Difusão da Estratégia Saúde da Família: fatores explicativos da adesão dos municípios de São Paulo, Brasil, no contexto coercitivo de indução pela esfera federal

Dissemination of the Family Health Strategy: explanatory factors of the adhesion of municipalities in São Paulo, Brazil, in the coercive context of induction by the federal government

Grégory dos Passos Carvalho Denilson Bandeira Coêlho Sobre os autores

Resumo

Este artigo tem como objeto de análise a adesão de municípios paulistas à Estratégia Saúde da Família (ESF). Os dados de adesão em SP demonstram que ela não ocorreu de forma unânime, imediata nem uniforme. Utilizou-se o referencial teórico de difusão de políticas públicas, tendo como objetivo conhecer de maneira específica o processo de adoção e implementação de programas e políticas públicas por entes subnacionais, em contextos em que haja coerção pela esfera federal. A partir das discussões teóricas relacionadas ao mecanismo de difusão chamado de coerção, respondeu-se à seguinte pergunta: o que explica a difusão da ESF nos municípios paulistas no contexto coercitivo de influência vertical? A técnica análise de sobrevivência foi aplicada para a identificação de fatores explicativos da difusão da ESF, considerando variáveis de desenho institucional, políticas e partidárias, efeito vizinhança, necessidade da política e fatores estruturais. Os resultados demonstram que as interações horizontais entre governos subnacionais, tanto ideológicas quanto regionais, e mais as questões sociais, econômicas e políticas locais foram importantes. Esse achado permite refletir sobre os limites da influência vertical na promoção de iniciativas para governos subnacionais.

Key words:
Dissemination of innovations; Family Health Strategy; Coercion; Local government; Survival analysis

Abstract

The scope of this paper is to analyze the adhesion of municipalities in São Paulo to the Family Health Strategy (FHS). The adhesion data in SP showed that it did not occur unanimously, immediately or uniformly. The theory of policy diffusion was used, with the objective of studying the process of adoption and implementation of public policies by subnational entities, in contexts where coercion occurs in the federal sphere. From the discussions related to the diffusion mechanism called coercion, the following question was answered: what explains the diffusion of the FHS in the municipalities of SP, in the coercive context of vertical influence? The survival analysis technique was applied to identify explanatory factors for the diffusion of the FHS, considering political and party variables of institutional design, neighborhood influence, internal needs, and structural factors. The results reveal that horizontal interactions between both ideological and regional subnational governments, as well as the local social, economic and political issues are relevant to understand the research questions. This finding enables us to reflect on the limits of vertical influence in the promotion of initiatives for subnational governments.

Key words:
Dissemination of innovations; Family Health Strategy; Coercion; Local government; Survival analysis

Introdução

Na literatura de difusão de políticas públicas há um importante debate sobre os processos coercitivos de difusão, que são as situações em que organizações empoderadas (como um ente nacional ou um organismo internacional) influenciam verticalmente outros governos a adotarem políticas públicas preestabelecidas11 Graham ER, Shipan CR, Volden C. The diffusion of policy diffusion research in political science. Brit J Political Sci 2013; 43(3):673-701.,22 Evans M. Policy transfer in critical perspective. Policy Studies 2009; 30(3):243-268.. No caso brasileiro, por exemplo, seriam as situações em que municípios e estados são incentivados a adotar iniciativas induzidas pela esfera federal. Essa influência ocorre por meio de processos coercitivos, em que recursos financeiros são condicionados, obrigações são dadas ou sanções são impostas. Entretanto, o número de governos subnacionais que adota ou rejeita os novos desenhos institucionais varia por área e tipo de política pública. Portanto, não é um processo automático, imediato e uniforme33 Coêlho DB. Mecanismos políticos e institucionais da difusão de políticas. In: Faria CAP, Coêlho DB, Silva SJ, organizadores. Difusão de políticas públicas. Santo André: Editora da UFABC; 2016. p: 35-64., restando claro que a capacidade estatal de distribuir ou redistribuir bens públicos é posta em prova.

Estudos utilizando-se do referencial de difusão para casos do Brasil já foram realizados, tendo destaque a Estratégia Saúde da Família (ESF) como objeto de estudo44 Coêlho DB, Cavalcante P, Turgeon M. Mecanismos de difusão de políticas sociais no Brasil: uma análise do Programa Saúde da Família. Rev Sociol Politica 2016; 24:145-165.,1010 Sugiyama NB. Ideology & social networks: the politics of social policy diffusion in Brazil. Lat Am Res Rev 2007; 43(3):82-108.,1111 Sugiyama NB. Diffusion of good government: Social sector reforms in Brazil. Notre Dame: University of Notre Dame Press; 2012.. Por exemplo, estudo analisando todos os municípios brasileiros no período de 1997 a 2010 identificou como fatores explicativos para a adesão à ESF: a competição política local nos municípios; a ideologia partidária dos prefeitos como fator indutor entre governantes de esquerda, em contraposição aos prefeitos dos partidos de centro ou direita; e também as eleições, visto que os anos de eleições municipais apresentaram significância estatística para a adoção do programa44 Coêlho DB, Cavalcante P, Turgeon M. Mecanismos de difusão de políticas sociais no Brasil: uma análise do Programa Saúde da Família. Rev Sociol Politica 2016; 24:145-165.. Esse exemplo demonstra que as pesquisas de difusão estudam não apenas a influência vertical, mas aspectos locais e de influência horizontal. E isso diferencia os estudos de difusão de outras pesquisas que utilizam como referencial teórico a literatura do federalismo e da descentralização política.

