I Fórum de Saúde Indígena: construção e capilarização da Agenda da Saúde Indígena nos anos de 1990

Marcela Alves Abrunhosa Felipe Rangel de Souza Machado Ana Lúcia de Moura Pontes Ricardo Ventura Santos Sobre os autores

Resumo

As conferências nacionais de saúde indígena têm sido espaços para a expressão de ideias e consolidação de propostas. Em 1993, meses antes da 2ª Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas (CNSPI), ocorreu o chamado I Fórum de Saúde Indígena. Com uma abordagem metodológica de caráter histórico, este trabalho buscou compreender o papel desse Fórum na construção das políticas de saúde indígena na década de 1990. Analisou-se um conjunto inédito de documentos depositados pelo sanitarista István Varga na biblioteca da USP em forma de Dossiê. A análise nos levou a entender que há um arco histórico iniciado na 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio (1986), mas com forte ancoragem no I Fórum, que desemboca na 2ª CNSPI, cujas estruturas argumentativas de suas propostas foram sendo sustentadas pelo reforço que diversas pré-conferências deram às teses do I Fórum. Entre outros pontos, tais teses tratam da implementação dos Núcleos Interinstitucionais de Saúde Indígena, a posição hierárquica da Coordenação de Saúde do Índio no MS e de relações entre Funai e Funasa.

Palavras-chave:
Saúde de Populações Indígenas; Controle Social; Participação Social; Conferências de Saúde

Introdução

A Constituição Brasileira de 1988 (CF88) abriu caminho para a concretização de aspirações sociais que vinham sendo gestadas na sociedade brasileira nas décadas anteriores. A literatura indica a importância da CF88 para os direitos indígenas. Cardoso11 Cardoso MD. Políticas de saúde indígena no Brasil: do modelo assistencial à representação política. In: Langdon EJ, Cardoso MD, organizadores. Saúde indígena: políticas comparadas na América Latina. Florianópolis: Ed. da UFSC; 2015. p. 83-106. reforça que, no caso da saúde indígena, a CF88 abriu espaço para o desenvolvimento de um subsistema diferenciado dedicado a atender as populações indígenas.

Os povos indígenas passaram, assim, a exigir a institucionalização do respeito às suas diversidades socioculturais e linguísticas nos serviços de saúde. Além disso, assumiu-se a premissa da participação ativa dos indígenas na gestão da assistência em saúde22 Langdon EJ. Uma avaliação crítica da atenção diferenciada e a colaboração entre antropologia e profissionais de saúde. In: Langdon EJ, Garnelo L. organizadores. Saúde dos povos indígenas: reflexões sobre antropologia participativa. Rio de Janeiro: Contracapa; 2004. p. 33-51..

Por outro lado, desde sua institucionalização, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), em 1999, tem tido muitos desafios para responder às demandas das diversas realidades em que vivem tais povos, podendo-se argumentar que ocupa um lugar periférico no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)33 Garnelo L. O SUS e a Saúde Indígena: matrizes políticas e institucionais do Subsistema de Saúde Indígena. In: Teixeira CC, Garnelo L, organizadores. Saúde Indígena em perspectiva: explorando suas matrizes históricas e ideológicas. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2014. p. 107-142.. A trajetória da atual política de saúde indígena é marcada por lutas sociais impulsionadas pelo movimento social indígena, indigenistas e o próprio movimento sanitário, numa articulação produzida ao longo das décadas de 1970 e 198044 Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, Brito CAG. Diálogos entre indigenismo e Reforma Sanitária: bases discursivas da criação do subsistema de saúde indígena. Saude Debate 2019; 43(n. esp. 8):146-159.. A coletânea Políticas Antes da Política de Saúde Indígena55 Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. sistematiza, com base em pesquisa histórica, os arranjos políticos e sociais que contribuíram para a formulação e constituição do que conhecemos hoje como SasiSUS.

Santos et al.66 Santos RV, Welch JR, Pontes AL, Garnelo L, Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA. Health of Indigenous peoples in Brazil: Inequities and the uneven trajectory of public policies. In: Oxford Research Encyclopedias of Global Public Health. Oxford: Oxford University Press; 2022. p. 1-33. ressaltam que, após duas décadas de implantação, é fundamental reconhecer os avanços do SasiSUS, tanto no que tange ao financiamento quanto à extensão dos serviços e garantia da participação indígena no controle social. Por outro lado, esses autores apontam outros tantos desafios persistentes, como a baixa qualidade dos serviços prestados em nível local, os desafios da qualificação dos profissionais e a ausência de saneamento básico nas comunidades indígenas.

Analisar a história por trás dessa política contribui na compreensão das contradições e disputas que fundaram o próprio campo da saúde indígena. A construção da política de saúde é um processo conflituoso que envolve um conjunto de forças divergentes33 Garnelo L. O SUS e a Saúde Indígena: matrizes políticas e institucionais do Subsistema de Saúde Indígena. In: Teixeira CC, Garnelo L, organizadores. Saúde Indígena em perspectiva: explorando suas matrizes históricas e ideológicas. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2014. p. 107-142.. A trajetória das políticas de saúde indígena no Brasil tem sido marcada por tensões, avanços e retrocessos66 Santos RV, Welch JR, Pontes AL, Garnelo L, Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA. Health of Indigenous peoples in Brazil: Inequities and the uneven trajectory of public policies. In: Oxford Research Encyclopedias of Global Public Health. Oxford: Oxford University Press; 2022. p. 1-33.. Dentre os marcos e antecedentes recorrentemente analisados na saúde indígena estão a 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio (CNPSI) de novembro de 1986 e a 2ª Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas (CNSPI) de outubro de 1993. No entanto, encontramos apenas em Diehl77 Diehl EE. Participação no contexto pré-subsistema de atenção à saúde indígena: a perspectiva das vozes indígenas. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 335-374. uma análise sobre as repercussões do I Fórum de Saúde Indígena realizado entre 22 e 26 de abril de 1993 - evento organizado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Funai -, havendo carência na literatura de uma análise mais profunda sobre o papel deste Fórum no desdobramento da política de saúde indígena e que, na perspectiva metodológica adotada, teve contribuição fundamental na consolidação das principais teses apresentadas na 1ª CNPSI e para as proposições da 2ª CNSPI. Nem mesmo a PNASPI (2002) na seção “antecedentes” menciona a existência do I Fórum.

