Resumo
Objetivou-se comparar as mudanças ocorridas nos comportamentos de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), morbidade referida e realização de exames preventivos de câncer antes e ao final da terceira onda da pandemia de COVID-19 no Brasil. Trata-se de uma série histórica do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) entre 2006 e 2021. Foram analisadas as tendências dos indicadores utilizando a regressão linear, e para calcular as diferenças entre os anos, empregou-se teste T de Student. Observou-se redução da prevalência da prática de atividade física (AF) no tempo livre e AF no deslocamento; e aumento da prevalência de adultos com prática insuficiente de AF, do comportamento sedentário e inatividade física nos anos de pandemia. Também houve piora nos indicadores de excesso de peso, obesidade e diabetes durante a pandemia. A hipertensão, estável no período de 2009 a 2019, aumentou nos anos da pandemia. Ocorreu redução das coberturas de exames preventivos de mamografia e citologia do colo de útero, diferindo da tendência anterior. Em conclusão, os achados apontam piora dos indicadores de DCNT. Por isso, ações de promoção à saúde tornam-se prioritárias nesse contexto.
Palavras-chave:
Fatores de risco; Doença crônica; Pandemias; Inquéritos epidemiológicos; Estudos transversais; Brasil
Introdução
A pandemia de COVID-19 foi reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 202011 World Health Organization (WHO). WHO Director-General's opening remarks at the media briefing on COVID-19 [Internet]. 2020. [cited 2022 maio 28]. Available from: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020
https://www.who.int/dg/speeches/detail/w... . No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em 26 de fevereiro22 Croda JHR, Garcia LP. Immediate health surveillance response to COVID-19 epidemic. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2020002.. Até 28 de maio de 2022, foram registrados mais de 30,9 milhões de casos e mais de 666 mil óbitos no país33 Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Painel COVID-19 [Internet]. 2022. [acessado 2022 maio 28]. Disponível em: https://www.conass.org.br/painelconasscovid19/
https://www.conass.org.br/painelconassco... . Destaca-se, ainda, que a taxa de mortalidade em excesso por COVID-19 no Brasil ficou acima da média global durante 2020 e 202144 World Health Organization (WHO). Global excess deaths associated with COVID-19, January 2020 [Internet]. 2022. [cited 2022 maio 15]. Available from: https://www.who.int/data/stories/global-excess-deaths-associated-with-covid-19-january-2020-december-2021
https://www.who.int/data/stories/global-... .
As desigualdades socioeconômicas e a vulnerabilidade modulam a disseminação e os impactos da COVID-19 no Brasil55 Rocha R, Atun R, Massuda A, Rache B, Spinola P, Nunes L, Lago M, Castro MC. Effect of socioeconomic inequalities and vulnerabilities on health-system preparedness and response to COVID-19 in Brazil: a comprehensive analysis. Lancet Glob Health 2021; 9(6):e782-e792.. Contudo, há evidências também de que a trágica condução política do governo federal influenciou na morbimortalidade pela doença no país, em função da ausência de diretrizes nacionais de enfrentamento, do retardo na aquisição de vacinas e da negação da pandemia e da ciência, resultando em mortes desnecessárias e evitáveis, por falta de coordenação e condução nacional66 Xavier DR, Lima E Silva E, Lara FA, E Silva GRR, Oliveira MF, Gurgel H, Barcellos C. Involvement of political and socio-economic factors in the spatial and temporal dynamics of COVID-19 outcomes in Brazil: a population-based study. Lancet Reg Health Am 2022; 10:100221.
7 Castro MC, Kim S, Barberia L, Ribeiro AF, Gurzenda S, Ribeiro KB, Abbott E, Blossom J, Rache B, Singer BH. Spatiotemporal pattern of COVID-19 spread in Brazil. Science 2021; 372(6544):821-826.-88 Ventura D, Aith F, Reis R. Crimes against humanity in Brazil's COVID-19 response-a lesson to us all. BMJ 2021; 375:n2625.. Sabe-se que uma boa governança constitui aspecto fundamental na resposta à pandemia99 COVID-19 National Preparedness Collaborators. Pandemic preparedness and COVID-19: an exploratory analysis of infection and fatality rates, and contextual factors associated with preparedness in 177 countries, from Jan 1, 2020, to Sept 30, 2021. Lancet 2022; 399(10334):1489-1512..
As pandemias têm efeitos deletérios e multidimensionais sobre a saúde das populações, que vão além das estatísticas de morbimortalidade pelo agravo1010 Werneck GL. The COVID-19 pandemic: challenges in assessing the impact of complex and multidimensional problems on the health of populations. Cad Saude Publica 2022; 38(4):PT045322.. Estudos têm apontado que as medidas de distanciamento social adotadas no enfrentamento à pandemia resultaram também em mudanças nos comportamentos e na saúde dos brasileiros, incluindo aumento dos sentimentos de solidão, tristeza, estresse e ansiedade1111 Barros MBA, Lima MG, Malta DC, Szwarcwald CL, Azevedo RCS, Romero D, Souza Júnior PRB, Azevedo LO, Machado ÍE, Damacena GN, Gomes CS, Werneck AO, Silva DRPD, Pina MF, Gracie R. Report on sadness/depression, nervousness/anxiety and sleep problems in the Brazilian adult population during the COVID-19 pandemic. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(4):e2020427., piora nos estilos de vida (diminuição da prática de atividade física (AF), aumento do consumo de bebidas alcoólicas, cigarros e de alimentos não saudáveis)1212 Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Machado IE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Pina MF, Freitas MIF, Werneck AO, Silva DRPD, Azevedo LO, Gracie R. The COVID-19 Pandemic and changes in adult Brazilian lifestyles: a cross-sectional study, 2020. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(4):e2020407.
