Resumo
O consumo alimentar, quando realizado de forma não saudável, traz consequências para a saúde dos indivíduos, como uma maior ocorrência de excesso de peso e o agravamento de doenças crônicas prévias. O objetivo deste artigo foi avaliar as desigualdades sumárias no consumo alimentar da população idosa no Brasil. Trata-se de um estudo transversal, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. Foram avaliados os seguintes desfechos: consumo de feijão, verduras/legumes, frutas, leite, carnes, refrigerante, doces e sal. A principal variável de exposição foi escolaridade. Para mensuração da desigualdade foi realizada análise ajustada e também foram utilizados dois índices: slope index (SII) e o concentration index (CIX). Foram investigados 43.554 idosos. Identificou-se que os mais escolarizados tinham até 80,0% mais probabilidade de consumir verduras, frutas e leite, enquanto o consumo de feijão e de carnes foi até 50,0% menor nos mais escolarizados. As análises de desigualdade relativa e absoluta reforçam o menor consumo de alimentos considerados saudáveis entre os idosos menos escolarizados. Os resultados revelam iniquidades no consumo alimentar entre idosos, com maior magnitude nos alimentos reconhecidamente saudáveis.
Key words:
Elderly; Eating behavior; Cross-sectional studies; Healthcare disparities
Abstract
Food consumption, when performed in an unhealthy manner, has consequences for the health of individuals, such as a higher incidence of excess weight and the exacerbation of pre-existing chronic diseases. The scope of this article was to assess summary inequalities in food consumption among the elderly population in Brazil. It involved a cross-sectional study, with data from the 2019 National Health Survey. The following outcomes were evaluated: consumption of beans, greens/vegetables, fruit, milk, meat, soda, candies and salt. The main exposure variable was education. An adjusted analysis was conducted and two indices were also used to measure inequality: the slope index (SII) and the concentration index (CIX). A total of 43,554 elderly people were investigated. It was identified that the more educated were 80% more likely to consume vegetables, fruit and milk, while the consumption of beans and meat was up to 50% lower among the less educated. The analyses of relative and absolute inequality reinforce the lower consumption of foods considered healthy among the less educated elderly individuals. The results reveal inequalities in food consumption among the elderly, with greater magnitude in food recognized as being healthy.
Key words:
Elderly; Eating behavior; Cross-sectional studies; Healthcare disparities
Introdução
O consumo alimentar apresenta um importante papel para a manutenção da saúde, da capacidade funcional e do bem-estar psicológico, em especial para os idosos11 Organização Mundial da Saúde (OMS). Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: OMS; 2005.,22 Breen L, Stewart CE, Onambélé GL. Functional benefits of combined resistance training with nutritional interventions in older adults: a review. Geriatr Gerontol Int 2007; 7(4):326-340.. Observa-se o aumento da proporção de idosos no Brasil33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeção da população [Internet]. [acessado 2022 fev 7]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html
https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/p... . Em 2010, 7% da população tinha 65 anos ou mais, em 2021 passou para 10%, e as projeções para 2060 são de que 25% da população brasileira tenha 65 anos ou mais33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeção da população [Internet]. [acessado 2022 fev 7]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html
https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/p... . Concomitante ao envelhecimento populacional, existe o acréscimo das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), que estão fortemente associadas a fatores de risco como inatividade física, tabagismo, consumo de álcool e de alimentos não saudáveis44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal - Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.
5 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico - estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados. Brasília: MS; 2020.
6 World Health Organization (WHO). Non communicable diseases prematurely take 16 million lives annually, WHO urges more action. [Internet]. 2015. [cited 2022 Fev 7]. Available from: https://www.who.int/westernpacific/news/detail/19-01-2015-noncommunicable-diseases-prematurely-take-16-million-lives-every-year-who-urges-countries-to-invest-in-best-buy-interventions
https://www.who.int/westernpacific/news/...
