binarismo suficiente para caracterizar a produção contemporânea de corpos queer.

Com relação ao momento da entrevista, alguns participantes revelaram ter sido aquela a primeira oportunidade de falarem de si com profundidade e sobre aspectos que as conversas cotidianas não permitem. Mas ao serem convocados a falar de suas masculinidades trans, conseguiram perceber aspectos que já estavam consolidados e outros ainda frágeis, em construção. Descobertas que quando colocadas em palavras reverberaram como contradições próprias da complexidade de suas experiências trans.

“Eu vim buscar essa liberdade de ser quem eu queria ser” - desejos, contradições e ambiguidades na construção das masculinidades trans

A hormonização cruzada consiste na administração de fármacos à base de testosterona (para homens trans) e estrogênio (para mulheres transexuais e travestis), objetivando inibir alguns caracteres secundários e desenvolver outros, possibilitando a construção de um corpo mais coerente e com o gênero com o qual se identificam. É chamada de cruzada porque esses hormônios estão disponíveis em ambos os corpos, porém um em menor quantidade do que o outro2323 Ahmad AF. "Ah sei lá, só quero ser eu!": significados, saberes e práticas da hormonização cruzada na saúde de mulheres e homens trans [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; 2020.. A partir dos pressupostos foucaultianos4040 Foucault M. Poder-corpo. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal; 1993., é possível considerar o processo transexualizador como um importante mecanismo de disciplinamento e controle dos corpos transexuais e travestis levados a cabo pela medicina, ao mesmo tempo patologizando essas identidades e oferecendo a sua “cura”77 Bento B, Pelúcio L. Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas. Rev Estud Fem 2012; 20(2):569-581.,1212 Bento B. A campanha internacional de ação pela despatologização das identidades trans: entrevista com o ativista Amets Suess. Rev Estud Fem 2012; 20(2):481-484.,2525 Borba R. O (des)aprendizado de si: transexualidades, interação e cuidado em saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2016.,2626 Pinto DL, Costa DFP, Carvalho LCF, Ribeiro CR. Ambulatório de Atenção à Saúde da População Travesti e Transexual João W. Nery: cuidado e respeito à diversidade. In: Fernandes VR, Magalhães MG, D'Oliveira CBLC, Campos Filho E, Sergio JV, Silva JPV, Amorim AC, Jardineiro JC, Machado KS, organizadores. IdeaSUS: saberes e práticas nos territórios do Sistema Único de Saúde. Rio de Janeiro: Cebes; 2020, p. 121-142..

Quando se problematiza essa relação dicotômica e determinista entre corpo e gênero, “outros níveis constitutivos da identidade também se liberam para comporem arranjos múltiplos fora do referente binário dos corpos”1313 Bento B. A reinvenção do corpo - sexualidade e gênero na experiência transexual. Salvador: Editora Devires; 2017. (p. 17). Nas palavras de Louro, não se pretende, com isso, negar a materialidade dos corpos, mas o que se enfatiza são os processos e as práticas discursivas que fazem com que aspectos dos corpos se convertam em definidores de gênero e de sexualidade e, como consequência, acabem por se converterem em definidores dos sujeitos88 Louro GL. Um corpo estranho - ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica; 2002. (p. 80).

Como apontou Áran55 Áran M. A transexualidade e a gramática normativa do sistema sexo-gênero. Ágora 2006; 9(1):49-63., as readequações corporais realizadas pelas pessoas trans convertem aspectos de descontinuidade e incoerência presente nesses corpos em “gêneros inteligíveis” possibilitados por diversas tecnologias. Tomando os pressupostos butlerianos, tratam-se de corpos que não apenas “sofrem” a ação da história e da cultura, mas que se transformam para se adequarem e passarem a caminhar dentro da cultura, ao mesmo tempo em que ao existirem borram suas fronteiras com a natureza.

Quando perguntamos aos participantes quais eram suas expectativas com relação ao uso dos hormônios, a maioria respondeu buscar a construção de uma corporeidade masculina canônica, a harmonização entre o homem que são e o que a sociedade elegeu e eles aprenderam a valorizar. Um corpo que mantém uma relação adequada com o gênero, não se tratando de uma fuga em relação às suas normas, mas um encontro com elas e sua ratificação. Nas falas abaixo, no entanto, é interessante perceber que H4 se coloca como desejoso de fazer parte do grupo de homens, “os caras”, mas relativiza a importância da barba, uma marca indelével da masculinidade, ao dizer em outro momento que pelo não é uma coisa masculina, todo mundo tem pelo. Vejamos:

Ah, eu busco o corpo masculino, que é um corpo que eu sempre achei bonito. Queria ter aquele peitoral, aquela barba, poder cortar meu cabelo daquele jeito, entendeu? Vim buscar uma satisfação pessoal, uma nova visão da felicidade. Eu vim buscar essa liberdade de ser quem eu queria ser (H8, 28 anos, heterossexual, negro, ensino médio, união estável, técnico de enfermagem, dois salários-mínimos).

