Estereótipos raciais e atratividade física facial: explorando suas implicações nas avaliações morais em saúde

Eleonora Vaccarezza Santos Marcos Emanoel Pereira Sobre os autores

Resumo

Neste estudo com 333 participantes, investigamos como estereótipos raciais e atratividade facial impactam as avaliações morais na área de saúde. Utilizamos imagens de rostos com diferentes níveis de atratividade em cenários de dilemas morais, realizando análises estatísticas, como ANOVA e ANCOVA, para examinar essas interações complexas. Descobrimos que a atratividade física influencia positivamente as avaliações morais apenas em cenários de baixo conflito moral, não se aplicando a situações de alto conflito ou impessoais. A relação entre a cor da pele autodeclarada e o sexo dos participantes só se confirmou em um cenário específico, destacando a complexidade dessas influências. As hipóteses três e quatro, que sugeriam que as identidades racial e moral dos participantes suprimiriam os efeitos dos estereótipos raciais e da atratividade facial, não foram confirmadas. Entretanto, observou-se que o perfil étnico dos rostos, junto com a motivação dos participantes para controlar preconceitos, influenciou positivamente as avaliações morais. Esses resultados são interpretados à luz de teorias sobre atração interpessoal, julgamento moral e relações intergrupais, fornecendo insights importantes para as complexas dinâmicas que moldam as avaliações morais na área da saúde.

Palavras-chave:
Atratividade Física Facial; Estereótipos Raciais; Julgamento Moral; Saúde

Introdução

Este artigo apresenta os resultados de um estudo que buscou examinar, de forma inédita, a influência mútua da atratividade física facial e dos estereótipos raciais na realização de tarefas de julgamento moral, particularmente em relação a indivíduos de diferentes grupos étnicos no contexto brasileiro. O estudo investigou os fatores que podem determinar a atração interpessoal, considerando a interação desses fatores com elementos que prejudicam o estabelecimento de relacionamentos e contribuem para o comportamento de julgamento moral em relação a um indivíduo ou grupo, considerando diferentes cenários, como o exemplo dos contextos de saúde11 Dion K, Berscheid E, Walster E. What is beautiful is good. J Pers Soc Psychol 1972; 24:285-290..

A atração interpessoal e a atratividade física são conceitos fundamentais na interação social, desempenhando papéis cruciais em diversos aspectos da vida, incluindo saúde22 Lee-Manoel CL, Morais MLS, Bussab VSR, Otta E. Quem é bom (e eu gosto) é bonito: efeitos da familiaridade na percepção de atratividade física em pré-escolares. Psicol Reflexao Critica 2002; 15(2):271-782.. Historicamente, o estudo da atratividade física facial esteve frequentemente associado ao “efeito halo” - a tendência de atribuir características positivas, como inteligência e sucesso, a pessoas consideradas atraentes33 Eagjy AH, Makhijani MG, Ashmore RD, Longo LC. What Is Beautiful Is Good, But: A Meta-Anatytic Review of Research on the Physical Attractiveness Etereotype. Psychol Bull 1991; L10(1):109-128.. No entanto, pesquisas recentes têm revelado resultados distintos e complexos, destacando influências como contexto social44 Hill SE, Buss DM. The mere presence of opposite-sex others on judgments of sexual and romantic desirability: opposite effects for men and women. Pers Soc Psychol Bull 2008; 34(5):635-647., afeto e familiaridade22 Lee-Manoel CL, Morais MLS, Bussab VSR, Otta E. Quem é bom (e eu gosto) é bonito: efeitos da familiaridade na percepção de atratividade física em pré-escolares. Psicol Reflexao Critica 2002; 15(2):271-782. na percepção da atratividade física.

Ao abordar a relação entre estereótipos raciais e atratividade física facial, esta pesquisa também reconhece que as informações sobre um alvo muitas vezes são simplificadas com base apenas em características físicas, e como isso pode impactar o julgamento moral55 Perrette DI, May KA, Yoshikawa S. Facial shape and judgments of female attractiveness. Nature 1994; 368:239-242.. A cognição moral, baseada em estudos recentes, envolve regras morais, respostas emocionais e avaliação de custos e benefícios. O julgamento moral, parte desse processo, ocorre ao avaliar ações ou decisões de um indivíduo66 Bartels DM, Bauman CW, Cushman FA, Pizarro DA, McGraw AP. Moral judgment and decision making. In: American Psychological Association (APA). APA handbook of personality and social psychology. Vol. 2: Moral development and socialization. Washington, D.C.: APA; 2015. p. 389-419.,77 Kohlberg L. Estadios morales y moralización: El enfoque cognitivo-evolutivo. In: Turiel E, Enesco L, Linaza J, organizadores. El mundo social en la mente infantil. Madrid: Alianza Editorial; 1987.. Este estudo explora como fatores como atratividade facial e estereótipos raciais afetam as respostas morais.

Desta forma, este artigo tem como objetivo principal apresentar os resultados de uma pesquisa que, por meio de abordagem experimental, lança luz sobre a relação entre atratividade física facial, estereótipos raciais e julgamento moral em cenários variados, com foco especial nos dilemas morais de saúde. Com isso, busca-se não apenas explorar territórios pouco investigados, mas também fornecer possíveis insights para compreender as complexidades das interações humanas em contextos cruciais de tomada de decisão moral.

