Tendências temporais das desigualdades no acúmulo de fatores de risco comportamentais nas capitais do Brasil, 2008-2018

Temporal trends in inequalities of accumulated behavioral risk factors in Brazilian state capitals, 2008-2018

Mariele dos Santos Rosa Xavier Andrea Wendt Inácio Crochemore-Silva Sobre os autores

Resumo

O objetivo do estudo foi avaliar as tendências das desigualdades de sexo e escolaridade no acúmulo de fatores de risco comportamentais nas capitais brasileiras. Foram analisados repetidos inquéritos do Vigitel, entre os anos de 2008 e 2018, com adultos (≥ 18 anos) residentes nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal (n = 569.246). O acúmulo de ao menos dois fatores de risco comportamentais contemplou inatividade física, alimentação inadequada, tabagismo e consumo abusivo de álcool. Foram utilizadas medidas simples e complexas de desigualdade (de sexo e escolaridade). As interseccionalidades de sexo e escolaridade por faixa etária e região também foram consideradas. Entre 2008 e 2018, a prevalência do acúmulo em adultos diminuiu de 51,6% para 41,2% entre os homens, e de 45,3% para 30,8% entre as mulheres. Embora uma tendência de redução do acúmulo dos fatores de risco ao longo do tempo tenha sido observada, as desigualdades de sexo e escolaridade em geral persistiram. Homens adultos e pessoas com menor escolaridade apresentam de forma sistemática maiores prevalências de acúmulo, reforçando a necessidade de monitoramento das desigualdades e de ações para sua redução.

Key words:
Healthcare disparities; Risk factors; Noncommunicable diseases

Abstract

The aim of this study was to assess trends in inequalities regarding sex and educational levels in accumulated behavioral risk factors in the Brazilian state capitals. Repeated surveys from a Vigitel surveillance initiative carried out from 2008 to 2018 including adults (≥ 18 years) living in the 26 Brazilian state capitals and in the Federal District were analyzed (n = 569246). Accumulation of at least two behavioral risk factors including physical inactivity, inadequate diet, tobacco use and abusive alcohol consumption. Simple and complex measures of inequality were calculated according to sex and educational level, in addition to assessing intersectionality between age groups and regions of the country. The accumulated risk factor prevalence between 2008 and 2018 decreased from 51.6% to 41.2% among males and from 45.3% to 30.8% among females. Despite the observed decreasing trends in the prevalence of accumulated risk factors over time, inequalities of sex and educational levels persisted. Adult males and people with lower levels of education persistently presented higher prevalence of accumulated risk factors, highlighting not only the need for monitoring strategies of such inequalities, but also for actions aiming at reducing this trend.

Key words:
Healthcare disparities; Risk factors; Noncommunicable diseases

Introdução

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) se configuraram como um dos principais problemas de saúde pública mundial, em virtude de sua carga na mortalidade em geral e, principalmente, por seu impacto na mortalidade precoce11 Bennett JE, Stevens GA, Mathers CD, Bonita R, Rehm J, Kruk ME, Riley LM, Dain K, Kengne AP, Chalkidou K, Beagley J, Kishore SP, Chen W, Saxena S, Bettcher DW, Grove JT, Beaglehole R, Ezzati M. NCD Countdown 2030: worldwide trends in non-communicable disease mortality and progress towards Sustainable Development Goal target 3.4. Lancet 2018; 392(10152):1072-1088.. No Brasil, dados preliminares do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do ano de 2019 informam que dos 1.345.022 milhões de óbitos ocorridos, 730.341 mil (54,3%) foram causados por DCNT; e desses, 305.679 mil (41,8%) foram considerados como prematuros (30 a 69 anos)22 Departamento de Análise de Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Secretaria de Vigilância em Saúde. Painel de monitoramento da mortalidade prematura (30 a 69 anos) por DCNT [Internet]. 2020. [acessado 2020 Jun 25]. Disponível em: http://svs.aids.gov.br/dantps/centrais-de-conteudos/paineis-demonitoramento/mortalidade/dcnt/
http://svs.aids.gov.br/dantps/centrais-d...
. Esse cenário contrasta com o evidenciado na primeira metade do século passado, em que, por exemplo, as mortes por doenças infecciosas no país correspondiam a cerca de 46% nas capitais brasileiras33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). A vigilância, o controle e a prevenção das doenças crônicas não-transmissíveis: DCNT no contexto do Sistema Único de Saúde brasileiro. Brasília: OPAS, MS; 2005.. Importante ressaltar que, em associação com essa transição epidemiológica, ocorre uma transição demográfica, causando modificações na pirâmide etária do país, com significativo aumento das populações adulta e idosa, faixas etárias em que as DCNT são mais prevalentes44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeção da população do Brasil e das unidades da federação [Internet]. 2020. [acessado 2020 Jun 25]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html?utm_source=portal&utm_medium=popclock&utm_campaign=novo_popclock
https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/p...
.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um seleto grupo de fatores de risco responde por grande parte tanto da incidência quanto dos óbitos por DCNT, destacando-se a inatividade física, a alimentação inadequada, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas e o tabagismo55 World Health Organization (WHO). Global status report on noncommunicable diseases 2014. Geneva: WHO; 2014.. Por exemplo, estima-se que a inatividade física aumenta o risco de doenças respiratórias crônicas, além de diabetes, hipertensão, cânceres de cólon e de mama e depressão66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Secretaria de Vigilância em Saúde, MS; 2011.. O hábito de fumar é responsável por uma das principais neoplasias (câncer de pulmão - 71%); já o consumo abusivo de bebidas alcoólicas está associado a mais da metade das DCNT e seus óbitos, com destaque para cirrose hepática e doenças relacionadas ao aparelho circulatório. E, finalmente, são inúmeras as evidências de que uma alimentação composta por baixo consumo de frutas, legumes, cereais integrais e verduras está associado a maior risco cardiovascular77 World Health Organization (WHO). Global status report on noncommunicable diseases 2010. Geneva: WHO; 2011..

