Prevenção, detecção e assistência à deficiência em serviços de atenção primária à saúde do Estado de São Paulo, Brasil

Thais Fernanda Tortorelli Zarili Elen Rose Lodeiro Castanheira Luceime Olivia Nunes Carolina Siqueira Mendonça Caroline Eliane Couto Sinara Laurini Rossato Maria Ines Baptistella Nemes Sobre os autores

Resumo

O objetivo do trabalho consiste em avaliar o desempenho de serviços de atenção primária à saúde (APS) do estado de São Paulo para prevenção, detecção e assistência à deficiência. Realizou-se uma pesquisa avaliativa em 2.739 serviços de saúde em 514 municípios com 128 indicadores da qualidade organizacional do instrumento QualiAB referentes à dimensão avaliativa “Atenção à deficiência em serviços de atenção primária à saúde”. Foram utilizadas medidas de desempenho e associações entre os escores de cada domínio e variáveis independentes sobre planejamento, avaliação em saúde e rede de apoio, por meio de regressão linear múltipla. O percentual de desempenho para a dimensão foi de 61,6%, para o domínio estrutura (insumos e recursos humanos), 73,6%, para qualificação da atenção ao pré-natal, 68,7%, qualificação da atenção à saúde da criança, 56,1%, prevenção de incapacidades relacionadas a condições crônicas, 55,8%, e atenção à pessoa com deficiência e ao cuidador, 53,9%. Houve associação significativa com variáveis relacionadas ao tipo de serviço e de participação em avaliações de serviços. Os serviços de APS ainda realizam ações incipientes para prevenção, vigilância e diagnóstico das deficiências, assim como para a atenção integral a pessoas com deficiência.

Palavras-chave:
Avaliação em saúde; Atenção primária à saúde; Serviços de saúde; Pessoas com deficiência

Introdução

O cuidado ofertado a pessoas com deficiência (PcD) compreende a integração de políticas transetoriais de atenção à saúde com ações comunitárias que permeiem a atenção realizada no cotidiano das práticas dos serviços de saúde11 Paim JS. Modelos de atenção à saúde no Brasil. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 547-73.,22 Martins JA, Barsaglini RA. Aspectos da identidade na experiência da deficiência física: Interface (Botucatu) 2011; 15(36):109-121.. O sistema de saúde deve abranger a proteção, a prevenção e o controle das doenças e agravos à saúde, bem como a promoção da saúde33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria Executiva Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Programação Anual de Saúde [Internet]. 2018. [acessado 2019 ago 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/programacao_anual_saude_PAS_2019.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
.

A deficiência reduz as capacidades de integração social, com necessidade de adaptações para desempenho de funções ou atividades44 Teixeira AM, Guimaraes L. Vida revirada: deficiência adquirida na fase adulta produtiva. Rev Mal-Estar Subj 2006; 6(1):182-200.. A deficiência física, mental e/ou sensorial repercute de forma negativa no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) do indivíduo. Contudo, sabe-se que de 70% a 80% das condições de deficiência podem ser evitadas ou minimizadas55 Brasil. Ministério da Justiça (MJ). Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Relatório sobre a prevalência de deficiências, incapacidades e desvantagens: Sistematização dos estudos realizados em 21 cidades brasileiras, com a Metodologia de Entrevistas Domiciliares da Organização Pan-americana de Saúde - OPS [Internet]. 2004. [acessado 2019 ago 10]. Disponível em: http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/docs/relatorio_sobre_a_prevalencia_de_deficiencias_-_sicorde.pdf
http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/do...
.

No Brasil, a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPcD) foi instituída pela Portaria nº 793, de 24 de abril de 2012, e tem a atenção primária à saúde (APS) como eixo organizador da rede de atenção, que deve desenvolver ações de prevenção, promoção e identificação precoce de deficiências nas fases pré, peri e pós-natal, infância, adolescência e vida adulta, atenção integral à PcD e proporcionar acesso aos serviços de nível secundário e terciário para promoção da autonomia55 Brasil. Ministério da Justiça (MJ). Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Relatório sobre a prevalência de deficiências, incapacidades e desvantagens: Sistematização dos estudos realizados em 21 cidades brasileiras, com a Metodologia de Entrevistas Domiciliares da Organização Pan-americana de Saúde - OPS [Internet]. 2004. [acessado 2019 ago 10]. Disponível em: http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/docs/relatorio_sobre_a_prevalencia_de_deficiencias_-_sicorde.pdf
http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/do...

