Trajetória de mudanças das práticas alimentares de estudantes de uma universidade pública brasileira

Trajectory of changes in dietary habits of students from a Brazilian public university

Patrícia Maria Périco Perez Inês Rugani Ribeiro de Castro Amanda da Silva Franco Sobre os autores

Resumo

Avaliar possíveis diferenças nas trajetórias alimentares de estudantes segundo assiduidade ao Restaurante Universitário (RU) e forma de ingresso na universidade. Experimento natural com graduandos (n=1.131) de uma universidade pública brasileira. Em 2011 e 2013 foram aplicados questionários identificados e autopreenchidos presencialmente sobre consumo regular de alimentos marcadores de alimentação saudável ou não saudável, realização do almoço, jantar e substituição de almoço e/ou jantar por lanche. A variação das práticas alimentares regulares foi avaliada pela trajetória individual de cada estudante obtida pela combinação das respostas nos dois questionários. A análise da associação entre a assiduidade ao RU e a trajetória (positiva ou negativa) foi feita por meio de modelos de regressão logística múltipla. Observou-se associação (IC95% não sobrepostos) entre maior assiduidade ao RU e maior chance de trajetória positiva para realização de jantar e de almoço e para consumo de feijão, hortaliças, hortaliças cruas, frutas, biscoito de pacote, hambúrguer/embutidos e guloseimas e menor chance de trajetória negativa para feijão, hortaliças cruas e salgados fritos. A implementação do RU promoveu significativa melhoria da alimentação dos estudantes assíduos a ele, tanto cotistas quanto não cotistas.

Key words:
Food consumption; Feeding behavior; Students

Abstract

The scope of this study was to evaluate possible differences in dietary trajectories of students according to their attendance at a University Restaurant (UR) and the basis for their admission to the university. It was an experiment conducted with undergraduate students (n=1,131) from a Brazilian public university. In 2011 and 2013, questionnaires identified and completed in person were applied assessing the regular consumption of foods that were markers of healthy or unhealthy diet, partaking of lunch, dinner and replacement of lunch and/or dinner with a snack. Changes in regular food practices were examined by the individual trajectory of each student versus the studied practices obtained by combining the responses from the questionnaires. The analysis of the association between UR attendance and trajectory was carried out using multiple logistic regression models. An association was observed (95%CI non-overlapping) with greater UR attendance and a higher chance of a positive trajectory for dinner and lunch, and consumption of beans, vegetables, raw vegetables fruit, cookies, packaged salty snacks, hamburgers and candies, and a lower chance of a negative trajectory for beans, raw vegetables, and fried snacks. The implementation of the UR promoted a significant improvement in the diet of conscientious students.

Key words:
Food consumption; Feeding behavior; Students

Introdução

O ambiente alimentar universitário é um espaço que merece particular atenção, pois pode influenciar os hábitos alimentares de adultos jovens universitários nele inserido11 Espinoza PG, Egaña D, Masferrer D, Cerda R. Propuesta de un modelo conceptual para el estudio de los ambientes alimentarios en Chile. Rev Panam Salud Publica 2017; 41:1-9.

2 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.

3 Tam R, Yassa B, Parker H, O'Connor H; Allman-Farinelli M. University students' on-campus food purchasing behaviors, preferences, and opinions on food availability. Nutrition 2017; 37:7-13.
-44 Roy R, Soo D, Conroy D, Wall CR, Swinburn B. Exploring University Food Environment and On-Campus Food Purchasing Behaviors, Preferences, and Opinions. J Nutr Educ Behav 2019; 51(7):865-875., uma vez que aspectos deste ambiente, como disponibilidade de alimentos, acessibilidade física e financeira, entre outros, podem agir como facilitadores ou barreiras para as escolhas saudáveis22 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.

3 Tam R, Yassa B, Parker H, O'Connor H; Allman-Farinelli M. University students' on-campus food purchasing behaviors, preferences, and opinions on food availability. Nutrition 2017; 37:7-13.

4 Roy R, Soo D, Conroy D, Wall CR, Swinburn B. Exploring University Food Environment and On-Campus Food Purchasing Behaviors, Preferences, and Opinions. J Nutr Educ Behav 2019; 51(7):865-875.

5 Glanz K, Sallis JF, Saelens BE, Frank LD. Healthy Nutrition Environments: concepts and measures. Am J of Health Promot 2005; 19(5):330-333.
-66 Caspi CE, Sorensen G, Subramanian SV, Kawachi I. The local food environment and diet: a systematic review. Health Place 2012; 18(5):1172-1187..

Pesquisas sugerem que, em várias realidades, o ambiente alimentar universitário desencoraja uma alimentação saudável e/ou estimula práticas alimentares não saudáveis tendo em vista a baixa qualidade nutricional dos alimentos comercializados nos estabelecimentos neles existentes22 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.

3 Tam R, Yassa B, Parker H, O'Connor H; Allman-Farinelli M. University students' on-campus food purchasing behaviors, preferences, and opinions on food availability. Nutrition 2017; 37:7-13.
-44 Roy R, Soo D, Conroy D, Wall CR, Swinburn B. Exploring University Food Environment and On-Campus Food Purchasing Behaviors, Preferences, and Opinions. J Nutr Educ Behav 2019; 51(7):865-875.,77 Franco ADS, Canella DS, Perez PMP, Bandoni DH, Castro IRR. University food environment: Characterization and changes from 2011 to 2016 in a Brazilian public university. Rev Nutr 2020; 33:1-9.

8 Barbosa R, Henriques P, Guerra H, Emerentino J, Soares D, Dias P, Ferreira D. Food environment of a Brazilian public university: challenges to promote healthy eating. Rev Chil Nutr 2020; 47(3):443-448.
-99 Pulz IS, Martins PA, Feldman C, Veiros MB. Are campus food environments healthy? A novel perspective for qualitatively evaluating the nutritional quality of food sold at food service facilities at a Brazilian university. Perspect Public Health 2017; 137(2):122-135..

Apontam, também, que os estudantes universitários apresentam práticas alimentares inadequadas, caracterizadas pela omissão de refeições, pelo alto consumo de alimentos ultraprocessados e pelo baixo consumo de frutas e hortaliças1010 Hartmann Y, Akutsu RCA, Zandonadi RP, Raposo A, Botelho RBA. Characterization, Nutrient Intake, and Nutritional Status of Low-Income Students Attending a Brazilian University Restaurant. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(1):315.

11 Perez PMP, Castro IRR, Franco AS, Bandoni DH, Wolkoff DB. Práticas alimentares de estudantes cotistas e não cotistas de uma universidade pública brasileira. Cien Saude Colet 2016; 21(2):531-542.
-1212 Perez PMP, Castro IRR, Canella DS, Franco AS. Effect of implementation of a University Restaurant on the diet of students in a Brazilian public university. Cien Saude Colet 2019; 24(6):2351-2360..