Na perspectiva dos determinantes sociais em saúde, diferenças de acordo com renda, escolaridade, etnia, ocupação, sexo, entre outras dimensões de desigualdade são expressivas tanto na distribuição das DCNT quanto dos fatores de risco comportamentais como tabagismo, alimentação inadequada, consumo abusivo de álcool e inatividade física88 Malta DC, Bernal RIT, Almeida MCM, Ishitani LH, Girodo AM, Paixão LMMM, Oliveira MTC, Junior FGP, Júnior JBS. Desigualdades intraurbanas na distribuição dos fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis, Belo Horizonte, 2010. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(3):629-641.. É pertinente destacar que análises das desigualdades dos fatores de risco de forma individualizada já são encontradas na literatura99 Francisco PMSB, Segri NJ, Barros MBA, Malta DC. Desigualdades sociodemográficas nos fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis: inquérito telefônico em Campinas, São Paulo. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(1):7-18.,1010 Poortinga W. The prevalence and clustering of four major lifestyle risk factors in an English adult population. Prev Med 2007; 44(2):124-128.. No entanto, estudos abordando as desigualdades do acúmulo desses fatores e suas mudanças ao longo do tempo ainda são escassos.

Considerando que o monitoramento destas desigualdades pode auxiliar no planejamento e implementação de políticas públicas que contemplem em algum nível o acúmulo de fatores de risco, como a própria política de atenção primária à saúde, o objetivo deste estudo foi avaliar as tendências das desigualdades entre homens e mulheres e entre os grupos de escolaridade no acúmulo de fatores de risco comportamentais nas capitais brasileiras.

Métodos

Delineamento e fonte de dados

Trata-se de um estudo de série temporal, baseado em dados de 11 inquéritos transversais conduzidos nas capitais brasileiras entre os anos de 2008 e 2018. Foram utilizados os dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizado anualmente pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O Vigitel tem como principal objetivo efetuar o monitoramento contínuo da frequência e distribuição dos principais fatores de risco e proteção para as DCNT. São considerados elegíveis para os inquéritos adultos com 18 anos de idade ou mais residentes em domicílios contemplados por ao menos uma linha telefônica fixa nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. A amostra probabilística da população-alvo é obtida ao longo de duas etapas: a primeira consiste em um sorteio sistemático de 5 mil linhas telefônicas em cada cidade, seguido por um re-sorteio e organização de 25 réplicas (subamostras) de 200 linhas. A segunda etapa é o sorteio simples de um morador adulto do domicílio para responder à pesquisa. O tamanho amostral mínimo por inquérito estabelecido pelo sistema Vigitel é de 2 mil entrevistas telefônicas em cada uma das 26 capitais e no Distrito Federal (exceto nos anos de 2012 e 2014, em que esse tamanho amostral mínimo foi de 1.600 e 1.500 indivíduos, respectivamente), para que se possa estimar a frequência de qualquer fator de risco na população adulta, com nível de confiança de 95% e erro amostral de dois pontos percentuais. O peso pós-estratificação de cada indivíduo da amostra (peso rake) foi considerado1111 Bernal RTI, Iser BPM, Malta DC, Claro RM. Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel): mudança na metodologia de ponderação. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(4):701-712..

Desfecho

O desfecho deste estudo foi obtido por meio da avaliação do acúmulo dos seguintes fatores de risco comportamentais: inatividade física, alimentação inadequada, tabagismo e consumo abusivo de álcool. Para isso, a definição operacional dos componentes do acúmulo se deu de acordo com a sua disponibilidade e comparabilidade das informações em todos os anos do inquérito.