6 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 793, de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2012; 24 abr.

7 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência [Internet]. 2010. [acessado 2017 dez 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_pessoa_com_deficiencia.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
-88 Othero MB, Dalmaso ASW. Pessoas com deficiência na atenção primária: discurso e prática de profissionais em um centro de saúde-escola. Interface (Botucatu) 2009; 13(28):177-188..

Redirecionando essa temática para o escopo das pesquisas voltadas ao campo da gestão e avaliação de serviços, objetiva-se investigar como diferentes condições reconhecidas como deficiência vêm sendo abordadas pelos serviços de APS. Interroga-se se há uma organização de estruturas e processos que reconhecem as especificidades do cuidado a essa população e as estratégias de prevenção e diagnóstico necessárias a uma atenção integral nos limites da APS e a partir desse nível de atenção para um trabalho em rede.

Não há instrumentos de avaliação de serviços de APS específicos que abrangem ações de prevenção, detecção e assistência a condições de deficiência na APS. A literatura demonstra que há maior diversidade de artigos científicos que apresentam estudos de casos sobre práticas exercidas em serviços locais ou regionais88 Othero MB, Dalmaso ASW. Pessoas com deficiência na atenção primária: discurso e prática de profissionais em um centro de saúde-escola. Interface (Botucatu) 2009; 13(28):177-188.. Contudo, o campo da avaliação da APS dispõe de diversos instrumentos aplicados e validados que possibilitam avançar nessa temática.

Diante do exposto, cabe questionar se as diretrizes políticas definidas para a atenção à deficiência em serviços de APS vêm se traduzindo efetivamente na organização das ações desses serviços. O objetivo do presente estudo é avaliar o desempenho de serviços de APS do estado de São Paulo para prevenção, detecção e assistência à deficiência.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa avaliativa transversal que utilizou dados obtidos pela aplicação do Questionário de Avaliação da Qualidade de Serviços de Atenção Básica (QualiAB)99 Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: UNESP-FM; 2016. entre 2017 e 2018 no estado de São Paulo, com apoio da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, por meio do parecer nº 2.425.176, em 8 de dezembro de 2017.

Utilizou-se uma matriz avaliativa construída a partir do questionário QualiAB99 Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: UNESP-FM; 2016. com base na formulação de um modelo avaliativo proposto por Zarili1010 Zarili TFT. Desenvolvimento de um modelo de avaliação da atenção à deficiência em serviços de atenção primária à saúde [tese]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho; 2020. com uso de indicadores de qualidade organizacional dos serviços de APS.

O instrumento QualiAB99 Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: UNESP-FM; 2016. está disponível online no link https://abasica.fmb.unesp.br/ e no Caderno de Boas Práticas99 Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: UNESP-FM; 2016. que explicita os critérios, padrões e indicadores utilizados, sendo respondido pelos gerentes dos serviços por adesão voluntária e com enfoque na organização do processo de trabalho da APS, incluindo questões vinculadas à gestão municipal, à gerência local e a diferentes componentes da atenção à saúde na APS99 Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: UNESP-FM; 2016..

Houve a seleção de 128 variáveis do QualiAB que foram categorizadas como indicadores da dimensão avaliativa Atenção à deficiência em serviços de atenção primária à saúde, os quais são distribuídos em cinco domínios de análise: 1) estrutura; 2) atenção ao pré-natal; 3) atenção à saúde da criança; 4) prevenção de incapacidades em agravos e doenças crônicas; e 5) atenção à pessoa com deficiência e ao cuidador.

Os indicadores de organização do trabalho com vistas à prevenção da deficiência e diagnóstico precoce que compõem os domínios “atenção ao pré-natal’, “atenção à saúde da criança” e “prevenção de incapacidades em agravos e doenças crônicas” são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Indicadores do QualiAB com enfoque em prevenção da deficiência e diagnóstico precoce por domínio da dimensão Atenção à Deficiência em Serviços de Atenção Primária à Saúde.