No Brasil, o ambiente universitário passou a ser ainda mais estratégico como espaço para a promoção da alimentação saudável e da segurança alimentar e nutricional, uma vez que incorporou medidas de ação afirmativa que têm propiciado o acesso à universidade para indivíduos historicamente dela excluídos por meio do sistema de cotas1313 Monteiro AV. As políticas de ações afirmativas e sistema de cotas no ensino superior: surgimento e desenvolvimento no Brasil. Educ Ens Sup Online 2021; 1(1):69-75.. Além de garantir o acesso à universidade, essa política precisa garantir condições para que o aluno permaneça na instituição até a conclusão do curso1313 Monteiro AV. As políticas de ações afirmativas e sistema de cotas no ensino superior: surgimento e desenvolvimento no Brasil. Educ Ens Sup Online 2021; 1(1):69-75..

Países como Estados Unidos, África do Sul, Índia, dentre outros, implementaram políticas afirmativas de ingresso à universidade e, de maneira similar ao Brasil, oferecem medidas de permanência como a oferta de bolsas, alimentação, moradia estudantil, transporte, entre outras1414 Gururaj S, Somers P, Fry J, Watson D, Cicero F, Morosini M, Zamora J. Affirmative action policy: Inclusion, exclusion, and the global public good. Policy Futures Edu 2021; 19(1):63-83.. Dentre essas, verificou-se que o acesso à alimentação saudável no ambiente universitário, além de facilitar a permanência do estudante na universidade, pode contribuir para a garantia da segurança alimentar e nutricional e para a superação das iniquidades entre cotistas e não cotistas.

No Brasil, entre as políticas que incentivam a oferta de refeições saudáveis e a criação de ambientes saudáveis em espaços institucionalizados1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. 3ª ed. Brasília: MS; 2012.

16 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): revisão da Portaria MS/GM no 687, de 30 de março de 2006. Brasília: MS; 2015.
-1717 Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada. Brasília: Diário Oficial da União; 2006., está a política de restaurantes universitários, parte do Programa Nacional de Assistência Estudantil para instituições públicas federais1818 Brasil. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil -PNAES para instituições de educação superior públicas federais. Diário Oficial da União 2010; 20 jul. e estaduais1919 Brasil. Ministério da Educação (MS). Portaria Normativa MEC nº 25, de 28 de dezembro de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil para instituições de educação superior públicas estaduais - PNAEST. Diário Oficial da União 2010; 29 dez.. Dentre as diretrizes desses programas está a de alimentação, que visa ao fornecimento de refeições saudáveis a preço acessível aos estudantes como forma de garantir sua permanência na universidade, contribuindo para seu melhor desempenho e formação integral.

Em nosso país, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi pioneira na implantação do sistema de cotas em 2003 e, atualmente, destina 45% das vagas anualmente abertas para esse sistema2020 Estado do Rio de Janeiro. Lei nº 8121, de 27 de setembro de 2018. Dispõe sobre a prorrogação da vigência da Lei nº 5346, de 11 de dezembro de 2008 sobre sistema de cotas para ingressos nas Universidades Estaduais e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro; 2018.. São contemplados estudantes de baixa renda que também atendam a pelo menos um dos seguintes critérios de inclusão: racial, de ensino público, pessoas com deficiência e integrantes de minorias étnicas. Embora a UERJ dispusesse de algumas medidas promotoras da permanência desses estudantes até a conclusão do curso, estas não incluíam a oferta de alimentação saudável a preço acessível. Com a intenção de superar esta lacuna, em 2011 foi inaugurado o Restaurante Universitário (RU), que, desde sua abertura, oferece almoço e jantar a preços subsidiados para os estudantes, sendo ainda mais baixos para os cotistas. Essa iniciativa se somou ao ambiente alimentar já instituído, caracterizado pela presença de diversos estabelecimentos comerciais que apresentavam baixa disponibilidade de alimentos saudáveis e ampla oferta de lanches rápidos, de guloseimas e de bebidas açucaradas77 Franco ADS, Canella DS, Perez PMP, Bandoni DH, Castro IRR. University food environment: Characterization and changes from 2011 to 2016 in a Brazilian public university. Rev Nutr 2020; 33:1-9.,2121 Bortolot BS, Perez PMP, Franco AS. Avaliação da disponibilidade de frutas e hortaliças nos estabelecimentos que comercializam refeições na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Demetra 2019; 14:e37913 1-17..

São ainda incipientes estudos que analisem o impacto de mudanças no ambiente alimentar em universidades sobre as práticas alimentares dos estudantes e os que existem se concentram em países de alta renda11 Espinoza PG, Egaña D, Masferrer D, Cerda R. Propuesta de un modelo conceptual para el estudio de los ambientes alimentarios en Chile. Rev Panam Salud Publica 2017; 41:1-9.

2 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.

3 Tam R, Yassa B, Parker H, O'Connor H; Allman-Farinelli M. University students' on-campus food purchasing behaviors, preferences, and opinions on food availability. Nutrition 2017; 37:7-13.
-44 Roy R, Soo D, Conroy D, Wall CR, Swinburn B. Exploring University Food Environment and On-Campus Food Purchasing Behaviors, Preferences, and Opinions. J Nutr Educ Behav 2019; 51(7):865-875.. Além disso, não identificamos estudos que tenham abordado a trajetória de mudanças alimentares dos estudantes, segundo forma de ingresso na universidade e sua assiduidade ao RU.

O objetivo do presente estudo foi avaliar as possíveis diferenças nas trajetórias alimentares de estudantes segundo assiduidade ao RU, examinando-as também segundo a forma de ingresso na universidade (cotistas e não cotistas).

Métodos

Trata-se de um experimento natural, com controle histórico (condição apresentada pelos indivíduos expostos ao RU antes de sua implementação), de caráter censitário, ou seja, dirigido ao universo de estudantes ingressantes no primeiro semestre de 2011 nos 31 cursos de graduação existentes no campus Maracanã e que continuavam frequentando a Universidade no segundo semestre letivo de 2012. A opção por esses estudantes se deu em função do fato de que suas atividades acadêmicas eram concentradas no campus no início do curso. Além disso, estariam ambientados à UERJ, uma vez que vivenciavam a universidade há pelo menos seis meses, já tendo, portanto, adaptado sua rotina alimentar ao novo momento de suas vidas.

A coleta de dados foi estruturada em duas etapas e ocorreu entre o período de agosto de 2011 e março de 2013. A primeira etapa ocorreu antes da implementação do RU, entre os meses de agosto e outubro de 2011. A segunda aconteceu depois da implementação do RU, entre os meses de dezembro de 2012 e março de 2013.