Outro aspecto importante desse exemplo é que, observando o padrão temporal de difusão do ESF por unidade da federação, identifica-se que parte considerável dos estados apresenta taxa de adoção censitária do programa em 2010. Mesmo em São Paulo, em que os municípios têm, estruturalmente, maior capacidade institucional, o percentual de municípios adotantes do programa foi em torno de 85% - esse foi o menor percentual observado neste estudo, isto é, sofreu menos coerção44 Coêlho DB, Cavalcante P, Turgeon M. Mecanismos de difusão de políticas sociais no Brasil: uma análise do Programa Saúde da Família. Rev Sociol Politica 2016; 24:145-165.. Nesse sentido, avalia-se que seria uma importante contribuição para a literatura de difusão explorar como o processo de difusão da ESF ocorreu entre os municípios paulistas, diferenciando-se os adotantes dos não adotantes do programa ao longo do tempo de forma mais aprofundada.

Dito isso, o principal objetivo deste artigo é conhecer de maneira específica o processo de adoção e implementação de programas e políticas públicas por entes subnacionais em contextos em que haja coerção. De maneira mais detalhada, pretende-se compreender o que explica entes subnacionais autônomos aderirem a iniciativas, como a ESF, observando o seu histórico de coerção pela esfera federal no contexto dos municípios do estado de São Paulo, e como isso interage com aspectos estruturais, locais e de influência horizontal. Em outras palavras, a pergunta de pesquisa que se pretende responder é: que fatores determinam a difusão da ESF no estado de São Paulo no contexto coercitivo de influência vertical?

Para responder à pergunta de pesquisa, avalia-se que a metodologia quantitativa de análise de sobrevivência se enquadra bem nos propósitos deste trabalho, uma vez que possibilita indicar a probabilidade de uma unidade autônoma adotar uma política durante um período de tempo específico, baseando-se numa noção de risco de acontecimento de um evento ao longo do tempo55 Berry FS, Berry WD. State lottery adoptions as policy innovations: an event history analysis. Am Political Sci Rev 1990; 84(2):395-415.. Registra-se que o uso dessa técnica é um marco metodológico importante nos estudos de difusão11 Graham ER, Shipan CR, Volden C. The diffusion of policy diffusion research in political science. Brit J Political Sci 2013; 43(3):673-701..

Na sequência, a próxima seção trata especificamente dos temas em destaque na literatura de difusão e que dão o tom do que este trabalho assume como referencial teórico. Em seguida, será demonstrado como se pretende operacionalizar a proposta metodológica para esse estudo de difusão. Depois serão apresentados os resultados do estudo. Adiante, será feita a discussão dos resultados identificados. Por fim, a última seção traz um balanço da pesquisa, bem como os limites da pesquisa e a proposição de avanços acadêmicos que podem ser efetuados no tema da difusão.

Aspectos relevantes da difusão de políticas públicas e do caso da ESF

Considerando o objetivo deste trabalho, observar a dinâmica das relações intergovernamentais é especialmente importante. Porém, avaliou-se que a literatura centrada em aspectos da descentralização política não seria suficiente para os propósitos apresentados.

Em essência, a discussão acerca da descentralização política aborda como o centro de responsabilidade é modificado de uma autoridade nacional para os entes subnacionais66 Souza C. Federalismo: teorias e conceitos revisitados. BIB 2008; 65:27-48., considerando, inclusive, questões como coordenação federativa e desenho institucional77 Abrucio FL. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. Rev Sociol Politica 2005; 24:41-67.

8 Abrucio FL, Franzese C. Federalismo e políticas públicas: o impacto das relações intergovernamentais no Brasil. In: Araújo MFI, Beira L, organizadores. Tópicos de economia paulista para gestores públicos. São Paulo: FUNDAP; 2007; p. 13-31.
-99 Arretche M. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2012.. Por outro lado, os estudos de difusão, além de avaliarem elementos coercitivos verticais que podem estimular a adoção de políticas, propiciam observar as conexões horizontais na disseminação de novas políticas. Por exemplo, um estudo também analisando a difusão da ESF, mas focado em municípios com mais de 100 mil habitantes, associou o fenômeno da difusão à ideologia política e ao papel das redes de organizações e atores sociais, especificamente o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)1010 Sugiyama NB. Ideology & social networks: the politics of social policy diffusion in Brazil. Lat Am Res Rev 2007; 43(3):82-108.,1111 Sugiyama NB. Diffusion of good government: Social sector reforms in Brazil. Notre Dame: University of Notre Dame Press; 2012..

Em linhas gerais, a difusão e transferência de políticas pode ser entendida como o processo pelo qual o conhecimento sobre políticas, arranjos administrativos, instituições e ideias em um sistema político (passado ou presente) é usado no desenvolvimento de políticas, medidas administrativas, instituições e ideias em outro sistema político1212 Dolowitz DP, Marsh D. Learning from abroad: the role of policy transfer in contemporary policy-making. Governance 2000; 13(1):5-23..