O domínio “atenção ao pré-natal” se refere às ações estratégicas de prevenção de deficiência no feto durante a gestação, no recém-nascido (RN) ao longo do trabalho de parto e no puerpério. O domínio “atenção à saúde da criança” consiste em diversas ações e procedimentos para qualificação da atenção à primeira infância e à puericultura, proporcionando diagnóstico precoce da deficiência. O domínio “prevenção de incapacidades em agravos e doenças crônicas” corresponde à prevenção da deficiência como condição secundária a um problema de saúde, possibilitando o tratamento, como em casos de doenças crônicas não transmissíveis, acidentes de trabalho, quadros de demência, acidentes, traumas e outros agravos de notificação compulsória.

Os indicadores de organização do trabalho voltados à atenção integral à PcD compõem os domínios “estrutura” e “atenção à pessoa com deficiência e ao cuidador” e são apresentados no Quadro 2.

Quadro 2
Indicadores do QualiAB com enfoque na atenção integral à pessoa com deficiência por domínio da dimensão Atenção à Deficiência em Serviços de Atenção Primária à Saúde.

O domínio “estrutura” diz respeito a condições estruturais, insumos e recursos humanos que possibilitem a garantia de acesso e acessibilidade aos serviços de APS, a disponibilidade de espaços para realização de atividades coletivas e para atenção à saúde bucal, de equipamentos para atenção a urgência e emergência, de acesso à ambulância e a veículo e a sistemas de informação, além da composição de equipe mínima e de saúde bucal. Por fim, o domínio “atenção à pessoa com deficiência e ao cuidador” se refere a ações de prevenção terciária e atenção integral à saúde da PcD.

A análise estatística foi realizada no pacote IBM SPSS v.20.0. Os indicadores são mensurados por meio de um sistema binário, em que “1” corresponde à resposta afirmativa para a ação preconizada. Para cada indicador há a soma de serviços que responderam positivamente. As frequências obtidas com as respostas aos indicadores que compõem cada domínio são somadas e o valor obtido teve como denominador o número total de indicadores que compõem o domínio, calculando a porcentagem atingida. O mesmo procedimento é feito para o conjunto de domínios para obter o escore referente à dimensão.

Em seguida foi testada a associação entre os cinco domínios e a dimensão com as respostas relacionadas às características do serviço, ao planejamento e avaliação em saúde e à rede de apoio. Foram ajustados modelos de regressões lineares múltiplas (nível de significância de 5%). A descrição das variáveis independentes é apresentada no Quadro 3.

Quadro 3
Variáveis independentes relacionadas a ações de planejamento e avaliação em saúde dos serviços, segundo indicadores do QualiAB.

Resultados

Entre os 645 municípios do estado de São Paulo, 514 participaram da aplicação do QualiAB em 2017 e 2018. A maioria dos municípios participantes é de pequeno porte (43,3%), com menos de 10 mil habitantes. Desses, 18,9% têm entre 10 e 20 mil, 26,2% entre 20 e 100 mil, 10,2% entre 100 e 500 mil e apenas 1,4% têm mais que 500 mil habitantes1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2010 [Internet]. [acessado 2018 jun 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas-nov...
.

O sistema online QualiAB tinha, em 2017, 4.296 serviços de APS cadastrados, com resposta de 2.739 (63,8%). Em 374 municípios houve cobertura de 100% das unidades.

Com relação ao tipo de serviço autodeclarado, 45,7% eram Unidades de Saúde da Família (USF), 22,7% Unidades Básicas de Saúde (UBS) “tradicionais” (equipes compostas por médicos de diferentes especialidades, sem agentes comunitários), 28,8% UBS “tradicional” com Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) ou com equipe de Saúde da Família integradas à unidade de Pronto Atendimento, e 2,8% diziam respeito a outros arranjos organizacionais.

O desempenho dos serviços para a dimensão avaliativa Atenção à deficiência em serviços de atenção primária à saúde é apresentado na Tabela 1, segundo escore obtido para os cinco domínios e para a dimensão.

Tabela 1
Desempenho dos serviços de APS do estado de São Paulo na dimensão Atenção à Deficiência em serviços de atenção primária à saúde e nos cinco domínios avaliativos, QualiAB 2017/2018.