13 Malta DC, Gomes CS, Barros MBA, Lima MG, Almeida WDS, Sá ACMGN, Prates EJS, Machado ÍE, Silva DRPD, Werneck AO, Damacena GN, Souza Júnior PRB, Azevedo LO, Montilla DER, Szwarcwald CL. Noncommunicable diseases and changes in lifestyles during the COVID-19 pandemic in Brazil. Rev Bras Epidemiol 2021; 24:e210009.-1414 Malta DC, Gomes CS, Souza Júnior PRB, Szwarcwald CL, Barros MBA, Machado ÍE, Romero DE, Lima MG, Silva AGD, Prates EJS, Cardoso LSM, Damacena GN, Werneck AO, Silva DRPD, Azevedo LO. Factors associated with increased cigarette consumption in the Brazilian population during the COVID-19 pandemic. Cad Saude Publica 2021; 37(3):e00252220., bem como redução de acompanhamento de serviços de saúde1515 Malta DC, Gomes CS, Silva AGD, Cardoso LSM, Barros MBA, Lima MG, Souza Junior PRB, Szwarcwald CL. Use of health services and adherence to social distancing by adults with Noncommunicable Diseases during the COVID-19 pandemic, Brazil, 2020. Cien Saude Colet 2021; 26(7):2833-2842., em especial entre adultos com doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)1616 Horta BL, Silveira MF, Barros AJD, Hartwig FP, Dias MS, Menezes AMB, Hallal PC. COVID-19 and outpatient care: a nationwide household survey. Cad Saude Publica 2022; 38(4):e00194121., diminuição de internações de pacientes com doenças cardiovasculares (DCV)1717 Ribeiro EG, Pinheiro PC, Nascimento BR, Cacique JPP, Teixeira RA, Nascimento JS, Franco TB, Brant LCC, Malta DC. Impact of the COVID-19 pandemic on hospital admissions for cardiovascular diseases in a large Brazilian urban center. Rev Soc Bras Med Trop 2022; 55(supl. 1):e0264. e aumento da mortalidade por DCV1818 Brant LCC, Nascimento BR, Teixeira RA, Lopes MACQ, Malta DC, Oliveira GMM, Ribeiro ALP. Excess of cardiovascular deaths during the COVID-19 pandemic in Brazilian capital cities. Heart 2020; 106(24):1898-1905.,1919 Jardim BC, Migowski A, Corrêa FM, Silva GAE. COVID-19 in Brazil in 2020: impact on deaths from cancer and cardiovascular diseases. Rev Saude Publica 2022; 56:22..
Nesse sentido, dimensionar o estado de saúde, a morbidade referida e a realização de exames preventivos antes e durante a pandemia de COVID-19 tornam-se essenciais para subsidiar a elaboração e reformulação de políticas públicas, programar medidas de redução de desigualdades sociais e em saúde baseadas em evidências, bem como pode contribuir para o planejamento e organização dos serviços e programas de saúde no pós-pandemia. Desse modo, objetivou-se comparar as mudanças ocorridas nos comportamentos de risco e proteção para DCNT, morbidade referida e realização de exames preventivos de câncer antes e ao final da terceira onda da pandemia de COVID-19 no Brasil.
Métodos
Desenho de estudo
Estudo epidemiológico analisando as bases de dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2006 a 2021. Destaca-se que o período de coleta do ano de 2021 foi de setembro de 2021 a fevereiro de 2022, últimos meses e a terceira onda da pandemia de COVID-19.
Contexto
O Vigitel foi implantado pelo Ministério da Saúde (MS) em 2006, sendo uma pesquisa de base populacional que monitora anualmente as DCNT e seus fatores de risco e proteção por inquérito telefônico com adultos (≥ 18 anos) que residem em domicílios com pelo menos uma linha telefônica fixa.
Amostragem
Os procedimentos de amostragem empregados visam obter, em cada uma das capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, amostras probabilísticas da população de adultos que residem em domicílios com ao menos uma linha telefônica fixa.
Foram entrevistados adultos (≥ 18 anos) residentes nas capitais dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal que tinham telefone fixo. Entre 2006 e 2019, entrevistam-se aproximadamente 54 mil indivíduos e todas as estimativas são ponderadas para que sejam representativas do conjunto da população adulta de cada cidade. Visando estimar as frequências dos indicadores, considerou-se um coeficiente de confiança de 95% e erro máximo de cerca de três pontos percentuais. Em 2020 e 2021, estabeleceu-se um tamanho amostral mínimo de mil indivíduos em cada cidade, cerca de 27.000 entrevistas no total. Tal amostra permite estimar, com nível de confiança de 95% e erro máximo de quatro pontos percentuais, a frequência de qualquer fator de risco e proteção na população adulta. Erros máximos de cinco pontos percentuais são esperados para estimativas específicas, segundo sexo, assumindo-se proporções semelhantes de homens e mulheres na amostra.
Às entrevistas realizadas são atribuídos pesos de pós-estratificação calculados pelo método rake, considerando as variáveis sexo, faixa etária e nível de escolaridade, para que as amostras sejam representativas da população adulta de cada cidade. Mais detalhes sobre o processo de amostragem e de coleta de dados são fornecidos nos relatórios do Vigitel2020 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: MS; 2020.,2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2021: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2021. Brasília: MS; 2022..
Variáveis
Foram analisados os seguintes indicadores que se mantiveram similares em todo o período de coleta. Observa-se abaixo, que nem todos eles estão disponíveis para todas as edições.