Para o caso deste trabalho, estudar difusão em contextos de influência vertical, especialmente com foco no federalismo brasileiro, remete a um mecanismo chamado de coerção. Nesse mecanismo, a motivação para adesão a uma iniciativa preestabelecida estaria ligada à pressão ou a incentivos que partem de um ator com mais poder, em que o ente adotante realiza uma avaliação delimitada da solução oferecida, associada a um baixo conhecimento sobre outras possíveis soluções1313 Gonnet CO. Mecanismos y atores en los procesos de difusión: discusión a partir de los casos de los Programas de Transferencia Condicionada en América Latina. In: Faria CAP, Coêlho DB, Silva SJ, organizadores. Difusão de Políticas Públicas. Santo André: Editora da UFABC; 2016. p. 65-102..

A literatura associa à coerção o uso de meios indutivos, como incentivos, subsídios, leis de preferência etc.11 Graham ER, Shipan CR, Volden C. The diffusion of policy diffusion research in political science. Brit J Political Sci 2013; 43(3):673-701., destacando-se que pode ser entendida como um fator externo de influência1414 Berry FS, Berry WD. Innovation and diffusion models in policy research. In: Sabatier PA, editor. Theories of the policy process. Boulder: Westview Press; 2007. p. 253-297..

A reflexão que fica é que o maior desafio de estudos que observam esse mecanismo é conseguir concretamente associar a adoção de uma política à existência do processo coercitivo em curso. Em outras palavras, quando o mecanismo da coerção de fato existe, governantes adotam políticas que, de outra forma, não escolheriam1515 Dobbin F, Simmons B, Garrett G. The global diffusion of public policies: social construction, coercion, competition, or learning? Annu Rev Sociol 2007; 33:449-472..

Para compreender melhor os possíveis efeitos dos processos coercitivos, é importante observar a interação com outros fatores, como aspectos externos e fatores internos e estruturais.

Por exemplo, aspectos de convergência política podem ser relevantes para explicar a difusão, pois muitas vezes há a implementação pró-forma de novos programas motivada por questões de alinhamento com partidos, coalizões governamentais ou organismos internacionais1616 Wampler B. The spread and impact of participatory budgeting: Brazil, Peru, China, South Korea, and the Philippines. In: Faria CAP, Coêlho DB, Silva SJ, organizadores. Difusão de políticas públicas. Santo André: Editora da UFABC; 2016. p. 157-186.. No caso específico da ESF, a ideologia partidária parece importar, pois alguns estudos prévios já identificaram que o efeito de ideologia partidária de esquerda leva a uma maior adoção de políticas e programas sociais44 Coêlho DB, Cavalcante P, Turgeon M. Mecanismos de difusão de políticas sociais no Brasil: uma análise do Programa Saúde da Família. Rev Sociol Politica 2016; 24:145-165.,1111 Sugiyama NB. Diffusion of good government: Social sector reforms in Brazil. Notre Dame: University of Notre Dame Press; 2012.. Seria um aspecto de convergência ideológica, como um fator externo, no sentido de uma rede político-partidária.

Para além da noção de rede político-partidária, também é possível destacar como efeito externo os efeitos de redes regionais1414 Berry FS, Berry WD. Innovation and diffusion models in policy research. In: Sabatier PA, editor. Theories of the policy process. Boulder: Westview Press; 2007. p. 253-297., sejam formais, como associações1717 Walker JL. The diffusion of innovations among the American states. American Political Sci Rev 1969; 63(3):880-899., ou informais, na forma de um efeito regional na vizinhança1818 Mooney CZ. Modeling regional effects on state policy diffusion. Political Res Quart 2001; 54(1):103-124..

Observando-se agora fatores internos, há outros aspectos políticos que também são importantes, como a proximidade eleitoral e a competição política local, geralmente associados a aspectos internos55 Berry FS, Berry WD. State lottery adoptions as policy innovations: an event history analysis. Am Political Sci Rev 1990; 84(2):395-415..

Ainda no campo dos fatores internos, muitas vezes a percepção de necessidade social, econômica ou mesmo política para uma política pública também importa, sendo entendida como motivação interna1414 Berry FS, Berry WD. Innovation and diffusion models in policy research. In: Sabatier PA, editor. Theories of the policy process. Boulder: Westview Press; 2007. p. 253-297.. No caso da ESF, por exemplo, e indo além da literatura de difusão, no início do programa houve uma discussão muito forte centrada na população com menor nível socioeconômico1919 Favoreto CAO, Camargo KRD. Alguns desafios conceituais e técnico-operacionais para o desenvolvimento do Programa de Saúde da Família como uma proposta transformadora do modelo assistencial. Physis 2002; 12(1):59-75., e isso pode ser estudado como um fator relevante. Há também discussões sobre o público prioritário de atendimento a partir das necessidades epidemiológicas: população idosa2020 Motta LBD, Aguiar ACD, Caldas CP. Estratégia Saúde da Família e a atenção ao idoso: experiências em três municípios brasileiros. Cad Saude Publica 2011; 27(4):779-786.; crianças2121 Roncalli AG, Lima KCD. Impacto do Programa Saúde da Família sobre indicadores de saúde da criança em municípios de grande porte da região Nordeste do Brasil. Cien Saude Colet 2006; 11(3):713-724.; e população com condições crônicas - hipertensão2222 Sousa LBD, Souza RKTD, Scochi MJ. Hipertensão arterial e saúde da família: atenção aos portadores em município de pequeno porte na região sul do Brasil. Arq Bras Cardiol 2006; 87(4):496-503. e diabetes2323 Paiva DCPD, Bersusa AAS, Escuder MML. Avaliação da assistência ao paciente com diabetes e/ou hipertensão pelo Programa Saúde da Família do município de Francisco Morato, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2006; 22(2):377-385.. Por fim, há ainda a mobilização social impactando no processo de percepção da necessidade da política pública. No início da ESF, identificou-se a adoção do programa em localidades em que associações comunitárias estavam mais bem organizadas2424 Viana AL, Dal Poz MR. A reforma do sistema de saúde no Brasil e o Programa de Saúde da Família. Physis 1998; 8(2):11-48..