O desempenho do conjunto de serviços que participaram do inquérito pelo QualiAB foi de 61,6% para a dimensão avaliativa, sendo que o pior percentual foi 49,8%, e o melhor, 90,4%.

O domínio “atenção ao pré-natal” obteve desempenho de 68,7%. Os indicadores deste domínio demonstram que a captação precoce no qual o primeiro atendimento é feito por profissional de enfermagem no mesmo dia do teste positivo para gravidez foi referido por 79,8%. Já 40,5% dos serviços referem que 80% ou mais das gestantes iniciam o pré-natal no primeiro trimestre. 92,1% realizam registro em prontuário, no Cartão da Gestante e Ficha Perinatal e 83,9% referem programarem a frequência de seis consultas ou mais durante o pré-natal e semanais no último mês de gestação. Além disso, 93,6% realizam identificação das gestantes de alto risco e 61,7% encaminham para serviço de referência e mantêm acompanhamento no serviço de APS.

Com relação aos procedimentos preconizados durante o pré-natal, apenas 10,8% solicitam todos os exames laboratoriais no primeiro trimestre da gestação para identificação de intercorrências que podem causar prematuridade, alterações no desenvolvimento ou óbito fetal. Já no segundo e/ou terceiro trimestre da gestação, apenas 3,0% solicitam todos os exames; 47,3% fazem eletrocardiograma; 77,3% aplicam a vacina dTpa para difteria, tétano e pertussis acelular; 71,8% aplicam penicilina benzatina, sendo que 74,3% ofertam tratamento da sífilis para a gestante e seu parceiro. Assim, 76,5% referem realizar prevenção da transmissão vertical de sífilis e 77,1% a prevenção da transmissão vertical de HIV. Ainda sobre esse assunto, 83,9% referem que orientam para a vinda do(s) parceiro(s) para avaliação e aconselhamento em caso sugestivo de doenças sexualmente transmissíveis.

A prevenção de anemia e de alterações no estado nutricional durante a gestação é realizada em 75,4%; a prescrição do uso de medicamentos com menores efeitos sobre o feto, em 81,2%; a orientação quanto aos riscos do tabagismo e do uso de bebidas alcoólicas e outras drogas durante a gestação, em 86,6%; a avaliação das condições de trabalho da gestante, em apenas 58,4%; a avaliação do histórico e a investigação de intercorrências do parto durante o atendimento do puerpério imediato, em 79,6%; orientações sobre aleitamento e suplementação de ferro em atendimento de puerpério imediato, em 62,8%, e orientações à gestante sobre aleitamento materno e apoio para as mulheres que não poderão amamentar, em 89,3%. Por fim, a participação da equipe em estratégias de formação ou educação permanente sobre saúde da mulher é referida por 71,7%.

O domínio “atenção à saúde da criança” obteve um desempenho médio de 56,1%. Com relação ao puerpério imediato, 87,1% realizam avaliação das condições de nascimento do RN e orientações sobre cuidados básicos; 89,0% fornecem orientações para o cuidado do RN (vacinação, exames, outros); o primeiro atendimento na unidade é agendado por agente comunitário de saúde em visita domiciliar ou pela maternidade, na alta, pós-parto ou na última consulta de pré-natal ou por enfermeiro ou médico em 70,3%; e 87,5% orientam sobre testes do pezinho, orelhinha e olhinho

Com relação à vacinação, a aplicação da BCG é realizada em 56,0% dos serviços, para poliomielite em 76,6%, de Pentavalente em 78,4%, de DTP em 78,1%, de tríplice viral em 78,3%, tetra viral em 76,5%, meningocócica C em 77,5% e para pneumocócica 10 valente em 75,9%. A oferta de vacinação em instituições e creches é feita em 66,9%.