Sobre um Dossiê em uma estante de uma biblioteca

No ano de 2001, István Van Deursen Varga, atualmente professor vinculado à Universidade Federal do Maranhão, depositou na Biblioteca de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) um conjunto de documentos relevantes para a compreensão do contexto que precedeu a realização da 2ª CNSPI. Tais documentos, aqui denominados “Dossiê Varga”, estão relacionados ao I Fórum de Saúde Indígena e às conferências preparatórias para a 2ª CNSPI. Além disso, Varga inclui no Dossiê um memorial relatando suas impressões sobre esse período. O acervo havia sido compilado ao longo de 1993, período em que Varga desempenhou suas atividades na Coordenação de Saúde do Índio da Funasa (Cosai/Funasa).

Escolhemos a palavra “dossiê” para ressaltar que se tratar de uma coleção de documentos relativos a um processo histórico. O Dossiê tem 296 páginas e é composto por 32 documentos, incluindo materiais sobre conferências regionais e estaduais de saúde, moções e relatórios de atividades de Varga. Desde que depositado, aproximadamente duas décadas atrás, o volume não foi retirado através de empréstimo, até que em 2018 foi localizado por um dos participantes da pesquisa “Saúde dos Povos Indígenas no Brasil: Perspectivas Históricas, Socioculturais e Políticas” e incorporado no acervo documental desse projeto e disponibilizado na Biblioteca Virtual em Saúde dos Povos Indígenas. Frise-se que o “Dossiê Varga” foi organizado por um personagem que nos anos 1990 esteve envolvido nas principais dinâmicas relacionadas às políticas públicas na área da saúde dos povos indígenas e cuja análise potencialmente ilumina a compreensão do processo de transformação na saúde indígena brasileira.

Varga é médico, formado pela então Escola Paulista de Medicina (EPM). Ainda nos primeiros anos da faculdade, fez sua primeira viagem à região do Xingu, fato que marcaria o início de sua relação com os povos indígenas, conforme relatou em entrevista. Trabalhou na Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e lá criou um grupo de trabalho em Saúde Indígena. Em 1993, Varga foi convidado para participar da Cosai/Funasa em Brasília, e foi coordenador executivo da I Fórum Nacional de Saúde Indígena e da 2ª CNSPI.

A decisão de encaminhar o Dossiê para a Biblioteca da USP ocorreu após Varga ter sido surpreendido - como ele próprio indicou -, no ano de 2000, com a demanda de “funcionária do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, de que enviasse esta Documentação à Brasília em vista da elaboração de uma memória de ambos os eventos, como parte dos trabalhos de organização da III Conferência Nacional de Saúde Indígena”88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001.. Varga questionou o fato de a própria Funasa não possuir tais documentos, uma vez que suas cópias ao serem produzidas eram também encaminhadas à Cosai/Funasa. “A pessoa que me transmitiu esta solicitação afirmou que já os teria procurado em todos os arquivos, sem sucesso”88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001.. Essa situação é ilustrativa do cenário de pouca atenção à memória institucional e das políticas públicas e, se não fosse pelas mãos de um ator que tomou a iniciativa de guardar uma série de documentos públicos, teríamos menos elementos para se conhecer essa história.

O objetivo deste artigo é compreender o papel do I Fórum de Saúde Indígena nos rumos das políticas de saúde para os povos indígenas no Brasil. A análise buscou cotejar documentos presentes no dossiê com um conjunto de entrevistas que compõe o acervo do projeto “Saúde dos Povos Indígenas no Brasil: Perspectivas Históricas, Socioculturais e Políticas” (parecer Conep nº CAAE 61230416.6.0000.5240) com a literatura.

Do ponto de vista metodológico, nos apoiamos nas formulações propostas por Bourdieu99 Vieira-da-Silva LM, Chaves SCL, Espiridião MA, Barros SG, Souza JC. Análise sócio-histórica das políticas de saúde: algumas questões metodológicas da abordagem bourdieusiana. In: Teixeira CF, organizadora. Observatório de análise política em saúde: abordagens, objetos e investigações. Salvador: EDUFBA; 2016. p. 15-40. para analisar as políticas, em particular a busca da compreensão dos interesses específicos dos agentes sociais, suas prioridades e interações e a identificação das ideias e elementos argumentativos que estão na gênese da política. A leitura de Bourdieu indica que

O conceito de agente não evidencia uma ação humana livre de contingências, uma vez que se encontra influenciada pela ‘estrutura estruturada’ do campo, por suas regularidades e lógicas, e pelo seu sentido de jogo. O agente é aquele que age e luta dentro de um campo de interesses, tendo em sua ação princípios e inculcações dessas lógicas que lhe são imanentes produzidas no encontro das histórias individuais dos agentes com a história coletiva do campo99 Vieira-da-Silva LM, Chaves SCL, Espiridião MA, Barros SG, Souza JC. Análise sócio-histórica das políticas de saúde: algumas questões metodológicas da abordagem bourdieusiana. In: Teixeira CF, organizadora. Observatório de análise política em saúde: abordagens, objetos e investigações. Salvador: EDUFBA; 2016. p. 15-40. (p.29).