7 Malta DC, Bernal RTI, Iser BPM, Szwarcwald CL, Duncan BB, Schmidt MI. Factors associated with self-reported diabetes according to the 2013 National Health Survey. Rev Saude Publica 2017; 51(Suppl. 1):1S-11S.-88 Marques AP, Szwarcwald CL, Pires DC, Rodrigues JM, Almeida WS, Romero D. Fatores associados à hipertensão arterial: uma revisão sistemática. Cien Saude Colet 2020; 25(6):2271-2282.. Para estimar a relação entre a dieta e a ocorrência de DCNT, algumas maneiras de avaliação da ingestão alimentar vêm sendo desenvolvidas99 Fisberg RM, Slater B, Barros RR, Lima FD, Cesar CLG, Carandina L, Barros MBA, Golbaum M. Índice de Qualidade da Dieta: avaliação da adaptação e aplicabilidade. Rev Nutr 2004; 17(3):301-318.,1010 Azevedo ECC, Diniz AS, Monteiro JS, Cabral PC. Padrão alimentar de risco para as doenças crônicas não transmissíveis e sua associação com a gordura corporal - uma revisão sistemática. Cien Saude Colet 2014; 19(5):1447-1458..
No Brasil, o Guia alimentar para a população brasileira atua especialmente na promoção da alimentação saudável para adultos e idosos, tendo sido reformulado em 2014, considerando o grau de processamento dos alimentos, classificados em alimentos in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários (descritos no Guia como grupo dos óleos, gorduras, sal e açúcares), alimentos processados e ultraprocessados1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Básica. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2 ed. Brasília: MS; 2014.. O inquérito telefônico para vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas (Vigitel) do Ministério da Saúde tem mostrado como está o panorama geral da alimentação de indivíduos com 65 anos ou mais. De acordo com os dados de 2020, entre os idosos de 65 anos ou mais, 45,3% consumiram frutas e hortaliças e 57,1% ingeriram feijão pelo menos cinco vezes na semana, alimentos estes considerados in natura ou minimamente processados. Cerca de 10% dos idosos consumiram refrigerantes pelo menos cinco dias na semana e alimentos ultraprocessados no dia anterior à entrevista1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2020: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico - estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados e no Distrito Federal em 2020. Brasília: MS; 2020..
O consumo de alimentos considerados saudáveis, que devem ser a base da alimentação, a exemplo de frutas, hortaliças e grãos, entre outros, reconhecidamente protetores contra DCNT, está diretamente associado ao nível socioeconômico44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal - Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.,55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico - estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados. Brasília: MS; 2020.. Estudo realizado no Sul do Brasil em 2014, com indivíduos de 60 anos ou mais, evidenciou que idosos com zero a três anos de escolaridade apresentaram chance duas vezes maior de ter uma dieta de baixa qualidade, em relação àqueles com 12 anos ou mais de escolaridade1313 Gomes AP, Soares ALG, Gonçalves H. Baixa qualidade da dieta de idosos: estudo de base populacional no sul do Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3417-3428.. Outros fatores socioeconômicos - como falta de dinheiro para compra de alimentos, problema na boca ou nos dentes e realizar as refeições sozinho - também estiveram estatisticamente associados à baixa qualidade da dieta1313 Gomes AP, Soares ALG, Gonçalves H. Baixa qualidade da dieta de idosos: estudo de base populacional no sul do Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3417-3428.,1414 Riediger ND, Moghadasian MH. Patterns of fruit and vegetable consumption and the influence of sex, age and socio-demographic factors among Canadian elderly. J Am Coll Nutr 2008; 27(2):306-313..
O consumo alimentar considerado não saudável, com excesso de produtos ultraprocessados, traz consequências para a saúde dos indivíduos, por exemplo o aumento da ocorrência de excesso de peso e obesidade em todas as faixas etárias44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal - Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.. As prevalências de excesso de peso e de obesidade em indivíduos com 60 anos ou mais chegam hoje a 64% e 25%, respectivamente44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal - Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2020..
Existem poucos estudos brasileiros que avaliem o consumo alimentar de idosos, sobretudo que tenham avaliado as possíveis desigualdades com relação à alimentação dessa população. A escolaridade atua como importante variável nesse contexto, pois reflete o nível de conhecimento dos indivíduos e o contexto social em que estão inseridos, além de contribuir para a escolha dos hábitos alimentares1313 Gomes AP, Soares ALG, Gonçalves H. Baixa qualidade da dieta de idosos: estudo de base populacional no sul do Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3417-3428.
14 Riediger ND, Moghadasian MH. Patterns of fruit and vegetable consumption and the influence of sex, age and socio-demographic factors among Canadian elderly. J Am Coll Nutr 2008; 27(2):306-313.