- Fumantes: hábito de fumar, independentemente do número de cigarros, da frequência e da duração do hábito de fumar. Coletado de 2006 a 2021.
- Fumantes passivos no domicílio: não fumantes que relatam que pelo menos um dos moradores do seu domicílio costuma fumar dentro de casa. Coletado de 2009 a 2021.
- Fumantes passivos no local de trabalho: não fumantes que relatam que ao menos uma pessoa costuma fumar no seu ambiente de trabalho. Coletado de 2009 a 2021.
- Consumo abusivo de bebida alcoólica: consumo de cinco ou mais doses (homem) ou quatro ou mais doses (mulher) de bebidas alcoólicas em uma única ocasião, pelo menos uma vez nos últimos 30 dias. Coletado de 2006 a 2021.
- Consumo regular de frutas e hortaliças: consumo de frutas e hortaliças em cinco ou mais dias da semana. Coletado de 2008 a 2021.
- Consumo recomendado de frutas e hortaliças: consumo de frutas e hortaliças em ao menos cinco dias da semana e quando a soma das porções consumidas diariamente desses alimentos totalizava pelo menos cinco. Coletado de 2008 a 2021.
- Consumo regular de feijão: consumir feijão em cinco ou mais dias por semana. Coletado de 2006 a 2021, exceto 2018.
- Consumo regular de refrigerante: consumo de refrigerante (ou refresco/suco artificial) em cinco ou mais dias por semana. Coletado de 2007 a 2021.
- Consumo de cinco ou mais grupos de alimentos protetores: consumo no dia anterior à entrevista de cinco ou mais grupos de alimentos não ou minimamente processados protetores para doenças crônicas. Considerou-se: alface, couve, brócolis, agrião ou espinafre; abóbora, cenoura, batata-doce ou quiabo/caruru; mamão, manga, melão amarelo ou pequi; tomate, pepino, abobrinha, berinjela, chuchu ou beterraba; laranja, banana, maçã ou abacaxi; feijão, ervilha, lentilha ou grão de bico; amendoim, castanha-de-caju ou castanha-do-Brasil/Pará”. Coletado de 2018 a 2021.
- Consumo cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados: consumo de cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados no dia anterior à entrevista/número de indivíduos entrevistados. Considerou-se como ultraprocessado: refrigerante; suco de fruta em caixa, caixinha ou lata; refresco em pó; bebida achocolatada; iogurte com sabor; salgadinho de pacote (ou chips) ou biscoito/bolacha salgado; biscoito/bolacha doce, biscoito recheado ou bolinho de pacote; chocolate, sorvete, gelatina, flan ou outra sobremesa industrializada; salsicha, linguiça, mortadela ou presunto; pão de forma, de cachorro-quente ou de hambúrguer; maionese, ketchup ou mostarda; margarina; macarrão instantâneo, sopa de pacote, lasanha congelada ou outro prato pronto comprado congelado”. Coletado de 2018 a 2021.
- Prática de atividade física no tempo livre recomendado: prática de ao menos 150 minutos semanais de atividade física de intensidade moderada ou pelo menos 75 minutos semanais de atividade física de intensidade vigorosa. A atividade com duração inferior a 10 minutos não é considerada para efeito do cálculo da soma diária de minutos despendidos pelo indivíduo com exercícios físicos2222 Haskell WL, Lee IM, Pate RR, Powell KE, Blair SN, Franklin BA, Macera CA, Heath GW, Thompson PD, Bauman A. Physical activity and public health: updated recommendation for adults from the American College of Sports Medicine and the American Heart Association. Med Sci Sports Exerc 2007; 39(8):1423-1434.. Coletado de 2009 a 2021.
- Prática de atividade física no deslocamento: dispêndio de pelo menos 30 minutos diários (em cinco ou mais dias da semana) no percurso de ida e volta se deslocando para o trabalho ou escola de bicicleta ou caminhando. Coletado de 2006 a 2021.
- Fisicamente inativos: não realização de qualquer atividade física no tempo livre nos últimos três meses e que não fez esforços físicos intensos no trabalho, não se deslocou para o trabalho ou curso/escola caminhando ou de bicicleta perfazendo um mínimo de 20 minutos no percurso de ida e volta e não foi responsável pela limpeza pesada de sua casa. Coletado de 2006 a 2021.
- Prática insuficiente de atividade física: realizar menos de 150 minutos de atividade física por semana em pelo menos três domínios - lazer, deslocamento e trabalho. Coletado de 2014 a 2021.
- Comportamento sedentário: hábito de ver ou utilizar televisão, computador, tablet ou celular por três ou mais horas por dia. Coletado de 2016 a 2021.
- Excesso de peso: indivíduo com índice de massa corporal (IMC) ≥ 25 kg/m22 Croda JHR, Garcia LP. Immediate health surveillance response to COVID-19 epidemic. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2020002., calculado a partir do peso em quilos dividido pelo quadrado da altura em metros2323 World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic: Report of a WHO Consultation on Obesity [Internet]. 2000. [cited 2022 maio 28]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/42330
https://apps.who.int/iris/handle/10665/4... , ambos autorreferidos. Coletado de 2006 a 2021.- Obesidade: indivíduo com índice de massa corporal (IMC) ≥ 30 kg/m22 Croda JHR, Garcia LP. Immediate health surveillance response to COVID-19 epidemic. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2020002., calculado a partir do peso em quilos dividido pelo quadrado da altura em metros2323 World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic: Report of a WHO Consultation on Obesity [Internet]. 2000. [cited 2022 maio 28]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/42330
https://apps.who.int/iris/handle/10665/4... , ambos autorreferidos. Coletado de 2006 a 2021.- Diagnóstico médico de hipertensão arterial: diagnóstico médico de hipertensão arterial autorreferido. Coletado de 2006 a 2021.