A abordagem Bourdiana, de caráter socio-histórico, permite a compreensão das dinâmicas que fundamentam os processos de construção de políticas públicas. Assim, nesta perspectiva metodológica, entender a gênese de uma política de saúde não se restringe meramente a buscar quem foram os agentes, ou narrar a descrição da cronologia dos fatos; de forma mais abrangente e integrada, implica, especialmente, entender os interesses envolvidos e as circunstâncias que tornaram sua emergência possível em um contexto histórico específico99 Vieira-da-Silva LM, Chaves SCL, Espiridião MA, Barros SG, Souza JC. Análise sócio-histórica das políticas de saúde: algumas questões metodológicas da abordagem bourdieusiana. In: Teixeira CF, organizadora. Observatório de análise política em saúde: abordagens, objetos e investigações. Salvador: EDUFBA; 2016. p. 15-40.. “Essa apreensão requer a análise da estrutura e da dinâmica de um espaço de relações entre agentes sociais [...] que compartilham interesses sobre o objeto da política”99 Vieira-da-Silva LM, Chaves SCL, Espiridião MA, Barros SG, Souza JC. Análise sócio-histórica das políticas de saúde: algumas questões metodológicas da abordagem bourdieusiana. In: Teixeira CF, organizadora. Observatório de análise política em saúde: abordagens, objetos e investigações. Salvador: EDUFBA; 2016. p. 15-40. (p.22).

A análise ora empreendida se debruçou sobre os 32 documentos que compõem o Dossiê e teve como guia de memória histórica a entrevista realizada com o próprio Varga. Todo o processo de reconstrução histórica aqui apresentado foi realizado em diálogo com autores centrais do campo da saúde indígena, como Cardoso11 Cardoso MD. Políticas de saúde indígena no Brasil: do modelo assistencial à representação política. In: Langdon EJ, Cardoso MD, organizadores. Saúde indígena: políticas comparadas na América Latina. Florianópolis: Ed. da UFSC; 2015. p. 83-106., Langdon22 Langdon EJ. Uma avaliação crítica da atenção diferenciada e a colaboração entre antropologia e profissionais de saúde. In: Langdon EJ, Garnelo L. organizadores. Saúde dos povos indígenas: reflexões sobre antropologia participativa. Rio de Janeiro: Contracapa; 2004. p. 33-51., Garnelo33 Garnelo L. O SUS e a Saúde Indígena: matrizes políticas e institucionais do Subsistema de Saúde Indígena. In: Teixeira CC, Garnelo L, organizadores. Saúde Indígena em perspectiva: explorando suas matrizes históricas e ideológicas. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2014. p. 107-142.,1010 Garnelo L. Análise situacional da Política de Saúde dos Povos Indígenas no período de 1990 a 2004: implicações no Brasil e na Amazônia. In: Scherer E, Oliveira JA, organizadores. Amazônia: Políticas Públicas e Diversidade Cultural. Rio de Janeiro: Garamond; 2006. p. 133-162., Santos et al.66 Santos RV, Welch JR, Pontes AL, Garnelo L, Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA. Health of Indigenous peoples in Brazil: Inequities and the uneven trajectory of public policies. In: Oxford Research Encyclopedias of Global Public Health. Oxford: Oxford University Press; 2022. p. 1-33., Diehl77 Diehl EE. Participação no contexto pré-subsistema de atenção à saúde indígena: a perspectiva das vozes indígenas. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 335-374., Pontes1111 Pontes ALM. Debates e embates entre reforma sanitária e indigenismo na criação do subsistema de saúde indígena e do modelo de distritalização. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 205-229. e Verani1212 Verani C. A política de saúde do índio e a organização dos serviços no brasil. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi 1999; 15(2):171-192..

Década de 1990: Transições, contradições, tensões

Em 2002, como parte integrante do SUS, foi lançada a PNASPI. Conforme destaca Mendes et al.1313 Mendes AM, Leite MS, Langdon EJ, Grisotti M. O desafio da atenção primária na saúde indígena no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2018; 42:e184., tal estratégia política foi desenvolvida com a premissa de que sua implementação ocorreria em consonância com os princípios fundamentais do SUS, os quais destacam a descentralização das ações e dos recursos, bem como a promoção dos valores de universalidade, integralidade, equidade e participação social. Nesse contexto, a PNASPI também sublinha a importância de considerar de forma significativa as questões relacionadas à diversidade cultural, étnica, geográfica, epidemiológica, histórica e política dos povos indígenas.

A assunção de tal política, no entanto, integra um conjunto de profundas transformações no âmbito do Estado Brasileiro que se desdobraram em função da CF88. Em primeiro lugar, ressaltamos que com a CF88 “pôs-se assim um fim ‘jurídico’ ao regime tutelar”1414 Lima ACS. Sobre Tutela e Participação: Povos Indígenas e Formas de Governo no Brasil, Séculos XX/XXI. Mana 2015; 21(2):425-457. (p.440). “Anteriormente à reformulação da Constituição brasileira, em 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado. Privados de direitos, a trajetória esperada era uma progressiva assimilação pelo restante da população brasileira”1010 Garnelo L. Análise situacional da Política de Saúde dos Povos Indígenas no período de 1990 a 2004: implicações no Brasil e na Amazônia. In: Scherer E, Oliveira JA, organizadores. Amazônia: Políticas Públicas e Diversidade Cultural. Rio de Janeiro: Garamond; 2006. p. 133-162. (p.1). Scalco et al.1515 Scalco N, Nunes JA, Louvison M. Controle social no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena: uma estrutura silenciada. Saude Soc 2020; 29(3):e200400. destacam que o movimento indígena conseguiu garantir na Constituição a Emenda Popular promovida pela União das Nações Indígenas (UNI).