15 Dourado DAQS, Marucci M FN, Roediger MA, Duarte YAO. Padrões alimentares de indivíduos idosos do município de São Paulo: evidências do estudo SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento). Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(6):756-767.-1616 Medina LPB, Barros MBA, Sousa NFS, Bastos TF, Lima MG, Szwarcwald CL. Social inequalities in the food consumption profile of the Brazilian population: National Health Survey, 2013. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Suppl. 2):E190011.. Cabe destacar que o consumo alimentar considerado não saudável pode acarretar consequências desfavoráveis para a saúde dos indivíduos, como maior ocorrência de excesso de peso e agravamento de doenças crônicas44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal - Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2020..
Nesse cenário, torna-se importante monitorar o consumo alimentar e estimar a magnitude das desigualdades. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar as desigualdades sumárias no consumo alimentar da população idosa no Brasil.
Métodos
Estudo utilizando dados transversais da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), coletado em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde. A amostra da PNS é representativa da população brasileira residente em domicílios particulares permanentes, abrangendo, além do território nacional, as áreas urbana e rural, as cinco macrorregiões geográficas e as unidades da federação, capitais e regiões metropolitanas44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal - Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.,1717 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, Sardinha LMV, Macário EM. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(5):e2020315..
A seleção da amostra foi realizada por meio de amostragem por conglomerados, dividida em três estágios, sendo o primeiro a seleção das unidades primárias de amostragem, que consistiam nos setores censitários ou conjunto de setores. No segundo estágio, dentro de cada unidade primária de amostragem, foi selecionado um número fixo de domicílios particulares permanentes por amostragem aleatória simples. Por fim, foi sorteado um morador em cada domicílio (15 anos ou mais) para responder ao questionário, sendo esse sorteio também por amostragem aleatória simples44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal - Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.,1717 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, Sardinha LMV, Macário EM. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(5):e2020315.. Para este estudo foram selecionados apenas os indivíduos com 60 anos ou mais.
Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos moradores selecionados, entrevistadores treinados coletaram informações sociodemográficas e de saúde utilizando dispositivos móveis de coleta - smartphones. A coleta de dados foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/Conselho Nacional de Saúde com o número de protocolo 3.529.376. A fonte de dados é secundária, por isso este estudo não necessitou de aprovação ética, pois não foi considerado uma pesquisa com seres humanos. Os microdados estão disponíveis on-line e podem ser acessados no seguinte endereço eletrônico: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t= microdados.
Foram avaliados oito desfechos: 1) consumo de feijão; 2) consumo de verduras ou legumes; 3) consumo de frutas; 4) consumo de leite; 5) consumo de carnes (carne vermelha e/ou frango/galinha e/ou peixe); 6) consumo de refrigerante; 7) consumo de doces (biscoito/bolacha recheada, chocolate, gelatina, balas e outros); e 8) consumo de sal. Os desfechos foram avaliados a partir das respostas às questões sobre a frequência semanal de consumo (número de dias na semana): Em quantos dias da semana o(a) sr.(a) costuma comer/tomar ...?, considerando o consumo médio desses alimentos incluídos no módulo P no instrumento. As opções de resposta poderiam ser “nunca ou menos de uma vez por semana” ou “número de dias na semana (1-7)”. Para fins de análise, considerou-se o consumo adequado de feijão, verduras/legumes, frutas, leite e carnes de sete dias na semana. Para refrigerante e doces foi considerado o consumo de dois ou menos dias na semana. O consumo de sal foi questionado por meio da pergunta: Considerando a comida preparada na hora e os alimentos industrializados, o(a) sr.(a) acha que o seu consumo de sal é ..., tendo as opções de resposta “muito alto”, “alto”, “adequado”, “baixo” e “muito baixo”. Para a análise foi considerada como baixo consumo de sal as categorias baixo e muito baixo.
A variável de exposição utilizada foi a escolaridade, em cinco categorias (sem instrução; ensino fundamental incompleto; ensino fundamental completo/médio incompleto; ensino médio completo/superior incompleto; e ensino superior completo). Ainda foram utilizadas como ajuste para confundidores as variáveis de sexo (feminino/masculino), cor da pele autorreferida (branca/parda/preta/amarela/indígena), região (Norte/Nordeste/Centro-Oeste/Sudeste/Sul) e situação censitária (urbano/rural).
Foram descritas as prevalências e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) para cada um dos alimentos pesquisados, e realizada análise ajustada por meio de regressão de Poisson para estimar as razões de prevalência e seus respectivos intervalos de confiança de acordo com as categorias de escolaridade.