A inatividade física foi avaliada por meio das seguintes perguntas: “O(a) sr.(a) pratica exercício físico pelo menos uma vez por semana?”, “Para ir ou voltar ao seu trabalho, faz algum trajeto a pé ou de bicicleta?” e “Para ir ou voltar a este curso ou escola, faz algum trajeto a pé ou de bicicleta?”. Foram considerados inativos aqueles sujeitos que relataram que não praticaram nenhuma atividade física na última semana durante o período de lazer e não caminharam/pedalaram no deslocamento para o trabalho ou curso/escola.

Já para a alimentação inadequada foram utilizadas as seguintes variáveis: “Em quantos dias da semana o(a) sr.(a) costuma comer frutas?”, “Em quantos dias da semana o(a) sr.(a) costuma comer pelo menos um tipo de verdura ou legume (alface, tomate, couve, cenoura, chuchu, berinjela, abobrinha - não vale batata, mandioca ou inhame)?” e “Em quantos dias da semana o(a) sr.(a) costuma tomar refrigerante ou suco artificial?”. Diante disso, foram definidos com alimentação inadequada os indivíduos que afirmaram o consumo de frutas e hortaliças menos de cinco dias da semana e consumo de refrigerantes de pelo menos três vezes na semana. Esta definição se deu levando em consideração a primeira edição do Guia alimentar para a população brasileira1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. 1ª ed. Brasília: MS; 2008., em que se recomenda o consumo de frutas e hortaliças diariamente e se desencoraja o consumo de refrigerantes.

Sobre hábito tabagista, seguindo a definição padrão do Vigitel, foram considerados fumantes os participantes que respondiam positivamente à questão sobre fumo atual, independentemente do número de cigarros, da frequência e duração do hábito tabagista.

O consumo abusivo de álcool também foi avaliado de acordo com a definição padrão do Vigitel, considerando aqueles respondentes que nos últimos 30 dias chegaram a consumir cinco ou mais doses entre os homens e quatro ou mais doses entre as mulheres de bebida alcoólica em uma única ocasião.

A definição de acúmulo de fatores de risco foi considerada a partir da somatória de pelo menos dois dos fatores citados em nível individual. Assim, foi realizado um somatório de respostas positivas para os fatores de risco descritos, em que indivíduos que apresentaram dois ou mais fatores foram classificados como possuindo acúmulo de fatores de risco.

Dimensões de desigualdade (estratificadores)

As dimensões de desigualdade abordadas no estudo foram relativas a sexo (masculino e feminino) e escolaridade. A coleta de dados sobre escolaridade contempla, além de ter cursado ensino superior, estrutura de ensino atual e possibilidades de ensino básico historicamente apresentadas, como a realização de curso primário, admissão e curso ginasial, até os níveis vigentes de ensino fundamental e médio. De acordo com as respostas dos participantes, foi estimado o número completo de anos de estudo e, por fim, a escolaridade foi categorizada em três grupos: 0 a 8, 9 a 11 e 12 anos ou mais de estudo. Como renda e índice de bens não foram coletados no Vigitel, e considerando o contexto brasileiro, a escolaridade pode configurar-se como um importante proxy de indicador socioeconômico1313 Silva ICM, Restrepo-Mendez MC, Costa JC, Ewerling F, Hellwig F, Ferreira LZ, Ruas LPV, Joseph G, Barros AJD. Mensuração de desigualdades sociais em saúde: conceitos e abordagens metodológicas no contexto brasileiro. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(1):e000100017.,1414 World Health Organization (WHO). Handbook on health inequality monitoring: with a special focus on low- and middle-income countries. Geneva: WHO; 2013..

Além das análises específicas dessas dimensões de desigualdade, o presente estudo contempla uma abordagem sobre as interseccionalidades de múltiplas características operacionalizadas por duplas estratificações. Assim, desigualdades de sexo são apresentadas de forma estratificada por faixa etária (adultos: 18 a 59 anos; idosos: 60 anos ou mais) e regiões do país. Além disso, as desigualdades de acordo com escolaridade foram exploradas especificamente entre homens e mulheres, adultos e idosos e em cada uma das regiões do país.

Aspectos éticos

Todos os inquéritos utilizados no estudo foram aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde (CAAE: 65610017.1.0000.0008), e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido de forma verbal no momento do contato telefônico com o entrevistado1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2008. Brasília: MS; 2008.,1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2018. Brasília: MS; 2018..

Análises dos dados

Para a análise de desigualdades absolutas e relativas de acordo com o sexo, foram utilizadas medidas simples, baseadas nas diferenças e razões, respectivamente1313 Silva ICM, Restrepo-Mendez MC, Costa JC, Ewerling F, Hellwig F, Ferreira LZ, Ruas LPV, Joseph G, Barros AJD. Mensuração de desigualdades sociais em saúde: conceitos e abordagens metodológicas no contexto brasileiro. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(1):e000100017.,1414 World Health Organization (WHO). Handbook on health inequality monitoring: with a special focus on low- and middle-income countries. Geneva: WHO; 2013.,1717 Barros AJD, Victora CG. Measuring coverage in MNCH: determining and interpreting inequalities in coverage of maternal, newborn, and child health interventions. PLoS Med. 2013; 10(5):e1001390.. No presente estudo, a diferença de sexo foi calculada como a prevalência do acúmulo de fatores de risco nos homens menos a prevalência nas mulheres em cada ano. Do mesmo modo, a razão foi calculada como a prevalência do acúmulo de fatores de risco nos homens dividida pela prevalência nas mulheres em cada ano.