A distribuição da gordura, que eu não gosto... eu tenho disforia com as minhas curvas, eu não gosto de ter quadril, eu não gosto de ter seios, tudo isso me incomoda (H10, 23 anos, heterossexual, negro, superior incompleto, freelancer, solteiro, renda variável).

Eu já estou tentando me confortar com o fato de que eu não vou crescer, não vou ser maior de tamanho, de altura. Mas ter ombro maior, uma voz mais grossa e feições mais masculinas, coisas que os caras geralmente têm (H4, 22 anos, orientação sexual não definida, branco, solteiro, ensino médio, freelancer, renda variável)

A transitividade em meio à aquarela de possibilidades1414 Almeida GS. 'Homens trans': novos matizes na aquarela das masculinidades? Rev Estud Fem 2012; 20(2):513-523. revelou-se fortemente na busca por um corpo coerente com a norma de gênero e com o padrão hegemônico de masculinidade1515 Connell R. Políticas da masculinidade. Rev Edu Real 1995; 20(2):185-206.,1717 Kimmel M. A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas. Horiz Antropol 1998; 4(9):103-117.. Construir-se como homem é um projeto permanente, requer muitos cuidados e envolve encontros com instituições e forças culturais, como a medicina1515 Connell R. Políticas da masculinidade. Rev Edu Real 1995; 20(2):185-206.,1818 Almeida MV. Senhores de si: uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim de Século; 2000.. Nas palavras de Connell, o gênero se constrói sobre corpos e, a partir desta lógica, podemos dizer que as masculinidades são “corporificadas sem deixar de ser sociais”, pois são vivenciadas “(em parte) como certas tensões musculares, posturas, habilidades físicas, formas de nos movimentar, e assim por diante”1515 Connell R. Políticas da masculinidade. Rev Edu Real 1995; 20(2):185-206. (p. 189).

Evidenciou-se que as mamas são extremamente inconvenientes, por serem as marcas mais manifestas de um gênero com o qual não se identificavam e apostavam na hormonização cruzada para a sua redução. No entanto, para outros, a solução se apresentava em forma de cirurgia:

(H3, 18 anos, heterossexual, namorando, não quis definir sua cor, ensino médio incompleto, desempregado).

Pesquisa recente que envolveu 391 pessoas trans e travestis na cidade do Rio de Janeiro e na região metropolitana evidenciou que o uso de hormônios tem sido a primeira e mais importante tecnologia de modificação corporal usada por homens transexuais que buscam a modificação corporal, tendendo a ser mais importante do que a cirurgia de redesignação genital4141 Carrara S, Hernandez JG, Uziel AP, Conceição GMS, Panjo H, Baldanzi ACO, Queiroz JP, Dángelo LB, Balthazar MAS, Silva Junior AL, Giami A. Body construction and health itineraries: a survey among travestis and transpeople in Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica 2019: 35(4):e00110618.. Como apontou Almeida1414 Almeida GS. 'Homens trans': novos matizes na aquarela das masculinidades? Rev Estud Fem 2012; 20(2):513-523., diferentemente das mulheres trans, o uso da testosterona possibilita mudanças corporais bastante próximas do que se considera um corpo de homem, o que permite “passar por homem cis”, acelerando o processo de apagamento de algumas marcas corporais compreendidas como femininas. Essa qualidade de passar despercebido é chamada de passabilidade4242 Pontes JC, Silva CG. Cisnormatividade e passabilidade: deslocamentos e diferenças nas narrativas de pessoas trans. Periódicus 2018; 1(8):396-417.,4343 Lima F, Cruz KT. Los procesos de hormonización y la producción del cuidado sanitario en la transexualidad masculina. Sex Salud Soc 2016; 23:162-186., que significa ter um corpo que permita certa invisibilidade social, que traz satisfação pessoal, mais segurança e oportunidades no mercado amoroso e profissional, o que um corpo menos “adequado à norma” talvez não permitisse.

Embora o desejo por corpos mais coerentes com a norma seja criticado por parte da militância, que considera que “passar por cisgênero” camufla a marginalização vivenciada pela população, os participantes não relataram esse tipo de preocupação. A ausência de crítica pode ter relação justamente com a maior facilidade para alcançar esse corpo e com o histórico afastamento dos homens trans dos movimentos sociais em que discussões como essa têm lugar.