Desigualdades brutas e relativas à prevalência de consumo de cada alimento de acordo com a escolaridade foram estimadas utilizando os slope index of inequality (SII) e concentration index (CIX). O SII é uma medida sumária complexa de desigualdades absolutas ajustada a partir de uma regressão logística. Esse índice representa a diferença absoluta, em pontos percentuais, das prevalências de categorias extremas de escolaridade. Já o CIX é uma medida sumária complexa de desigualdades relativas, na qual os indivíduos são ranqueados conforme as categorias de escolaridade. Os valores de ambos os índices podem variar entre -100 e 100, com valores negativos indicando que a prevalência do padrão alimentar em análise é maior entre os indivíduos menos escolarizados, enquanto valores positivos indicam maiores prevalências entre os mais escolarizados. Quando o SII e o CIX são iguais a zero, indica ausência de desigualdades. Mais informações sobre os cálculos de ambos os índices podem ser encontradas em outra publicação1818 Barros AJD, Victora CG. Measuring Coverage in MNCH: determining and interpreting inequalities in coverage of maternal, newborn, and child health interventions. PLoS Med 2013; 10(5):e1001390.. Medidas sumárias de desigualdade, como o SII e o CIX, que levam em consideração toda a distribuição dos dados, e não apenas grupos extremos, e que podem ser aplicadas a qualquer grupo populacional são consideradas mais adequadas metodologicamente para aferir desigualdades1919 Silva ICM, Restrepo-Mendez MC, Costa JC, Ewerling F, Hellwig F, Ferreira LZ, Ruas LPV, Joseph G, Barros AJD. Mensuração de desigualdades sociais em saúde: conceitos e abordagens metodológicas no contexto brasileiro. Epidemiol Serv Saude. 2018; 27(1):e000100017..
Todas as análises foram realizadas no software estatístico Stata, versão 15.0, utilizando os fatores de expansão ou pesos amostrais com o comando svy.
Resultados
Foram entrevistados 43.554 idosos. Destes, a maioria era do sexo feminino (55,9%), cor da pele parda (44,5%), residentes na região Nordeste do país (34,9%) e na zona urbana (85,3%) (Tabela 1).
A Figura 1 apresenta a prevalência dos indicadores alimentares investigados, bem como sua distribuição de acordo com a escolaridade dos idosos. Cerca de 50,0% dos idosos referiram consumir feijão, verduras/legumes e leite todos os dias da semana, enquanto o consumo diário de carnes foi identificado em 17,9% dos indivíduos. A ingestão de refrigerante e doces duas ou mais vezes na semana foi referida por 10,1% e 23,3% dos idosos, respectivamente. Cerca de 40,0% dos idosos relataram baixo consumo de sal.
Prevalência dos desfechos de consumo alimentar de acordo com a escolaridade. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019 (n = 43.554).
Observou-se menor prevalência de consumo de feijão entre os idosos mais escolarizados, enquanto o consumo de verduras/legumes e frutas foi aproximadamente 30 pontos percentuais (p.p.) maior neste estrato da população, quando comparados aos idosos sem instrução. A ingestão de refrigerantes e doces apresentou aumento progressivo de acordo com a escolaridade (Figura 1).
Os resultados da análise ajustada são apresentados na Tabela 2. Verificou-se que o consumo de feijão e de carnes foi de 49,0% (IC95%: 0,46; 0,57) e 34,0% (IC95%: 0,54; 0,82) menor, respectivamente, nos mais escolarizados, e que estes tinham até 80,0% mais probabilidade de consumir verduras/legumes (RP: 1,59; IC95%:1,45; 1,75), frutas (RP:1,79; IC95%:1,62; 2,00) e leite (RP:1,13; IC95%:1,03; 1,24). O consumo de doces também mostrou relação com maior escolaridade (RP:1,22; IC95%: 1,03; 1,45), enquanto o consumo de sal foi maior entre os menos escolarizados (RP: 0,92; IC95%: 0,85;0,98), em comparação com os mais escolarizados (RP: 0,76; IC95%: 0,68; 0,85).
Quanto à desigualdade absoluta (SII), as maiores diferenças entre as prevalências foram observadas nos indicadores de consumo de verduras/legumes (38,1 p.p.) e frutas (43,9 p.p.), mostrando maior desigualdade entre os menos escolarizados. As desigualdades relativas (CIX) também foram maiores e no mesmo sentido nos indicadores de consumo de verduras e frutas (Tabela 3).
