A COVID-19 em meio a uma “tempestade perfeita” no capitalismo neoliberal: reflexões críticas sobre seus impactos no Brasil

COVID-19 in the midst of a “perfect storm” in neoliberal capitalism: critical reflections on its impacts in Brazil

Nilson Maciel de Paula Wellington Pereira Rubia Carla Formighieri Giordani Sobre os autores

Resumo

Os impactos da pandemia do novo coronavírus na sociedade brasileira revelaram um cenário que extrapola uma crise sanitária. Este artigo tem por objetivo apresentar as causas e consequências de uma crise sistêmica sob a ordem econômica neoliberal lastreada na proeminência dos mercados e da exclusão social, enquanto o papel do Estado como garantidor de direitos sociais é negligenciado. A metodologia adotada segue uma perspectiva interdisciplinar crítica dos campos da economia política e das ciências sociais presente em relatórios socioeconômicos referidos nesta análise. Argumenta-se que a racionalidade neoliberal, orientando as políticas governamentais e presente no ambiente social, contribuiu para um aprofundamento das desigualdades estruturais no Brasil, gerando condições propícias para o agravamento dos impactos causados pela pandemia na sociedade, em particular nos segmentos sociais mais vulneráveis.

Key words:
Pandemics; Capitalism; Socioeconomic factors; Public policy

Abstract

The impacts of the recent coronavirus pandemic on Brazilian society revealed a scenario that goes beyond a health crisis. This article sets out to present the causes and consequences of a systemic crisis in the neoliberal economic order based on the prominence of markets and social exclusion, while the role of the State - as the guardian of social rights - is neglected. The methodology adopted follows a critical interdisciplinary perspective from the fields of political economy and social sciences, located in socioeconomic reports referred to in this analysis. It is argued that the neoliberal rationale guiding government policies, which is deep rooted in the social environment, has contributed to the increase in structural inequalities in Brazil, thus creating favorable conditions for exacerbating the impacts caused by the pandemic in society, particularly among the most vulnerable social groups.

Key words:
Pandemics; Capitalism; Socioeconomic factors; Public policy

Introdução

A tragédia da pandemia da COVID-19 vem desnorteando sociedades em todo o mundo, após milhões de pessoas sofrerem uma repentina interrupção em suas atividades cotidianas, ou uma adaptação a novas e desconfortáveis rotinas. A ruptura da realidade vigente colocou à prova a confiança tácita na normalidade dos sistemas sociais e econômicos, assim como alterou as percepções do futuro, então contaminadas de dúvidas e incertezas generalizadas. Enquanto estruturas produtivas e comerciais foram afetadas, práticas de consumo repensadas e valores existenciais da sociedade moderna passaram a ser questionados, observou-se as mazelas sociais, econômicas e ambientais saírem da invisibilidade como desafios a serem superados na vida pós-pandemia11 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Perspectivas do Comércio Internacional da América Latina e do Caribe. Santiago: CEPAL; 2020.,22 Joly CA, Queiroz HL. Pandemia, biodiversidade, mudanças globais e bem-estar humano. Estud Avancados 2020; 34(100):67-82..

Desde o reconhecimento da COVID-19 como Emergência em Saúde Pública em fevereiro de 202033 World Health Organization (WHO). Statement on the second meeting of the international health regulations (2005) emergency committee regarding the outbreak of novel coronavirus (2019-nCoV) [Internet]. 2020. [cited 2022 ago 3]. Available from: https://www.who.int/news-room/detail/30-01-2020-statement-on-the-second-meeting-of-the-international-health-regulations-(2005)-emergency-committee-regarding-the-outbreak-of-novel-coronavirus-(2019-ncov)
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, sua propagação alcançou patamares alarmantes, registrados pelas curvas epidêmicas em diferentes nações. Paralelamente, a gravidade de tal fenômeno revelou o desconhecimento e a fragilidade de governos nacionais para enfrentá-lo, em particular no mundo ocidental, enquanto sua simbiose com problemas provenientes de crises pregressas se potencializou.

Esse ambiente tem sido observado no Brasil, onde é visível a interface da pandemia com desigualdades socioeconômicas estruturais que se acumularam historicamente e em uma tendência irreversível. Nesse cenário, a gestão da crise de saúde pública se apresentou condicionada a um questionável conflito entre economia e pandemia, realçado pelo discurso oficial que contaminou o comportamento social e o ambiente dos negócios invalidando práticas preventivas, a exemplo do distanciamento social e da suspensão de atividades não essenciais ao longo de 2020 e 2021. Mais ainda, o combate à pandemia foi afetado pela submissão da saúde pública às estratégias dominantes de austeridade fiscal, regimes tributários regressivos e privatizações de empresas estatais e serviços públicos44 Alpino TMA, Santos CRB, Barros DC, Freitas CM. COVID-19 e (in)segurança alimentar e nutricional: ações do Governo Federal brasileiro na pandemia frente aos desmontes orçamentários e institucionais. Cad Saude Publica 2020; 36(8):e00161320.,55 Souza DO. O subfinanciamento do sistema único de saúde e seus rebatimentos no enfrentamento da COVID-19. Physis 2020; 30(3):e300313.. Diante da incontornável prostração da economia, revisionistas neoliberais, repercutindo alertas de instituições globais, a exemplo do Fundo Monetário Internacional (FMI), passaram a reconhecer a necessidade de resgatar o protagonismo do Estado como único agente capaz de conter a avalanche destruidora da pandemia, com medidas emergenciais para preservar minimamente a demanda efetiva e evitar um colapso sistêmico.