Um aspecto nos chamou bastante a atenção: para alguns participantes, alterar a voz deveria ser anterior à mudança do registro civil, sob pena de parecerem “homens falsos”. Um deles falou disso da seguinte forma: [...] como vou me apresentar com o nome (disse o seu nome social) com essa voz? A voz entrega e fica pior ainda. Depois que mudar um pouco a voz, aí sim vou fazer a mudança do meu nome civil (H13, 19 anos, branco, heterossexual, estudante universitário, sem renda própria). Fala que nos remetem à premissa butleriana de que o gênero é feito e responde a um modelo de verdade e falsidade que serve à sua própria regulação. Sendo assim, “performar o gênero de modo inadequado desencadeia uma série de punições ao mesmo tempo óbvias e indiretas, e performá-lo bem proporciona uma sensação de garantia de que existe, afinal de contas, um essencialismo na identidade de gênero”99 Butler J. Actos perfomativos e constituição de género. Um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista. In: Macedo AG, Rayner F, organizadores. Gênero, cultura visual e perfomance. Antologia crítica. Minho: Universidade do Minho/Húmus; 2011. p. 1-16. (p. 13,14).

O fim da busca por essa masculinidade desejada se daria com o acesso à testosterona receitada pelo endocrinologista, o que tornava muito especial as consultas em que recebiam pela primeira vez a receita. Nessas ocasiões, sempre permeadas por forte emoção, eles quase sempre choravam e abraçavam suas acompanhantes, em geral presentes às consultas. Os que, devido a algum problema nos exames não conseguiam a receita no dia esperado, também choravam, mas de tristeza por terem que retardar por mais um tempo essa felicidade. O participante H17 (20 anos, pansexual, branco, namorando, ensino médio incompleto, sem ocupação, renda menor do que um salário-mínimo) se manifestou da seguinte maneira:

Ah, eu não tenho palavras! Acho que nunca pensei que pedaços de papel fossem me fazer tão feliz. Essa felicidade eu não estava sentindo ultimamente. Por mais que eu já tenha feito a cirurgia (mamoplastia masculinizadora), eu ainda tô um pouquinho infeliz com o meu corpo. Mas acho que isso vai mudar quando eu aplicar, vai ser um up na minha vida.

Em sua fala, H17, um dos dois homens que já haviam realizado a cirurgia de mamoplastia masculinizadora antes de ingressar no ambulatório, revela de forma pungente “o peso” que as mamas têm em um corpo que não se quer feminino:

Mudou muito na saúde corporal e na minha mente também. Era uma coisa que eu me sentia muito preso (referindo-se à faixa), que me deixava com muita falta de ar, me deixava muito triste, pra baixo. Depois que eu fiz a mastectomia foi só alegria! Fico todo bobo quando passo a mão... não tenho nem o que falar (ele ri e expressa grande alegria enquanto passa uma das mãos no peito liso). É um sentimento muito surreal! Nunca que eu iria imaginar que eu ia tirar a camisa e me sentir completo assim, sabe? Eu não imaginava que seria tão grandioso assim esse sentimento! (H17).

Em seguida, revela ter havido um deslocamento com relação às suas queixas e desejos no que diz respeito ao corpo. Ao que parece, quando resolveu o problema maior, as mamas, pôde olhar de modo mais atento para outras partes do seu corpo que passaram agora a incomodá-lo.

Eu já fui à praia, mas eu ainda sinto muita vergonha por causa das curvas quando eu tiro a camisa. No começo eu tirava e tal, pois era aquela alegria toda (logo depois da cirurgia), mas hoje em dia eu comecei a reparar mais nas minhas curvas e agora não gosto tanto de tirar (H17).

Desde julho de 2020, com da Portaria nº 1.370, o SUS realiza as cirurgias de vaginectomia e metoidioplastia, ainda consideradas experimentais, assim como a construção do neofalo, que só podem ser realizadas em hospitais universitários. O desejo pela redesignação da genitália foi citado apenas por esse participante, H17, que demonstrou saber os riscos e limites da cirurgia, mas afirmou que um dia tentarei mudar isso, eu vou fazer a cirurgia.

Reencontramos H8 outras três vezes no ambulatório e em cada um desses encontros conversávamos um pouco sobre mudanças corporais e novas vivências a partir delas. Segundo ele, e era possível notar, apareceram acnes em seu rosto e costas, havia engordado um pouco e já tinha penugens no queixo, mudanças que o deixavam mais confiante, feliz e cada vez mais disposto a dar andamento ao processo. Também relatou que se sentia mais irritadiço e o desejo sexual havia aumentado, o que o fazia refletir sobre o que aprendeu com relação aos homens e sua sexualidade.