Discussão
Os achados deste estudo revelam a presença de desigualdades com maior probabilidade no consumo de alimentos saudáveis, a exemplo de frutas e verduras, conforme o aumento do nível de escolaridade. Além disso, os menos escolarizados consumiram mais feijão, carnes e sal. Em contrapartida, a ingestão de doces foi maior entre os mais escolarizados, reforçando que, mesmo havendo iniquidades, o nível de conhecimento pode não ser o melhor determinante para escolhas alimentares adequadas.
Em uma recente revisão sistemática da literatura sobre consumo alimentar e posição socioeconômica de brasileiros utilizando dados de grandes inquéritos nacionais como PNS e Vigitel, foi observado que a escolaridade esteve diretamente associada ao consumo de frutas, verduras/legumes e lanches, e inversamente ao consumo de feijão, peixe e farinha de mandioca2020 Canuto R, Fanton M, Lira PIC. Iniquidades sociais no consumo alimentar no Brasil: uma revisão crítica dos inquéritos nacionais. Cien Saude Colet 2019; 24(9):3193-3212.. Os resultados dessa revisão acabaram sendo considerados inconclusivos com relação ao nível de conhecimento e consumo de alimentos saudáveis, sugerindo que as escolhas alimentares podem ser determinadas mais pela renda e cultura do que pela escolaridade ou nível de conhecimento da população2020 Canuto R, Fanton M, Lira PIC. Iniquidades sociais no consumo alimentar no Brasil: uma revisão crítica dos inquéritos nacionais. Cien Saude Colet 2019; 24(9):3193-3212..
A literatura aponta que o nível socioeconômico impacta no acesso a serviços, bens e produtos, a exemplo de alimentos considerados saudáveis. Os achados deste estudo evidenciaram maiores desigualdades no consumo de frutas e verduras, com aumento em 60,0% e 80,0%, respectivamente, na probabilidade de consumo no estrato de maior escolaridade1616 Medina LPB, Barros MBA, Sousa NFS, Bastos TF, Lima MG, Szwarcwald CL. Social inequalities in the food consumption profile of the Brazilian population: National Health Survey, 2013. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Suppl. 2):E190011.,2121 Van Lenthe FJ, Jansen T, Kamphuis CBM. Understanding socio-economic inequalities in food choice behaviour: can Maslow's pyramid help? Br J Nutr 2015; 113(7):1139-1147.,2222 Gatica-Domínguez G, Neves PAR, Barros AJD, Victora CG. Complementary feeding practices in 80 low- and middle-income countries: prevalence of and socioeconomic inequalities in dietary diversity, meal frequency, and dietary adequacy. J Nutr 2021; 151(7):1956-1964.. Nos segmentos de menor escolaridade, as restrições econômicas e a falta de conhecimento sobre alimentação e recomendações nutricionais contribuem para a escolha de alimentos considerados não saudáveis. E pessoas com menor nível socioeconômico tendem a optar por alimentos menos saudáveis, devido ao preço e à facilidade de acesso, além de características culturais2323 Ozcariz SGI, Pudla KJ, Martins APB, Peres MA, González-Chica DA. Sociodemographic disparities in the consumption of ultra-processed food and drink products in Southern Brazil: a population-based study. J Public Health (Bangkok) 2019; 27(5):649-658.
24 Ferreira-Nunes PM, Papini SJ, Corrente JE. Padrões alimentares e ingestão de nutrientes em idosos: análise com diferentes abordagens metodológicas. Cien Saude Colet 2018; 23(12):4085-4094.-2525 Souza JD, Martins MV, Franco FS, Martinho KO, Tinôco AL. Padrão alimentar de idosos: caracterização e associação com aspectos socioeconômicos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2017; 19(6):970-977..