Nas duas etapas da coleta de dados, as listagens dos estudantes inscritos nas disciplinas oferecidas para o grupo de interesse (segundo período em 2011 e quarto período em 2012/13), bem como os dias, os horários e os locais das aulas de cada disciplina foram acessados por meio do Sistema Acadêmico da Graduação da universidade e levantados junto às coordenações dos cursos de graduação.

Em ambas as etapas de coleta, no início da aula de diferentes disciplinas, pesquisadores treinados visitaram todas as turmas das disciplinas elencadas, apresentaram a pesquisa e entregaram o questionário para o preenchimento por todos os estudantes elegíveis para o estudo que concordassem em participar e que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Participaram da segunda etapa de coleta de dados somente os estudantes que haviam participado da primeira etapa. Estes eram identificados pelo nome, que havia sido registrado quando do preenchimento do primeiro questionário.

Dos 1.508 estudantes ingressantes no primeiro semestre de 2011, foram estudados 1.336. Quando da segunda coleta de dados, 128 daqueles que haviam sido estudados na primeira etapa não estavam frequentando a universidade. Assim, dos 1.208 estudantes elegíveis para o estudo, foram efetivamente estudados 1.131.

O RU foi implementado em novembro de 2011, funcionando de segunda a sexta-feira, servindo em média 3.100 refeições diariamente a preços subsidiados para todos os estudantes e diferenciados para cotistas (ingressaram na universidade através do sistema de reserva de vagas estabelecido com base em critérios raciais e sociais)2020 Estado do Rio de Janeiro. Lei nº 8121, de 27 de setembro de 2018. Dispõe sobre a prorrogação da vigência da Lei nº 5346, de 11 de dezembro de 2008 sobre sistema de cotas para ingressos nas Universidades Estaduais e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro; 2018.. Quando da realização do estudo, o preço da refeição era de R$ 5,31 para professores e servidores técnico-administrativos, R$ 3 para estudantes não cotistas e R$ 2 para estudantes cotistas.

O cardápio servido diariamente foi elaborado com base nas diretrizes da Estratégia Global para a Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde2222 World Health Organization (WHO). Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Geneva: WHO Technical Report Series; 2003. e nas recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira vigente à época2323 Brasil. Ministério da Educação (MEC). Ministério da Saúde (MS). Gabinete do Ministro. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: MS; 2005.. Ele abarcava: entrada: composta por três tipos de saladas; prato proteico ou opção equivalente; guarnição: predominantemente à base de hortaliças; acompanhamento: arroz branco, arroz integral e feijão; sobremesas: frutas diariamente com opção de doce em dois dias da semana; e bebidas: refresco de frutas, café e chás, com ou sem adição de açúcares, e água filtrada. Na execução do cardápio, eram usados somente alimentos in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários e alimentos processados, não sendo permitido o uso de alimentos ultraprocessados2424 Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Jaime P, Martins AP, Canella DS, Louzada M, Parra D, Ricardo C, Calixto G, Machado P, Martins C, Martinez E, Baraldi L, Garzillo J, Sattamini I. NOVA. The star shines bright. Food classification. World Nutrition 2016; 7(1-3):28-38..

O instrumento para coleta de dados consistiu em dois questionários autopreenchidos e identificados, para permitir a comparação, em nível individual, da alimentação dos estudantes antes e após a implementação do RU. Eles foram elaborados com base em instrumentos utilizados em sistemas de vigilância sobre fatores de risco para adolescentes brasileiros2525 Tavares LT, Castro IRR, Levy RB, Cardoso LO, Passos MD, Brito FSB. Validade relativa de indicadores de práticas alimentares da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar entre adolescentes do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(5):1029-1041. e adultos brasileiros2626 Mendes LL, Campos SF, Malta DC, Bernal RTI, Sá NNB, Velásquez-Meléndez G. Validade e reprodutibilidade de marcadores do consumo de alimentos e bebidas de um inquérito telefônico realizado na cidade de Belo Horizonte (MG), Brasil. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(Supl. 1):80-89. que apresentaram bom desempenho psicométrico (validade, reprodutibilidade) nos contextos em que foram aplicados. Os questionários utilizados na primeira etapa (antes da implementação do RU) e na segunda (após a implementação do RU) foram previamente testados.

Os questionários utilizados nas duas etapas de coleta de dados abarcavam a identificação e caracterização sociodemográfica (essa somente na primeira etapa) dos estudantes e a caracterização de suas práticas alimentares. Essas práticas contemplavam a realização de algumas rotinas alimentares e o consumo de determinados alimentos, listados a seguir. Foram consideradas as seguintes rotinas: realização de almoço, realização de jantar, substituição de almoço por lanche e de jantar por lanche. Consideraram-se como almoço e jantar as refeições contendo, por exemplo, arroz com feijão e/ou carne e salada e/ou hortaliças cozidas; sopa; macarronada etc.; refeições à base de sanduíches não foram consideradas.

No questionário utilizado na segunda etapa, foram incluídas perguntas referentes à utilização do RU. As rotinas alimentares consideradas na primeira etapa foram a realização de almoço e/ou do jantar e a substituição de almoço e/ou jantar por lanche. Na segunda coleta de dados, além da realização do almoço, jantar e da substituição de almoço e/ou jantar por lanche, foram examinadas as rotinas referentes ao uso do RU, como posse do cartão de acesso ao RU, utilização do RU, motivos para frequentar (ou não) o RU, realização de almoço e jantar no RU, entre outras. Foram adotados como marcadores de rotina alimentar saudável (MRAS) os hábitos de realizar o almoço e de realizar jantar em cinco ou mais dias da semana e, como marcadores de rotina alimentar não saudável (MRANS), os hábitos de substituir o almoço e de substituir o jantar por lanche.

Para o consumo alimentar foram considerados: feijão; hortaliças em geral; hortaliças cozidas; hortaliças cruas; frutas in natura; batata frita e/ou salgados fritos; hambúrguer e/ou embutidos; biscoitos e/ou salgadinhos “de pacote”; guloseimas; e bebidas açucaradas, excluindo bebidas com leite e iogurte e incluindo refrigerantes, sucos ou refrescos, mate, guaraná natural, outros chás, café, águas com sabor, isotônicos e bebidas à base de soja. Os cinco primeiros foram considerados alimentos marcadores de alimentação saudável (MAS) e os cinco últimos, marcadores de alimentação não saudável (MANS), conforme evidências que sugerem a associação destas variáveis com fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis2222 World Health Organization (WHO). Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Geneva: WHO Technical Report Series; 2003.,2727 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª ed. Brasília: MS; 2014.

28 Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Cannon G, Monteiro CA. Alimentos ultraprocessados e perfil nutricional da dieta no Brasil. Rev Saude Publica 2015; 49:38.
-2929 Srour B, Fezeu LK, Kesse-Guyot E, Allès B, Méjean C, Andrianasolo RM, Chazelas E, Deschasaux M, Hercberg S, Galan P, Monteiro CA, Julia C, Touvie M. Ultra-processed food intake and risk of cardiovascular disease: Prospective cohort study (NutriNet-Santé). BMJ 2019; 365:l1451.. Tanto para os marcadores de rotina quanto para os de consumo alimentar, as perguntas se referiam à frequência de ocorrência nos sete dias que antecederam a pesquisa, com opções de resposta: 0,1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 dias.