Em paralelo, as turbulências no entorno da pandemia têm se adensado por uma crise política e institucional que corrói as bases democráticas, impulsionada de um lado por arroubos autoritários do governo federal brasileiro ao longo do processo pandêmico e, de outro, pela destruição do emprego e dos pequenos negócios, pela precarização das relações de trabalho e das condições habitacionais66 Praun L. A espiral da destruição: legado neoliberal, pandemia e precarização do trabalho. Trab Educ Saude 2020; 18(3):e00297129.,77 Prates I, Barbosa RJ. The impact of COVID-19 in Brazil: labour market and social protection responses. Indian J Labour Econ 2020; 63(Suppl. 1):1-5.. Por isso, a crise sanitária do novo coronavírus não apenas emergiu em meio a um esgarçamento do tecido social e deterioração das condições de vida como contribuiu para agravá-los.

Baseado nesse cenário, este artigo tem como objetivo apresentar as causas e consequências dessa crise sistêmica sob a ordem econômica neoliberal lastreada na proeminência dos mercados e da exclusão social, enquanto o papel do Estado como garantidor de direitos sociais é negligenciado.

A metodologia utilizada engloba um ensaio teórico em uma perspectiva interdisciplinar crítica orientada pelo campo da economia política e das ciências sociais, além de alguns relatórios socioeconômicos. No decorrer do texto, argumenta-se que a disseminação do novo coronavírus evidenciou riscos sistêmicos em escala global, sobretudo para as populações marginalizadas pelos processos econômicos hegemônicos.

As crises crônicas sob a asfixia do neoliberalismo

Crises são momentos de dificuldade e de insegurança, quando as sociedades são levadas a um ponto de inflexão. Embora esses contextos sejam vistos como conjunturais, as análises resultantes deles acabam marcadas, via de regra, por divergências na compreensão de suas origens e suas repercussões. Decisões são, portanto, tomadas na expectativa de recompor condições materiais prévias ou reorientar as sociedades a novos rumos, por meio de reformas que reconstituam o status quo ou que introduzam novos valores culturais, novas referências políticas e novos modelos econômicos e sociais. No entanto, essa transição não deriva de uma avaliação neutra ou de um consenso absoluto em torno de seus determinantes e das alternativas para sua superação, mas dos conflitos inerentes às relações de poder que permeiam a vida social e o aparelho de Estado.

Como as crises não são fenômenos isolados e unidirecionais, mas simultâneos e simbióticos, a saliência de um sobre os demais é resultado de uma disputa de poder e de narrativas, sugerindo que tragédias crônicas, mas silenciosas ou camufladas, podem ser sublimadas como traços irremovíveis à luz dos valores dominantes, embora sujeitas à vigilância dos mais diretamente atingidos. Segundo Klein88 Klein N. This changes everything. London: Pinguin Books; 2014., foram os movimentos civis que trouxeram à luz as crises da escravidão, do racismo e da discriminação sexual. A esses exemplos é possível adicionar questões relacionadas ao clima99 Carlson CJ, Albery GF, Phelan A. Preparing international cooperation on pandemic prevention for the Anthropocene. BMJ Global Health 2021; 6(3):e004254.,1010 Carlson CJ, Albery GF, Merow C, Trisos CH, Zipel CM, Eskew EA, Olival KJ, Ross N, Bansan S. Climate change increases cross-species viral transmission risk. Nature 2022; 607(7919):555-562., à insegurança alimentar1111 High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition (HLPE). Impacts of COVID-19 on food security and nutrition: developing effective policy responses to address the hunger and malnutrition pandemic. Rome: HLPE; 2020., à exclusão social1212 Chancel L, Piketty T, Saez E, Zucman G, editors. World Inequality Report 2022. Paris: World Inequality Lab; 2021., entre outras. Crises que se perpetuam, ainda que nem sempre com a mesma repercussão de desajustes momentâneos da ordem econômica dominante.

Embora incontestáveis, os efeitos destrutivos das grandes tragédias vividas pela humanidade, a exemplo das guerras mundiais e da quebra da bolsa de Nova York em 1929, sua compreensão não foi unânime durante a fase de reorganização institucional das relações econômicas e sociais que as sucederam. Expectativas irrealizáveis de um mundo estável e livre de crises foram realimentadas, sem eliminar, entretanto, os profundos contrastes entre povos e segmentos sociais, e que só se agravaram. Na realidade, o caminho posterior foi semeado por embates geopolíticos permeados por estratégias de desenvolvimento discrepantes e por uma hierarquia internacional sob a hegemonia dos Estados Unidos.

Acreditava-se, desde o imediato pós-Segunda Guerra, que o crescimento econômico traria, automaticamente, aumento da renda das famílias e uma melhoria generalizada no padrão de vida, o que, todavia, confirmou-se apenas entre os países mais desenvolvidos1313 Stiglitz J. Inequality and economic growth. Polit Q 2016; 86(S1):134-155.. No final dos anos 1970, os princípios do desenvolvimentismo e do consenso keynesiano do pleno emprego e bem-estar social deram lugar a uma ordem global regida pelo fundamentalismo de mercado, combinado com uma desidratação do Estado em suas atribuições no âmbito social e econômico1414 Santos BS. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina; 2020.,1515 Duménil G, Lévy D. Neoliberalismo: neo-imperialismo. Econ Soc 2007; 16(1):1-19..