O capítulo VIII da Constituição, intitulado “Dos Índios”, reconhece de maneira inequívoca a condição de cidadãos brasileiros dos povos indígenas. A CF88 abriu caminhos para que se pavimentasse a implementação de estratégias de políticas de saúde direcionadas de modo específico a tais coletividades1616 Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV. Apresentação. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021., afirmando ainda o direito à participação social como um princípio da atuação do Estado.

A despeito da construção do artigo 196 da CF88, o SUS não encontrou respaldo institucional e financeiro suficiente para sua materialização. A década de 1990 assistiu ao fim do INAMPS, ao nascimento da descentralização, à transformação na lógica de financiamento da saúde e à criação de dezenas de políticas públicas. Essa década foi responsável pelo início da mudança da lógica do antigo modelo assistencial, inclusive nas ações da saúde indígena. A erosão deste modelo abalou as bases de sustentação da própria Funai, que segundo Santilli, era uma “morta-viva que continuará pairando sobre a política indigenista até que haja alternativas consistentes a esse modelo”1717 Ricardo CA, editor. Povos Indígenas no Brasil: 1991-1995. São Paulo: Instituto Socioambiental; 1996. (p.48).

Importante destacar que, no âmbito das profundas transformações da saúde indígena nos anos de 1990, a ideia de distrito sanitário indígena surge da própria formulação da reforma sanitária, mas em contraponto à perspectiva predominante de municipalização da saúde1111 Pontes ALM. Debates e embates entre reforma sanitária e indigenismo na criação do subsistema de saúde indígena e do modelo de distritalização. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 205-229.. A transformação desse modelo, contudo, vinha sendo pensada já na década de 1980, entre outros espaços, no interior da própria Funai, que inclusive realizou alguns eventos para formular diretrizes visando à reestruturação da assistência destinada às comunidades indígenas44 Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, Brito CAG. Diálogos entre indigenismo e Reforma Sanitária: bases discursivas da criação do subsistema de saúde indígena. Saude Debate 2019; 43(n. esp. 8):146-159.. Elementos argumentativos importantes que viriam se afirmar nos anos subsequentes, como na década de 1990, já apareciam nos relatórios desses eventos. Um desses, por exemplo, destacou: 1) participação indígena como base da política; 2) a necessidade de reconhecimento das medicinas indígenas; 3) a defesa do acesso a todos os níveis de complexidade do sistema de saúde; e 4) a qualificação dos trabalhadores da saúde em conhecimentos antropológicos para atuação nos territórios.

Contudo, o modelo de atenção implementado pela Funai era eminentemente campanhista, curativista e privatista, ligando-se aos moldes que predominaram durante décadas na atuação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI)44 Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, Brito CAG. Diálogos entre indigenismo e Reforma Sanitária: bases discursivas da criação do subsistema de saúde indígena. Saude Debate 2019; 43(n. esp. 8):146-159. (p.149). Além disso, em função dos princípios constitucionais, da aprovação da Lei 8.080/1990 e das exigências dos próprios movimentos indígenas, a condução da política de saúde indígena deveria, necessariamente, deixar de fazer parte das atribuições da Funai e integrar as ações do Ministério da Saúde (MS). Nessa vertente, a lei Arouca, de 1999, expressa e sedimenta institucionalmente um entendimento amplo que emergiu do conflito e das contradições institucionais entre MS, por meio da Funasa, e Ministério da Justiça, através da Funai, processo denominado como “longa reforma sanitária indígena”1818 Machado FRS, Garnelo L. A longa reforma sanitária indígena. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 277-307.. O estabelecimento da PNASPI deve ser compreendido não como um momento estanque na linha temporal da criação de políticas, mas considerando sua profundidade temporal, a complexidade dos atores sociais e institucionais envolvidos, incluindo o movimento social e as articulações com o movimento sanitário, entre outras dimensões.

Tensões Funai - Funasa

A década de 1990 foi marcada pelo conflito entre Funai e Funasa em torno da saúde indígena1010 Garnelo L. Análise situacional da Política de Saúde dos Povos Indígenas no período de 1990 a 2004: implicações no Brasil e na Amazônia. In: Scherer E, Oliveira JA, organizadores. Amazônia: Políticas Públicas e Diversidade Cultural. Rio de Janeiro: Garamond; 2006. p. 133-162.. A Funai surgiu a partir da extinção do SPI em 1967 e a Funasa em decorrência da fusão em 1991 da Fundação Serviços de Saúde Pública (Fsesp) e da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam). A década de 1990 trouxe uma série de transformações que colocaram essas duas instituições em situação de embate e disputa quanto à operacionalização da atenção à saúde dos povos indígenas.

O imbróglio se tornou particularmente evidente a partir da edição do Decreto 23, de 4 de fevereiro de 1991, que dispunha sobre as condições para a prestação de assistência à saúde das populações indígenas. Esse decreto retirou a Funai da atuação na questão da saúde e a deslocou para a Funasa, criando inclusive uma hierarquia entre elas. Tal normativa perdurou por três anos, tendo sido substituído pelo Decreto 1141 de 19 de maio de 1994. Foi no contexto do Decreto 23 que “foi então criada, no Ministério da Saúde, a Coordenação de Saúde do Índio - Cosai, subordinada ao Departamento de Operações - DEOPE - da Fundação Nacional de Saúde, com a atribuição de implementar o novo modelo de atenção à saúde indígena”1919 Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Brasília: MS; 2002..

Como desdobramento desse conflito, fragmentou-se uma já combalida assistência direcionada às populações indígenas, remetendo ao paradigma preexistente à criação do SUS, em que as responsabilidades de cunho assistencial eram delegadas à Funai, enquanto as medidas preventivas estavam sob a alçada do MS1818 Machado FRS, Garnelo L. A longa reforma sanitária indígena. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 277-307.. Mais que isso, num dos trechos do relatório do Fórum fica evidente o contexto do Decreto 23 e as repercussões para a organização da política de saúde indígena.