Complementarmente, pode-se avançar no campo dos fatores de ordem estrutural. Nesse tema, um aspecto a ser destacado é a existência de experiências prévias similares, em que alguns estudos já indicaram a importância desse fator considerado estrutural1212 Dolowitz DP, Marsh D. Learning from abroad: the role of policy transfer in contemporary policy-making. Governance 2000; 13(1):5-23.,2525 Marsh D, Sharman JC. Policy diffusion and policy transfer. Policy Studies 2009; 30(3):269-288.. No caso da ESF, antes da lógica fundo a fundo implementada efetivamente em 1998, modelos prévios não tiveram ampla adesão, mas serviram de alavanca para a organização dos serviços de saúde dos municípios que conveniaram com a União2424 Viana AL, Dal Poz MR. A reforma do sistema de saúde no Brasil e o Programa de Saúde da Família. Physis 1998; 8(2):11-48., podendo ser um aspecto importante a ser estudado.

Ainda no contexto dos aspectos estruturais, o perfil do programa ou da política pública é um elemento importante a ser considerado1212 Dolowitz DP, Marsh D. Learning from abroad: the role of policy transfer in contemporary policy-making. Governance 2000; 13(1):5-23.,2525 Marsh D, Sharman JC. Policy diffusion and policy transfer. Policy Studies 2009; 30(3):269-288., pois o tipo de programa/política importa no processo de difusão, sendo que uma iniciativa mais compatível com o perfil de quem for adotar demonstra ser um aspecto relevante2626 Shipan CR, Volden C. Policy diffusion: Seven lessons for scholars and practitioners. Public Adm Rev 2012; 72(6):788-796.. Sobre esse assunto, no caso da ESF, a expansão do programa se deu inicialmente em municípios menos assistidos, de porte populacional pequeno e médio (até 100 mil habitantes), uma vez que o incentivo financeiro oferecido seria muito representativo para esse grupo de municípios1919 Favoreto CAO, Camargo KRD. Alguns desafios conceituais e técnico-operacionais para o desenvolvimento do Programa de Saúde da Família como uma proposta transformadora do modelo assistencial. Physis 2002; 12(1):59-75..

Por fim, aspectos econômicos estruturais também podem facilitar ou constranger a transferência de políticas1212 Dolowitz DP, Marsh D. Learning from abroad: the role of policy transfer in contemporary policy-making. Governance 2000; 13(1):5-23.,2525 Marsh D, Sharman JC. Policy diffusion and policy transfer. Policy Studies 2009; 30(3):269-288., pois muitas vezes se relacionam a uma maior capacidade institucional. Sobre esse tema, vale destacar que, no início da difusão da ESF, parte da resistência em se adotar o programa estava associada ao custo de implementação, pois o programa, mesmo com incentivo federal, seria muito caro1111 Sugiyama NB. Diffusion of good government: Social sector reforms in Brazil. Notre Dame: University of Notre Dame Press; 2012.. Nessa linha de raciocínio, estudos mais específicos de saúde coletiva já indicaram esse desafio, analisando casos específicos de dificuldades de implantação do programa2727 Reis RS, Coimbra LC, da Silva AA, Santos AM, Alves MT, Lamy ZC, Ribeiro SV, Dias MS, da Silva RA. Acesso e utilização dos serviços na Estratégia Saúde da Família na perspectiva dos gestores, profissionais e usuários. Cien Saude Colet 2013; 18(11):3321-3331.

28 Rosa MRR, Coelho TCB. O que dizem os gastos com o Programa Saúde da Família em um município da Bahia? Cien Saude Colet 2011; 16(3):1863-1873.
-2929 Santos AMD, Giovanella L, Mendonça MH, Andrade CL, Martins MI, Cunha MS. Práticas assistenciais das Equipes de Saúde da Família em quatro grandes centros urbanos. Cien Saude Colet 2012; 17(10):2687-2702..

Em síntese, as discussões tecidas nesta seção permitem agregar alguns componentes relevantes para se compreender a difusão da ESF, que podem ser operacionalizadas a partir de uma metodologia adequada para tanto. A descrição do modelo explicativo e das hipóteses da pesquisa constam na próxima seção.

Metodologia e desenho do estudo

Sob a perspectiva quantitativa, na literatura de difusão, a análise de sobrevivência é o método de maior destaque para estudos do tipo. Estudo seminal aplicado nos Estados Unidos55 Berry FS, Berry WD. State lottery adoptions as policy innovations: an event history analysis. Am Political Sci Rev 1990; 84(2):395-415. tornou-se uma grande referência no tema11 Graham ER, Shipan CR, Volden C. The diffusion of policy diffusion research in political science. Brit J Political Sci 2013; 43(3):673-701..