Não sem motivos, novas crises se acumularam, mas sempre circunscritas a conjunturas ou aspectos específicos (preponderantemente de ordem econômica ou política), vencidas apenas em suas aparências, sem atentar para seus determinantes estruturais e suas consequências1414 Santos BS. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina; 2020.,1515 Duménil G, Lévy D. Neoliberalismo: neo-imperialismo. Econ Soc 2007; 16(1):1-19.. Além disso, conforme aponta Oliveira1616 Oliveira F. Privatização do público, destituição da fala e anulação política: o totalitarismo neoliberal. In: Oliveira F, Paoli MC, organizadores. Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Rio de Janeiro: Vozes/Fapesp/NEDIC; 1999. p. 55-81., a partir dos anos 1990, difundiu-se o argumento de que as despesas sociais realizadas pelo Estado seriam a causa de sua falência, induzindo uma falsa crença de que seu papel regulador e provedor de proteção social seria dispensável porque indivíduos e empresas promoveriam equilíbrio na economia, suavizando eventuais instabilidades. A ordem neoliberal se globalizava no início dos anos 1990, como caminho para a solução dos problemas econômicos que persistiam na periferia do capitalismo mundial. Difundia-se, dessa forma, o receituário de medidas econômicas extremamente restritivas adotadas pelos países mais pobres e endividados, sacramentado pelo chamado “Consenso de Washington” - um manifesto programático do neoliberalismo. Sob tal ordem global, renascia o falso entendimento de que o Estado era a fonte dos entraves ao desenvolvimento, sendo necessário, portanto, reduzir seu campo de atuação.

Se as crises financeiras abalam as estruturas econômicas de países ricos, quando elas ocorrem em países periféricos os seus resultados são mais devastadores, sobretudo na ausência de um Estado de bem-estar social. Os impactos da crise financeira ocorrida no México em 1994, na Ásia em 1997, na Rússia em 1997 e no Brasil em 1999 são reflexos diretos da atuação mais tímida do Estado em seu papel de regulador dos fluxos de capitais1717 Broad R, Cavanagh J. The death of the Washington consensus? World Policy Journal 1999; 16(3):79-88.. De maneira contraditória, a aparente “superação” dessas crises tem ocorrido, sistematicamente, com o uso de medidas corretivas e com o aporte de recursos por parte do Estado, numa reiterada demonstração da incompetência do capital para corrigir suas próprias falhas. Portanto, em todos os cenários pós-crise, o Estado tem passado da posição de vilão para o de salvador do funcionamento da economia de mercado, neoliberal e globalizada1818 Mukunda G. The social and political costs of the financial crisis, 10 years later. Harvard Business Review. 2018. [cited 2022 ago 3]. Available from: https://hbr.org/2018/09/the-social-and-political-costs-of-the-financial-crisis-10-years-later
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. Isso não significa uma retomada do protagonismo do Estado, mas sim uma volta adicional no torniquete posto em suas instituições pela força coercitiva do mercado, impondo austeridade fiscal para garantir equilíbrio macroeconômico. Sob tal disciplina, a recuperação pós-crise acaba aprofundando as desigualdades sociais, enquanto o mundo dos negócios e os estratos mais ricos se beneficiam do socorro prestado pelo Estado como forma de assegurar sustentabilidade ao sistema econômico.

Segundo Bonente e Almeida Filho1919 Bonente BI, Almeida Filho N. Há uma nova economia do desenvolvimento? Rev Econ 2008; 34(1):77-100., a visão neoliberal sempre doutrinou que o “Estado forte” só é necessário para garantir o livre funcionamento das relações excludentes e segregacionistas de mercado, no qual não há espaço para garantias de bem-estar social. Contudo, os choques causados pelos desdobramentos da expansão da pandemia na economia, na saúde da população e nas relações sociais mostraram que as escolhas associadas à atuação mais tímida do Estado sempre foram equivocadas. O falacioso argumento de que a eficiência do mercado beneficia a todos tem colidido frontalmente com evidências incontestáveis de concentração de renda e riqueza. O World Inequality Report 2022 mostrou que, entre 1995 e 2020, o 1% mais rico do mundo se apropriou de 38% de toda a riqueza acumulada. Em 2020 apenas, os 10% mais ricos detinham 55% da renda total mundial, os 50% inferiores, 12%, e a faixa intermediária, 40%1212 Chancel L, Piketty T, Saez E, Zucman G, editors. World Inequality Report 2022. Paris: World Inequality Lab; 2021.. Essas evidências confirmam profunda desigualdade, já constatada pelo Banco Mundial ao apontar que praticamente metade da população mundial (3,4 bilhões de pessoas) vive com renda diária abaixo da linha de pobreza (US$ 5,50)2020 World Bank (WB). Poverty and shared prosperity 2018: piecing together the poverty puzzle. Washington DC: WB; 2018..

Para Prates e Barbosa77 Prates I, Barbosa RJ. The impact of COVID-19 in Brazil: labour market and social protection responses. Indian J Labour Econ 2020; 63(Suppl. 1):1-5., o argumento da “tempestade perfeita” contribui para a compreensão dos efeitos perversos da pandemia de COVID-19 no Brasil, que se somaram à crise político-econômica que se desenrolou a partir de 2015, em particular no mercado de trabalho. Suas evidências mostram que a pandemia levou 83,5% das pessoas empregadas para uma situação de vulnerabilidade, devido a demissões, cortes de remuneração e relações contratuais precárias. Ao menos 26 milhões de trabalhadores (ou ¼ da população economicamente ativa) não tiveram qualquer tipo de suporte financeiro, mesmo após a aprovação do auxílio emergencial pelo Congresso brasileiro em abril de 2020. O quadro ficou mais crítico quando a taxa de desemprego chegou ao nível de 25,4% em maio de 2020, considerando as pessoas que não estavam mais procurando trabalho devido às restrições impostas pela pandemia.