As variáveis sociodemográficas estudadas para caracterizar o grupo estudado foram: sexo, idade, forma de ingresso na universidade, arranjo domiciliar em relação ao partilhamento da moradia, escolaridade da mãe e presença de bens e serviços como telefone fixo, computador, acesso à Internet em casa, e presença de banheiro dentro de casa.

As perguntas sobre rotina e consumo alimentar foram dicotomizadas em: a) ocorrência em pelo menos cinco dias da semana, considerada ocorrência “regular” (no sentido de cotidiano, frequente), e b) ocorrência em quatro ou menos dias da semana. A escolha deste ponto de corte se baseou nos indicadores utilizados para monitoramento de consumo alimentar no sistema de Vigilância de Fatores de Risco de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (Vigitel)3030 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não transmissíveis. Vigitel Brasil 2019. Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: MS; 2020..

A comparação entre as práticas antes e depois da implementação do RU se deu por meio da construção de variáveis de trajetória individual de mudança do status de ocorrência de determinada prática (rotina ou consumo) por meio da combinação das respostas obtidas nos dois questionários: passar a realizá-la regularmente ou deixar de realizá-la regularmente.

Como algumas práticas são desejáveis (ex: consumir frutas e hortaliças e realizar almoço) e outras não (ex: consumir guloseimas e bebidas açucaradas e substituir jantar por lanche), trabalhou-se com a noção de trajetória individual de mudança positiva e negativa. Esta escolha responde à premissa de que uma intervenção que melhore o ambiente alimentar (no caso, a implementação do RU) pode produzir dois tipos de efeito positivo: a) adesão a práticas saudáveis (no caso, passar a consumir regularmente alimentos MAS ou passar a praticar regularmente marcadores de rotina alimentar saudável (MRAS), e b) diminuição da ocorrência de práticas não saudáveis (no caso, deixar de consumir MANS regularmente ou deixar praticar regularmente marcadores de rotina alimentar não saudável (MRANS)). Por outro lado, a trajetória individual negativa se expressaria das seguintes formas: deixar de realizar regularmente rotinas alimentares saudáveis, deixar de consumir regularmente alimentos MAS, passar a realizar regularmente rotinas alimentares não saudáveis ou passar a consumir regularmente alimentos MANS.

A variável assiduidade foi construída com base no número de dias em que o estudante havia ido ao RU nos sete dias que antecederam o estudo. Foram consideradas as seguintes categorias: não usuário (0 dias), usuário eventual (1 a 2 dias) e usuário assíduo (3 a 5 dias).

A análise da associação entre a assiduidade ao RU e a trajetória (positiva ou negativa) individual de cada estudante em relação às rotinas alimentares regulares MRAS e MRANS e ao consumo regular dos alimentos MAS e MANS foi feita, inicialmente, comparando-se as frequências dessas trajetórias individuais segundo assiduidade ao RU, para o conjunto de estudantes e segundo forma de ingresso na universidade. A significância estatística da diferença entre essas proporções foi examinada utilizando-se o teste Qui-quadrado de tendência linear estimado por meio de modelos de regressão logística univariada, adotando-se o nível de significância de 0,05. Em seguida, foram construídos modelos de regressão logística múltipla tanto para o conjunto de estudantes (população estudada) quanto segundo forma de ingresso na universidade que geraram razões de chance ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Nesses modelos, foram considerados como covariáveis o sexo e a faixa etária do estudante, que têm sido associados às práticas alimentares de universitários1010 Hartmann Y, Akutsu RCA, Zandonadi RP, Raposo A, Botelho RBA. Characterization, Nutrient Intake, and Nutritional Status of Low-Income Students Attending a Brazilian University Restaurant. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(1):315.,3131 Bernardo GL, Jomori MM, Fernandes AC, Proença RPC. Food intake of university students. Rev Nutri 2017; 30(6):847-865., adolescentes3232 Ferreira CS, Andrade FB. Desigualdades socioeconômicas associadas ao excesso de peso e sedentarismo em adolescentes brasileiros. Cien Saude Colet 2021; 26(3):1095-1104. adultos jovens3333 Cuevas AG, Chen R, Slopen N, Thurber KA, Wilson N, Economos C, Williams DR. Assessing the role of health behaviors, socioeconomic status and cumulative stress for racial/ethnic disparities in obesity. Obesity 2020; 28(1):161-170. e adolescentes e adultos3434 Souza AM, Pereira RA, Yokoo EM, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica 2013; 47(1):190-199. e apresentaram distribuições com diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) entre cotistas e não cotistas.

A análise dos dados foi realizada com apoio do aplicativo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0.

O presente estudo foi aprovado pela Comissão de ética da Sub-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UERJ, sob o parecer nº 037/2011. Participaram do estudo os estudantes que concordaram em participar e que assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Dos 1.131 indivíduos estudados, 41,2% eram cotistas e 58,8%, não cotistas. A maioria deles era do sexo feminino (56,4%), morava com a família (88%), possuía telefone fixo (90,3%), computador (97,4%) e acesso à internet em casa (95,5%), possuía mãe com escolaridade de no mínimo ensino médio completo (71,7%), e cerca de metade (50,6%) tinha idade até 19 anos e possuía pelo menos dois banheiros em casa (50,3%).

Exceto para o arranjo domiciliar em relação ao partilhamento da moradia, os dois grupos estudados diferiram em relação a todas as variáveis sociodemográficas estudadas, sendo as condições mais desfavoráveis entre cotistas1111 Perez PMP, Castro IRR, Franco AS, Bandoni DH, Wolkoff DB. Práticas alimentares de estudantes cotistas e não cotistas de uma universidade pública brasileira. Cien Saude Colet 2016; 21(2):531-542..

Quanto à utilização do Restaurante Universitário, a grande maioria (83,9%) possuía o cartão de acesso a ele, 2/3 informaram frequentá-lo (66,6%), mais da metade (52,7%) havia comparecido ao RU em pelo menos um dia na semana que antecedeu o estudo e pouco menos de 1/3 (31,0%) foram classificados como usuários assíduos. Para todos esses indicadores, foram maiores as proporções observadas entre cotistas quando comparadas às dos não cotistas: 89,9% possuíam cartão de acesso, 77,8% informaram frequentá-lo, 62,5% haviam ido ao RU em pelo menos um dia na semana anterior e 38,5% eram usuários assíduos, contra 79,7%, 58,7%, 45,7% e 25,7%, respectivamente, entre os não cotistas.