Para as análises de desigualdades absolutas e relativas de acordo com escolaridade, foram utilizados o índice angular de desigualdade (IAD) e o índice de concentração (IC) para o estratificador ordinal (escolaridade). O IAD é uma medida complexa de desigualdade absoluta que permite avaliação de estratificadores ordinais, como escolaridade, pois leva em consideração todas as categorias da variável analisada, e não somente os grupos extremos. Ele varia de -100 a 100, expressando a diferença entre os extremos da distribuição de escolaridade em pontos percentuais. Valores próximos de zero indicam ausência de desigualdade, valores negativos indicam maior prevalência do desfecho nos menos escolarizados e valores positivos apontam maior prevalência do desfecho no grupo mais escolarizado. Já o IC é uma medida complexa de desigualdade relativa. Assim como o IAD, o IC também leva em consideração todas as categorias da variável de estratificação, e seu cálculo é semelhante ao índice de Gini (varia de -1 a +1 ou de -100 a 100). O IC assume valores próximos de zero como igualdade, valores positivos apontam maior prevalência do desfecho no grupo mais escolarizado e valores negativos indicam maior prevalência no grupo menos escolarizado1313 Silva ICM, Restrepo-Mendez MC, Costa JC, Ewerling F, Hellwig F, Ferreira LZ, Ruas LPV, Joseph G, Barros AJD. Mensuração de desigualdades sociais em saúde: conceitos e abordagens metodológicas no contexto brasileiro. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(1):e000100017.,1414 World Health Organization (WHO). Handbook on health inequality monitoring: with a special focus on low- and middle-income countries. Geneva: WHO; 2013.,1717 Barros AJD, Victora CG. Measuring coverage in MNCH: determining and interpreting inequalities in coverage of maternal, newborn, and child health interventions. PLoS Med. 2013; 10(5):e1001390.. Ambas as medidas complexas de desigualdade (IAD e IC) foram calculadas para cada ano.

As análises de tendência temporal foram realizadas por meio da regressão linear de Prais-Winsten1818 Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):565-576.,1919 Böhm AW, Costa CS, Neves RG, Flores TR, Nunes BP. Tendência da incidência de dengue no Brasil, 2002-2012. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):725-733., baseada na correlação de resíduos, a fim de quantificar as mudanças anuais nas desigualdades do acúmulo de fatores de risco. Nessas análises, a variável independente foi o ano do inquérito, e as dependentes foram as medidas sumárias de desigualdade (diferença e razão de sexo e IAD e IC de acordo com a escolaridade). As tendências foram classificadas em aumento, diminuição e estabilidade (quando não houve tendência estatisticamente significativa, assumiu-se que elas não se modificaram ao longo do tempo). Para o cálculo de mudança anual, utilizou-se o coeficiente resultante da regressão (β). Para medida simples (razão), considerou-se diminuição da desigualdade quando os valores se aproximam de um, e para aumento da desigualdade quando os valores se afastam de um ao longo do tempo. Pra medidas de diferença, IAD e IC, considerou-se diminuição de desigualdade quando os valores se aproximam de zero, e para aumento de desigualdade quando os valores se afastam de zero ao longo do tempo. Todas as análises foram conduzidas no software Stata 15.02020 StataCorp. Stata Statistical Software: Release 15. College Station, TX: StataCorp LLC; 2017., utilizando o comando svy.

Resultados

Ao total, 569.246 pessoas foram analisadas no presente estudo (com o menor número sendo de 40.853, em 2014, e o maior de 54.367, em 2009). De forma geral, a prevalência do acúmulo de ao menos dois fatores de risco foi reduzido ao longo de todos os anos dos inquéritos tanto em adultos como em idosos. Análises estratificadas de acordo com cada fator de risco avaliado de forma individual para homens e mulheres em adultos e idosos podem ser encontrados em material suplementar (tabelas suplementares 1 e 2 - disponíveis em: https://doi.org/10.48331/scielodata.6HR4OW).