Além disso, a manutenção do emprego esteve condicionada à redução do salário, enquanto, para muitas famílias, o deslocamento do trabalho para as residências se sobrepôs à rotina doméstica, num compartilhamento insalubre de espaços e recursos de comunicação. Apesar do movimento recessivo da economia, 42 bilionários brasileiros chegaram a aumentar seus patrimônios em US$ 34 bilhões entre março e julho de 20202121 Oxfam. Quem paga a conta? Taxar a riqueza para enfrentar a crise da Covid-19 na América Latina e Caribe [Internet]. 2020. [acessado 2023 jul 7]. Disponível em: https://cspb.org.br/UserFiles/files/Oxfam_Quem_Paga_a_Conta.pdf
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. Ou seja, em plena pandemia, aqueles situados no topo da distribuição de renda aumentaram sua riqueza enquanto um contingente expressivo da população se tornou refém de uma parca ajuda governamental2222 Marins MT, Rodrigues MN, Silva JML, Silva KCM, Carvalho PL. Auxílio Emergencial em tempos de pandemia. Soc Estado 2021; 36(2):669-691..

Apesar de ser uma das dez maiores economias do mundo, o Brasil está em sétimo lugar entre os mais desiguais segundo dados do PNUD2323 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Relatório de Desenvolvimento Humano 2019. Nova York: PNUD; 2019.. Entre as diversas medidas indicativas da concentração de renda, destaca-se aquela revelada pela pesquisa PNAD/IBGE (referente a 2019), segundo a qual o rendimento de 1% da população mais rica equivale a 33,7 vezes o valor recebido pela população mais pobre2424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. 2019. [acessada 2022 jul 7]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101736_informativo.pdf
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. A insegurança alimentar, outro indicador sensível da perda de renda, que afetava 23% das famílias em 2013, chegou em 2018 ao patamar de 37%1111 High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition (HLPE). Impacts of COVID-19 on food security and nutrition: developing effective policy responses to address the hunger and malnutrition pandemic. Rome: HLPE; 2020., e a 55% em 2020, em plena pandemia2525 Penssan R. VIGISAN: Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. 2021. [acessada 2022 ago 3]. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/
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. Dados do II VIGISAN apontaram um aumento contingente de 116,8 milhões de brasileiros convivendo com algum grau de insegurança alimentar, eentre os quais 19 milhões de brasileiros(as) estão em insegurança alimentar grave, ou seja, em situação de fome2626 Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN). II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil relatório final. São Paulo: PENSSAN; 2022..

Parte do argumento central deste artigo, reforçado pelos fatos e indicadores já apontados, é que essas crises não constituem fenômenos isolados e paralelos, elas vêm se contaminando mutuamente num terreno fértil para o agravamento das condições de vida e saúde.

A amplitude da pandemia em uma sinergia de fenômenos

O neoliberalismo é mais do que uma ordem meramente econômica, revelando-se mais propriamente como uma racionalidade que inunda todas as esferas da vida humana, determinando os modos particulares de reprodução social2727 Dardot P, Laval C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo; 2016.,2828 Oliveira CS. Neoliberalismo, sofrimento e indiferença. Rev Katálysis 2022; 25(2):365-373. e, no limite, quem vive e quem morre2929 Mbembe A. Necropliítica. São Paulo: N-1 Edições; 2018.. A dinâmica do capitalismo contemporâneo impôs limites insuperáveis à universalização de ganhos materiais e reforçou processos de superexploração da força de trabalho que produziram modos de adoecimento e um perfil epidemiológico particular3030 Breilh J, Granda E. Os novos rumos da epidemiologia. In: Nunes ED, organizador. As ciências sociais em saúde na América Latina. Brasília: OPAS; 1985. p. 241-253.. As precariedades no campo da saúde exprimem a face mais evidente da ordem neoliberal, de modo que as forças produtivas e as relações sociais de produção impactam diretamente as condições materiais de vida e o perfil de saúde dos segmentos sociais mais vulneráveis3131 Souza DO, Araujo AMM. Superexploração e saúde: a reprodução da força de trabalho nas economias dependentes. Rev Katálysis 2020; 23(3):648-657.

32 Laurell AC. La salud-enfermedad como proceso social. Rev Latinoam Salud 1982; 2:7-25.

33 Breilh J. Epidemiología crítica: ciencia emancipadora e interculturalidad. Buenos Aires: Lugar Editorial; 2003.
-3434 Viana ALD, Silva HP. Meritocracia neoliberal e capitalismo financeiro: implicações para a proteção social e a saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(7):2107-2117.. As condições de trabalho, a precariedade da vida e a mercantilização de todas as suas dimensões com a privatização da saúde têm acirrado as contradições inerentes ao mecanismo de reprodução do capital3333 Breilh J. Epidemiología crítica: ciencia emancipadora e interculturalidad. Buenos Aires: Lugar Editorial; 2003.,3535 Breilh J. La determinación social de la salud como herramienta de transformación hacia una nueva salud pública. Rev Fac Nac Salud Publica 2013; 31(Suppl. 1):13-27.. Enquanto projeto econômico, o capitalismo neoliberal produziu desigualdades e iniquidades em saúde, pauperização, insegurança alimentar, concentração urbana desordenada, combinada com condições de moradia e saneamento precárias3636 Buss PM. Globalização, pobreza e saúde. Cien Saude Colet 2007; 12(6):1575-1589.,3737 Cesse EAP. Epidemiologia e determinantes sociais das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil [tese]. Recife: Fiocruz; 2007.. Esse processo avançou rapidamente nas últimas três décadas, quando o perfil epidemiológico incorporou às doenças infectoparasitárias e carenciais as “modernas” doenças crônicas não transmissíveis - características dos modos de vida e de alimentação induzidas pela urbanização, sedentarismo e padrão de consumo3838 Bielemann RM, Santos Motta J V, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumption of ultra-processed foods and their impact on the diet of young adults. Rev Saude Publica 2015; 49:28.