Método

Este estudo de caráter experimental tem como objetivo investigar a influência dos estereótipos raciais e do grau de atratividade física facial no julgamento moral. A pesquisa visa identificar se esses fatores influenciam a avaliação da conduta moral de alvos com diferentes perfis étnicos e níveis de atratividade física. Além disso, busca-se: (a) verificar a influência mútua dos estereótipos raciais e da atratividade física facial na atribuição de conduta moral aos alvos; (b) identificar os contextos psicossociais em que ocorre a associação entre estereótipos raciais e atratividade física facial na avaliação da conduta moral; (c) determinar em quais contextos psicossociais essa associação resulta em níveis mais elevados de avaliação da conduta moral; e (d) avaliar um modelo explicativo que considere o preconceito racial, atratividade física e contexto psicossocial como preditores da avaliação da conduta moral de alvos com diferentes pertenças étnicas e graus de atratividade física, contextualizado com o contexto de saúde.

Participantes

A pesquisa contou com 333 participantes, residentes no Brasil, cujos resultados foram validados, e o acesso ao site da pesquisa foi feito por um total de 454 pessoas, representando uma taxa de participação efetiva de 73,35% dos participantes validados.

Instrumentos e materiais

Para coletar os dados, foi criado um questionário on-line na plataforma Ef-survey. Três fotografias avaliadas previamente como medianamente atrativas ou muito atrativas foram selecionadas para compor os três Cenários de Dilemas Morais, com cor de pele validada como parda. As imagens foram manipuladas digitalmente no software Facegen Modeller v.3.0, gerando oito imagens com variações no perfil étnico (africanizado ou europeizado) e no grau de atratividade física. Um parâmetro de 4,0 foi usado para ajustar a africanização ou europeização das imagens, e 3,0 para aumentar ou reduzir a atratividade física. Assim, foram geradas oito imagens, incluindo faces masculinas e femininas em ambos os perfis étnicos. Essas imagens formaram 16 composições ilustrando os três Cenários de Dilemas Morais (Passarela, Transplante e Carteira Perdida) e expostas na Figura 1. O software Photoshop CC foi usado para adicionar características específicas para cada cenário e roupas nos personagens. A inserção de personagens masculinos e femininos foi feita somente no cenário da Carteira Perdida para controlar o efeito do sexo. Esse processo criou contextos visuais adequados para cada cenário de dilema moral, considerando as questões de saúde e beleza, especialmente no cenário do Transplante.

Figura 1
Modelos com características étnicas africanas e europeias ajustados em relação à sua atratividade facial e personalização de acordo com o contexto dilemático.

Este estudo utilizou histórias de dilemas morais adaptadas de Greene et al.88 Greene JD, Morelli SA, Lowenberg K, Nystrom LE, Cohen JD. Cognitive load selectively interferes with utilitarian moral judgment. Cognition 2008; 107(3):1144-1154., classificadas em duas categorias principais: utilitárias e não utilitárias, com subconjuntos de dilemas pessoais de alto e baixo conflito, além de dilemas morais impessoais. Três dilemas foram escolhidos: Passarela: W. encontrou um vagão descontrolado prestes a atingir cinco operários. Para salvar suas vidas, empurrou um estranho corpulento da passarela, ciente de que o estranho morreria para salvar os operários, com um índice de julgamentos utilitários de 12%; Transplante: L., médica, ao encontrar cinco pacientes à beira da morte, optou por salvar suas vidas com transplante de órgãos, para isso sacrificou um doador saudável, com 21% de julgamentos utilitários; e Carteira Perdida: C. encontrou uma carteira com dinheiro pertencente a uma pessoa rica. Tentado pela dificuldade financeira, pensou em devolver a carteira sem o dinheiro para quitar suas dívidas, com 16% de julgamentos utilitários. Além das histórias dos dilemas, as participantes também foram convidadas a responder à versão brasileira de três escalas psicossociais. A primeira escala foi a Escala de Identidade Moral, validada para o contexto brasileiro por Resende e Porto99 Resende LM, Porto JB. Identidade moral e julgamentos morais em situações de dilema moral. Estud Pesq Psicol 2017; 17(3):870-889., que avalia características relacionadas à identidade moral. A segunda escala foi a Escala de Identificação Racial, adaptada e validada para o contexto brasileiro, que avalia o grau de identificação racial e a atitude em relação ao grupo racial autodeclarado1010 Poterotto JJ, Wise SL. Development and validation of the Multigroup Ethnic Identity Measure (MEIM) within an adolescent population. J Applied Measurement 1987; 1(1):51-64.. A terceira escala foi a Escala de Motivação Interna e Externa para o Controle do Preconceito, que avalia a motivação interna e externa para controlar o preconceito1111 Dunton BC, Fazio RH. An individual difference measure of motivation to control prejudiced reactions. Pers Soc Psychol Bull 1997; 23(3):316-326. e traduzida e modificada para o português por Palma e Maroco1212 Palma T, Maroco J. Escalas de motivação interna e motivação externa para responder sem preconceito: Estudo de validação cruzada da versão portuguesa. Psicol Saude Doencas 2009; 10(2):267-275..

Além disso, foram coletados dados sociodemográficos das participantes, como sexo, idade, escolaridade, cor da pele, cidade de residência, orientação sexual, estado civil, religião e grau de religiosidade, a fim de caracterizar melhor o grupo participante do estudo.