A prevalência do acúmulo de pelo menos dois fatores de risco entre homens e mulheres adultos no ano de 2008 foi de 51,6% e 45,3%, respectivamente. Ao longo do período avaliado, essas prevalências diminuíram em ambos os sexos até o ano de 2015, com posterior estabilização. No inquérito mais recente (2018), 41,2% dos homens e 30,8% das mulheres acumulavam ao menos dois fatores de risco (Figura suplementar 1A e Tabela suplementar 3 - disponíveis em: https://doi.org/10.48331/scielodata.6HR4OW). Em 2018, a prevalência de acúmulo de fatores de risco nos homens foi 10,5 pontos percentuais superior em relação às mulheres (ou 30% maior de acordo com uma comparação relativa). Essa desigualdade apresentou um padrão de estabilidade ao se observar a diferença absoluta ao longo do tempo, e um aumento ao analisar a medida de desigualdade relativa (Tabela 1). Entre idosos, a prevalência do acúmulo de fatores de risco foi semelhante ao observado entre os adultos em termos de magnitude. Entretanto, houve significativa redução da desigualdade, tanto em valores absolutos quanto relativos, entre homens e mulheres ao longo do tempo (Figura suplementar 1B - disponível em: https://doi.org/10.48331/scielodata.6HR4OW - e Tabela 2).

Tabela 1
Medidas de desigualdade de sexo e escolaridade no acúmulo de pelo menos dois fatores de risco em adultos.

Quanto às desigualdades de sexo de acordo com as regiões do país, os padrões e magnitudes delas foram bastante similares. As exceções dizem respeito às regiões Norte, Centro-Oeste e Sul, onde as desigualdades no acúmulo de fatores de risco apresentaram variações em determinados anos (tabelas suplementares 4 e 5 - disponíveis em: https://doi.org/10.48331/scielodata.6HR4OW).

Com relação à escolaridade, a prevalência do acúmulo de pelo menos dois fatores de risco entre adultos no ano de 2008 foi de 56,8%, 45,7% e 38,5%, com 0 a 8, 9 a 11 e 12 anos ou mais de estudo, respectivamente. Quando avaliado ao longo do tempo, as prevalências nas três categorias de escolaridade se reduziram em magnitude semelhante. No inquérito de 2018, a prevalência foi de 44,9% entre indivíduos com 0 a 8 anos de estudo, 35,7% de 9 a 11 anos e 29,6% de 12 anos ou mais de estudo (Figura 1A). Com relação às tendências de desigualdades em termos de escolaridade, enquanto as medidas relativas apresentam estabilidade ao longo do tempo, as absolutas identificaram redução de 0,36 pontos percentuais por ano. No entanto, quando observada a interseccionalidade entre sexo e escolaridade, foi identificada estabilidade nas desigualdades tanto entre os homens como entre as mulheres (Tabela 1).

Figura 1
Prevalência de acúmulo de pelo menos dois fatores de risco comportamentais estratificados por escolaridade em adultos (A) e idosos (B).

Entre idosos, as prevalências do acúmulo de fatores de risco observado nos diferentes grupos de escolaridade ao longo do tempo foi um pouco menor, se comparadas ao observado entre os adultos (Figura 1B). A desigualdade em termos de escolaridade no acúmulo de fatores de risco permaneceu estável ao longo do tempo em todas as análises, exceto quando avaliada a desigualdade absoluta entre os homens idosos, em que houve redução ao longo do tempo (Tabela 2).

Tabela 2
Medidas de desigualdade de sexo e escolaridade no acúmulo de pelo menos dois fatores de risco em idosos.

Com relação às desigualdades de escolaridade de acordo com as regiões do país, os padrões e magnitudes observados foram semelhantes ao padrão nacional (tabelas suplementares 4 e 5). A única exceção foi a região Centro-Oeste, onde as desigualdades no acúmulo, especialmente entre os homens, apresentaram aumento nas medidas relativas tanto em adultos quanto em idosos.

Discussão

O presente estudo abordou importantes diferenças ao longo de dez anos (2008 a 2018) na prevalência de acúmulo de ao menos dois fatores de risco entre homens e mulheres, adultos e idosos e diferentes grupos de escolaridade nas capitais brasileiras e de acordo com suas regiões. Embora uma tendência de redução do acúmulo dos fatores de risco ao longo do tempo tenha sido observada, uma estabilização a partir de 2015 foi identificada e, principalmente, pouco avanço na redução das desigualdades foi evidenciado. Inclusive, em termos de desigualdade relativa, um discreto aumento da razão de sexo foi observado entre adultos. Com base nas análises de escolaridade, uma suave redução da desigualdade absoluta foi observada na análise geral, e, de forma contrastante, não observada nas análises de interseccionalidade entre sexo e escolaridade. Quando avaliadas as regiões do país, poucas diferenças foram notadas nos padrões e na tendência das desigualdades, exceto na Centro-Oeste, que apresentou aumento na maioria dos indicadores de desigualdade em adultos e idosos.