Isto ocasionou um quase total estrangulamento nos canais burocráticos e operacionais que deveriam levar a assistência em saúde às aldeias. É impossível calcular hoje as consequências reais dessa situação, mas é fácil constatar os inúmeros óbitos e o desaparecimento físico das comunidades indígenas88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001..

Oscilação das responsabilidades, falta de diálogo e planejamento e as diferenças nas capacidades de atuação entre Funasa e Funai, somadas à falta de recursos, ocasionaram um cenário de ainda maior fragilidade na coordenação nas iniciativas direcionadas à saúde indígena77 Diehl EE. Participação no contexto pré-subsistema de atenção à saúde indígena: a perspectiva das vozes indígenas. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 335-374.. De fato, tal conflito marcou fortemente a trajetória dessa área no Brasil. Durante o período compreendido entre 1990 e 1999, registrou-se uma intensificação das tensões entre as duas entidades, culminando na revogação do Decreto 23 e na subsequente adoção do Decreto 1.141. Esse último ato restaurou a responsabilidade sanitária sobre os povos indígenas para a Funai. Entretanto, em sequência, um outro documento governamental (Resolução Normativa 001/1994) veio a manter a relação entre o MS e a saúde indígena, confirmando sua responsabilidade pela condução de medidas preventivas nas comunidades33 Garnelo L. O SUS e a Saúde Indígena: matrizes políticas e institucionais do Subsistema de Saúde Indígena. In: Teixeira CC, Garnelo L, organizadores. Saúde Indígena em perspectiva: explorando suas matrizes históricas e ideológicas. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2014. p. 107-142..

A atuação da Funai se caracterizava pela natureza emergencial de suas intervenções, em geral marcada por ações pontuais e isoladas permeadas por um viés de “catastrofismo”1212 Verani C. A política de saúde do índio e a organização dos serviços no brasil. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi 1999; 15(2):171-192.. Além disso, a Funai enfrentava uma alocação orçamentária que refletia o baixo estímulo social direcionado aos povos indígenas, especialmente após sua incorporação ao Ministério da Justiça, no qual não era vista como uma das áreas prioritárias.

Além de um desprestígio generalizado, Santilli argumenta que a instituição apresentava problemas quanto à capacidade técnica de proposição orçamentária, “Nem Deus aprovaria a proposta orçamentária da Funai se a analisasse por um segundo. [...] Por aí se pode ter uma ideia da credibilidade da instituição nos escalões superiores do governo”1717 Ricardo CA, editor. Povos Indígenas no Brasil: 1991-1995. São Paulo: Instituto Socioambiental; 1996. (p.40).

Verani1212 Verani C. A política de saúde do índio e a organização dos serviços no brasil. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi 1999; 15(2):171-192. destaca que a transferência da responsabilidade da saúde indígena para o MS, mesmo em meio a um contexto de descrédito, trouxe uma considerável injeção de recursos e de capacidades técnicas e humanas. Isso ocorreu em função do engajamento de recursos provenientes do MS e de financiamentos de organismos internacionais.

A disputa entre Funai e Funasa permaneceu até o final dos anos 1990, tendo fim apenas com a promulgação da Lei Arouca (9.836) em 1999. Importante retomar o argumento desenvolvido na seção anterior e entender que o conflito em tela se tornou elemento central no desenvolvimento da política de saúde indígena nascente1111 Pontes ALM. Debates e embates entre reforma sanitária e indigenismo na criação do subsistema de saúde indígena e do modelo de distritalização. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 205-229.. Foi no interior desse conflito que se mobilizaram os atores que se empenharam na transformação do campo e no qual foram desenvolvidas as principais ideias e argumentos espraiados durante toda a década. Esse foi o “espaço dos possíveis”99 Vieira-da-Silva LM, Chaves SCL, Espiridião MA, Barros SG, Souza JC. Análise sócio-histórica das políticas de saúde: algumas questões metodológicas da abordagem bourdieusiana. In: Teixeira CF, organizadora. Observatório de análise política em saúde: abordagens, objetos e investigações. Salvador: EDUFBA; 2016. p. 15-40. de onde, em larga medida, emergiu a política de saúde indígena.

É neste contexto conflituoso que em 1993 a nova coordenação da Cosai organiza o I Fórum Nacional de Saúde Indígena. Para Varga, o contexto de intensa disputa entre a Funasa e a Funai é a “principal causa do imobilismo, duplicação de ações e desperdício de recursos, e da sempre generalizada grave situação de saúde dos povos indígenas no país” onde “o índio tem sido o grande prejudicado”88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001.. Assim, o objetivo declarado do Fórum era “estabelecer um plano de cooperação entre Funasa e Funai no campo da saúde indígena, e definir as diretrizes para o plano de ação da nova equipe da Cosai”. Dessa forma, o Fórum visava estabelecer um plano de colaboração entre a Funasa e a Funai, bem como delinear as orientações a serem adotadas pelo plano de ação da equipe recém-instalada da Cosai, que iniciou suas atividades em março de 1993.

O I Fórum de Saúde Indígena

Entendemos que o I Fórum de Saúde Indígena, cuja estrutura e funcionamento serão comentadas adiante, pode ser interpretado como uma tentativa de construção de um espaço de mediação (sobretudo de conflitos) entre uma política pública em erosão (aquela da Funai) e uma outra em emergência (a saúde indígena como subsistema do SUS, então a cargo da Funasa).