Procedimentos de coleta e análise de dados

A coleta de dados ocorreu de maio a julho de 2020, através da divulgação do link da pesquisa em mídias sociais e e-mail da primeira autora. As participantes avaliaram imagens em três cenários de dilemas morais e responderam perguntas sobre essas situações. Os dados foram analisados para entender as relações entre etnia, atratividade, julgamento moral e fatores psicológicos usando análises estatísticas, incluindo ANOVA e ANCOVA. Os softwares SPSS e JASP foram usados para as análises. Os resultados são detalhados nas próximas seções.

Resultados e discussões

A amostra do estudo foi efetivamente composta por 333 pessoas residentes no Brasil, entre as participantes, 73,04% eram mulheres, e 26,96% eram homens. Quanto à etnia, 35,11% se identificaram como brancos, 25,07% como pretos e 39,81% como pardos. Em relação à orientação sexual, 78,61% eram heterossexuais, 2,11% lésbicas, 8,43% bissexuais e 6,93% gays. Sobre religião, 62,09% afirmaram seguir alguma crença religiosa, enquanto 37,61% se disseram sem religião. A idade variou de 18 a 80 anos, com média de 36 anos e sete meses, e DP=12,3 anos. A distribuição aleatória dos participantes ficou assim: (a) 165 participantes com imagens de homens de perfil europeizado; (b) 167 com imagens de homens de perfil africanizado no cenário da Passarela (baixo conflito); (c) 185 com imagens de mulheres de perfil europeizado; (d) 147 com imagens de mulheres de perfil africanizado no cenário do Transplante (alto conflito); (e) 177 com imagens de rostos de perfil europeizado; e (f) 155 com imagens de rostos de perfil africanizado no cenário da Carteira Perdida.

Esta seção apresenta os resultados obtidos durante as análises dos dados gerados pela pesquisa intitulada “Formação de Impressão”. Na qual foram testadas quatro hipóteses. Estes resultados são apresentados nas sessões seguintes, seguindo a ordem em que procedemos o teste das hipóteses do referido estudo.

Resultados e discussão do teste da hipótese (H1)

Aqui serão apresentados os resultados obtidos através do teste da hipótese de que, em termos de julgamento da tomada de decisão moral, as respostas seguirão a seguinte ordem:

Faces com perfil étnico europeizado e grau de atratividade física aumentado terão maior concordância na avaliação da tomada de decisão moral do que faces com perfil étnico europeizado e grau de atratividade física reduzido, assim como faces com perfil étnico africanizado e grau de atratividade física aumentado terão maior concordância na avaliação da tomada de decisão moral do que faces com perfil étnico africanizado e grau de atratividade física reduzido.

Na análise estatística deste estudo, foi realizada uma ANOVA de medidas repetidas para investigar o impacto da apresentação das faces nas respostas de avaliação da tomada de decisão moral. Os resultados revelaram um efeito estatisticamente significativo da apresentação das faces sobre as respostas dos participantes (F (1,321)=29,450; p<,001; ῃ2=0,084). Isso indica que a forma como as faces foram apresentadas teve um impacto mensurável nas avaliações morais dos participantes.

Além disso, a análise identificou um efeito principal da interação entre o perfil étnico da face e o grau de atratividade física manipulado (F (1,321)=4,799; p<,029; ῃ2=0,013), sugerindo que esses dois fatores interagem de maneira a afetar as avaliações morais.

Os resultados específicos mostraram que a média de avaliação da tomada de decisão moral foi maior quando as participantes foram expostas a uma face de homem de perfil étnico europeizado e grau de atratividade física reduzido, em comparação com as faces de homem de perfil étnico europeizado e grau de atratividade física aumentado. Essas diferenças são ilustradas no gráfico apresentado na Figura 2.

Figura 2
Gráfico contendo médias da avaliação da tomada de decisão moral atribuídas aos personagens com perfil étnico africanizado e europeizado com grau de atratividade física facial reduzido e aumentado, na condição de resposta ao alvo (outro) e a própria participante, no cenário do dilema moral da Passarela.

Esses achados sugerem que as participantes foram mais tolerantes ao julgarem moralmente positivamente a ação de tirar a vida quando o alvo que realizou a tomada de decisão moral não era fisicamente atraente ou não possuía a mesma etnia que elas. Esta descoberta é coerente com a literatura sobre o dilema moral da Passarela, é comum observar uma forte tendência dos participantes em julgar a ação por recompensas como moralmente corretas. Isso é conhecido como “efeito satisfatório”, que é a ideia de que sacrificar uma vida para salvar outras é moralmente aceitável em situações extremas1313 Cushman F, Greene JD. Finding faults: How moral dilemmas illuminate cognitive structure. Soc Neurosci 2012; 7(3):269-279.,1414 Greene JD, Sommerville RB, Nystrom LE, Darley JM, Cohen JD. An FMRI investigation of emotional engagement in moral judgment. Science 2001; 293(5537):2105-2108.. Além disso, estudos mostraram que características físicas da vítima e do salvador podem influenciar a tomada de decisão moral dos participantes. Por exemplo, um estudo de Greene et al.1515 Greene JD, Morelli SA, Lowenberg K, Nystrom LE, Cohen JD. Cognitive load selectively interferes with utilitarian moral judgment. Cognition 2008; 107(3):1144-1154. mostrou que a ativação da região pré-frontal dorsolateral do cérebro, associada ao pensamento lógico, foi maior quando os participantes viram fotos de vítimas atraentes em comparação com vítimas menos atrativas.