A redução da prevalência de acúmulo dos fatores de risco comportamentais pode ser explicada inicialmente pela diminuição da prevalência de alguns fatores de risco analisados de forma individual pelo Vigitel e também por dados apresentados em material suplementar (disponível em: https://doi.org/10.48331/scielodata.6HR4OW) no presente estudo. Houve redução na maioria dos fatores de risco quando analisados isoladamente, com exceção de frutas e hortaliças menos de cinco vezes na semana, que apresentou estabilização, e consumo abusivo de álcool, que teve aumento significativo entre as mulheres e estabilização entre os homens. Se por um lado uma tendência significativa de aumento do consumo abusivo de álcool vem sendo evidenciado especificamente entre as mulheres, avanços na redução do tabagismo e no consumo de refrigerantes foram observados, ao mesmo tempo em que houve crescimento na prevalência de atividade física de lazer e no consumo recomendado de frutas e hortaliças1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2018. Brasília: MS; 2018.,2121 Malta DC, Bernal RTI, Neto EV, Curci KA, Pasinato MTM, Lisbôa RM, Cachapuz RF, Coelho KSC. Tendências de fatores de risco e proteção de doenças crônicas não transmissíveis na população com planos de saúde no Brasil de 2008 a 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(Suppl. 1):e180020.. Essas mudanças podem estar relacionadas a muitas das políticas públicas implementadas no Sistema Único de Saúde (SUS), como o Guia alimentar para a população brasileira1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. 1ª ed. Brasília: MS; 2008.,2222 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para a população brasileira. 2ª ed. Brasília: MS; 2014., o avanço da Política Nacional de Promoção da Saúde2323 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Promoção da Saúde. 3ª ed. Brasília: MS; 2010., a Lei Seca (Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008 - controle do consumo de bebidas alcoólicas no ato de dirigir)2424 Brasil. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que "institui o Código de Trânsito Brasileiro", e a Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2008; 19 jun., o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT)2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Instituto Nacional de Câncer (INCA). Programa Nacional de Controle do Tabagismo [Internet]. [acessado 2020 Dez 13]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/programa-nacional-de-controle-do-tabagismo
https://www.inca.gov.br/programa-naciona...
, orientações para hipertensos e diabéticos por meio do programa HIPERDIA, dentro das equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF), bem como nos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF), contando com profissionais de inúmeras especialidades2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). HIPERDIA - Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos [Internet]. [acessado 2020 Dez 13]. Disponível em: http://datasus1.saude.gov.br/sistemas-e-aplicativos/epidemiologicos/hiperdia
http://datasus1.saude.gov.br/sistemas-e-...
,2727 Brasil. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Secretaria da Saúde (SS). Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica. Rio Grande do Sul: SS; 2020. [acessado 2020 Dez 13]. Disponível em: https://atencaobasica.saude.rs.gov.br/nucleo-de-apoio-a-saude-da-familia. Destaca-se que ainda há necessidade de ampliação do investimento nessas políticas públicas para contribuir ainda mais para reduções do acúmulo de fatores de risco.

Os presentes achados reforçam as recomendações da OMS sobre a importância do monitoramento e da vigilância das desigualdades, e não apenas dos indicadores de saúde1414 World Health Organization (WHO). Handbook on health inequality monitoring: with a special focus on low- and middle-income countries. Geneva: WHO; 2013.,1717 Barros AJD, Victora CG. Measuring coverage in MNCH: determining and interpreting inequalities in coverage of maternal, newborn, and child health interventions. PLoS Med. 2013; 10(5):e1001390.. Se a abordagem deste estudo focasse somente nos acúmulos de fatores de risco, teríamos apenas uma leitura positiva do cenário de diminuição dos indicadores em nível nacional. Porém, monitorando as desigualdades, observou-se o predomínio de estabilização das diferenças entre os grupos populacionais e até mesmo a acentuação de algumas desigualdades.

A comparação dos nossos achados com outros estudos na literatura é desafiadora, pois grande parte deles contemplam ou a tendência no acúmulo de fatores de risco ou as desigualdades. Em similaridade com os nossos resultados, há estudos em outros contextos evidenciando que o acúmulo de dois ou mais fatores de risco é mais observado nos homens do que nas mulheres. Pesquisa realizada em Taiwan com o objetivo de examinar a prevalência de fatores de risco de doenças cardiovasculares (incluindo tabagismo, consumo abusivo de álcool, hipertensão arterial, IMC, dislipidemia e diabetes) em adultos chineses identificou que o agrupamento de dois ou mais fatores de risco era mais proeminente nos homens do que nas mulheres (54,3% vs. 21,7%)2828 Wu DM, Pai L, Chu NF, Sung PK, Lee MS, Tsai JT, Hsu LL, Lee MC, Sun CA. Prevalence and clustering of cardiovascular risk factors among healthy adults in a Chinese population: the MJ Health Screening Center Study in Taiwan. Int J Obes 2001; 25(8):1189-1195.. Já pesquisa realizada em Pequim a fim de quantificar, entre outros objetivos, a proporção da população adulta e idosa que apresentava um ou mais fatores de risco cardiovasculares modificáveis (tabagismo, dislipidemia, diabetes, hipertensão, consumo de álcool e excesso de peso/obesidade), identificou que a prevalência desse agrupamento era maior nos homens do que nas mulheres em todas as faixas etárias2929 Zhang L, Qin LQ, Cui HY, Liu AP, Wang PY. Prevalence of cardiovascular risk factors clustering among suburban residents in Beijing, China. Int J Cardiol 2011; 151(1):46-49..