39 Canella DS, Levy RB, Martins APB, Claro RM, Moubarac JC, Baraldi LG, Cannon G, Monteiro CA. Ultra-processed food products and obesity in Brazilian households (2008-2009). PLoS One 2014; 9(3):e92752.
-4040 Monteiro C. Socioeconomic status and obesity in adult populations of developing countries: a review. Bull World Health Organ 2004; 82(12):940-946..

Como expressão dessa racionalidade neoliberal, a pandemia de COVID-19 ganhou terreno fértil na intensa circulação de pessoas, no fluxo de bens e mercadorias em escala global, num estilo de vida disfuncional marcado pela concentração demográfica nos centros urbanos, paralelamente à uma degradação biológica em nível global. O crescente impacto antropogênico na natureza, incluindo as consequências da agricultura intensiva e da pecuária, está causando desmatamento, fragmentação de hábitats naturais, perda de biodiversidade e impactando na mudança da temperatura do planeta4141 Mishra J, Mishra P, Arora NK. Linkages between environmental issues and zoonotic diseases: with reference to COVID-19 pandemic. Environ Sustain 2021; 4(3):455-467.

42 Gomez-Zavaglia A, Mejuto JC, Simal-Gandara J. Mitigation of emerging implications of climate change on food production systems. Food Res Int 2020; 134:109256.
-4343 Wiebe K, Robinson S, Cattaneo A. Climate change, agriculture and food security: impacts and the potential for adaptation and mitigation. In: Campanhola C, Pandey S, editors. Sustainable Food and Agriculture. Elsevier; 2019.. Esses fatores ecológicos e climáticos guardam relação com a racionalidade ambiental engendrada pelo modelo econômico hegemônico4444 Giraldo OF. Economía política de la agricultura. Agroecología y posdesarollo. Chiapas: Ecosur; 2018., e são causas subjacentes (entre outras) do surgimento frequente de doenças na vida selvagem e de zoonoses4141 Mishra J, Mishra P, Arora NK. Linkages between environmental issues and zoonotic diseases: with reference to COVID-19 pandemic. Environ Sustain 2021; 4(3):455-467.,4545 Schmeller DS, Courchamp F, Killeen G. Biodiversity loss, emerging pathogens and human health risks. Biodiversity and Conservation 2020; 29:3095-3102.. A intensificação da emergência de patógenos levando à disseminação de pandemias zoonóticas recentes (SARS-coV-2, H1N1, MERS e ebola) têm origens na relação perturbada entre adensamento urbano e meio ambiente e uma ocupação desordenada de áreas silvestres, incluindo uma sinergia com crescimento da pobreza intensa4141 Mishra J, Mishra P, Arora NK. Linkages between environmental issues and zoonotic diseases: with reference to COVID-19 pandemic. Environ Sustain 2021; 4(3):455-467.,4545 Schmeller DS, Courchamp F, Killeen G. Biodiversity loss, emerging pathogens and human health risks. Biodiversity and Conservation 2020; 29:3095-3102..

No Brasil, por exemplo, a incorporação do capital financeiro na agricultura e a expansão do agronegócio provocaram inúmeras transformações no território4646 Delgado GD. Expansão e modernização do setor agropecuário no pós-guerra: um estudo da reflexão agrária. Estud Avancados 2001;15(43):147-172.,4747 Delgado GD. A questão agrária no Brasil, 1950-2003. In: Jaccoud L, organizador. Questão social e políticas sociais no Brasil contemporâneo. Brasília: Ipea; 2005., expulsando povos originários e camponeses4848 Miranda AC, Moreira JC, Carvalho R, Peres F. Neoliberalismo, uso de agrotóxicos e a crise da soberania alimentar no Brasil. Cien Saude Colet 2007; 12(1):7-14.,4949 Wanderley MNB. A sociologia do mundo rural e as que stões da sociedade no Brasil contemporâneo. Ruris 2011; 4(1):21-36. e promovendo aglomeração caótica nas periferias urbanas, enquanto a floresta Amazônica sofre intensa devastação5050 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 2020. [acessado 2021 fev 1]. Disponível: http://www.inpe.br/
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. Assim, como desdobramentos dessa ordem econômica, a destruição da biodiversidade, acompanhada por uma crise hídrica e por mudanças climáticas, são potentes gatilhos para novas pandemias, desastres naturais e crises humanitárias, constituindo-se, portanto, naquilo que Santos1414 Santos BS. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina; 2020. denominou como “pedagogia do vírus”, que deveria levar à adoção de novos valores para uma reconstrução social e econômica pós-desastre pandêmico.