Ressaltamos que a 1ª CNPSI de 1986 já reivindicava em seu relatório final tanto a participação indígena em todas as instâncias de decisão quanto a criação de uma agência vinculada ao MS visando a integração do sistema específico de saúde indígena ao sistema nacional. São justamente esses dois pontos centrais os que orientaram as ações políticas da nova coordenação da Cosai. O próprio Arouca reconhecia que “o objetivo da 1ª CNPSI era contribuir com a perspectiva indígena na reforma sanitária, o que evidencia uma estreita articulação entre essa reforma e os debates sobre uma nova política de saúde para os povos indígenas”2020 Abrunhosa MA, Machado FRS, Pontes ALM. Da participação ao controle social: reflexões a partir das conferências de saúde indígena. Saude Soc 2020; 29(3):e200584. (p.5). A 2ª CNSPI ocorreu 7 anos após a 1ª e buscou definir princípios e diretrizes do chamado “Modelo de Atenção Diferenciado para a Saúde do Índio”.

Desta forma, é possível afirmar que o relatório da 1ª CNPSI tem um foco no que se designa como “princípios doutrinários”, delineando os fundamentos que sustentariam as perspectivas futuras relativas à prestação de cuidados de saúde destinados às populações indígenas. Em contrapartida, o relatório da 2ª CNSPI traz formulações estratégicas voltadas para a efetivação desse sistema de saúde proposto. Ressalte-se que ainda na 1ª CNPSI havia a reivindicação de que a gerência da atenção à saúde indígena fosse vinculada ao MS1313 Mendes AM, Leite MS, Langdon EJ, Grisotti M. O desafio da atenção primária na saúde indígena no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2018; 42:e184..

Entre uma conferência e outra, foram realizados tanto o I Fórum de Saúde Indígena quanto diversas Conferências regionais e estaduais preparatórias para a 2ª CNSPI. Fato é que “na saúde indígena, os marcos legais pouco avançaram durante os anos 1980-1990 e os fóruns participativos específicos para os atores societais indígenas se restringiram às duas conferências”77 Diehl EE. Participação no contexto pré-subsistema de atenção à saúde indígena: a perspectiva das vozes indígenas. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 335-374. (p.336).

A convocação do Fórum ocorreu ato contínuo à nomeação de Varga para a Cosai. Na apresentação do relatório do Fórum, ele esclarece que a ideia de um Fórum havia surgido durante o IV Curso de Antropologia Médica da EPM em 1992, portanto após a edição do Decreto 23. Ao fim desse evento, os participantes encaminharam uma solicitação, em caráter de urgência, à Funasa, já com o delineamento do que seria o futuro Fórum. Varga, que fazia parte da coordenação de saúde indígena da Secretaria Estadual de SP, estava articulado com o grupo de saúde indígena da EPM e tornou-se responsável pela organização do Fórum um ano depois de tal solicitação. Em um mês, portanto, a equipe por ele coordenada planejou, organizou, convidou e realizou a atividade. Varga apostava que o Fórum constituir-se-ia em uma instância qualificada, permanente, ampla e ágil, sendo capaz de mobilizar os atores e influenciar diretamente os rumos das políticas.

Na pesquisa realizada, não foi possível encontrar informações precisas sobre quantas pessoas participaram do evento I Fórum, mas identificamos 102 assinaturas na lista de presença que consta no Dossiê. O financiamento do evento também não está claro, mas a documentação evidencia que as despesas de hospedagem, refeições e transporte foram cobertas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mesmo porque, conforme veremos mais à frente, a Funasa não se empenhou na realização do evento. A própria chamada convidando ao fórum apelava para que as “instituições e organizações interessadas em participar” cooperassem “arcando, na medida do possível, com suas próprias despesas de translado, hospedagem e alimentação”2121 Conselho Indigenista Missionário (CIMI). I Fórum Nacional de Saúde Indígena. Documento Final. Brasília: Biblioteca do Conselho Indigenista Missionário; 1993. (p.6).

Em seu memorial anexado ao Dossiê, Varga destaca a ideia de superação de disputas que marcaram a década de 1990 no campo da saúde indígena:

O I Fórum visava estabelecer e indicar, em espaço público ampliado, o diagnóstico e as soluções para os principais problemas políticos e operacionais da saúde indígena, e propiciar a superação das disputas entre Funai e Funasa, através de uma discussão democrática, envolvendo representantes indígenas e funcionários de todos os escalões, de ambas as instituições, sobre suas respectivas atribuições específicas no campo da saúde indígena, numa perspectiva de real cooperação interinstitucional88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001..

A avaliação final que consta no documento do I Fórum faz menção a avanços e busca valorizar iniciativas da equipe da Cosai:

Contando com massiva representação de administradores e funcionários da Funai, de organizações não-governamentais e com a participação de vários representantes indígenas, o I Fórum foi relativamente bem-sucedido na realização de praticamente todos os objetivos e metas a que se propunha88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001..

Mas apesar da percepção de sucesso indicada nos registros, o próprio documento aponta importantes dificuldades que podem ser vistas como, em larga medida, marcas da história da saúde indígena. Assim, destaca-se, em primeiro lugar, a “ausência de interlocutores abalizados [...] do nível central da Funasa [...] com poder de deliberação para dar respostas às questões, solicitações e encaminhamentos do Fórum” e a “ausência da grande maioria de Coordenadores Regionais da Funasa”. Em segundo lugar, o documento reconhece a “insuficiente representação indígena”. Há também a menção quanto à exiguidade de tempo para organização do evento e à dificuldade de identificação do “poder de representatividade e os critérios para participação das inúmeras organizações indígenas do país”. Enfatiza-se a necessidade “de definir critérios e metodologias para assegurar e incentivar a participação indígena no processo de organização do II Fórum, a se realizar em 1994”. Por fim, há o reconhecimento da falta de recursos financeiros para organização do evento. Importante destacar que ao final do documento de apresentação do relatório assinado por Varga, chama-se atenção para o fato de que não houve recursos sequer para a publicização do relatório final. Varga ressaltou que a distribuição do material final Fórum “só foi possível graças às contribuições da Secretaria do Estado de Saúde de São Paulo (reprodução xerográfica e encadernação) (local em que Varga trabalhara) e da Organização Panamericana de Saúde (postagem)”.