Em nível nacional, dois estudos com objetivos distintos avaliaram fatores de risco comportamentais acumulados e sua simultaneidade com base em dados do Vigitel, especificamente do ano de 2015. Streb e colaboradores (2020) identificaram que as simultaneidades mais prevalentes entre os homens foi consumo habitual de carnes vermelhas com gordura e/ou frango com pele e inatividade física (10,5%) e tempo sedentário e inatividade física (7,0%). Entre as mulheres, a simultaneidade entre tempo sedentário e inatividade física foi a mais recorrente (10,3%)3030 Streb AR, Del Duca GF, da Silva RP, Benedet J, Malta DC. Simultaneidade de comportamentos de risco para a obesidade em adultos das capitais do Brasil. Cien Saude Colet 2020; 25(8):2999-3007.. Já Francisco e colaboradores (2019), avaliando tabagismo, excesso de peso ou obesidade, inatividade física, consumo abusivo de bebidas alcoólicas e alimentação não saudável, identificaram o tabagismo e o consumo abusivo de álcool como os dois comportamentos com maior coocorrência. Além disso, os autores ainda observaram que adultos e idosos do sexo masculino, sem plano privado de saúde e com uma autopercepção de saúde regular ou ruim/muito ruim apresentavam maiores chances de acumular ao menos dois fatores de risco comportamentais3131 Francisco PMSB, Assumpção D, Malta DC. Coocorrência de tabagismo e alimentação não saudável na população adulta brasileira. Arq Bras Cardiol 2019; 113(4):699-709.. Embora nosso estudo tenha focado a avaliação do acúmulo de pelo menos dois fatores de risco ao longo do tempo, a compreensão sobre como esses se combinam também é necessária, devendo ser abordada em estudos futuros, assim como a inclusão de outros fatores de risco, de acordo com a disponibilidade de dados.

Com relação às desigualdades no acúmulo de fatores de risco entre idosos e adultos em termos de escolaridade, o presente estudo apontou estabilidade na maioria das medidas. Indivíduos com menor escolaridade apresentaram acúmulos maiores quando comparados aos que possuíam níveis de instrução mais elevados de forma sistemática ao longo do tempo. Este achado corrobora outros estudos que, mesmo abordando fatores de risco isolados, apresentam maiores prevalências entre os grupos menos privilegiados em termos de nível socioeconômico99 Francisco PMSB, Segri NJ, Barros MBA, Malta DC. Desigualdades sociodemográficas nos fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis: inquérito telefônico em Campinas, São Paulo. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(1):7-18.,3232 Keetile M, Navaneetham K, Letamo G, Rakgoasi D. Socioeconomic inequalities in noncommunicable disease risk factors in Botswana: a cross-sectional study. BMC Public Health 2019; 19(1):1060.

33 Muniz LC, Schneider BC, Silva ICM, Matijasevich A, Santos IS. Accumulated behavioral risk factors for cardiovascular diseases in Southern Brazil. Rev Saude Publica 2012; 46(3):534-542.
-3434 Allen L, Williams J, Townsend N, Mikkelsen B, Roberts N, Foster C, Wickramasinghe K. Socioeconomic status and non-communicable disease behavioural risk factors in low-income and lower-middle-income countries: a systematic review. Lancet 2017; 5(3):e277-e289..

Nesse sentido, é importante observar esses achados sob a perspectiva dos determinantes sociais de saúde. São múltiplos os fatores sociais, ambientais, econômicos e culturais que apresentam grande influência na ocorrência de fatores de risco comportamentais na população, e por consequência de determinados problemas de saúde3535 Buss PM, Filho AP. A saúde e seus determinantes sociais. Rev Saude Col 2007; 17(1):77-93.,3636 Carrapato P, Correia P, Garcia B. Determinante da saúde no Brasil: a procura da equidade na saúde. Saude Soc São Paulo 2017; 26(3):676-689.. As condições de vida das pessoas, incluindo moradia, renda, transporte e trabalho, apresentam forte influência nas capacidades e possibilidades de adoção de comportamentos saudáveis3737 Galobardes B, Shaw M, Lawlor DA, Lynch JW, Smith GD. Indicators of socioeconomic position (part 1). J Epidemiol Community Health 2006; 60(1):7-12.

38 Faleiro JC, Giatti L, Barreto SM, Camelo LV, Griep RH, Guimarães JMN, Fonseca MJM, Chor D, Chagas MCA. Posição socioeconômica no curso de vida e comportamentos de risco relacionados à saúde: ELSA-Brasil. Cad Saude Publica 2017; 33(3):e00017916.