Para compreender plenamente a extensão da pandemia, é preciso desvelar as determinações que se (re)combinam e potencializam as consequências deletérias de cada uma. Essa interconexão está alinhada à noção de sindemia, que traduz a manifestação simultânea de doenças cujos efeitos no estado de saúde da população são mais graves quanto mais precárias são suas condições de vida5151 Singer M, Bulled N, Ostrach B, Mendenhall E. Syndemics and the biosocial conception of health. Lancet 2017; 389(10072):941-950.. Na pandemia, por exemplo, os marcadores de gênero, classe e raça estiveram associados à maior vulnerabilidade à exposição para a COVID-19, seja porque implicaram em obstáculos para cumprimento de medidas preventivas, ou pelo declínio econômico a partir da infecção de pessoas economicamente ativas em famílias de baixa renda5252 Estrela FM, Soares CFS, Cruz MA, Silva AF, Santos JRL, Moreira TMO, Lima AB, Silva MG. Pandemia da COVID-19: refletindo as vulnerabilidades a luz do gênero, raça e classe. Cien Saude Colet 2020; 25(9):3431-3436..

Este olhar interseccional permite olhar para a intensidade dos efeitos sobre populações menos privilegiadas socialmente. No Brasil, onde os 10% mais ricos se apropriam de 59% de toda a renda gerada anualmente, enquanto a metade inferior da população leva apenas cerca de 10%1212 Chancel L, Piketty T, Saez E, Zucman G, editors. World Inequality Report 2022. Paris: World Inequality Lab; 2021., os efeitos da pandemia do novo coronavírus foram mais sentidos pelas pessoas pobres, que são, predominantemente, negras e pardas. Segundo o relatório produzido pela OECD5353 Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). Health at a Glance 2021: OECD Indicators. Paris: OECD; 2021., o risco de mortalidade com a COVID-19 foi uma vez e meia maior para a população negra do que para a população branca. Em relação às iniquidades de gênero, do ponto de vista da segurança alimentar, os dados do II VIGISAN também apontaram um mapa humano da desigualdade no acesso à alimentação, destacando que os lares chefiados por mulheres têm o dobro do percentual de insegurança alimentar grave (19,3%) quando comparados aos lares em que a pessoa de referência é um homem (11,9%). No que se refere à desigualdade racial, quando a cor de pele autorreferida pelo entrevistado ou entrevistada da pesquisa é parda ou negra, a soma dos percentuais de insegurança alimentar moderada e grave atinge 35,8%, contrastando com a cor de pele autorreferida branca, em que chega a 20,9%2626 Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN). II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil relatório final. São Paulo: PENSSAN; 2022..

As condições materiais de vida contribuíram para maior exposição à COVID-19 e aumento de vulnerabilidade face aos efeitos socioeconômicos, cujo caráter biossocial do processo dá um sentido holístico à sindemia, não apenas por meio de relações de causa e efeito, mas de sua simultaneidade. Essa visão é reproduzida por Weaver e Kaiser5454 Weaver LJ, Kaiser BN. Syndemics theory must take local context seriously: an example of measures for poverty, mental health, and food insecurity. Soc Sci Med 2020; 295:113304., no campo da antropologia médica, ao ressaltarem a relevância das interações sindêmicas para o tratamento e para a formulação de políticas de saúde cujos alvos devem estar além das comorbidades pré-existentes, mas para a qual as soluções são inescapavelmente interdisciplinares e intersetoriais.

A interação entre os diferentes tipos de doença é, portanto, mais devastadora onde as condições de vida são mais precárias e a assistência à saúde mais limitada, num processo que se amplifica com o neoliberalismo, pois as desigualdades sociais aumentam e contribuem para a maior letalidade da COVID-19, numa sinergia entre os aspectos sociais e biológicos5252 Estrela FM, Soares CFS, Cruz MA, Silva AF, Santos JRL, Moreira TMO, Lima AB, Silva MG. Pandemia da COVID-19: refletindo as vulnerabilidades a luz do gênero, raça e classe. Cien Saude Colet 2020; 25(9):3431-3436.. Forma-se, assim, uma espiral em que a precariedade social propicia a propagação do vírus e impõe desigualdades em seu combate e prevenção, ao mesmo tempo em que os mais empobrecidos sofrem, desproporcionalmente, o impacto econômico da crise pandêmica. Nessas condições, esse circuito só pode ser rompido por meio de ações governamentais orientadas pelo princípio do bem-estar social, desde que descoladas dos princípios rígidos de Estado mínimo que têm orientado decisões de governos recalcitrantes, presos a uma agenda incompatível com os desafios postos pela crise sanitária atual.

O adoecimento da saúde no Brasil sob um Estado neoliberal

O avanço da pandemia no Brasil encontrou um ambiente político e institucional de profunda obediência ao fundamentalismo do mercado, combinado a uma agenda política e ideologicamente orientada a desvirtuar as políticas públicas. Além de medidas sorrateiras e discursos que penalizaram os cidadãos em favor de interesses econômicos, o contexto da pandemia realçou a desordem política e administrativa do governo brasileiro, incapaz de construir uma compreensão uniforme e de agir de forma coesa em seus distintos níveis. Tal postura do governo brasileiro foi plenamente consentânea com o princípio do Estado mínimo, num desmonte de instituições na área de saúde, saneamento e educação. Mesmo dispondo de informações sobre o avanço da pandemia, ainda que considerada a complexidade e o alto nível de incerteza envolvido, o governo brasileiro preferiu adotar uma abordagem de comunicação de baixa severidade de risco, distanciando-se do consenso científico internacional, este pautado pelo princípio da precaução5555 Hale T, Angrist N, Goldszmidt R, Kira B, Petherick A, Phillips T, Webster S, Cameron-Blake E, Hallas L, Majumdar S, Tatlow H. A global panel database of pandemic policies (Oxford COVID-19 Government Response Tracker). Nat Hum Behav 2021; 5(4):529-538.,5656 Giordani RCF, Giolo SR, Silva MZ, Muhl C. Risk perception of COVID-19: susceptibility and severity perceived by the Brazilian population. J Health Psychol 2022; 27(6):1365-1378.. Assumiu, portanto, a retórica da disciplina fiscal, ainda que isso implicasse prejuízos desproporcionais e injustos para a maior parte da população brasileira.