Sua importância emerge da noção de compreender não apenas como e por que algo acontece, mas quando algo acontece. Assim, a análise de eventos geralmente envolve o exame estatístico de dados longitudinais coletados em um conjunto de observações. Nesse ponto, a variável dependente mede a duração do tempo em que as unidades permanecem em uma situação antes de experimentar alguma nova situação3030 Box-Steffensmeier JM, Jones BS. Event history modeling: a guide for social scientists. Cambridge: Cambridge University Press; 2004.. Em outras palavras, o tempo que um município que não implementou a ESF demora para mudar de situação e implementá-la.

Resumidamente, a análise de sobrevivência será aplicada para explicar se e quais fatores determinam o processo de difusão sob processos coercitivos, isto é, se e quais fatores aumentam a probabilidade de um município implantar a ESF no contexto de coerção federal. As análises de sobrevivência a serem realizadas neste trabalho ocorrerão por meio do software R, considerando o pacote Survival3131 Therneau T. A package for survival analysis in R. Version 2.38. [S.l.]: [S.n.]; 2015..

Em síntese, as análises serão focadas em regressões estatísticas que mensurarão o efeito de covariáveis (variáveis independentes) em relação à variável resposta (tempo para adoção da política em estudo). Geralmente, em estudos de difusão, o modelo de regressão de Cox, semiparamétrico, acaba sendo muito utilizado, pois se trata de uma técnica mais flexível3333 Batista M. A Difusão da Lei de Acesso à Informação nos municípios brasileiros: determinantes internos e externos. Brasília: Enap; 2018.. Dada a versatilidade do modelo, há possibilidade para se estudar casos em que as covariáveis mudam ao longo do tempo. Trata-se do modelo de Cox com covariáveis dependentes do tempo ou modelo estendido de Cox3232 Colosimo EA, Giolo SR. Análise de sobrevivência aplicada. São Paulo: Editora Blucher; 2006.,3434 Pereira TL. Modelos de riscos proporcionais e aditivos para o tratamento de covariáveis dependentes do tempo (dissertação). Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2004.,3535 Carvalho MS, et al. Análise de sobrevivência: teoria e aplicações em saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011.. A partir do que já foi discutido, pode-se imaginar que, por exemplo, a ideologia partidária de uma prefeitura muda ao longo do tempo, podendo a prefeitura ser governada por um partido de direita no tempo X e, em outro momento, no tempo Y, ser administrada por um partido de esquerda. Essa variável independente varia com o passar do tempo e o modelo de Cox com covariáveis dependentes do tempo consegue oferecer maior precisão na análise.

A primeira regressão será realizada com todas as covariáveis a serem testadas, conforme especificado no Quadro 1. Em seguida, será utilizado o procedimento stepwise para melhor seleção das variáveis, tornando o modelo mais preditivo. Isso permitirá chegar a um modelo mais adequado de mensuração dos efeitos das covariáveis que apresentarem significância estatística, por meio de um processo em que as covariáveis são incluídas e retiradas do modelo, eliminando-se aquelas que são menos significativas. As covariáveis que explicam a difusão serão aquelas que, no modelo final, forem significativas ao nível de 10% e que também passem pela avaliação do pressuposto de proporcionalidade a partir da análise dos resíduos de Schoenfeld. Essa última análise é relevante, pois, ao se utilizar o modelo de Cox, presume-se que o risco relativo de uma covariável se mantenha estável durante o período de observação3535 Carvalho MS, et al. Análise de sobrevivência: teoria e aplicações em saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011.. Nesse sentido, aplicando-se um modelo de regressão de Cox, mesmo que em sua versão estendida, é interessante confirmar esse pressuposto. Uma das técnicas mais usuais é a chamada resíduos de Schoenfeld3535 Carvalho MS, et al. Análise de sobrevivência: teoria e aplicações em saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011..

Quadro 1
Variáveis independentes consideradas, suas justificativas, operacionalizações e fontes.

De forma mais específica, para o caso em estudo, será observada a difusão do programa entre 1998 e 2016. Esse período temporal foi definido em decorrência de ele estar coberto pela mesma forma de influência vertical.

Nessas condições, somente 11 municípios não adotaram o programa nesse período, entre 645 municípios de São Paulo. Para análise de sobrevivência, esses 11 municípios serão censurados à direita. Como tem-se apenas a informação do mês de implantação da ESF (nas bases obtidas junto ao Ministério da Saúde), convencionou-se que será considerado o primeiro dia do mês como data de adoção. O tempo será calculado em dias, sendo contado a partir da data de publicação das portarias que regulamentaram a adesão ao Saúde da Família, sob o modelo de influência vertical que será analisado (incentivo financeiro por meio de transferências fundo a fundo). A saber: 22 de dezembro de 19973636 Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 1.882/1997, que estabeleceu o Piso de Atenção Básica (PAB); Portaria GM/MS nº 1.885/1997, que estabeleceu o montante de recursos destinados aos incentivos que compõem a parte variável do PAB; Portaria GM/MS nº 1.886/1997, que aprovou as normas e diretrizes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde do Programa de Saúde da Família. Diário Oficial da União 1997; 19 dez..

Além disso, vale destacar que, a partir de 2003, o MS desembolsou um incentivo extra para os municípios com mais de 100 mil habitantes por meio do Projeto de Expansão e Consolidação Saúde da Família. O principal objetivo seria expandir o programa para os grandes centros urbanos, dada a implantação mais lenta nesse perfil municipal3737 Portela GZ, Ribeiro JM. A sustentabilidade econômico-financeira da Estratégia Saúde da Família em municípios de grande porte. Cien Saude Colet 2011; 16(3):1719-1732.. Assim, será rodado um segundo modelo para análise desses municípios. Isso envolverá uma análise com 21 municípios, em que somente um não aderiu ao programa e será censurado à direita. De forma complementar, um terceiro modelo será rodado observando os municípios que não tiveram acesso ao incentivo financeiro extra no momento da implantação, seja por não comporem o grupo foco do incentivo extra ou porque aderiram ao programa antes da vigência desse incentivo extra. Isso abarcará 624 municípios, sendo que dez serão censurados à direita, pois não aderiram ao programa.