39 Lynch JW, Kaplan GA, Salonen JT. Why do poor people behave poorly? Variation in adult health behaviours and psychosocial characteristics by stages of the socioeconomic lifecourse. Soc Sci Med 1997; 44(6):809-819.
-4040 Buss PM. Promoção da saúde e qualidade de vida. Cien Saude Colet 2000; 5(1):163-177.. Assim, é pertinente enfatizar que, à luz dos determinantes sociais em saúde, para a maior parte da população não é correto o entendimento de que os comportamentos de risco são simplesmente uma questão de escolha. Por mais que sejam comportamentos individuais, suas determinações são em boa parte de cunho social. A partir dessa compreensão, destaca-se que as políticas públicas mais amplas, como as de distribuição de renda, condições de emprego e moradia, precisam ser priorizadas também buscando diminuição das desigualdades nos fatores de risco comportamentais. Já as políticas mais específicas precisam ser sensíveis às condições dos espaços onde as pessoas estão inseridas, buscando uma promoção de saúde socialmente contextualizada.

Considerando as potencialidades deste estudo, destaca-se a utilização de dados secundários, públicos e capazes de fornecer uma visão ampliada dos aspectos de saúde pesquisados. Para isso, ressalta-se também como ponto forte o processo de harmonização dos dados, realizados a fim de conferir maior comparabilidade temporal. Outro diferencial do presente estudo é a apresentação de medidas absolutas e relativas de desigualdade. As medidas absolutas têm na facilidade de interpretação sua principal potencialidade. Já as relativas se destacam por exibir o quão desiguais são as estimativas entre os grupos, porém com alta sensibilidade à prevalência do desfecho em estudo1313 Silva ICM, Restrepo-Mendez MC, Costa JC, Ewerling F, Hellwig F, Ferreira LZ, Ruas LPV, Joseph G, Barros AJD. Mensuração de desigualdades sociais em saúde: conceitos e abordagens metodológicas no contexto brasileiro. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(1):e000100017.. Contudo, em pesquisas de tendência das desigualdades, a complementariedade dos dois tipos de medidas são essenciais, por nem sempre apresentarem o mesmo padrão ao longo do tempo1717 Barros AJD, Victora CG. Measuring coverage in MNCH: determining and interpreting inequalities in coverage of maternal, newborn, and child health interventions. PLoS Med. 2013; 10(5):e1001390..

O presente estudo apresenta algumas limitações a serem consideradas. As definições de cada fator de risco utilizado para o desfecho de acúmulo, embora considerem a literatura, não seguiram necessariamente recomendações de instituições de saúde, em virtude do tipo de dados disponíveis no Vigitel. Além disso, há de se destacar a existência de limitações específicas para algumas das variáveis utilizadas. Por exemplo: ainda que seja avaliado o consumo de refrigerantes, não são avaliadas outras bebidas açucaradas, e mudanças no consumo desses tipos de bebidas podem estar ocorrendo ao longo do tempo. Ressalta-se também a possibilidade de viés de seleção, pois a amostra se restringe aos que possuem telefone fixo, não contemplando aqueles pertencentes a um estrato socioeconômico mais baixo que podem não possuir linha telefônica fixa. Porém, a utilização de pesos de pós-estratificação por meio do método rake reduz esse viés, visto que ele busca a aproximação da amostra do estudo com a população das capitais brasileiras, por intermédio das estimativas do Censo Demográfico de 2000. Por fim, é importante ponderar que as diferenças entre sexo em idosos podem ser explicadas em parte pelo viés de sobrevivência, visto que o maior acúmulo de fatores de risco é encontrado entre homens, grupo populacional com maior mortalidade precoce.

Considerações finais

As DCNT, no contexto histórico, eram consideradas um problema de saúde pública de modo mais frequente em países de alta renda, ou, em contextos de média e baixa renda, um problema mais comum entre as pessoas com maior nível socioeconômico. Com as transições demográfica, nutricional e epidemiológica4141 Sommer I, Griebler U, Mahlknecht P, Thaler K, Bouskill K, Gartlehner G, Mendis S. Socioeconomic inequalities in non-communicable diseases and their risk factors: an overview of systematic reviews. BMC Public Health 2015; 15:914.,4242 Hosseinpoor AR, Bergen N, Mendis S, Harper S, Verdes E, Kunst A, Chatterji S. Socioeconomic inequality in the prevalence of noncommunicable diseases in low and middle-income countries: results from the World Health Survey. BMC Public Health 2012; 12:474., essa lógica vem se invertendo e as populações menos privilegiadas socialmente vêm se configurando como o grupo populacional com a maior carga desses agravos. Assim, destaca-se que tão importante quanto ações de combate ao acúmulo de fatores de risco para DCNT, que de acordo com o presente estudo estão diminuindo, é a necessidade de políticas públicas sensíveis às persistentes desigualdades aqui evidenciadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2020
  • Aceito
    13 Set 2021
  • Publicado
    15 Set 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br