Desde janeiro de 2020, a disseminação da COVID-19 já causou mais de 667 mil mortes no Brasil (dado atualizado até junho de 2022), o segundo país com maior número de vidas perdidas, permanecendo atrás apenas dos Estados Unidos5757 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) [Internet]. [cited 2022 ago 3]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
https://www.who.int/emergencies/diseases...
. Apoiando-se na polarização política, na construção de narrativas ancoradas no negacionismo e no descrédito na ciência, o governo se pautou pela aceitação de um grau maior de riscos5858 Giordani RCF, Donasolo JPG, Ames VDB, Giordani RL. The science between the infodemic and other post-truth narratives: challenges during the pandemic. Cien Saude Colet 2021; 26(7):2863-2872., aliados à descoordenação de medidas preventivas e políticas públicas específicas para grupos prioritários com vistas a proteger seus direitos. Baseando-se no falso dilema de que a economia não podia parar, ignorou a gravidade e a velocidade da contaminação, a maior taxa de letalidade da COVID-19 entre os indivíduos mais pobres e o evidente esgotamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao retirar o Estado de sua função de garantidor e protetor de direitos humanos, o governo brasileiro exacerbou a “desregulamentação da pandemia”. Reatualizou-se o “laissez-faire”, com verniz de indolência, ao preconizar a exposição de pessoas saudáveis ao vírus de modo a criar uma imunidade de rebanho, astutamente chamada por Frey5959 Frey I. "Herd immunity" is epidemiological neoliberalism [Internet]. The Quarantimes. 2020. [cited 2021 fev 1]. Available from: https://thequarantimes.wordpress.com/2020/03/19/herd-immunity-is-epidemiological-neoliberalism/
https://thequarantimes.wordpress.com/202...
de neoliberalismo epidemiológico.

Nas últimas décadas, a força da ideologia neoliberal se concretizou com intensidade e contornos ímpares nas políticas de saúde pública. Alinhado às orientações do Consenso de Washington, severas limitações foram progressivamente impostas ao SUS, criado em resposta aos movimentos sociais, em particular dos trabalhadores na área da saúde. Visando o ajuste fiscal e a diminuição dos gastos públicos, o sistema de saúde tem sido enfraquecido pela mercantilização dos serviços de nível secundário e terciário (largamente delegados ao mercado privado); pela terceirização gradual e crescente de serviços assistenciais e de etapas terapêuticas; pela precarização das condições de trabalho dos servidores públicos da saúde e da assistência social; e, por fim, pelo fortalecimento de planos privados de saúde, que passaram a contar com desonerações tributárias provenientes de deduções fiscais6060 Albuquerque C, Piovesan MF, Santos IS, Martins ACM, Fonseca AL, Sasson D, Simões KA. A situação atual do mercado da saúde suplementar no Brasil e apontamentos para o futuro. Cien Saude Colet 2008; 13(5):1421-1430.,6161 Almeida C. O mercado privado de serviços de saúde no Brasil: panorama atual e tendências da assistência médica suplementar. Texto para discussão. Ipea; 1998;. Por sua vez, o SUS, criado em 1988, inspirado nos sistemas de welfare state da Grã-Bretanha e da Itália, destacou-se por ser o único sistema entre os países capitalistas da América Latina com modelo universal e sistema gratuito (universal health system - UHS)6262 Giovanella L, Mendoza-Ruiz A, Pilar A CA, Rosa MC, Martins GB, Santos IS, Silva DB, Vieira JML, Castro VCG, Silva POD, Machado CV. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1763-1776.. Apesar disso, o SUS tem sofrido um subfinanciamento contínuo, com cortes orçamentários que inviabilizaram a execução de programas de saúde, além de ter sido duramente golpeado com a aplicação do Novo Regime Fiscal em 2016, que impôs um teto de gastos ao governo. Esse regime definiu regras para despesas primárias do governo federal, preconizando corte de gastos sociais e, consequentemente, uma revisão dos preceitos constitucionais de garantia do direito universal à saúde6262 Giovanella L, Mendoza-Ruiz A, Pilar A CA, Rosa MC, Martins GB, Santos IS, Silva DB, Vieira JML, Castro VCG, Silva POD, Machado CV. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1763-1776.

63 Viana ALD, Fonseca AMM, Silva HP. Proteção social na América Latina e caribe: mudanças, contradições e limites. Cad Saude Publica 2017; 33(Suppl. 2):e00216516.
-6464 Funcia FR. Subfinanciamento e orçamento federal do SUS: referências preliminares para a alocação adicional de recursos. Cien Saude Colet 2019; 24(12):4405-4415..

O desinvestimento no SUS e as distorções da saúde suplementar no Brasil, com a sua capacidade regulatória precária, têm contribuído para a conformação de “sistemas duais, altamente segmentados e iníquos”, num país marcado pela desigualdade social e a concentração de renda6161 Almeida C. O mercado privado de serviços de saúde no Brasil: panorama atual e tendências da assistência médica suplementar. Texto para discussão. Ipea; 1998;. Tal processo foi também marcado pelas privatizações de serviços públicos e repasse exclusivamente ao mercado, gerando mais crises e prejuízos aos segmentos mais vulneráveis da população. Esta captura política do Estado por interesses mercadológicos, ao tratar políticas sociais como despesas, esvaziou o papel do Estado e contrapôs-se ao pacto da Constituição Federal de 1988, que respaldava a garantia de direitos sociais. Ao mesmo tempo, o Estado neoliberal desempenhou com excelência a função de produzir regras jurídicas amigáveis ao mercado6565 Menezes APR, Moretti B, Reis AAC. O futuro do SUS: impactos das reformas neoliberais na saúde pública - austeridade versus universalidade. Saude Debate 2019; 43(Esp. 5):58-70..