Não obstante todos esses obstáculos, como resultado do Fórum foram publicadas duas portarias. A Portaria 540 que definiu a implantação dos Núcleos Interinstitucionais de Saúde Indígena (NISI); e a de número 541, que indicou representantes do Departamento de Operações, da Procuradoria Geral, da Auditoria Geral, da Assessoria de Planejamento Estratégico e o Departamento de Administração da Funasa, para atuarem junto com a Funai e representantes eleitos do I Fórum para discussão das formas de aplicação dos recursos para a saúde indígena.

Segundo Varga, a organização e operacionalização tanto do I Fórum quanto da 2ª CNSPI “incomodaram os interesses corporativistas dos quadros da Funasa, como da Funai”, de modo, que, a Funasa não enviou os coordenadores e diretores que detinham “informações vitais sobre os recursos financeiros disponíveis para a saúde indígena”, inviabilizando uma discussão mais profunda sobre esse tema no I Fórum88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001.. Ressalta-se que, a despeito da proposta inicial da equipe da Cosai de realização anual deste Fórum, isto não aconteceu. Percebe-se que embora houvesse a intenção inicial de instalação de um espaço de mediação, tal possibilidade encontrou fortes resistências em função das intensas disputas que aconteciam naquele momento.

Optamos, aqui, pelo termo ‘sabotagem’, por considerá-lo mais adequado, neste caso, que o termo “boicote”, por exemplo, uma vez que, como se verá a seguir, as várias ações desenvolvidas pelos então dirigentes Funasa para inviabilizar estes eventos [I Fórum e 2ª CNSPI] desenvolveram-se de modo dissimulado, enquanto a instituição dava mostras, oficial e publicamente, de estar prestando amplo apoio à sua realização88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001..

O Relatório do I Fórum é bem suscinto (5 páginas) e foca na estruturação de um plano de trabalho que visava demarcar as relações e ações da saúde indígena. Ele é estruturado na forma de 4 grandes eixos de atuação, 1 moção, 2 recomendações e os 4 Relatórios (com cerca de 5 páginas cada) dos grupos de trabalho realizados durante o Fórum e divididos por Macrorregionais, que contém diagnósticos e proposições específicas de cada região.

O primeiro eixo (“Divisão de Atribuições MS/Funasa - MJ/Funai”) busca determinar (palavra utilizada no relatório) linhas de atuação dessas instituições. Em primeiro lugar, o relatório sugere que qualquer atuação na área da saúde indígena deveria se respaldar nas instâncias de participação social de saúde indígena. Em seguida, o relatório ressalta a necessidade de promoção de capacitação técnica para os trabalhadores que atuam na saúde indígena, tanto profissionais de saúde, quanto técnicos da área de cooperação e ONGs (um dos relatórios das pré-conferências destaca a questão da ética nessa formação). Além disso, sugere a contração e incorporação ao quadro de pessoal do SUS dos agentes indígenas de saúde.

O eixo “Medidas Estruturais” demanda que a Coordenação de Saúde do Índio passe a ser vinculada diretamente ao Gabinete do Ministro da Saúde (conforme proposta da 1ª CNPSI).

Já o eixo “Estratégias Políticas e Modelo de Organização” propõe a criação dos Núcleos Interinstitucionais de Saúde Indígena (NISI) nos estados da Federação, “com composição paritária entre usuários e prestadores de serviço”. A ideia era que os NISI se constituiriam como instâncias estratégicas na implantação dos diversos Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Diehl77 Diehl EE. Participação no contexto pré-subsistema de atenção à saúde indígena: a perspectiva das vozes indígenas. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 335-374. reforça que os NISI foram originalmente concebidos como elementos estratégicos destinados a viabilizar a implementação dos distritos sanitários. Posteriormente, os NISI desempenhariam a função de instâncias de articulação em âmbito regional entre os diversos distritos, conferindo-lhes, assim, a designação de precursores dos conselhos locais e distritais de Saúde Indígena. A proposta do NISI veio a ser incorporada na 2ª CNPSI, mas acabou não sendo implementada nacionalmente, mas apenas em alguns estados, como São Paulo e Roraima.

O último eixo (“Medidas para Implementar um Plano Conjunto de Trabalho”) apresenta o nome de representantes eleitos para “elaborar um consolidado dos problemas e soluções enumerados por macrorregiões”88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001. (MR) e acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos da comissão a ser indicada pela Funasa e Funai. Tal comissão teria a tarefa de “normatizar a aplicação dos recursos disponíveis para a saúde indígena, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelos fóruns competentes”88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001..

Pela MR Amazônica foram eleitos Marcos Pellegrini e Elimilton Correia de Alencar. Pela MR Nordeste; Cláudio Luiz Santana e Petrônio Cavalcante Filho. Pela MR Centro-Oeste, José Fabio de Oliveira e Juraci Coelho de Oliveira. Pela MR Sul-Sudeste, Angela Maria Bastos e Lúcio Flávio Coelho. Foram também eleitos 4 representantes indígenas: Euclides Macuxi, Maiowê Kayabi, Pedro Salles e João Saterê.

A moção aprovada no relatório recomenda “a revisão dos Decretos Presidenciais que retiraram da Funai a gestão dos assuntos agrícolas, educação e fiscalização ambiental” tendo em vista a capacidade e conhecimento técnicos do órgão.

Por fim, o relatório apresenta duas recomendações. A primeira para que a Cosai se tornasse departamento do MS. Já a segunda orientava a II Conferência propostas de regulamentação do Decreto 23.