A análise das trajetórias individuais de mudanças positiva e negativa dos estudantes em relação às rotinas alimentares regulares (≥5 dias/semana) revelou que a proporção de estudantes que passou a substituir o jantar por lanche foi menor entre os usuários assíduos 11,0%) ao RU quando comparados aos não usuários (15,7%) e usuários eventuais (18,5%). Entre os não cotistas, maior proporção de estudantes assíduos ao RU (19,5%) passou a jantar regularmente e menor proporção desses (7,7%) deixou de jantar regularmente após a implementação do restaurante quando comparados aos não usuários (12,1% e 11,3%, respectivamente) e usuários eventuais (18,2% e 17,4%, respectivamente). Entre os cotistas não foram observadas diferenças estatisticamente significativas para as variáveis de rotina alimentar estudadas nas diferentes categorias de assiduidade ao RU (Tabela 1).

Tabela 1
Frequência percentual das trajetórias individuais de mudança positiva e negativa nas rotinas alimentares de estudantes ingressantes na universidade no primeiro semestre de 2011 segundo assiduidadea ao RU por forma de ingressob na universidade. Rio de Janeiro, Brasil, 2011-2013.

Após ajustes para variáveis de confundimento, observou-se que os usuários assíduos ao RU tiveram, respectivamente, 1,67 (IC95%: 1,023-2,727) e 1,55 vezes (1,078-2,253) mais chance de passar a almoçar e a jantar regularmente, quando comparados aos não usuários. Resultado similar foi observado para não cotistas em relação ao jantar (1,72; 1,045-2,839). Também foi observado que, entre cotistas, os usuários eventuais do RU apresentaram 2,01 (1,016-4,012) vezes mais chance de passar a substituir o jantar por lanche regularmente (Tabela 2).

Tabela 2
Razão de chances ajustadas e Intervalos de Confiança (IC95%) para as trajetórias individuais de mudança positiva e negativa de rotinas alimentares de estudantes ingressantes no primeiro semestre de 2011 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro segundo assiduidadea ao RU por forma de ingressob na universidade. Rio de Janeiro, Brasil, 2011-2013.

No tocante ao consumo de alimentos, entre os estudantes assíduos ao RU foram observadas maiores proporções de trajetória individual de mudança positiva para: feijão (15,3%), hortaliças (25,4%), hortaliças cruas (29,4%), guloseimas (25,6%) e bebidas açucaradas (23,3%) e menor proporção de trajetória individual de mudança negativa para feijão (11,8%) e batata frita e/ou salgados fritos (2,3%) quando comparadas às dos demais níveis de assiduidade ao restaurante. A maior assiduidade ao RU também se mostrou associada com maior proporção de trajetória positiva para feijão (13,5% entre cotistas e 17,2% entre não cotistas) e hortaliças cruas (33,7% entre cotistas e 24,9% entre não cotistas) tanto entre cotistas quanto não cotistas, com hortaliças em geral entre cotistas (28,1%) e com bebidas açucaradas entre os não cotistas (21,9%) e, ainda, entre os cotistas (9,0%), com menor proporção de trajetória negativa para hortaliças cozidas, comparando-se aos não usuários do RU (Tabela 3).

Tabela 3
Frequência percentual das trajetórias individuais de mudança positiva e negativa no consumo alimentar de estudantes ingressantes na universidade no primeiro semestre de 2011 segundo assiduidadea ao RU por forma de ingressob na universidade. Rio de Janeiro, Brasil, 2011-2013.

Após ajustes para fatores de confundimento, exceto para bebidas açucaradas (0,57; 0,314-1,034), os resultados acima descritos para o total estudado se mantiveram. Além disso, a maior assiduidade ao RU se mostrou também associada a maior chance de trajetória individual positiva para frutas (1,60; 1,096-2,349) e menor chance de trajetória individual negativa para feijão (0,62; 1,096-2,349) e para hortaliças cruas (0,58; 0,365-0,934). Outro achado foi o de que os usuários eventuais do RU apresentaram menor chance de trajetória positiva para bebidas açucaradas (0,53; 0,362-0,794) e de trajetória negativa para hortaliças cozidas (0,54; 0,316-0,937) (Tabela 4).

Tabela 4
Razão de chances ajustadas e Intervalos de Confiança (IC95%) para as trajetórias individuais de mudança positiva e negativa de consumo alimentar de estudantes ingressantes no primeiro semestre de 2011 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro segundo assiduidadea ao RU por forma de ingressob na universidade. Rio de Janeiro, Brasil, 2011-2013.

Entre os cotistas, os resultados também se mantiveram para trajetória positiva para feijão (2.58; 1,198-5,595), hortaliças (2,16; 1,280-3,658) e hortaliças cruas (3,54; 2,057-6,112). Além disso, maior assiduidade ao RU se mostrou associada a maior chance de trajetória positiva para biscoitos e/ou salgadinhos “de pacote” (1,71; 1,031-2,856) e menor chance de trajetória negativa para batata frita e/ou salgados fritos (1,71; 1,031-2,856). Também nesse grupo, os usuários eventuais do RU apresentaram menor chance de trajetória negativa para hortaliças cozidas (0,29; 0,110-0,806). Entre os não cotistas, resultados similares aos encontrados nos modelos brutos foram observados para trajetória positiva para feijão (1,89; 1,111-3,226) e hortaliças cruas (2,06; 1,301-3,283). Ademais, maior assiduidade ao RU se mostrou associada a maior chance de trajetória positiva para hambúrguer e/ou embutidos (1,69; 1,017-2,825) e guloseimas (1,62; 1,054-2,507). Também nesse grupo, os usuários eventuais do RU apresentaram menor chance de trajetória positiva para bebidas açucaradas (0,49; 0,286-0,842) (Tabela 4).

Discussão

A análise do conjunto de dados desse estudo revelou que os cotistas foram mais assíduos ao RU e que a maior assiduidade se mostrou associada a maior chance de trajetória positiva para realização de jantar (total e não cotistas) e de almoço (total) e para consumo de feijão e hortaliças cruas (total, cotistas e não cotistas), guloseimas (total e não cotistas), hortaliças (total e cotistas), frutas (total), biscoito de pacote (cotistas) e hambúrguer e/ou embutidos (não cotistas) e a menor chance de trajetória negativa para feijão e hortaliças cruas (total) e batata frita e/ou salgados fritos (total e cotistas). Considerando a maior proporção de cotistas assíduos ao RU, podemos inferir que o impacto de sua implementação foi mais expressivo neste grupo.