- Diagnóstico médico de diabetes: diagnóstico médico de diabetes autorreferido. Coletado de 2006 a 2021.
- Realização de exame de mamografia nos últimos dois anos: mulheres entre 50 e 69 anos de idade que fizeram mamografia nos últimos dois anos. Coletado de 2007 a 2021.
- Realização de exame de citologia oncótica para câncer de colo do útero nos últimos três anos: mulheres entre 25 e 64 anos de idade que passaram por exame de citologia oncótica nos últimos três anos. Coletado de 2007 a 2021.
As prevalências dos indicadores foram estimadas utilizando como denominador o total de adultos entrevistados, à exceção dos indicadores de detecção de câncer, específicos para o sexo feminino em determinadas faixas etárias.
Análise estatística
As prevalências dos indicadores foram apresentadas em proporções (%) com seus intervalos de confiança de 95% (IC95%). Foi realizada análise de tendência utilizando o modelo de regressão linear para dois períodos: 2006 a 2019 e 2006 a 2021.
Também se comparou os anos prévios à pandemia (2019) e o ano após a terceira onda da pandemia (2021) por meio da variação anual (∆) no período expressa em porcentagem, segundo sexo. Para testar as diferenças entre as duas edições da pesquisa, aplicou-se o teste t de Student, sendo H0 : ∆ = 0 e H1 : ∆ ≠ 0 e nível de significância (α) igual a 0,05. A variação é significativa quando o intervalo de confiança de 95% não contém o zero.
O processamento e análise dos dados foram realizados por meio do Statistical Software for Data Science (Stata Corp LP, College Station, Texas, United States), versão 16.0, considerando-se os pesos de pós-estratificação.
Aspectos éticos
O consentimento livre e esclarecido foi obtido oralmente na ocasião do contato telefônico com os entrevistados. O Vigitel foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde (CAAE: 65610017.1.0000.0008).
Resultados
Foram realizadas cerca de 54.000 entrevistas a cada ano e cerca de 27.000 em 2020 e 2021. A Tabela 1 apresenta as tendencias dos indicadores em dois períodos, 2006 a 2019 e 2006 a 2021. Entre 2006 e 2019, verifica-se redução significativa das prevalências de fumantes (p < 0,001), fumantes passivos no domicílio (p < 0,001), fumantes passivos no trabalho (p < 0,001), consumo de refrigerantes (p < 0,001), consumo de feijão (p < 0,001) e prática insuficiente de atividade física (p = 0,022). Por outro lado, observa-se aumento nas prevalências de consumo abusivo de bebidas alcóolicas (p = 0,032), consumo de frutas e hortaliças recomendado (p = 0,006), prática de AF no tempo livre (p < 0,001), excesso de peso (p = 0,001), obesidade (p < 0,001), diabetes (p < 0,001) e realização de mamografia em mulheres (p = 0,001). A prevalência de consumo regular de frutas e hortaliças, prática de AF no deslocamento, inatividade física, comportamento sedentário, hipertensão e realização de exames de citologia oncótica em mulheres ficaram estáveis (Tabela 1).
Ao comparar todo o período (2006-2021), alguns indicadores mudaram a tendência durante a pandemia: a “prática insuficiente de atividade física”, antes com redução da prevalência, aumentou após 2019, chegando à mesma prevalência de 2014; o “comportamento sedentário”, estável até 2019, teve um incremento (1,144 ao ano) em 2020 e 2021; a “prática de AF no tempo livre” teve aumento progressivo ( 0,942 ao ano) até 2019 e diminuiu nos anos seguintes; a “AF do deslocamento” reduziu em 2020 e 2021. A Hipertensão arterial manteve-se estável até 2019, mudando a tendência em 2020 e 2021 (p = 0,019); o “diabetes autorreferido”, embora com tendência de aumento em todo o período, teve incremento em 2020 e 2021 (atingindo 9,1% em 2021). A mamografia e citologia oncótica diminuíram em 2020 e 2021, destacando-se que a mamografia retrocedeu para coberturas obtidas em 2009, enquanto a citologia oncótica, antes estável, reduziu de forma significativa nos últimos dois anos (p = 0,013), quando incluídos os dois últimos anos na série. A obesidade e o excesso de peso também pioraram nos últimos dois anos. Os demais indicadores não alteraram a tendencia nos anos finais da série (Tabela 1).
Comparando-se o ano pré-pandemia (2019) e o ano após a terceira onda (2021) (Tabelas 2, 3 e 4), verificou-se que a prática de AF no tempo livre diminuiu de 39,0% (IC95%: 38,0; 39,9) em 2019 para 36,7% (IC95%: 35,3; 38,2) para a população total, e de 46,7% (IC95%: 45,2; 48,3) para 43,1% (IC95%: 40,8; 45,5) no sexo masculino. A prevalência de AF no deslocamento passou de 14,2% (IC95%: 13,4; 14,9) em 2019 para 10,4% (IC95%: 9,4; 11,4) em 2021/2022 na população total; de 14,5% (IC95%: 13,4; 15,7) para 10,8% (IC95%:9,4;12,4) nos homens de 13,8% (IC95%:13,0; 14,7) para 10,0% (IC95%: 8,8; 11,5) nas mulheres.