O calendário programado de consultas da criança até os dois anos, além de atendimentos eventuais não agendados, é realizado em 52,7% dos serviços. Organizam grupo de mães e pais em apenas 20,2%. Como medidas de prevenção da deficiência, a avaliação do crescimento e do DNPM é feito em 81,0%, alimentar em 92,0%, identificação de distúrbios do desenvolvimento em 75,5%, orientações para prevenção de acidentes domésticos em 21,7% e em escolas e creches 57,2%, avaliação de acuidade visual em 38,9%, avaliação de acuidade auditiva em 16,3%, orientação para estímulos neuropsicomotor em 13,8%, ações para inclusão social e combate ao preconceito em 13,9%. Também se observa que apenas 47,4% referem que não tiveram casos de sífilis congênita nos últimos três anos. Com relação às outras ações que promovem a proteção da saúde da criança e a prevenção da deficiência adquirida pós-natal, o uso de protocolo de atendimento para detecção de violência contra crianças e adolescentes é referido somente em 28,9%; identificação de sintomas, queixas físicas e/ou psicológicas em 76,7%; sensibilização e capacitação da equipe para identificação de casos em 34,5%; e vigilância de trabalho infantil em 8,8%. As equipes referem fazer reuniões em parceria com CRAS sobre atenção à saúde da criança em 39,1%, e encaminhamento para banco de leite ou acesso a leite modificado se necessário em 55,0%. Por fim, promovem formação e educação permanente sobre atenção à saúde da criança em 55,0%.

O domínio “prevenção de incapacidades em agravos e doenças crônicas” obteve desempenho médio de apenas 55,8%. Com relação às ações realizadas no serviço que contribuem para o cuidado individual, são feitos curativos para úlceras agudas e crônicas em 94,7%, atividades em conjunto com a equipe de vigilância epidemiológica e/ou sanitária na comunidade em casos de doença ou agravo de notificação compulsória em 73,8%, registro dos pacientes de risco diferenciado com doenças crônicas não transmissíveis em 43,7%, orientações para prevenção de acidentes e doenças relacionados ao trabalho em 33,8%, notificação compulsória de agravos relacionados ao trabalho em 44,2% e busca ativa de pacientes com doenças crônicas não transmissíveis não aderentes a tratamento em 68,8%.

O diabetes, a hipertensão e a hanseníase são fatores de risco para condições de saúde limitantes. Assim, valorizam-se ações de rotina para o cuidado dessas doenças. Com relação ao diabetes mellitus tipo II: controle, avaliação e orientação de cuidados com os pés são efetuados em 78,9%, e o exame de fundo de olho em 41,7%. O exame de fundo de olho para pacientes com hipertensão arterial é feito apenas por 20,6%. As ações para a saúde do homem com enfoque no risco cardiovascular foram respondidas por 64,5%.

Com relação à pessoa idosa, a avaliação da saúde mental é feita por 69,0%, e da capacidade funcional de idosos para realização de atividades de vida diárias e atividades instrumentais por 51,1%. São programadas ações para prevenção de quedas de idosos em 64,0%, incentivo e orientação de prática corporal e atividade física para idosos em 72,2% e orientações sobre os direitos sociais em 41,5%.

Quanto à atenção à hanseníase, o diagnóstico de casos novos é referido por 63,3%, acompanhamento dos casos pr 62,3%, controle do número de casos por 52,7%, dispensação de medicamentos por 34,0%, tratamento supervisionado na unidade e no domicílio por 34,3%, notificação compulsória por 69,3%, busca ativa de contatos intradomiciliares por 67,2% e de faltosos em tratamento por 65,1%, e por fim, ações educativas na família e na comunidade sobre esta temática por 54,5%.

Para as ações de vigilância, realiza-se busca ativa em casos de doença ou agravo de notificação compulsória com indicação de controle de comunicantes e/ou meio ambiente em 88,0%, investigação e controle de comorbidades associadas à dependência de álcool em 39,4% e ao uso abusivo de drogas em 37,9%.

A participação da equipe no último ano em atividades de formação e educação permanente sobre saúde mental foi de 48,8%, sobre saúde do idoso, de 40,9%, sobre doença ou agravo de notificação compulsória, de 63,2%, e atenção aos casos de hanseníase, de 45,2%.