Vale destacar que a literatura sobre dilemas morais tem demonstrado a influência de fatores como emoção, intuição, aspectos cognitivos e culturais no julgamento moral1616 Cushman FA, Young L, Greene JD. Our multi-system moral psychology: Towards a consensus view. In: Decety J, Cacioppo J, editors. The Oxford Handbook of Social Neuroscience. Oxford: Oxford University Press; 2010. p. 575-590.. Estudos também indicam que a aparência física desempenha um papel importante na forma como as pessoas avaliam a moralidade das ações1717 Gray K, Wegner DM. The sting of intentional pain: When motive matters in the experience of hurt. Pers Soc Psychol Bull 2008; 34(6):732-745..

No entanto, é importante ressaltar que os resultados da ANOVA de medidas repetidas no cenário do dilema moral do transplante não apresentaram diferenças significativas entre o percentual de julgamento moral da imagem apresentada e o percentual de julgamento moral da própria respondente. Isso sugere que, neste cenário específico, as variações na apresentação das faces não afetaram significativamente as avaliações morais das participantes. Os resultados deste estudo não mostraram uma tendência significativa de julgamento moral do respondente em relação a si mesmo ou ao alvo em um cenário de dilema moral (F (1,321)=1,955; p=,163; ῃ2=7,316x10-4). No entanto, as médias indicaram uma possível tendência de julgamento menos moral da situação como um todo. Essa falta de efeito pode ser influenciada por diversos fatores, incluindo o tipo de dilema apresentado e a complexidade da situação. Quanto ao tipo de dilema em questão (do Transplante), pesquisas anteriores sugerem que diferentes tipos de dilemas podem gerar respostas e julgamentos morais distintos, dependendo se envolvem conflitos entre valores pessoais e sociais ou entre igualdade e tutela. A complexidade e ambiguidade dos dilemas também podem afetar o processamento da informação e as decisões morais das pessoas77 Kohlberg L. Estadios morales y moralización: El enfoque cognitivo-evolutivo. In: Turiel E, Enesco L, Linaza J, organizadores. El mundo social en la mente infantil. Madrid: Alianza Editorial; 1987.. Além disso, a emoção, a intuição e fatores culturais desempenham um papel na avaliação dos dilemas morais1818 Haidt J. The emotional dog and its rational tail: a social intuitionist approach to moral judgment. Psychol Rev 2001; 108(4):814.,1919 Koenigs M, Young L, Adolphs R, Tranel D, Cushman F, Hauser M. Damage to the prefrontal cortex increases utilitarian moral judgements. Nature 2007; 446(7138):908-911..

No que diz respeito ao dilema impessoal da Carteira Perdida, os resultados também não indicaram efeitos significativos das variáveis manipuladas (atratividade física facial, perfil étnico e sexo da face) na avaliação da tomada de decisão moral. Embora estudos prévios tenham sugerido a influência desses fatores na avaliação social e moral2020 Navarrete CD, McDonald MM, Molina LE, Sidanius J. Prejudice at the nexus of race and gender: An outgroup male target hypothesis. J Pers Soc Psychol 2012; 102(4):689-703.,2121 Wunderlich AC, Job V. A new approach to the conceptualization and measurement of moral flexibility Pers Soc Psychol Rev 2020; 24(4):375-400., neste cenário específico, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas.

Resultados e discussão do teste da hipótese (H2)

Nesta seção, apresentamos os dados e discutimos os resultados do teste da hipótese de que os participantes tenderiam a atribuir maior positividade à conduta moral das faces do mesmo sexo e perfil étnico que o seu. Uma ANOVA foi executada para aferir se os fatores sexo (homem x mulher) e cor da pele autodeclarada da participante (preta x parda x branca) impactariam no julgamento da conduta moral dos alvos presentes no cenário do dilema moral da Passarela, e ela não foi significativa [F (1,308)=,881; p<,415; ῃ2=0,006]. Os resultados dessa ANOVA indicam que não houve diferença significativa no julgamento da conduta moral dos alvos presentes no cenário do dilema moral da Passarela em relação ao sexo dos participantes e à cor da pele autodeclarada.

Isso pode sugerir que o julgamento moral não é influenciado pelo sexo ou pela cor da pele autodeclarada dos participantes. No entanto, é importante lembrar que esses resultados são específicos para o cenário do dilema moral da Passarela e não necessariamente se aplicam a outras situações ou contextos. Além disso, outros fatores que não foram considerados nesta análise, como a idade ou a orientação política dos participantes, por exemplo, podem ter influenciado as estimativas morais dos alvos.

Apesar dos resultados encontrados neste estudo, é importante destacar que outros estudos têm demonstrado que o sexo e a cor da pele podem influenciar a tomada de decisão moral em outros contextos2222 Koenigs M, Young L, Adolphs R, Tranel D, Cushman F, Hauser M. Damage. to the prefrontal cortex increases utilitarian moral judgements. Nature 2007; 446(7138):908-911.,2323 Paxton JM, Ungar L, Greene JD. Reflexão e raciocínio no julgamento moral. Cien Cogn 2012; 36(1):163-177.. A cor da pele também pode influenciar a percepção de culpabilidade em processos judiciais, levando a decisões mais diversas para pessoas de cor. Alguns estudos relevantes sobre o impacto do sexo e da raça na tomada de decisões morais são Kang e Gray2424 Kang SK, Gray JR. Divergent effects of belief and disbelief in free will on moral judgments. J Pers Soc Psychol 2014; 106(4):501-513. e Plant e Peruche2525 Plant EA, Peruche BM. The consequences of race for police officers' responses to criminal suspects. Psychol Sci 2005; 16(3):180-183..