Ainda assim, tanto entre cotistas quanto entre não cotistas assíduos ao RU, o consumo regular dos alimentos MAS estava aquém das recomendações da Organização Mundial da Saúde2222 World Health Organization (WHO). Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Geneva: WHO Technical Report Series; 2003. e do Ministério da Saúde2727 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª ed. Brasília: MS; 2014., e o consumo dos alimentos MANS, que deveria ser evitado2727 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª ed. Brasília: MS; 2014., era bastante frequente. Ou seja, ainda que tenham sido observadas mudanças positivas nas práticas alimentares dos estudantes, há espaço para melhorias, o que converge com os achados de estudos de caracterização da alimentação de estudantes universitários no Brasil e em outros países22 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.

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-1212 Perez PMP, Castro IRR, Canella DS, Franco AS. Effect of implementation of a University Restaurant on the diet of students in a Brazilian public university. Cien Saude Colet 2019; 24(6):2351-2360.,3131 Bernardo GL, Jomori MM, Fernandes AC, Proença RPC. Food intake of university students. Rev Nutri 2017; 30(6):847-865..

Um aspecto que merece ser comentado é o aumento do consumo regular de feijão entre os usuários assíduos. A análise de trajetória individual revelou que os usuários assíduos (total, cotistas e não cotistas) tiveram de 2 a 2,5 vezes mais chance de passar a consumir feijão regularmente quando comparados aos não usuários, e menor chance (razão de chance de 0,62) de deixar de consumir regularmente esse alimento. Tal achado indica que a presença de feijão no cardápio oferecido pelo RU oportunizou a manutenção e/ou o resgate do consumo de um alimento tradicional que, junto com outros alimentos como arroz e farinha de mandioca, tem perdido espaço para uma alimentação rica em alimentos ultraprocessados2828 Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Cannon G, Monteiro CA. Alimentos ultraprocessados e perfil nutricional da dieta no Brasil. Rev Saude Publica 2015; 49:38.

29 Srour B, Fezeu LK, Kesse-Guyot E, Allès B, Méjean C, Andrianasolo RM, Chazelas E, Deschasaux M, Hercberg S, Galan P, Monteiro CA, Julia C, Touvie M. Ultra-processed food intake and risk of cardiovascular disease: Prospective cohort study (NutriNet-Santé). BMJ 2019; 365:l1451.
-3030 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não transmissíveis. Vigitel Brasil 2019. Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: MS; 2020.,3535 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 - Avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2020..

Em linhas gerais, os achados aqui apresentados corroboram os resultados de estudos realizados entre 2011 e 2019 voltados à promoção da alimentação saudável em ambientes organizacionais como escolas3636 Balestrin M. Efeito de um programa de intervenção na implementação de cantinas escolares saudáveis: um estudo controlado randomizado [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2021.,3737 Bennett WL, Wilson RF, Zhang A, Tseng E, Knapp EA, Kharrazi H, Stuart EA, Shogbesan O, Bass EB, Cheskin LJ. Methods for Evaluating Natural Experiments in Obesity: A Systematic Review. Ann Intern Med 2018; 168(11):791-800., ambientes de trabalho66 Caspi CE, Sorensen G, Subramanian SV, Kawachi I. The local food environment and diet: a systematic review. Health Place 2012; 18(5):1172-1187.,3838 Wyse R, Jackson JK, Delaney T, Grady A, Stacey F, Wolfenden L, Barnes C, McLaughlin M, Yoong SL. The Effectiveness of Interventions Delivered Using Digital Food Environments to Encourage Healthy Food Choices: A Systematic Review and Meta-Analysis. Nutrients 2021, 13:2255.

39 Mandracchia F, Tarro L, Llauradó E, Valls RM, Solà R. Interventions to Promote Healthy Meals in Full-Service Restaurants and Canteens: A Systematic Review and Meta-Analysis. Nutrients 2021; 13:1350.
-4040 Franco AS, Castro IRR, Wolkoff DB. Impacto da promoção sobre consumo de frutas e hortaliças em ambiente de trabalho. Rev Saude Publica 2013; 47(1):29-36. e universidades22 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.,77 Franco ADS, Canella DS, Perez PMP, Bandoni DH, Castro IRR. University food environment: Characterization and changes from 2011 to 2016 in a Brazilian public university. Rev Nutr 2020; 33:1-9.

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-1010 Hartmann Y, Akutsu RCA, Zandonadi RP, Raposo A, Botelho RBA. Characterization, Nutrient Intake, and Nutritional Status of Low-Income Students Attending a Brazilian University Restaurant. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(1):315.. Neles foram desenvolvidas diferentes estratégias, como diminuição de preço22 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.,44 Roy R, Soo D, Conroy D, Wall CR, Swinburn B. Exploring University Food Environment and On-Campus Food Purchasing Behaviors, Preferences, and Opinions. J Nutr Educ Behav 2019; 51(7):865-875.,66 Caspi CE, Sorensen G, Subramanian SV, Kawachi I. The local food environment and diet: a systematic review. Health Place 2012; 18(5):1172-1187., fornecimento de vouchers que poderiam ser utilizados na aquisição de determinados alimentos3737 Bennett WL, Wilson RF, Zhang A, Tseng E, Knapp EA, Kharrazi H, Stuart EA, Shogbesan O, Bass EB, Cheskin LJ. Methods for Evaluating Natural Experiments in Obesity: A Systematic Review. Ann Intern Med 2018; 168(11):791-800., melhoria da qualidade de frutas e hortaliças oferecidas no refeitório associada a atividades educativas4040 Franco AS, Castro IRR, Wolkoff DB. Impacto da promoção sobre consumo de frutas e hortaliças em ambiente de trabalho. Rev Saude Publica 2013; 47(1):29-36., oficina culinária com o intuito de incentivar o consumo de frutas e hortaliças3939 Mandracchia F, Tarro L, Llauradó E, Valls RM, Solà R. Interventions to Promote Healthy Meals in Full-Service Restaurants and Canteens: A Systematic Review and Meta-Analysis. Nutrients 2021; 13:1350., aumento da oferta de alimentos saudáveis em estabelecimentos que comercializavam alimentos22 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.,44 Roy R, Soo D, Conroy D, Wall CR, Swinburn B. Exploring University Food Environment and On-Campus Food Purchasing Behaviors, Preferences, and Opinions. J Nutr Educ Behav 2019; 51(7):865-875.,66 Caspi CE, Sorensen G, Subramanian SV, Kawachi I. The local food environment and diet: a systematic review. Health Place 2012; 18(5):1172-1187.,3737 Bennett WL, Wilson RF, Zhang A, Tseng E, Knapp EA, Kharrazi H, Stuart EA, Shogbesan O, Bass EB, Cheskin LJ. Methods for Evaluating Natural Experiments in Obesity: A Systematic Review. Ann Intern Med 2018; 168(11):791-800.,3838 Wyse R, Jackson JK, Delaney T, Grady A, Stacey F, Wolfenden L, Barnes C, McLaughlin M, Yoong SL. The Effectiveness of Interventions Delivered Using Digital Food Environments to Encourage Healthy Food Choices: A Systematic Review and Meta-Analysis. Nutrients 2021, 13:2255., utilização de abordagem informativa, como informação com o total de calorias de cada alimento e/ou produto, alegações para alimentos com baixo teor de gordura e informação da composição nutricional de alimentos e preparações22 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.,99 Pulz IS, Martins PA, Feldman C, Veiros MB. Are campus food environments healthy? A novel perspective for qualitatively evaluating the nutritional quality of food sold at food service facilities at a Brazilian university. Perspect Public Health 2017; 137(2):122-135.,3737 Bennett WL, Wilson RF, Zhang A, Tseng E, Knapp EA, Kharrazi H, Stuart EA, Shogbesan O, Bass EB, Cheskin LJ. Methods for Evaluating Natural Experiments in Obesity: A Systematic Review. Ann Intern Med 2018; 168(11):791-800.,3838 Wyse R, Jackson JK, Delaney T, Grady A, Stacey F, Wolfenden L, Barnes C, McLaughlin M, Yoong SL. The Effectiveness of Interventions Delivered Using Digital Food Environments to Encourage Healthy Food Choices: A Systematic Review and Meta-Analysis. Nutrients 2021, 13:2255..