Por outro lado, a prevalência de adultos com prática insuficiente de AF aumentou na população total (de 44,8%; IC95%: 43,9; 45,7 para 48,2%; IC95%: 46,7; 49,7), nos homens (de 36,1%; IC95%: 34,7; 37,6 para 39,3%; IC95%: 37,0; 41,6) e nas mulheres (de 52,2%; IC95%: 51,0; 53,4 para 55,7%; IC95%: 53,7; 57,7). A inatividade física aumentou na população total (de 13,9%; IC95%: 13,3; 14,5 para 15,8%; IC95%: 14,7;16,9) e nas mulheres (de 14,0%; IC95%: 13,3; 14,7 para 16,0; IC95%: 14,5;17,6). O comportamento sedentário também aumentou, passando de 62,7% (IC95%: 61,8; 63,6) para 66,0% (IC95%: 64,6; 67,4) na população total, de 63,9% (62,4; 65,3) para 66,7% (64,4; 68,8) nos homens e de 61,7% (IC95%: 60,5; 62,8) para 65,4% (IC95%: 63,6;67,2) nas mulheres (Tabela 2).
Houve aumento na prevalência de excesso de peso, sendo que em 2019 era de 55,4% (IC95%: 54,4; 56,3), passando para 57,2%; (IC95%: 55,7; 58,8) em 2021/22. Também aumentou a prevalência de obesidade, que era de 20,3% (IC95%: 19,5; 21,0) em 2019 e aumentou para 22,4% (IC95%: 21,1; 23,6) em 2021/22. A obesidade também aumentou nos homens, passando de 19,5% (IC95%: 18,3; 20,7) para 22,0% (IC95%: 20,0; 24,0) (Tabela 2).
Em relação à morbidade referida, houve aumento na prevalência autorreferida de hipertensão na população total (de 24,5%; IC95%: 23,8; 25,3 para 26,3%; IC95%: 25,1; 27,6), e entre homens (de 21,2%; IC95%: 20,0; 22,4 para 25,4%; IC95%: 23,4; 27,4). A prevalência autorreferida de diabetes aumentou de 7,5% (IC95%: 7,0; 7,9) para 9,1% (IC95%: 8,5; 9,8) para a população total, de 7,8% (IC95%: 7,3; 8,3) para 9,6% (IC95%: 8,8; 10,5) em mulheres e de 7,1% (IC95%: 6,4; 7,8) para 8,6% (IC95%: 7,6;9,7) nos homens (Tabela 3).
No que diz respeito às prevalências da realização dos exames de detecção precoce de câncer em mulheres, observou-se redução da cobertura de mamografia nos últimos dois anos, passando de 76,9% (IC95%: 75,4; 78,3) em 2019 para 72,8% (IC95%: 70,7; 75,0) em 2021/2022. Houve diminuição da cobertura do exame de citologia do colo de útero nos últimos três anos, reduzindo de 81,5% (IC95%: 80,4; 82,6) em 2019 para 77,2% (IC95%: 75,2; 79,1) em 2021/2022. Ocorreu redução da prevalência de fumante passivo no trabalho (de 6,6%; IC95%: 6,0; 7,1 em 2019 para 5,4%; IC95%: 4,6; 6,3 em 2021/2022), bem como no sexo masculino (10,0%; IC95%: 9,0; 11,0 em 2019 e 8,1%; IC95%: 6,7;9,7 em 2021/2022) (Tabela 2).
Os demais indicadores se mantiveram estáveis: prevalência de fumantes, fumantes passivos no domicílio, consumo abusivo de bebidas alcoólicas, consumo alimentar, o consumo regular e recomendado de frutas e hortaliças, consumo de feijão, refrigerantes, cinco ou mais grupos de alimentos protetores, cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados.
Discussão
Entre 2006 (início do sistema Vigitel) e 2019 (antes da pandemia) ocorreram mudanças positivas, como redução da prevalência de fumantes e inatividade física e aumento do consumo de frutas e hortaliças, da cobertura de mamografia e da prática de AF em tempo livre. No período, houve piora nos indicadores consumo de álcool, obesidade e diabetes, e estabilidade em indicadores como hipertensão arterial e na maioria dos indicadores de AF. Após 2020, período da pandemia, ocorreu rápida alteração de indicadores de DCNT que antes estavam com evolução positiva ou estáveis. A prevalência de adultos com prática insuficiente de AF aumentou, bem como o comportamento sedentário, a inatividade física, com redução da AF no deslocamento. Houve redução da cobertura de exames preventivos de câncer de mamografia, antes em tendência de aumento, e citologia do colo de útero, que se encontrava estável. Acentuou-se a piora dos indicadores de excesso de peso, obesidade e a prevalência autorreferida de diabetes. No caso da hipertensão arterial, antes estável, ocorreu aumento da prevalência.
O estudo mostrou que todos os indicadores de AF foram afetados durante a pandemia, tornando-se mais difícil atingir a meta do plano de DCNT da OMS, que se compromete a reduzir em 10% a inatividade física, ou praticar AF pelo menos 150 minutos por semana nos diferentes domínios (lazer, deslocamento para o trabalho, trabalho)2424 World Health Organization (WHO). Global Action Plan for the Prevention and Control of NCDs 2013-2020 [Internet]. 2013. [cited 2022 maio 28]. Available from: http://www.who.int/nmh/events/ncd_action_plan/en/
http://www.who.int/nmh/events/ncd_action... .
Os achados mostram de forma inédita que ocorreu redução no deslocamento ativo, em cerca de 30%. Ou seja, após dois anos do início da pandemia, os níveis de deslocamento se mantêm baixos, possivelmente por persistirem os trabalhos a distância, em home office, mas também pelo aumento do desemprego2525 Mattei L, Heinen VL. Impactos da crise da Covid-19 no mercado de trabalho brasileiro. J Polit Econ 2020; 40(4):647-668.. Estudos prévios apontaram que a pandemia de COVID-19 resultou em piora da prática de AF no tempo livre entre adultos brasileiros1212 Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Machado IE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Pina MF, Freitas MIF, Werneck AO, Silva DRPD, Azevedo LO, Gracie R. The COVID-19 Pandemic and changes in adult Brazilian lifestyles: a cross-sectional study, 2020. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(4):e2020407.,2626 Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MBA, Silva AG, Prates EJS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Azevedo LO, Pina MF, Werneck AO, Silva DRP. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saude Debate 2020; 44(4):177-190..