O Quadro 1 apresenta as covariáveis (variáveis independentes) que serão testadas, com a operacionalização de cada uma e a justificativa dos testes, resgatando o que foi apresentado na seção anterior.

Apresentando-se as hipóteses do modelo, vale destacar alguns aspectos que não possibilitaram a confirmação de algumas dessas hipóteses.

As variáveis elei.nac e elei.munic, relacionadas às hipóteses H3 e H4, não puderam ter suas estimativas obtidas, em decorrência do modelo de covariáveis com variação no tempo utilizado. Isso foi observado após a primeira rodada de regressão e ocorreu porque o modelo de Cox compara os valores das covariáveis de cada município que aderiu ao programa com os valores daqueles que não aderiram ao programa em um dado momento. Variáveis como elei.munic incorrem numa situação em que todos os municípios possuem o valor 1 ao longo de todos os anos de eleições municipais, e nos anos sem eleições recebem valor 0, o que não permite discriminar os adotantes dos não adotantes em uma data específica. O mesmo ocorre para a variável elei.nac.

Existem também aquelas variáveis que feriram o pressuposto de proporcionalidade ainda na primeira rodada de regressões com todas as variáveis. Em resumo, no terceiro modelo, as variáveis porte.peq.e.med e exper.prev ferem o pressuposto de proporcionalidade pelo valor de . No primeiro modelo, o valor de global não demonstra ter problemas, porém as variáveis log.pib.per.cap e exper.prev ferem o pressuposto de riscos proporcionais. Sobre o segundo modelo, incorrem na mesma situação as variáveis porte.peq.e.med e autonomia.

Por fim, destacam-se as variáveis que, após o procedimento stepwise, não passaram no teste de resíduos de Schoenfeld. O valor de associado às variáveis porte.peq.e.med e exper.prev indicou que elas ferem o pressuposto de riscos proporcionais no terceiro modelo, e a variável exper.prev incorreu nessa mesma situação no primeiro modelo. Dessa forma, essas variáveis foram excluídas do resultado final.

A partir dessas ponderações, a próxima seção adentra de maneira mais especifica nos resultados da difusão da ESF.

Análise dos determinantes da difusão da ESF em SP

Primeiramente, observa-se que o detalhamento dos dados primários das análises realizadas nesta seção consta em repositório certificado para eventuais consultas4040 Carvalho GP, Coêlho DB. Diffusion - Estratégia Saúde da Família (ESF). Figshare. Dataset; 2023. [acessado 2022 ago 3]. Disponível em: https://doi.org/10.6084/m9.figshare.19709224.v1
https://doi.org/10.6084/m9.figshare.1970...
.

A primeira informação a ser destacada é o quantitativo de prefeituras que aderiram ao programa ao longo do tempo. A Tabela 1 sistematiza, por ano, o número de prefeituras que aderiram à ESF desde a data de publicação das portarias que regulamentaram o incentivo financeiro para adesão ao programa por meio de transferências fundo a fundo: 22 de dezembro de 1997.

Tabela 1
Quantidade de municípios que aderiram à ESF.

Um aspecto que chama a atenção é o número considerável de casos que aderiram ao programa no ano de 2000. Depois desse pico de municípios aderindo ao programa federal, os outros anos com maior número de casos são 1998 e 2001. Na prática, mais da metade dos municípios de São Paulo já havia aderido ao programa em 2001, isto é, quatro anos após a regulamentação dos repasses federais. Nos anos seguintes, algumas dezenas de municípios continuam aderindo ao programa, ano a ano, até que em 2016 tem-se 634 adesões - quase a totalidade dos municípios paulistas.

Análise de sobrevivência (modelo de Cox estendido): estimativas iniciais

Feitas essas considerações iniciais, a Tabela 2 apresenta as estimativas obtidas na primeira análise realizada com o modelo de Cox, com covariáveis dependentes do tempo para os três modelos em estudo: M1, todos os 645 municípios de São Paulo, com 634 adoções do programa; M2, 21 municípios cobertos pelo contexto do período de vigência do incentivo financeiro extra oferecido pelo MS aos municípios com mais de 100 mil habitantes, com 20 adoções do programa; M3, os 645 municípios de São Paulo, excluindo-se o efeito do incentivo financeiro extra, com 614 adoções.

Observando-se a análise inicial com o modelo de Cox estendido, e destacando-se o efeito das variáveis por meio do risco relativo (RR), estando negritadas e com asteriscos aquelas que apresentaram significância estatística, a Tabela 2 demonstra que tanto variáveis políticas e institucionais quanto determinantes internos, externos e estruturais explicam a adesão à ESF no M1 e no M3. Já no M2, apenas o determinante interno associado à necessidade da política, medida por um critério epidemiológico - proporção de óbitos evitáveis - explicaria a difusão no grupo dos municípios cobertos pelo contexto do incentivo financeiro extra oferecido pelo MS.