Em seguida, analisamos os mesmos fatores no cenário do dilema moral do Transplante, verificando se havia diferenças significativas no julgamento moral entre homens e mulheres de diferentes pertenças raciais. A ANOVA mostrou diferenças significativas, mas o teste de Turkey não confirmou essas diferenças de forma consistente.

Uma ANOVA foi executada para aferir se os fatores sexo (homem x mulher) e cor da pele autodeclarada da participante (preta x parda x branca) impactariam no julgamento da conduta moral dos alvos presentes no cenário do dilema moral do Transplante, e ela foi significativa [F (1,308)=3,007; p<,051; ῃ2=0,019]. Houve diferenças significativas entre homens e mulheres de diferentes pertenças raciais sobre o percentual da avaliação da tomada de decisão moral das personagens. Observando-se uma média mais elevada na condição em que as participantes mulheres autodeclaradas brancas avaliavam a tomada de decisão moral do alvo (M=2,563; DP=2,863) comparativamente aos participantes homens autodeclarados brancos (M=1,563; DP=2,047).

O resultado dessa ANOVA indica que houve uma tendência significativa de que a cor da pele autodeclarada e o sexo do participante afetaram o julgamento da conduta moral dos alvos no cenário do dilema moral do Transplante. Em particular, os resultados sugerem que as mulheres autodeclaradas brancas tendem a fazer estimativas mais positivas da tomada de decisão moral do alvo do que os homens autodeclarados brancos.

Os resultados desta pesquisa sugerem que há uma influência da identidade de gênero e cor da pele autodeclarada dos participantes no julgamento moral no cenário dilemático do Transplante (Figura 3). Estudos anteriores também encontraram efeitos semelhantes. Por exemplo, pesquisas sobre estereótipos raciais indicaram que pessoas brancas tendem a fazer estimativas mais negativas de indivíduos de grupos étnicos minoritários em relação a indivíduos brancos2626 Eberhardt JL, Goff PA, Purdie VJ, Davies PG. Seeing black: Race, crime, and visual processing. J Pers Soc Psychol 2004; 87(6):876-893.,2727 Niemiec CP, Ryan RM, Deci EL. The path taken: Consequences of attaining intrinsic and extrinsic aspirations in post-college life. J Res Pers 2010; 44(3):255-257.. Além disso, estudos têm mostrado que indivíduos brancos tendem a perceber rostos de indivíduos negros como mais ameaçadores e perigosos do que rostos de indivíduos brancos, mesmo que sejam apresentadas imagens neutras2828 Koenigs M, Kruepke M, Zeier J, Newman JP. Juízo moral utilitário na psicopatia. Neurocien Soc Cogn Afetiva 2012; 7(6):708-714..

Figura 3
Gráfico contendo médias das avaliações da conduta moral feitas pelos participantes homens e mulheres, autodeclaradas brancas, pretas e pardas aos personagens presentes no cenário de dilema pessoal de baixo conflito (Dilema do Transplante).

Em relação à identidade de gênero, estudos sugerem que as mulheres têm uma maior sensibilidade para perceberem as emoções dos outros, o que pode levar a julgamentos mais benevolentes2929 Gowda MS, Roberto AJ, Mohr JA. A model for reverse logistics entry by third-party providers. Int J Physical Distribution Logistics Manag 1997; 27(3/4):183-203.,3030 Langlois JH, Kalakanis L, Rubenstein AJ, Larson A, Hallam M, Smoot M. Maxims or myths of beauty? A meta-analytic and theoretical review. Psychol Bull 2000; 126(3):390.. Já os homens tendem a ser mais propensos a adotar uma perspectiva utilitarista em suas avaliações morais, baseando suas decisões em considerações objetivas de custo-benefício3131 Olivola CY, Funk F, Todorov A. Social attributions from faces bias human choices. Trends Cogn Sci 2014; 18(11):566-570..

Ademais, estudos sobre atratividade física facial têm mostrado que as pessoas tendem a fazer avaliações mais favoráveis de indivíduos considerados mais atraentes3232 Sacco AM. Orgulho e preconceito: O desenvolvimento de atitudes raciais implícitas e explícitas em crianças de Porto Alegre e Salvador [tese]. Rio Grande do Sul: Instituto de Psicologia Programa de Pós-Graduação em Psicologia; 2015.. No entanto, os efeitos da atratividade facial na avaliação moral são menos claros e podem depender do contexto e da cultura1818 Haidt J. The emotional dog and its rational tail: a social intuitionist approach to moral judgment. Psychol Rev 2001; 108(4):814..

Dessa forma, é possível inferir que os resultados da presente pesquisa podem ser explicados por uma combinação desses fatores, incluindo os estereótipos raciais, a sensibilidade emocional e perspectivas utilitaristas. Não obstante, é importante ressaltar que essas conclusões são apenas provisórias e dependem do contexto dilemático em que estavam inseridas as nossas participantes (no nosso caso, o dilema do Transplante), assim, estudos futuros são necessários para confirmar essas hipóteses. Nesse interim, seguimos as análises em um outro cenário, desta feita de dilema impessoal.