O aumento do comportamento sedentário durante a pandemia de COVID-19 tem sido considerado um efeito direto das medidas de distanciamento social. Nesse sentido, o distanciamento desencadeou a redução das interações sociais e fez com que a população aumentasse o tempo em frente à TV e no tablet, computador e celular, tornando-se uma opção de lazer e também uma alternativa de trabalho remoto2727 Silva DRPD, Werneck AO, Malta DC, Souza Júnior PRB, Azevedo LO, Barros MBA, Szwarcwald CL. Changes in the prevalence of physical inactivity and sedentary behavior during COVID-19 pandemic: a survey with 39,693 Brazilian adults. Cad Saude Publica 2021; 37(3):e00221920.,2828 Silva DR, Werneck AO, Malta DC, Souza-Júnior PRB, Azevedo LO, Barros MBA, Szwarcwald CL. Incidence of physical inactivity and excessive screen time during the first wave of the COVID-19 pandemic in Brazil: what are the most affected population groups? Ann Epidemiol 2021; 62:30-35.. A redução da AF e o aumento de comportamentos sedentários afetam negativamente a qualidade de vida e a saúde2626 Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MBA, Silva AG, Prates EJS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Azevedo LO, Pina MF, Werneck AO, Silva DRP. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saude Debate 2020; 44(4):177-190., tendo efeitos prejudiciais na saúde cardiovascular2929 Peçanha T, Goessler KF, Roschel H, Gualano B. Social isolation during the COVID-19 pandemic can increase physical inactivity and the global burden of cardiovascular disease. Am J Physiol Heart Circ Physiol 2020; 318(6):H1441-H1446. e na infecção por COVID-193030 Gualano B. Evidence-based physical activity for COVID-19: what do we know and what do we need to know? Br J Sports Med 2022; 56(12):653-654., além de repercussões na saúde mental3131 Ai X, Yang J, Lin Z, Wan X. Mental health and the role of physical activity during the COVID-19 pandemic. Front Psychol 2021; 12:759987. e de poder resultar no aumento de mortes prematuras e evitáveis3232 Stamatakis E, Gale J, Bauman A, Ekelund U, Hamer M, Ding D. Sitting time, physical activity, and risk of mortality in adults. J Am Coll Cardiol 2019; 73(16):2062-2072.. Por conseguinte, torna-se urgente adotar medidas para estimular a prática de AF junto à população, em especial entre os grupos populacionais mais afetados, como os pacientes com DCNT3030 Gualano B. Evidence-based physical activity for COVID-19: what do we know and what do we need to know? Br J Sports Med 2022; 56(12):653-654.,3333 Malta DC, Gomes CS, Barros MBA, Lima MG, Almeida WDS, Sá ACMGN, Prates EJS, Machado ÍE, Silva DRPD, Werneck AO, Damacena GN, Souza Júnior PRB, Azevedo LO, Montilla DER, Szwarcwald CL. Noncommunicable diseases and changes in lifestyles during the COVID-19 pandemic in Brazil. Rev Bras Epidemiol 2021; 24:e210009..
O excesso de peso e a obesidade já apresentavam crescimento contínuo3434 Silva LESD, Oliveira MM, Stopa SR, Gouvea ECDP, Ferreira KRD, Santos RO, Valença Neto PDF, Macário EM, Sardinha LMV. Temporal trend of overweight and obesity prevalence among Brazilian adults, according to sociodemographic characteristics, 2006-2019. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(1):e2020294.,3535 Ferreira APS, Szwarcwald CL, Damacena GN, Souza Júnior PRB. Increasing trends in obesity prevalence from 2013 to 2019 and associated factors in Brazil. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(supl. 2):e210009., entretanto, ocorreu um importante incremento da variação anual durante a pandemia e já atingem quase 60% e 20% da população brasileira, respectivamente. O que pode ser explicado pela redução da AF, mas também pela piora na alimentação1212 Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Machado IE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Pina MF, Freitas MIF, Werneck AO, Silva DRPD, Azevedo LO, Gracie R. The COVID-19 Pandemic and changes in adult Brazilian lifestyles: a cross-sectional study, 2020. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(4):e2020407.,2626 Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MBA, Silva AG, Prates EJS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Azevedo LO, Pina MF, Werneck AO, Silva DRP. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saude Debate 2020; 44(4):177-190.. Estudo realizado durante a pandemia identificou aumento da insegurança alimentar, atingindo cerca de 100 milhões de brasileiros, com aproximadamente 20 milhões de pessoas passando fome3636 Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. VIGISAN: Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil [Internet]. 2021. [acessado 2022 maio 10]. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf
http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inse... . Destaca-se também que aumentou o consumo de alimentos ultraprocessados baratos, como macarrão instantâneo, o que pode ser reflexo do baixo custo e do elevado teor calórico2626 Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MBA, Silva AG, Prates EJS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Azevedo LO, Pina MF, Werneck AO, Silva DRP. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saude Debate 2020; 44(4):177-190.. Soma-se, ainda, a ausência de políticas regulatórias nos últimos anos, por exemplo no controle dos alimentos ultraprocessados, e o baixo incentivo à produção e ao acesso à alimentação de qualidade, como frutas e hortaliças, pelo elevado custo, reduzindo seu consumo, em especial junto à população de baixa renda2626 Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MBA, Silva AG, Prates EJS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Azevedo LO, Pina MF, Werneck AO, Silva DRP. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saude Debate 2020; 44(4):177-190.,3636 Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. VIGISAN: Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil [Internet]. 2021. [acessado 2022 maio 10]. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf
http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inse... ,3737 Santos LPD, Schäfer AA, Meller FO, Harter J, Nunes BP, Silva ICMD, Pellegrini DDCP. Tendências e desigualdades na insegurança alimentar durante a pandemia de COVID-19: resultados de quatro inquéritos epidemiológicos seriados. Cad Saude Publica 2021; 37(5):e00268520.. Além disso, as graves crises sanitária, social e política no Brasil se refletiram na piora dos indicadores socioeconômicos no Brasil, acentuando as desigualdades já maximizadas pelas medidas de austeridade e a redução de políticas de proteção social adotadas previamente no país3838 Silva AGD, Teixeira RA, Prates EJS, Malta DC. Monitoring and projection of targets for risk and protection factors for coping with noncommunicable diseases in Brazilian capitals. Cien Saude Colet 2021; 26(4):1193-1206.