Apesar do grande desejo por um corpo normativo que os inclua no universo masculino e os tornem “invisíveis” socialmente, os participantes revelaram valorizar atributos que fogem do padrão de masculinidade no que diz respeito a certos comportamentos e performances, mostrando o investimento em uma masculinidade própria e única. Em seus planos, estavam decididos a não assumirem certas marcas da masculinidade patriarcal:

Não existe nada que seja muito homem ou pouco homem. Eu só quero ser passável como qualquer outro homem, quero ser visto como um homem. Só isso (H4).

Eu sou só eu. Se as pessoas definem masculinidade com machismo e tal, eu não fui criado assim, os homens cis da minha família são todos amorosos, eu aprendi isso com eles. Então, não fico me prendendo num padrão de masculinidade, não acho isso certo (H10).

Eu comecei a desconstruir aqueles símbolos de masculinidade, aquele padrão, eu vi que aquilo ali não era de meu agrado. Então, eu desconstruí tudo. Então, exatamente não tenho masculinidade (H11, 21 anos, orientação sexual indefinida, solteiro, branco, ensino médio, desempregado, renda variável).

Todos formularam algum tipo de crítica ao patriarcado e à masculinidade cisheteronormativa, que definiam como homem padrão, masculinidade tóxica, machista e aquele homem que é autoritário, que quer ser o rei da casa, que não quer escutar, não quer mostrar que tem sentimentos, quer mandar na mulher de qualquer forma, como disse H12. Como aspecto positivo, vincularam a masculinidade à ética e à retidão.

Em especial, dois participantes relativizaram a importância das mamas. O primeiro, H6, um jovem de 19 anos, classe média e universitário, nos contou que havia desejado tanto realizar a mamoplastia que fez uma “vaquinha virtual” para conseguir os recursos. E em seguida, revelou que havia sonhado com a histerectomia, mas que já não a desejava por ter se arrependido de fazer a mamoplastia. Em suas palavras, eu não preciso tirar mais uma parte do meu corpo para ser o homem que sou. Enquanto H18, o mais velho dos nossos entrevistados, com 53 anos, afirmou que às vezes uso a faixa, às vezes não. Hoje estou sem ela. Gostaria de ter feito a cirurgia de mama, mas agora estou velho demais para isso.

“Antes de ser trans eu sou negro”: a cor da pele como marcador de diferença na construção das masculinidades trans

Pode-se dizer que a interseccionalidade de raça, classe e gênero, como estruturantes sociais e determinantes no processo saúde-doença4444 Batista L, Barros S. Enfrentando o racismo nos serviços de saúde. Cad Saude Publica 2017; 33(Supl. 1):e00090516., ganha outros contornos quando se trata da construção das masculinidades trans e de suas demandas de saúde. Como interseccionalidade, compreendemos a possibilidade de se trazer para a arena de discussões a “multiplicidade de diferenciações que, articulando-se a gênero, permeiam o social”4545 Piscitelli A. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Rev Soc Cult 2008; 11(2):263-274. (p. 264).

As experiências trans que foram compartilhadas com as pesquisadoras revelaram o atravessamento de marcadores sociais que limitavam e subordinavam essas vivências, alguns já apontados aqui. Mas para essa discussão, elegemos o marcador raça/cor, pois a maior parte dos participantes se declarou negro e alguns formularam reflexões importantes sobre o impacto desse marcador na construção de suas masculinidades trans.

Como afirma Fraga4646 Fraga FA. A percepção de homens negros transexuais acerca de saúde e adoecimento [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; 2020., as pesquisas sobre a população negra e para a população negra trans ainda são insuficientes, mas é possível dizer que a cor da pele determina as relações e diminui ou aumenta o risco de morrer, independentemente de classe social. E quando se trata do campo da saúde, produz “iniquidades e impactando negativamente a qualidade do cuidado e da assistência prestados à população negra da sua infância até a vida adulta”4646 Fraga FA. A percepção de homens negros transexuais acerca de saúde e adoecimento [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; 2020. (p. 23).