Tabela 2
Estimativas iniciais: Cox com covariáveis dependentes do tempo - adesão à ESF

A fim de se ter uma análise mais adequada, procedeu-se, como previsto na metodologia, ao procedimento de stepwise para se chegar ao resultado final das análises com o modelo de Cox, conforme a Tabela 3.

Tabela 3
Estimativas finais: Cox com covariáveis dependentes do tempo - adesão à ESF.

Análise de sobrevivência (modelo de Cox estendido): estimativas finais

A próxima tabela apresenta os resultados obtidos de estimativas finais, sendo um modelo mais adequado para explicar a adesão à ESF. Há inúmeras diferenças nas variáveis apresentadas nas estimativas finais em comparação à análise inicial, para além das mudanças envolvendo coeficientes e, consequentemente, valores de risco relativo e também erro-padrão. Por exemplo, nem no M1 nem no M3, o grau de associativismo comunitário nos municípios aparece mais como significativo. Já ideologia deixa de ser significativa no M1, mas se mantém no M3 (obs.: no M1 e no M3, após o procedimento stepwise, as variáveis ideol e vizin.reg.gov compõem, respectivamente, o modelo final, embora seus níveis de significância sejam um pouco maior que 0,10). No M2, agregou-se a variável relacionada ao efeito vizinhança dentro das comissões intergestores regionais (CIR).

De maneira geral, os três modelos tiveram bons resultados nos testes estatísticos de razão de verossimilhança, wald e escore, inclusive no M2, que trabalhou com apenas 77 observações para os 21 municípios em análise, o que é uma amostra relativamente menor em relação aos demais modelos. Por fim, no geral, o nível de concordância é em torno de 0,6, indicando que os achados, ainda que não sejam muito preditivos, não são ao acaso, o que se considera aceitável nesta análise.

Considerando-se mais especificamente o efeito das variáveis no processo de difusão da Estratégia Saúde da Família em relação às hipóteses de pesquisa, no modelo M1, que envolve todos os municípios e todo o período de difusão (1998 a 2016), conclui-se que o município estar no contexto de incentivo financeiro extra (desen.instit) implicou um aumento de 76% na probabilidade de aderir à ESF.

Outra conclusão é que o prefeito de um município ser do mesmo partido do presidente da República (part.presid) implicou um aumento de 27% na probabilidade de aderir à ESF. Sobre o efeito vizinhança, observa-se que quanto maior a proporção de municípios que já aderiram à ESF numa vizinhança relacionada à comissão intergestores regionais (vizin.reg.cir), maior a chance de adesão, representando um aumento de 70% na probabilidade de aderir à ESF.

No que se refere a fatores internos, quanto maior a porcentagem de população vulnerável à pobreza em um município (pop.vulner.pobre), maior é a probabilidade de aderir à ESF, num contexto em que, para cada dez pontos percentuais a mais de população vulnerável, há uma probabilidade 21% maior.

Sobre os aspectos de ordem estrutural, o município ser autônomo (autonomia) implicou um aumento de 20% na probabilidade de aderir à ESF, e o município ser de porte pequeno ou médio (porte.peq.e.med) acarretou redução de 43% na probabilidade de aderir à ESF (obs.: resultado contrário ao esperado).

Por outro lado, quando se observa os municípios que estavam sob o contexto do incentivo financeiro extra (M2), isto é, um contexto de maior pressão coercitiva, os resultados são um pouco diferentes. De um lado, quanto maior a proporção de municípios que já aderiram à ESF numa vizinhança relacionada à comissão intergestores regionais (vizin.reg.cir), maior as chances de adesão, representando um aumento de 120% na probabilidade de aderir à ESF. Por outro lado, quanto maior a proporção de óbitos evitáveis para cada 10 mil habitantes em um município (logit.obit.evit), maior a probabilidade de aderir à ESF, num contexto em que uma unidade maior do logaritmo da proporção de óbitos evitáveis se relaciona a um aumento de 636% (ou 73 vezes) na probabilidade de adesão.

Já no modelo M3, observando-se os municípios de São Paulo sem o efeito do contexto de maior pressão coercitiva, replicam-se os fatores explicativos do M1, com variação tão somente no coeficiente, risco relativo e erro-padrão das covariáveis, agregando-se como novidade o efeito de ideologia e a saída da variável referente ao porte municipal.

Em síntese, o prefeito de um município ser do mesmo partido do presidente da República (part.presid) implicou aumento de 24% na probabilidade de aderir à ESF. Sobre ideologia, considerando-se a estimativa de ideologia partidária utilizada (ideol)3838 Zucco C, Power TJ. Fragmentation without cleavages? Endogenous fractionalization in the Brazilian party system. Comparative Politics 2021; 53(3):477-500., que varia de -1 (mais à esquerda) a 1 (mais à direita), uma posição ideológica 0,1 mais à direita do partido (em uma escala de -1 a 1) de um prefeito acarretou redução de 2% na probabilidade de aderir à ESF, sendo um indicativo de que quanto mais à esquerda for o partido de um prefeito, maior a probabilidade de aderir à ESF. No aspecto da vizinhança, quanto maior a proporção de municípios que já aderiram à ESF numa vizinhança relacionada à comissão intergestores regionais (vizin.reg.cir), maior as chances de adesão, representando um aumento de 49% na probabilidade e aderir à ESF.