Em todos esses estudos, observou-se aumento do consumo de alimentos marcadores de alimentação saudável (com ênfase em frutas e hortaliças) e/ou diminuição do consumo de alimentos marcadores de alimentação não saudável (como bebidas açucaradas, biscoitos salgados, biscoitos doces e guloseimas). Resultados ainda melhores foram alcançados em estudos que combinaram estratégias, por exemplo: preço com ação educativa22 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.,66 Caspi CE, Sorensen G, Subramanian SV, Kawachi I. The local food environment and diet: a systematic review. Health Place 2012; 18(5):1172-1187.,3737 Bennett WL, Wilson RF, Zhang A, Tseng E, Knapp EA, Kharrazi H, Stuart EA, Shogbesan O, Bass EB, Cheskin LJ. Methods for Evaluating Natural Experiments in Obesity: A Systematic Review. Ann Intern Med 2018; 168(11):791-800., qualidade dos alimentos com ação educativa4040 Franco AS, Castro IRR, Wolkoff DB. Impacto da promoção sobre consumo de frutas e hortaliças em ambiente de trabalho. Rev Saude Publica 2013; 47(1):29-36.. Portanto, este estudo, que revela os benefícios da implementação de um RU na alimentação dos estudantes, se soma a este corpo de evidências e reforça a importância de intervenções voltadas para a melhoria dos ambientes alimentares organizacionais11 Espinoza PG, Egaña D, Masferrer D, Cerda R. Propuesta de un modelo conceptual para el estudio de los ambientes alimentarios en Chile. Rev Panam Salud Publica 2017; 41:1-9.,55 Glanz K, Sallis JF, Saelens BE, Frank LD. Healthy Nutrition Environments: concepts and measures. Am J of Health Promot 2005; 19(5):330-333..

O modelo de RU avaliado nesse estudo contemplou um dos princípios do movimento intitulado Universidades Promotoras de Saúde, que tem dedicado esforços para a promoção da saúde e da qualidade de vida da comunidade universitária4141 Oliveira CS. A universidade promotora da saúde: uma revisão de literatura [dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2017., qual seja, a existência ou criação de ambientes saudáveis em espaços delimitados, onde as pessoas estudam, trabalham e se relacionam, criando, assim, uma rede de suporte e sustentação de opções e atitudes saudáveis.

Ainda que o RU possa contribuir para a promoção da alimentação saudável, outras medidas devem ser desenvolvidas de forma a aprimorar o ambiente alimentar universitário, como: disponibilização de espaços para armazenamento, aquecimento e consumo de refeições trazidas de casa para aqueles que preferem essa forma de alimentação; e regulação da venda e publicidade de alimentos em estabelecimentos comerciais que funcionam dentro do campus universitário; e melhoria da qualidade do que é neles comercializado22 Roy R, Kelly B, Rangan A, Allman-Farinelli M. Food environment interventions to improve the dietary behavior of young adults in tertiary education settings: a systematic literature review. J Acad Nutr Diet 2015; 115(10):1647-1681.

3 Tam R, Yassa B, Parker H, O'Connor H; Allman-Farinelli M. University students' on-campus food purchasing behaviors, preferences, and opinions on food availability. Nutrition 2017; 37:7-13.
-44 Roy R, Soo D, Conroy D, Wall CR, Swinburn B. Exploring University Food Environment and On-Campus Food Purchasing Behaviors, Preferences, and Opinions. J Nutr Educ Behav 2019; 51(7):865-875.,77 Franco ADS, Canella DS, Perez PMP, Bandoni DH, Castro IRR. University food environment: Characterization and changes from 2011 to 2016 in a Brazilian public university. Rev Nutr 2020; 33:1-9.

8 Barbosa R, Henriques P, Guerra H, Emerentino J, Soares D, Dias P, Ferreira D. Food environment of a Brazilian public university: challenges to promote healthy eating. Rev Chil Nutr 2020; 47(3):443-448.
-99 Pulz IS, Martins PA, Feldman C, Veiros MB. Are campus food environments healthy? A novel perspective for qualitatively evaluating the nutritional quality of food sold at food service facilities at a Brazilian university. Perspect Public Health 2017; 137(2):122-135.,4242 Castro IRR, Canella DS, Mendes LL, Messias GM, Rocha LL, Carmo AS. Ambiente alimentar organizacional. In: Mendes LL, Pessoa MC, Costa BVL, organizadoras. Ambiente Alimentar: Saúde e Nutrição. Rubio: Rio de Janeiro; 2021. p. 109-124..

A experiência aqui avaliada indica que o RU é uma iniciativa consoante com as políticas nacionais de alimentação e nutrição1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. 3ª ed. Brasília: MS; 2012., promoção da saúde1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): revisão da Portaria MS/GM no 687, de 30 de março de 2006. Brasília: MS; 2015., de segurança alimentar e nutricional1717 Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada. Brasília: Diário Oficial da União; 2006. e de ações afirmativas1313 Monteiro AV. As políticas de ações afirmativas e sistema de cotas no ensino superior: surgimento e desenvolvimento no Brasil. Educ Ens Sup Online 2021; 1(1):69-75.,1414 Gururaj S, Somers P, Fry J, Watson D, Cicero F, Morosini M, Zamora J. Affirmative action policy: Inclusion, exclusion, and the global public good. Policy Futures Edu 2021; 19(1):63-83., contribuindo para a criação de espaços favoráveis à adoção de práticas alimentares saudáveis por aqueles que têm acesso a estes espaços. Além disso, essa medida de caráter universal, mas com um componente de facilitação do acesso para o grupo economicamente mais vulnerável (preço mais baixo para cotistas), atendeu ao princípio da equidade, central nessas políticas, uma vez que contribuiu para diminuir as iniquidades que ainda persistem entre estudantes cotistas e não cotistas no decorrer de sua formação.