A masculinidade negra é historicamente vista como viril e incansável, tendo seu corpo reduzido a uma corporeidade animalesca, equilibrando-se entre a marginalização e a exaltação, a hipersexualização e a desumanização, não tendo direito ao prestígio e tampouco ao lugar de “homem-humano”4747 Rodrigues WHS. Desmistificando a Sensualidade naturalizada do ébano: um estudo acerca da objetificação do corpo do homem negro. Cad Gen Tec 2020; 13(41):267-284.. Um corpo racializado e permeado por atributos negativos e opostos aos dos corpos brancos, que alimentam e naturalizam a desigualdade racial4848 Nogueira IB. Significação do corpo negro [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1998

49 Carneiro S. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro; 2011.
-5050 Bento MAS. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: Carone I, Bento MAS, organizadores. Psicologia social do racismo. Petrópolis: Vozes; 2002. p. 25-59..

Para nossos entrevistados que se declararam negros, a sensação de insegurança e o medo da exclusão social foram ampliados quando iniciaram a transição. A certeza de que a cor da pele importa para a construção de sua masculinidade levou H24 a dizer de forma enfática que ser mulher negra é muito diferente de ser homem negro, pois desde que começou a transição passou a temer mais a violência urbana, principalmente a policial.

Antes de ser trans, sou negro. Me viam como vulgar, mas não como um perigo. Isso me abalou mais do que a negação da minha própria família. Bato nessa tecla dentro do movimento, pois minha saúde mental está ligada a isso. Hoje, criança não fala comigo. Se estou de bermuda, sou pivete. Não posso entrar em banco (H24).

Em outro trecho, recorda os ensinamentos do pai, um homem negro, sobre masculinidade e discorre a respeito do que tem aprendido com a sua experiência:

Pro meu pai, que faleceu, homem tem que ser forte, tem que ter pau grande, então isso foi começando encher a minha cabeça, porque eu sou gordo. Eu não sou tão baixo, sou de uma estatura mediana, mas eu não tenho pau! Então, o que eu vou fazer agora? As pessoas vão me ler enquanto homem negro, eu tenho que ser grosso, eu não posso chorar, eu tenho que ser forte... “Um negão desse tá chorando por quê?! Caiu, levanta!” Eu tô aprendendo a ser um homem negro, porque até então ser só homem bastava, mas não! (H24)

Ainda com relação à cor da pele, outro participante chamou atenção para um aspecto relevante quando se trata de cicatrização de cortes cirúrgicos entre as pessoas de pele negra: a maior propensão para desenvolver queloides. Apesar de seu desejo de reduzir as mamas, H10 disse temer a cirurgia, preferindo lançar mão de outras estratégias. Em suas palavras, o cirurgião falou que a probabilidade de dar queloide nessa área é maior, e eu tenho tendência. Aí eu entrei pra academia e diminuiu bastante, e vou tentar diminuir mais ainda com a testosterona.

Considerações finais

Com esse estudo foi possível compreender que o uso de hormônios implica mais do que as modificações corporais conforme a identidade de gênero. A hormonização cruzada resulta em novas posições sociais e políticas que esses homens passam a vivenciar após adquirirem um corpo reconhecido como masculino. Esse corpo conquistado traz vantagens, entre as quais as mais destacadas foram: poder circular pela cidade sem enfrentar olhares e comentários discriminatórios, olhar-se no espelho com mais prazer, gostando do que se vê, e reconhecer-se como homem.

O desejo por essas conquistas os faz tolerar os efeitos colaterais físicos e sociais que a hormonização costuma trazer, como acne, gordura abdominal, calvície e irritabilidade, além das consequências intangíveis, como o aumento da probabilidade de sofrerem racismo e violência física.

Ser trans é você se olhar no espelho e ficar meio mal. Essa frase dita tristemente por um dos participantes nos tocou de forma pungente. Consideramos que essa não pode ser uma definição aceitável para a transexualidade e que precisa ser negada e revista, principalmente por quem atua na área da saúde, que tem por obrigação profissional promover saúde e atuar para não fazer dessa frase uma sentença.

Preferimos tomar a frase dita por outro participante quando lhe foi perguntado sobre o que buscava naquele serviço, e respondeu confiante e cheio de esperança: Eu vim buscar essa liberdade de ser quem eu queria ser. Acreditamos que essa fala revela o que o sistema de saúde pode e precisa ser para essas pessoas, uma instituição que colabore para o encontro desses homens com os seus sonhos por meio do cuidado que os dignifique e que seja digno dessas pessoas.

Agradecimento

Ao Fomento FAPERJ - Edital 12/2019 - Apoio ao Programa de Pós-Graduação do Estado do Rio de Janeiro, pelo financiamento da tradução deste artigo para o inglês.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Out 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2022
  • Aceito
    17 Maio 2022
  • Publicado
    19 Maio 2022
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