39 Paes-Sousa R, Schramm JMA, Mendes LVP. Fiscal austerity and the health sector: the cost of adjustments. Cien Saude Colet; 24(12):4375-4384.-4040 Oliveira TC, Abranches MV, Lana RM. Food (in)security in Brazil in the context of the SARS-CoV-2 pandemic. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00055220..
Evidenciou-se que, além do excesso de peso e da obesidade, ocorreu aumento da hipertensão arterial e do diabetes durante a pandemia de COVID-19, em curto espaço de tempo, o que agrava o cenário das DCNT no país. Observa-se que a hipertensão arterial permaneceu estável até 2019 e teve aumento significativo nos dois últimos anos. O diabetes cresceu em todo o período de forma mais lenta (0,181) ao ano e acelerou o crescimento nos dois anos iniciais da pandemia, em cerca de quatro vezes na variação anual, comparado com o período anterior. Há evidência de que a crise ocasionada pela COVID-19 resultou na piora das DCNT4141 The Lancet. COVID-19: a new lens for non-communicable diseases. Lancet 2020; 396(10252):649.,4242 Kluge HHP, Wickramasinghe K, Rippin HL, Mendes R, Peters DH, Kontsevaya A, Breda J. Prevention and control of non-communicable diseases in the COVID-19 response. Lancet 2020; 395(10238):1678-1680., constituindo-se na “quarta onda” da pandemia, que poderá ter efeitos que permanecerão por muitos anos4343 Kohli P, Virani SS. Surfing the Waves of the COVID-19 Pandemic as a Cardiovascular Clinician. Circulation 2020; 142(2):98-100.. A piora das DCNT deve-se tanto aos efeitos sistêmicos da COVID-19 como às sequelas resultantes da doença, mas também decorre da deterioração dos estilos de vida na população, da redução no acesso aos serviços de saúde preventivos durante o período e da interrupção de cuidados de acompanhamento dos pacientes na atenção primária e secundária1515 Malta DC, Gomes CS, Silva AGD, Cardoso LSM, Barros MBA, Lima MG, Souza Junior PRB, Szwarcwald CL. Use of health services and adherence to social distancing by adults with Noncommunicable Diseases during the COVID-19 pandemic, Brazil, 2020. Cien Saude Colet 2021; 26(7):2833-2842.,1616 Horta BL, Silveira MF, Barros AJD, Hartwig FP, Dias MS, Menezes AMB, Hallal PC. COVID-19 and outpatient care: a nationwide household survey. Cad Saude Publica 2022; 38(4):e00194121.,4444 Bispo Júnior JP, Santos DBD. COVID-19 como sindemia: modelo teórico e fundamentos para a abordagem abrangente em saúde. Cad Saude Publica 2021; 37(10):e00119021.. Além disso, tem-se discutido que a piora na saúde mental, com o aumento do estresse, bem como o ônus econômico decorrente da COVID-19, resultarão na “quinta onda” da pandemia4343 Kohli P, Virani SS. Surfing the Waves of the COVID-19 Pandemic as a Cardiovascular Clinician. Circulation 2020; 142(2):98-100..