Portanto, numa perspectiva de “via de mão dupla”, a iniciativa de RU concretiza princípios e diretrizes das políticas acima citadas, por um lado e, por outro, as qualifica, contribuindo para a garantia do direito humano à alimentação adequada e para a superação da insegurança alimentar e nutricional.

Vale lembrar, entretanto, que medidas que garantam a permanência do estudante na universidade até o fim de sua formação são hoje um ponto crítico para a plena realização das ações afirmativas1313 Monteiro AV. As políticas de ações afirmativas e sistema de cotas no ensino superior: surgimento e desenvolvimento no Brasil. Educ Ens Sup Online 2021; 1(1):69-75.,1414 Gururaj S, Somers P, Fry J, Watson D, Cicero F, Morosini M, Zamora J. Affirmative action policy: Inclusion, exclusion, and the global public good. Policy Futures Edu 2021; 19(1):63-83.. Por isso, ainda que a oferta de refeições saudáveis a preços acessíveis seja um elemento fundamental para essa permanência, outras medidas de apoio se fazem necessárias, como auxílio à moradia e ao transporte. Nessa perspectiva, devem ser encorajadas e apoiadas políticas públicas desta natureza, reconhecendo-se que elas representam também uma ação de inclusão voltada para a permanência daqueles que se beneficiam das políticas afirmativas de ingresso na universidade.

No tocante aos aspectos metodológicos, uma das fortalezas do estudo foi o fato de ter sido alcançada expressiva cobertura do grupo estudado que participou na primeira etapa e que estava frequentando a universidade durante a segunda etapa de coleta de dados (93,6%). Outro aspecto positivo que merece ser comentado é a complementação dos indicadores de proporção de casos obtidos em momentos distintos no tempo1212 Perez PMP, Castro IRR, Canella DS, Franco AS. Effect of implementation of a University Restaurant on the diet of students in a Brazilian public university. Cien Saude Colet 2019; 24(6):2351-2360. com aqueles de trajetória individual das práticas alimentares. Esses indicadores apresentam duas importantes características: são baseados em variáveis que levam em conta a condição inicial do indivíduo e, como o próprio nome diz, expressam em nível individual a dinâmica de variação de uma determinada condição.

Cabe comentar como potencial fragilidade do estudo a não aleatorização na alocação de indivíduos nos grupos “exposto” e “não exposto”4343 Crane M, Bohn-Goldbaum E, Grunseit A, Bauman A. Using natural experiments to improve public health evidence: a review of context and utility for obesity prevention. Health Res Policy Syst 2020; 18(1):48.. Para contorná-la, foram adotados os seguintes procedimentos: avaliação do mesmo indivíduo antes e depois (controle histórico) e análise segundo assiduidade ao RU (não usuário, usuário eventual e usuário assíduo) com controle de variáveis de confundimento (sexo, faixa etária e forma de ingresso). Por outro lado, uma vez que fornecem avaliações de efetividade em vez de eficácia, experimentos naturais, caso deste estudo, apresentam como vantagem sua validade externa4343 Crane M, Bohn-Goldbaum E, Grunseit A, Bauman A. Using natural experiments to improve public health evidence: a review of context and utility for obesity prevention. Health Res Policy Syst 2020; 18(1):48., permitindo generalizar os resultados obtidos a outras populações e contextos, desde que semelhantes aos da realidade estudada. Ademais, podem ser mais adequados que os ensaios controlados para a avaliação de intervenções e programas no âmbito da saúde coletiva4343 Crane M, Bohn-Goldbaum E, Grunseit A, Bauman A. Using natural experiments to improve public health evidence: a review of context and utility for obesity prevention. Health Res Policy Syst 2020; 18(1):48..

Cabe também mencionar que experimentos naturais, assim como os ensaios randomizados controlados, podem apresentar algumas dificuldades de realização, como perda de seguimento4343 Crane M, Bohn-Goldbaum E, Grunseit A, Bauman A. Using natural experiments to improve public health evidence: a review of context and utility for obesity prevention. Health Res Policy Syst 2020; 18(1):48. e possibilidade de avaliação imprecisa da exposição e/ou dos resultados, que podem comprometer a validade4343 Crane M, Bohn-Goldbaum E, Grunseit A, Bauman A. Using natural experiments to improve public health evidence: a review of context and utility for obesity prevention. Health Res Policy Syst 2020; 18(1):48.. Em nosso estudo, a proporcionalidade entre cotistas e não cotistas estudados (41,2% contra 58,8%) foi próxima à observada no universo de ingressantes no ano do estudo (35,7% contra 64,3%)4444 Data UERJ. Anuário estatístico - base de dados 2011. Núcleo de Informação e Estudos de Conjuntura - NIESC; 2012., o que sugere não ter havido perda seletiva em relação a esta variável chave. Além disso, a exposição de interesse (assiduidade ao RU) não pareceu ser de difícil relato pelos estudantes (uma vez que os estudantes não demonstraram dificuldade em entender e responder esta pergunta no pré-teste e que não houve dados faltantes para essa variável quando da coleta de dados) e, conforme relatado anteriormente, o método utilizado para aferição dos desfechos examinados foi validado para adolescentes2525 Tavares LT, Castro IRR, Levy RB, Cardoso LO, Passos MD, Brito FSB. Validade relativa de indicadores de práticas alimentares da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar entre adolescentes do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(5):1029-1041. e adultos2626 Mendes LL, Campos SF, Malta DC, Bernal RTI, Sá NNB, Velásquez-Meléndez G. Validade e reprodutibilidade de marcadores do consumo de alimentos e bebidas de um inquérito telefônico realizado na cidade de Belo Horizonte (MG), Brasil. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(Supl. 1):80-89..

Por fim, cabe dizer que, considerando o contexto atual de desmonte das políticas de garantias de direitos e a fragilização do financiamento das universidades públicas brasileiras4545 Santos CCB, Abrantes PPM, Zonta R. Limitações orçamentárias: desafios à assistência estudantil da UNB em tempos de pandemia. Cad Cajuina 2021; 6(3):213-227., os resultados do presente estudo ganham ainda maior relevância e apontam para a necessidade da manutenção de modelos de RU semelhantes ao aqui avaliado. Considerando que o contexto socioeconômico atual é muito mais desfavorável que o do período de realização do estudo (2011 a 2013), pode-se supor que, quando retomadas as atividades acadêmicas após o período de quarentena imposto pela pandemia de COVID-19, a oferta de refeições saudáveis por meio do RU será um elemento de grande importância para a promoção da segurança alimentar e nutricional e melhoria das práticas alimentares dos estudantes, bem como para sua permanência na universidade.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jul 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2021
  • Aceito
    05 Jan 2022
  • Publicado
    07 Jan 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br