A ANOVA executada para aferir se a avaliação da tomada de decisão moral atribuída ao alvo sofreu influências da cor da pele autodeclarada (se branca x parda x preta) e do sexo da/o participante (homem x mulher) no cenário de dilema moral da Carteira Perdida e ela não foi significativa. Desta análise resultou em um efeito marginal em função da interação entre o sexo e a cor da pele autodeclarada pelas participantes [F (1,308)=2,634; p=,073; ῃ2=0,017], observando-se uma tendência a média mais elevada dentre o grupo de participantes homens autodeclarados pretos (M=3,550; p=,88) comparativamente ao grupo de participantes mulheres autodeclaradas pardas (M=1,880). As restantes comparações não produziram diferenças significativas. Para compreender melhor estes resultados, que realizamos o teste pós-hoc e novamente apareceu a tendência da interação entre cor da pele e sexo da participante (Figura 4).

Figura 4
Gráfico contendo médias das avaliações da conduta moral feitas pelas participantes homens e mulheres, autodeclaradas brancas, pretas e pardas aos personagens presentes no cenário de dilema impessoal (dilema da Carteira Perdida).

Alguns estudos anteriores encontraram correlações entre a cor da pele e o julgamento moral, discordando dos resultados deste estudo. Por exemplo, Fiske et al.3333 Fiske ST, Cuddy AJ, Glick P, Xu J. A model of (often mixed) stereotype content: Competence and warmth respectively follow from perceived status and competition. J Pers Soc Psychol 2002; 82(6):878-902. descobriram que rostos de indivíduos negros eram associados com maior frequência a características imorais, afetando seu tratamento em situações cotidianas. Da mesma forma, constataram que pessoas tendem a julgar indivíduos negros de forma mais severa do que indivíduos brancos em situações de julgamento moral. Em resumo, os resultados dos três cenários de dilemas morais (Passarela, Transplante e Carteira Perdida) sugerem que a influência dos estereótipos raciais na avaliação da conduta moral pode variar dependendo do contexto.

No cenário da Passarela, não houve diferença significativa na avaliação moral com base na cor da pele e sexo dos participantes, indicando que estereótipos raciais podem não ter influência nesse contexto. No cenário do Transplante, porém, houve diferenças significativas, com mulheres brancas avaliando mais positivamente a conduta moral de alvos do que homens brancos, possivelmente devido a estereótipos raciais associando “brancura” a características positivas. No cenário da carteira perdida, não houve diferenças significativas, sugerindo que a influência dos estereótipos raciais na avaliação moral pode ser mais complexa e dependente do contexto específico.

Além disso, emergiu um fenômeno relacionado à identidade e ao favoritismo endogrupal, onde participantes pretos atribuíram as maiores médias na avaliação moral a um personagem de face preta e alta atratividade física no cenário de dilema moral impessoal. Isso pode estar relacionado à identificação, atração ou repulsa em relação ao personagem, ou simpatia por características físicas específicas (raça x sexo x atratividade). No entanto, é importante ressaltar que a aparência física nem sempre se correlaciona positivamente com avaliações positivas, e os efeitos podem variar conforme o contexto cultural, social e dilemático. Esses resultados, juntamente com outras pesquisas, sugerem que a aparência física pode afetar a percepção das pessoas sobre personalidade, comportamento moral e honestidade. No entanto, é necessário observar que os efeitos da aparência física nas percepções podem variar dependendo do contexto.

Resultados do teste das hipóteses (H3) e (H4)

Neste tópico, apresentamos os resultados obtidos a partir do teste da hipótese H3, de que participantes com escore mais altos na escala de identidade racial, tenderão a considerar as ações dos personagens com perfil étnico similar ao seu como possuindo maior conduta moral, independentemente de a face apresentada estar com atratividade física diminuída ou aumentada. Para em seguir apresentarmos o teste da hipótese H4, na qual prevemos que participantes com escore mais alto na escala de identidade moral suprimirão os efeitos dos constructos mencionados nas hipóteses 1, 2 e 3.

Para testar a hipótese de que os participantes com escores mais altos na escala de identidade racial perceberiam as ações dos personagens com perfil étnico semelhante ao deles como tendo maior conduta moral, independentemente das variações na atratividade física, foi realizada uma análise de covariância (ANCOVA).

A ANCOVA foi escolhida como método estatístico para permitir o controle variável de manipulação, neste caso a atratividade física dos personagens. Dessa forma, tornou-se possível examinar a relação entre a identidade racial e a percepção moral das ações dos personagens, levando em consideração a influência potencial da atratividade física na percepção das participantes deste estudo, conforme exibe a Tabela 1.

Tabela 1
Resultados da análise de ANCOVA da resposta a pergunta referente a si próprio e ao alvo, nos três cenários de dilema moral e tendo como variantes as Escalas de: Identidade Moral (IDM), Identificação Racial (EIDR) e de Motivação Interna e Externa para Controle do Preconceito.