O estudo mostra, ainda, retrocesso na realização de exames de detecção precoce de câncer em mulheres. Houve redução da realização da mamografia, que vinha em ascensão no período, e da citologia oncótica, que se encontrava estável. A redução na cobertura de mamografia e de citologia oncótica do colo de útero podem ser explicadas pelas dificuldades na utilização dos serviços de saúde e pela menor oferta de serviços pelos setores de saúde públicos e privados durante a pandemia4545 Ribeiro CM, Correa FM, Migowski A. Short-term effects of the COVID-19 pandemic on cancer screening, diagnosis and treatment procedures in Brazil: a descriptive study, 2019-2020. Epidemiol Serv Saude 2022; 31(1):e2021405.. A interrupção ou redução da utilização dos serviços de saúde dificultaram o acompanhamento dos pacientes, aumentando a morbimortalidade e a incapacidade evitável1515 Malta DC, Gomes CS, Silva AGD, Cardoso LSM, Barros MBA, Lima MG, Souza Junior PRB, Szwarcwald CL. Use of health services and adherence to social distancing by adults with Noncommunicable Diseases during the COVID-19 pandemic, Brazil, 2020. Cien Saude Colet 2021; 26(7):2833-2842.,1616 Horta BL, Silveira MF, Barros AJD, Hartwig FP, Dias MS, Menezes AMB, Hallal PC. COVID-19 and outpatient care: a nationwide household survey. Cad Saude Publica 2022; 38(4):e00194121.. Estudos conduzidos pela OMS identificaram que 75% dos países respondentes relataram interrupções nos serviços de prevenção e tratamento de DCNT4646 World Health Organization (WHO). The impact of the COVID-19 pandemic on noncommunicable disease resources and services: results of a rapid assessment. Geneva: WHO; 2020.,4747 Organização Mundial de Saúde (OMS). Serviços essenciais de saúde enfrentam interrupções contínuas durante pandemia de COVID-19 [Internet]. 2022. [acessado 2022 maio 28]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/7-2-2022-servicos-essenciais-saude-enfrentam-interrupcoes-continuas-durante-pandemia-covid#:~:text=Interrup%C3%A7%C3%B5es%20cont%C3%ADnuas%20foram%20relatadas%20em,sa%C3%BAde%20durante%20a%20COVID%2D19
https://www.paho.org/pt/noticias/7-2-202... . Nas Américas, pesquisa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em 2020 apontou acesso limitado aos serviços de DCNT em 64% dos países, em função do cancelamento de atendimentos eletivos (58%), da realocação da equipe clínica para a resposta à COVID-19 (50%) e ao não comparecimento dos indivíduos aos atendimentos de saúde (50%)4848 Pan American Health Organization (PAHO). Rapid assessment of service delivery for NCDs during the COVID-19 pandemic in the Americas [Internet]. 2020. [cited 2022 maio 28]. Available from: https://www.paho.org/en/documents/rapid-assessment-service-delivery-ncds-during-covid-19-pandemic-americas-4-june-2020
https://www.paho.org/en/documents/rapid-... , muitas vezes motivados pelo medo de contrair COVID-19, em especial antes da vacinação em massa.
Embora haja evidências do aumento do consumo de cigarros e álcool no Brasil durante a primeira onda de COVID-19 no Brasil1212 Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Machado IE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Pina MF, Freitas MIF, Werneck AO, Silva DRPD, Azevedo LO, Gracie R. The COVID-19 Pandemic and changes in adult Brazilian lifestyles: a cross-sectional study, 2020. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(4):e2020407.,1414 Malta DC, Gomes CS, Souza Júnior PRB, Szwarcwald CL, Barros MBA, Machado ÍE, Romero DE, Lima MG, Silva AGD, Prates EJS, Cardoso LSM, Damacena GN, Werneck AO, Silva DRPD, Azevedo LO. Factors associated with increased cigarette consumption in the Brazilian population during the COVID-19 pandemic. Cad Saude Publica 2021; 37(3):e00252220.,2626 Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MBA, Silva AG, Prates EJS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Azevedo LO, Pina MF, Werneck AO, Silva DRP. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saude Debate 2020; 44(4):177-190., este estudo não observou alteração na prevalência do consumo de tabaco e álcool, exceto na redução do fumo passivo no trabalho. Assim, novos estudos são desejáveis, pois podem contribuir para identificar mudanças nas prevalências de tabagismo e do consumo abusivo de álcool entre adultos brasileiros, pois ambos constituem fatores de risco para o agravamento da infecção por COVID-194949 Ramalho R, Adiukwu F, Gashi Bytyçi D, El Hayek S, Gonzalez-Diaz JM, Larnaout A, Orsolini L, Pereira-Sanchez V, Pinto da Costa M, Ransing R, Shalbafan M, Syarif Z, Grandinetti P. Alcohol and tobacco use during the COVID-19 pandemic. A call for local actions for global impact. Front Psychiatry 2021; 12:634254..
Algumas limitações devem ser consideradas. Primeiramente, o fato de os indicadores serem autorreferidos, sujeitos a viés de informação. Em segundo lugar, a representatividade limitada às capitais brasileiras e com amostragem vinculada à cobertura de telefonia fixa, resultando no emprego de metodologias de pós-estratificação para minimizar potenciais vieses. Em terceiro, deve-se mencionar que o período de coleta do Vigitel 2021/2022 (setembro a fevereiro) é diferente do período de coleta em 2019 (ao longo do ano), o que pode causar vieses devido à influência sazonal em comportamento relacionado a fatores de risco e proteção. Além disso, a diminuição do tamanho da amostra em 2021 implica a redução da precisão das estimativas, portanto devem ser confirmadas em investigações futuras do Vigitel.
Por outro lado, ressalta-se que nossos achados permitem delinear um panorama do comportamento em saúde da população adulta das capitais brasileiras nos períodos pré e durante a pandemia de COVID-19 no Brasil, podendo servir de linha de base para avaliações futuras e assim contribuir no enfrentamento aos desafios vindouros no pós-pandemia. Tem-se, ainda, que esses resultados podem apoiar o monitoramento dos compromissos globais de enfrentamento às DCNT2424 World Health Organization (WHO). Global Action Plan for the Prevention and Control of NCDs 2013-2020 [Internet]. 2013. [cited 2022 maio 28]. Available from: http://www.who.int/nmh/events/ncd_action_plan/en/
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http://www.un.org/sustainabledevelopment... .
Em conclusão, a crise sanitária ocasionada pela COVID-19 resultou em piora dos indicadores de AF, de excesso de peso e obesidade, de morbidade por DCNT e cobertura dos exames preventivos de câncer em mulheres no Brasil, o que contribui para acentuar as desigualdades sociais e econômicas no país.
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Financiamento
Fundo Nacional de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde (TED: 66/2018).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
01 Dez 2023 - Data do Fascículo
Dez 2023
Histórico
- Recebido
06 Jun 2022 - Aceito
21 Mar 2023 - Publicado
23 Mar 2023