De acordo com outros autores, os idosos mais escolarizados referem maior consumo de alimentos considerados saudáveis, em comparação aos idosos menos escolarizados1313 Gomes AP, Soares ALG, Gonçalves H. Baixa qualidade da dieta de idosos: estudo de base populacional no sul do Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3417-3428.,1515 Dourado DAQS, Marucci M FN, Roediger MA, Duarte YAO. Padrões alimentares de indivíduos idosos do município de São Paulo: evidências do estudo SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento). Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(6):756-767.,2626 Ferrari TK, Cesar CLG, Alves MCGP, Barros MBA, Goldbaum M, Fisberg RM. Estilo de vida saudável em São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2017; 33(1):e00188015.. Sabe-se que os idosos podem restringir o consumo de alguns alimentos como medida preventiva e/ou terapêutica frente a doenças crônicas, tendo assim uma alimentação considerada mais saudável, além de a alimentação influenciar na qualidade de vida e nos desfechos em saúde da população2727 Zampelas A, Magriplis E. Dietary patterns and risk of cardiovascular diseases: a review of the evidence. Proc Nutr Soc 2020; 79(1):68-75.. No entanto, à semelhança dos resultados encontrados no presente estudo, dados da coorte de idosos EpiFloripa identificaram maior consumo de ultraprocessados, incluindo doces, entre idosos com maior escolaridade, sugerindo que grau de instrução está menos relacionado ao conhecimento sobre alimentação saudável, e mais ao acesso aos alimentos2323 Ozcariz SGI, Pudla KJ, Martins APB, Peres MA, González-Chica DA. Sociodemographic disparities in the consumption of ultra-processed food and drink products in Southern Brazil: a population-based study. J Public Health (Bangkok) 2019; 27(5):649-658.. Nesse contexto, é importante discutirmos a influência do ambiente em que o indivíduo está inserido, como a casa, o local de trabalho, o bairro, considerados “microambientes”. As áreas economicamente desfavorecidas possuem menor número de estabelecimentos que comercializam alimentos saudáveis, como os supermercados e as feiras livres, e estes quando presentes, oferecem produtos com preço elevado ou até mesmo de pior qualidade1616 Medina LPB, Barros MBA, Sousa NFS, Bastos TF, Lima MG, Szwarcwald CL. Social inequalities in the food consumption profile of the Brazilian population: National Health Survey, 2013. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Suppl. 2):E190011..
A despeito das limitações e fortalezas do estudo, trata-se de um inquérito de consumo alimentar transversal com idosos, sujeito a viés de memória do participante, e também há a possibilidade de subestimação do consumo de determinados alimentos, em especial aqueles vinculados à alimentação considerada não saudável, como já referido na literatura1616 Medina LPB, Barros MBA, Sousa NFS, Bastos TF, Lima MG, Szwarcwald CL. Social inequalities in the food consumption profile of the Brazilian population: National Health Survey, 2013. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Suppl. 2):E190011., além da validade limitada dos instrumentos de coleta dos dados, as diferenças nos métodos para avaliar e a forma de definir e categorizar as variáveis de consumo alimentar, que podem prejudicar a comparação com outros estudos sobre consumo populacional. Contudo, como potencialidade, tem-se o fato de ser uma pesquisa representativa do território brasileiro, com dados atuais e análise sumária de desigualdades por intermédio do SII e do CIX, ainda pouco explorados com este desfecho e complementares às medidas frequentemente utilizadas na literatura.
Frente aos resultados, foi identificada significativa desigualdade no consumo de alimentos reconhecidamente mais saudáveis entre os mais vulneráveis, revelando as disparidades entre os idosos brasileiros e a necessidade de identificar as peculiaridades de cada estrato educacional, para que estas sejam consideradas no desenvolvimento de ações voltadas para essa população, principalmente quanto à orientação para a prática de hábitos alimentares saudáveis.
Referências
- 1Organização Mundial da Saúde (OMS). Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: OMS; 2005.
- 2Breen L, Stewart CE, Onambélé GL. Functional benefits of combined resistance training with nutritional interventions in older adults: a review. Geriatr Gerontol Int 2007; 7(4):326-340.
- 3Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeção da população [Internet]. [acessado 2022 fev 7]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html
» https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html - 4Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal - Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.
- 5Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico - estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados. Brasília: MS; 2020.
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» https://www.who.int/westernpacific/news/detail/19-01-2015-noncommunicable-diseases-prematurely-take-16-million-lives-every-year-who-urges-countries-to-invest-in-best-buy-interventions - 7Malta DC, Bernal RTI, Iser BPM, Szwarcwald CL, Duncan BB, Schmidt MI. Factors associated with self-reported diabetes according to the 2013 National Health Survey. Rev Saude Publica 2017; 51(Suppl. 1):1S-11S.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
17 Jun 2022 - Data do Fascículo
Jul 2022
Histórico
- Recebido
29 Set 2021 - Aceito
17 Fev 2022 - Publicado
19 Fev 2022