Os relatórios das MR apresentam um consolidado dos problemas e soluções específicas de cada região. Contudo, apesar dos relatórios apontarem algumas especificidades, no geral reproduziram a pauta do I Fórum, tendo a implantação dos NISI como solução padrão e a posição hierárquica da Cosai no MS, as relações entre Funai e Funasa e necessidade de regulamentação do Decreto 23 como temas centrais. A questão da invasão de terras e a necessidade de demarcação, a falta de recursos para a saúde indígena e a necessidade de contração de profissionais foram temas abordados de forma transversal nesses documentos.

Entendemos que os relatórios das MR podem ser vistos como frutos de uma estratégia de capilarização das pautas centrais da coordenação da Cosai expressas no relatório do I Fórum. Tal estratégia foi central para a proposição de estratégias para o enfrentamento da situação devastadora que vinha se desenhando na saúde indígena no país.

Nos meses seguintes após a realização do I Fórum (maio a outubro de 1993) ocorreram diversas Conferências Estaduais preparatórias para a 2ª CNSPI. Diversos relatórios de tais Conferências também integram o Dossiê. Constata-se na análise desse material que as Conferências Estaduais serviram como caixas de ressonância às ideias do I Fórum.

Por fim, buscando dar luz às disputas presentes na gênese da política99 Vieira-da-Silva LM, Chaves SCL, Espiridião MA, Barros SG, Souza JC. Análise sócio-histórica das políticas de saúde: algumas questões metodológicas da abordagem bourdieusiana. In: Teixeira CF, organizadora. Observatório de análise política em saúde: abordagens, objetos e investigações. Salvador: EDUFBA; 2016. p. 15-40. e a título de ilustração do nível de tensão instalado, destacamos um episódio relatado por Varga ocorrido durante a plenária final do I Fórum. Havia duas propostas de caminhos a serem adotados em relação ao Decreto 23: uma chamada de “Revisão”, defendida pelos funcionários da Funai e outra denominada “regulamentação”, defendida pelos funcionários da Funasa. Havia espaço na plenária para uma pessoa defender cada proposta. Segundo Varga, “Numa manobra oportunista e desleal” um funcionário da Funasa pediu a palavra para defender a proposta da “Revisão”, mas ao fim acabou defendendo a proposta oposta. Ainda segundo ele, “Instalou-se o caos na plenária” e a proposta de “regulamentação” acabou sendo efetivamente aprovada.

Considerações finais

A contextualização dos documentos presentes no Dossiê Varga remete às disputas e debates prevalentes na saúde indígena da década de 1990. Nos levam a entender que há um arco histórico iniciado na 1ª CNPSI, mas com forte ancoragem no I Fórum, que desemboca na 2ª CNSPI, cujas estruturas argumentativas de suas propostas foram sendo sustentadas pelo reforço que as Conferências Estaduais deram às teses do I Fórum. Portanto, importa reforçar que a 1ª e a 2ª Conferência de Saúde indígena não são momentos estanques de cumprimento da burocracia. Pelo contrário, são eventos intimamente conectados, separados apenas pelo tempo, cuja tecitura do segundo foi sendo urdida ao longo dos anos (com o I Fórum e as Pré-Conferências). Diehl77 Diehl EE. Participação no contexto pré-subsistema de atenção à saúde indígena: a perspectiva das vozes indígenas. In: Pontes ALM, Machado FRS, Santos RV, organizadores. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2021. p. 335-374. também destaca que algumas estratégias políticas e modelos de organização propostos pelo I Fórum foram fortalecidos por meio de normatização específica e ratificados durante a 2ª CNSPI.

Parece-nos que o que separa e distingue qualitativamente a I Conferência (1986) e a II CNSPI (1993) é, precisamente, a distância histórica e política entre as experiências do momento inicial de configuração de um movimento indígena no Brasil, protagonizado por uma “vanguarda”, um número mais restrito de lideranças, e o de sua ampliação e conquistas, após 7 anos de lutas e aprendizados, com a participação direta muito mais massiva das comunidades indígenas88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001..

É marca desse arco histórico a concretização da ideia de paridade entre indígenas e não indígenas nas instâncias de participação social, conforme reivindicação da 1ª CNSPI. Afinal, vivia-se o contexto de tentativa de superação da ideia de tutela, suprimida com a CF88. Cabe ressaltar que o próprio Varga em entrevista concedida ao projeto reconhece que a Funasa tinha “muita dificuldade de trabalhar essa história do Controle Social”. A plenária final do I Fórum já elegera uma comissão de trabalho paritária que viria a se constituir como o “núcleo político da Comissão organizadora da 2ª CNSPI”88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coletânea de Documentos sobre Saúde Indígena no Brasil. São Paulo: Biblioteca da USP; 2001.. A partir do I Fórum, a ideia de paridade na representação se fez presente nas mais diversas instâncias e momentos de discussão institucional, sendo a força motriz das pré-conferências municipais, estaduais, macrorregionais e nacional, passando pela composição dos NISI e dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena.

A centralidade da participação indígena passou a ser tão destacada que o próprio nome da Conferência de Saúde foi modificado a pedido de Pedro Sales, liderança do povo Kaingang, conforme relatado por Varga no Dossiê. Assim, a segunda conferência foi denominada Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas. No lugar do termo genérico e homogeneizante “índio”, entrou a expressão “povos indígenas” que, conforme argumentado, “explicita e ressalta toda essa pluralidade e seus coletivos”. A expressão “Proteção à saúde”, que aludia “ao caráter paternalista e assistencialista da tutela”, deu lugar ao termo “saúde”. O pronome “do” foi substituído pela preposição “para”, “uma vez que a iniciativa de convocação e promoção da 2ª CNSPI não foi dos índios, e sim do Ministério da Saúde”.

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  • Financiamento

    Agradecemos ao CNPq pela bolsa de doutorado e ao financiamento da Wellcome Trust (projeto no 203486/Z/16/Z).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    Dez 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2023
  • Aceito
    29 Fev 2024
  • Publicado
    26 Abr 2024
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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