Nesses termos, o alarme acionado pela pandemia da COVID-19 reverberou para além de seus aspectos epidemiológicos. Isso se deve às repercussões econômicas e também por trazer à tona crises adormecidas no interior da sociedade brasileira contemporânea, que foi entorpecida pelas virtudes dissimuladas do mercado, o qual se mostra incapaz de mitigar os efeitos de crises pretéritas. Todavia, como um espelho, a pandemia revelou à sociedade brasileira uma imagem desconcertante de si mesma, exposta a um falso dilema, na forma de uma “escolha de Sofia” coletiva entre a crise sanitária e a crise econômica, ou entre a doença e o desemprego. O sobressalto causado pela incontida onda de contaminação inibiu o olhar retrospectivo aos seus determinantes estruturais situados na constituição histórica de uma sociedade tão desigual.

Os tentáculos da imagem do novo coronavírus, apontando em todas as direções, metaforizam a interação entre a pandemia e as demais dimensões da sociedade, indicando que sua força letal extrapola a natureza biológica e se torna parte de um fenômeno mais complexo do que uma crise sanitária. Embora a descoberta de uma vacina tenha acalentado expectativas de uma volta à “normalidade” prévia a 2020, problemas que se calcificaram no interior da sociedade ainda persistem. Em pouco tempo foi possível verificar que a pandemia não apenas revelou uma sociedade adoecida por crises que se acumularam como ativou movimentos sociais engajados no combate às terríveis marcas acumuladas sobre as vidas dos indivíduos mais pobres. Assim, como argumentado, não é possível desvincular os aspectos epidemiológicos das dimensões humanas, sociais e econômicas que amplificam o sentido da pandemia numa imbricação sistêmica, aprofundada pelas várias formas de exclusão e pela adoção de políticas de austeridade estimuladas pela ordem financeira global6666 Bizberg I. La normalidad era el problema. In: Bringel B, Geoffrey P, editor. Alerta global: políticas, movimientos sociales y futuros en disputa en tiempos de pandemia. Buenos Aires: CLASCO; 2020. p. 65-74..

A pandemia do novo coronavírus se tornou visível não apenas por seu efeito destruidor de vidas humanas e de suas referências sociais, econômicas e culturais, mas pelos conflitos entre narrativas e rotulações que orientam interpretações e propostas distintas de solução. Mesmo que a pandemia de COVID-19 esteja no epicentro da anormalidade que se formou, é preciso avaliar sua interação com as estruturas institucionais, econômicas e políticas. Por isso, enquanto a justificada rapidez com que as instituições científicas, a indústria farmacêutica e os governos se associaram para a compreensão do vírus e para seu combate, as soluções para as outras crises podem ser relegadas ao segundo plano, sinalizando que o “velho normal” acaba por ser reeditado como “novo normal”.

Em outras palavras, ao enaltecer a urgência do combate à pandemia, a narrativa dominante supôs que era necessário restaurar a normalidade prévia, varrendo as demais crises de volta ao esquecimento. Como sugere Santos1414 Santos BS. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina; 2020., a mídia e os poderes políticos tendem a responder às consequências mais aparentes da crise, sem dar a devida atenção às suas causas. Daí a necessidade de desvendar essa superposição de crises e discutir as possibilidades de um reposicionamento de prioridades no rescaldo a ser feito no período pós-pandemia.

Considerações finais: o que o futuro nos reserva?

Frente à premência de rever comportamentos e redefinir prioridades, os olhares se voltaram para o futuro numa especulação sobre o que deverá ser a normalidade pós-pandemia. Ainda não se sabe se isso resultará, efetivamente, numa visão distinta dos problemas herdados, e que se ampliam, intencionalmente ocultados dos holofotes midiáticos. Ao mesmo tempo em que esse evento traz à tona a fragilidade dos sistemas de proteção e as profundas desigualdades socioeconômicas, também indica a natureza e a dimensão dos desafios para sua superação. A simples retomada do crescimento econômico não será suficiente, em especial se a riqueza gerada se mantiver esterilizada em circuitos financeiros desconectados da economia real e concentrada em poucas mãos. A saída, como já amplamente reconhecido, está na adoção de um regime de tributação progressiva para financiar investimentos públicos e reduzir os efeitos perversos das desigualdades.

Diante das fraturas sofridas pelo capitalismo neoliberal e do enfraquecimento de seus significados, as forças que o sustentam estão se reposicionando no interior das estruturas de poder e recompondo o processo de acumulação. No campo político, se a evolução do neoliberalismo foi simultânea ao empobrecimento da democracia, sua crise não implicará, obrigatoriamente, o descarte das instituições e das organizações políticas que o sustentaram até aqui.

O neoliberalismo vai muito além de mero projeto econômico, tornou-se uma cultura de subjetivação, modos de pensar, agir e de viver. É possível, portanto, que a crise ocasionada pela pandemia signifique tão somente um ponto de inflexão de uma trajetória que sofrerá apenas ajustes parciais, sem que suas bases materiais e ideológicas sejam removidas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2021
  • Aceito
    06 Set 2022
  • Publicado
    08 Set 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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