Na avaliação inicial, as faces com perfil étnico europeizado e grau de atratividade física reduzida apresentaram, em média, valores significativos (p=,007) apenas quando os fatores atratividade física e raça interagiam. Logo após, feito o ajuste pelas respostas à Escala de Identificação Racial, o resultado manteve-se significativo (p=,009), novamente apenas quando em interação com os fatores perfil étnico do modelo e grau de atratividade física manipulado. E mesmo após o ajuste pelas respostas a Escala de Identidade Moral, esta relação teve um efeito significativo, na avaliação. De modo geral, as faces com perfil étnico europeizado e grau de atratividade física reduzida apresentaram, em média, valores significativamente maiores do que as faces de perfil étnico africanizado e grau de atratividade física aumentado (p=,014). E esse efeito aparente da variável perfil étnico e grau de atratividade física se intensifica com o ajuste para a Escala de Motivação para Controle Interno e Externo do Preconceito das participantes. Apresenta valores significativamente maiores do que as faces de perfil étnico africanizado e grau de atratividade física aumentado (p=,009), segundo exibe a Tabela 1.

Já no cenário de dilema pessoal de alto conflito (Dilema do Transplante), esta avaliação não se processa da mesma maneira, aqui não há médias estatisticamente significativas iniciais, (p=,709). E mesmo após o ajuste pelas respostas a Escala de Identidade Moral, esta relação não teve um efeito significativo, na avaliação (p=,278). Logo após, feito o ajuste pelas respostas à Escala de Identificação Racial, o resultado não apresentou um valor significativo, (p=,713). Por fim, foi feito o ajuste pelas respostas à Escala de Motivação para Controle Interno e Externo do Preconceito e o resultado permaneceu sem nenhuma alteração (p=,678). Vale ressaltar que neste dilema havia apenas imagens de mulheres enquanto no primeiro utilizou-se imagens apenas de homens.

Contudo, observamos que no cenário de dilema impessoal houve um outro fluxo de resultados. Na avaliação inicial, as faces de homens e com grau de atratividade física aumentado apresentaram, em média, valores significativos maiores do que as faces de homens e mulheres e com grau de atratividade física reduzido (AFF) (p=,005). E este padrão se manteve mesmo após o ajuste pelas respostas à Escala de Identidade Moral (p=,006). Logo após, feito o ajuste pelas respostas à Escala de Identificação Racial, o resultado apresentou maior significância estatística da diferença na avaliação da conduta moral dos alvos com grau de atratividade física reduzido muito abaixo da média de respostas atribuídas à conduta moral dos personagens homens e com grau de atratividade física aumentado (p=,003). Por fim, realizamos o ajuste pelas respostas à Escala de Motivação para Controle Interno e Externo do Preconceito e o resultado permaneceu sem nenhuma alteração (p=,010) e a interação entre o sexo e o grau de atratividade física manipulado manteve-se com o mesmo padrão de avaliações. Esses resultados podem ser visualizados na Tabela 1.

Supomos que participantes com escore mais alto na escala de identidade moral ponderariam as ações dos personagens com perfil étnico similar ao seu como possuindo maior conduta moral, independentemente de a face apresentada estar com atratividade física diminuída ou aumentada. E que, por fim, considerando as pesquisas anteriormente apresentadas que utilizam o conceito de identidade moral. Prevemos que participantes com escore mais altos na escala de identidade moral suprimirão os efeitos dos constructos mencionados nas hipóteses 1, 2 e 3. Também buscamos um modelo explicativo para a avaliação da conduta moral atribuída a alvos de diferentes pertenças étnicas e variados graus de atratividade física facial, tendo o preconceito racial, a atratividade física e o contexto psicossocial como preditores.

Em relação aos resultados específicos, os achados sugerem que no cenário de dilema moral pessoal de baixo conflito (Dilema da Passarela), as faces com perfil étnico europeizado e grau de atratividade física reduzido, tiveram avaliações como possuindo maior conduta moral do que as faces de perfil étnico africanizado e grau de atratividade física aumentado. Esses resultados foram encontrados mesmo após o ajuste pelas respostas à Escala de Identidade Moral e Escala de Identificação Racial. Esses achados estão em linha com estudos anteriores que encontraram que as pessoas tendem a atribuir características morais positivas a indivíduos atraentes e com características físicas que correspondem às normas dominantes da sociedade11 Dion K, Berscheid E, Walster E. What is beautiful is good. J Pers Soc Psychol 1972; 24:285-290.,33 Eagjy AH, Makhijani MG, Ashmore RD, Longo LC. What Is Beautiful Is Good, But: A Meta-Anatytic Review of Research on the Physical Attractiveness Etereotype. Psychol Bull 1991; L10(1):109-128.,3434 Crandall CS, Eshleman A. A justification-suppression model of the expression and experience of prejudice. Psychol Bull 2003; 129(3):414-446..

No cenário de dilema pessoal de alto conflito (Dilema do Transplante), os resultados não indicaram nenhuma diferença significativa na avaliação da conduta moral dos alvos, sugerindo que a aparência física não teve um papel relevante nesse contexto. Já no cenário de dilema impessoal, a aparência física parece ter influenciado a avaliação da conduta moral dos personagens, indicando que a aparência física pode ter um papel diferente dependendo do contexto em que ocorre. É possível que no cenário de dilema pessoal de alto conflito (Dilema do Transplante) existiram outros atravessamentos refletidos na avaliação da conduta moral dos personagens, que não necessariamente tinha a ver com as referidas variáveis que foram manipuladas neste estudo. Esse resultado está em linha com estudos anteriores que mostram que as pessoas podem ser menos propensas a exibir preconceitos em situações que envolvem decisões morais pessoais3535 Dion KL. Physical attractiveness and evaluations of children's transgressions. J Applied Soc Psychol 2002; 32(1):86-103..