Sobre fatores internos, quanto maior a porcentagem de população vulnerável à pobreza em um município (pop.vulner.pobre), maior a probabilidade de aderir à ESF, num contexto em que, para cada dez pontos percentuais a mais de população vulnerável, a probabilidade é 16% maior. E quanto a fatores de ordem estrutural, o município ser autônomo (autonomia) implicou aumento de 26% na probabilidade de aderir à ESF.

Discussão sobre os resultados da difusão da ESF em SP

A partir dos resultados de análise de sobrevivência realizada para a adesão à ESF no estado de São Paulo, é relevante a distinção dos fatores explicativos, em que se observa a difusão a partir dos diferentes desenhos institucionais relacionados à condução do programa pelo Executivo federal.

De um lado, na ausência de uma pressão coercitiva mais robusta (M3), destacam-se fatores políticos explicando a difusão, como alinhamento partidário entre prefeito e presidente da República e ideologia partidária mais à esquerda. O aspecto de ideologia, enquanto influência considerada horizontal, dialoga com estudos anteriores que avaliaram a difusão da ESF em um período temporal diferente (de 1997 a 2010)44 Coêlho DB, Cavalcante P, Turgeon M. Mecanismos de difusão de políticas sociais no Brasil: uma análise do Programa Saúde da Família. Rev Sociol Politica 2016; 24:145-165. e também com foco em municípios com um porte populacional específico (mais de 100 mil habitantes)1010 Sugiyama NB. Ideology & social networks: the politics of social policy diffusion in Brazil. Lat Am Res Rev 2007; 43(3):82-108.,1111 Sugiyama NB. Diffusion of good government: Social sector reforms in Brazil. Notre Dame: University of Notre Dame Press; 2012.. Complementarmente, destaca-se neste artigo o surgimento da variável autonomia como fator estrutural explicando a difusão, que não havia sido testado em nenhum outro estudo anterior.

Por outro lado, quando se tem um contexto de pressão coercitiva mais robusta (M2), prevalecem como fatores explicativos apenas um determinante interno associado à necessidade da política e o efeito vizinhança, que merece um destaque nesta discussão.

O efeito vizinhança, testado a partir do território das CIR, é a única variável que tem significância estatística independentemente do desenho institucional. Em suma, o efeito vizinhança aumentou a probabilidade de difusão em todos os contextos testados, sejam mais ou menos coercitivos. Essa também é uma variável que não havia sido testada em nenhum outro estudo anterior, sendo um diferencial deste trabalho para a literatura de difusão quando se observam as influências horizontais.

Destaca-se também que, embora todos esses fatores internos, externos e estruturais contribuam para aumentar a probabilidade de adesão à ESF, o presente trabalho evidenciou o quanto o incentivo financeiro extra, estratégia aqui considerada como de coerção mais robusta, aumentou a probabilidade de adesão pelos municípios paulistas. Portanto, o desenho institucional importa.

Dessa forma, a literatura de difusão utilizada neste trabalho mostra-se importante para estudos que tratam de incentivos à adoção de determinadas políticas públicas. Evidenciou-se o quanto e como estratégias coercitivas importam, e também o quanto, adicionalmente, fatores políticos locais, necessidade de uma política pública, bem como fatores estruturais e influências horizontais (ideologia e vizinhança), importam para explicar a difusão de uma iniciativa.

Portanto, aspectos internos, estruturais (inclusive institucionais) e externos explicam a difusão da ESF.

Considerações finais

Este trabalho analisou os fatores que implicam maior probabilidade de adesão à ESF pelos municípios do estado de São Paulo. Em suma, os procedimentos coercitivos utilizados pela esfera federal levam a uma maior probabilidade de adesão à ESF. Porém, vale destacar que as interações horizontais entre governos subnacionais, tanto ideológicas quanto regionais, e mais as questões sociais, econômicas e políticas locais também são importantes. Esse achado indica a relevância da utilização da literatura de difusão para explicar os fenômenos de implementação de programas e políticas públicas em contextos federativos.

Há espaço para estudos diversos considerando os resultados deste trabalho. Por exemplo, há um debate acerca da adesão a novas iniciativas motivadas por processos coercitivos ou emulativos e sua relação com implementação imprópria, inadequada, desnecessária ou mesmo pró-forma. Nesse sentido, qualificar a análise de adesão a iniciativas induzidas pela esfera federal sob essa perspectiva pode ser bem interessante. Além disso, novas análises do caso aqui estudado em outros contextos regionais, por exemplo, estudando-se o processo de difusão em outras unidades da federação, são também bem-vindas. No mais, pode ser interessante a replicação de estudos similares ao realizado neste artigo em outros casos de difusão sob processos coercitivos. Por fim, a metodologia para uso da variável associada ao efeito vizinhança, associada a um território delimitado, é algo importante e que deveria ser testada em outros objetos de difusão.

De certa forma, ainda que o estudo tenha sido delimitado ao estado de São Paulo, os achados deste trabalho permitem algumas reflexões acerca da coerção para implementação de novos programas e políticas públicas e dos limites dessas induções frente a aspectos estruturais e socioeconômicos locais.

Em conclusão, entender os possíveis efeitos da dinâmica social, econômica e política local é relevante na definição de ideias e políticas públicas nacionais que dependam de implementação local. Nesse sentido, os achados deste trabalho permitem discutir os limites para a difusão de uma política pública conforme os diferentes contextos locais e institucionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Ago 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2022
  • Aceito
    09 Jan 2023
  • Publicado
    11 Jan 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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