Esses resultados encontrados nesse estudo convergem com a literatura que destaca a influência da aparência física no julgamento moral. As pesquisas anteriores mostram que a aparência física é um fator importante que pode influenciar o preconceito e o reconhecimento de um determinado indivíduo3636 Fiske ST. Varieties of (de)humanization: Divided by competition and status In Objectification and (de)humanization. New York: Springer New York; 2013. p. 53-71.. A aparência física pode ser utilizada como um indicador da raça ou etnia dos indivíduos, o que pode levar a estereótipos e preconceitos3737 Eberhardt JL, Davies PG, Purdie-Vaughns VJ, Johnson SL. Looking deathworthy: Perceived stereotypicality of Black defendants predicts capital-sentencing outcomes. Psychol Sci 2006; 17(5):383-386.,3838 Paim LR. A aparência racializada: Percepções e experiências de mulheres negras sobre seu corpo. Rev Genero 2017; 17(1):89-110.. Estudos também demonstram que as pessoas tendem a atribuir características morais positivas a indivíduos que são considerados atraentes11 Dion K, Berscheid E, Walster E. What is beautiful is good. J Pers Soc Psychol 1972; 24:285-290.,22 Lee-Manoel CL, Morais MLS, Bussab VSR, Otta E. Quem é bom (e eu gosto) é bonito: efeitos da familiaridade na percepção de atratividade física em pré-escolares. Psicol Reflexao Critica 2002; 15(2):271-782..

Os resultados do estudo em questão sugerem que a aparência física, em particular a atratividade facial e o perfil étnico, podem afetar a avaliação moral das pessoas em situações específicas. A literatura brasileira e internacional tem apontado que os estereótipos relacionados à raça e aparência física podem afetar o comportamento e o julgamento moral das pessoas3939 Dovidio JF, Gaertner SL. Intergroup bias. In: Fiske ST, Gilbert DT, Lindzey G, editors. Handbook of social psychology. Vol 2. 5ª ed. Hoboken: Wiley; 2010. p. 1084-1121.,4040 Monteiro MB. Preconceito, estereótipo e discriminação: Interfaces com a Psicologia Social. In: Castro RN, Pereira MSR, Monteiro MB, editores. Psicologia social contemporânea: Livro-texto. São Paulo: Pioneira Thomson Learning; 2013. p. 236-259..

Conclusões

Neste estudo, foi testada a influência mútua dos estereótipos raciais e da atratividade física facial na avaliação da conduta moral. Foram realizadas tarefas de julgamento moral com alvos de diferentes perfis étnicos e com graus de atratividade física aumentados ou diminuídos, em diferentes tipos de dilemas morais. Os resultados encontrados foram diferentes do que a literatura já havia demonstrado sobre os efeitos positivos da atratividade física facial no julgamento da conduta moral.

O estudo revelou que a face europeizada e com grau de atratividade física reduzido foi a mais suscetível a uma maior avaliação da conduta moral, o que contraria o efeito do estereótipo da beleza no julgamento moral. Isso pode ser atribuído à flexibilidade moral e à ideologia do branqueamento presente no Brasil, que associa características de nobreza e bondade à cor da pele branca. Além disso, a interação entre estereótipos raciais e atratividade física facial afetou principalmente a avaliação da conduta moral atribuída ao alvo, não tendo o mesmo efeito quando os participantes autoavaliaram sua própria conduta moral hipotética.

Os resultados também indicaram que a associação entre estereótipos raciais e atratividade física facial na avaliação da conduta moral ocorreu principalmente nos cenários de dilema moral pessoal de baixo conflito e dilema moral impessoal, mas não no cenário de dilema moral de alto conflito, refletido no dilema do Transplante. Além disso, a cor de pele autodeclarada e o sexo das participantes também influenciaram a avaliação da conduta moral em diferentes contextos. No cenário do dilema pessoal de baixo conflito e impessoal, as participantes tenderam a atribuir maior positividade à conduta moral das faces que apresentavam o mesmo sexo e perfil étnico que o delas. No cenário da “carteira perdida”, houve um padrão que associou a brancura ao sucesso social e a negritude ao contrário disso.

Os resultados do estudo indicam que as decisões sobre a avaliação moral não são inicialmente racionais, mas são posteriormente justificadas. Estereótipos raciais e de beleza podem ser ativados antes da análise racional de dilemas morais. Além disso, a identidade racial e a motivação para controlar o preconceito influenciam a avaliação moral. Os achados apontam para uma dinâmica social complexa envolvendo estereótipos, atratividade facial e julgamento moral, destacando a necessidade de investigação em diversos contextos e metodologias. Vale ressaltar que a utilização de modelos virtuais, devido às limitações dos recursos de software durante a pesquisa, pode impactar a interpretação dos resultados, especialmente no contexto da atratividade física, e isso constitui uma limitação em representar completamente a experiência real em contextos de saúde e vida social.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia pelo financiamento integral da pesquisa que compõem este artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Fev 2024

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2023
  • Aceito
    28 Dez 2023
  • Publicado
    02 Jan 2024
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br