Em relação ao domínio “estrutura”, com desempenho médio de 73,6%, 77,0% referem que têm acesso estrutural às PcD e 67,6% banheiro adaptado, 89,5% sala de curativo, 81,2% sala de vacina, 80,6% realizam vacinação e 51,3% têm sala para atividades coletivas e grupos. Além disso, 77,8% dispõem de consultório dentário e equipamento odontológico. Quanto a insumos, 92,7% têm cadeira de rodas e apenas 40,7% contam com equipamentos para atenção à urgência/emergência. Há acesso à ambulância para transporte de pacientes em 87,5%, veículo de transporte em apenas 37,8% e acesso aos sistemas de informação para alimentação de banco de dados em 86,7%.

Com relação aos profissionais que lá atuam, os serviços referem ter: médico(a) clínico geral ou de saúde da família e enfermeiro(a) em 85,4%; auxiliar de enfermagem ou técnico de enfermagem em 98,0%; cirurgião-dentista em 65,2%; auxiliar de cirurgião-dentista ou técnico de higiene dentária e apoio técnico em 63,7%; equipe do NASF e/ou multiprofissional em 69,0%.

O domínio “atenção à pessoa com deficiência e ao cuidador” obteve desempenho médio de 53,7%, o mais baixo entre todos. Os serviços referem realizar registro em prontuário de ações domiciliares para pessoas acamadas em 79,4% dos casos, procedimentos domiciliares em 84,6%, troca de sonda vesical de demora realizada por 77,2%, diagnóstico e encaminhamento para outros níveis de atenção em 80,2%, assistência odontológica, quando é possível efetuar na própria unidade, em 58,0%, assistência odontológica domiciliar e realização de atendimento odontológico para pacientes acamados somente em 24,5%, orientações de higiene bucal em 64,8%, visitas domiciliares periódicas com equipe multiprofissional em 51,2%, visitas domiciliares periódicas com médico e/ou enfermeiro em 69,2%, orientações quanto aos direitos sociais em 45,9%, vigilância e atenção ao uso de álcool e outras drogas em 33,4%, ações para a saúde sexual e reprodutiva em 35,9%, vigilância e atenção em casos de violência em 41,4%, detecção, suporte e acompanhamento para as situações de violência em 35,8%, articulação com rede de saúde e instituições (escola, escolas especiais, entre outras) em 43,0% e discussão de casos específicos com rede de saúde (CRAS, Conselho de saúde, CREAS, outros) em 59,8%.

Com relação aos cuidadores, os serviços referem fazer avaliação e acompanhamento da saúde dos cuidadores em 39,2%, grupo de apoio apenas em 7,8%, ações para os cuidadores de idosos e/ou pessoas acamadas com enfoque nas orientações gerais sobre as necessidades cotidianas de cuidado em 79,0%, sobre prevenção e identificação de situações de violência em 52,2%, orientação para os cuidadores em 77,9% e suporte técnico, se necessário, em 59,6%. Por fim, realiza capacitação da equipe sobre atenção à PcD apenas em 36,5% dos serviços de APS.

A Tabela 2 traz os resultados dos modelos de regressões lineares múltiplas para os escores dos domínios e da dimensão por variáveis sobre planejamento, avaliação em saúde e rede de apoio que obtiveram significância estatística (p < 0,05).

Tabela 2
Resultados das regressões lineares múltiplas para os escores dos cinco domínios e da dimensão por variáveis sobre tipologia do serviço, planejamento, avaliação e rede apoio com p < 0,05, QualiAB 2017/2018.

Na análise das variáveis independentes que demonstraram relação com o escore, ser USF foi o principal fator de proteção para o aumento do escore para todos os domínios e para a dimensão avaliada, com maiores valores de relação positiva. Outras variáveis também se associam de forma positiva à dimensão de avaliação e a todos os domínios: ter NASF ou equipe multiprofissional como rede de apoio, ter participado de processos de avaliação do serviço, ter como desdobramento da avaliação a elaboração de um plano anual de trabalho definido pela gestão municipal e a reorganização da assistência. Nenhuma variável estudada teve relação negativa para a dimensão avaliativa Atenção à deficiência em serviços de atenção primária à saúde.

No domínio “estrutura”, para além das variáveis mencionadas, ser unidade mista, ter localização urbana e central e ter o CRAS ou o CREAS como rede de apoio tiveram associação positiva com o escore. Estar localizado em área rural e ter capacitação da equipe de saúde bucal influenciaram negativamente no resultado do domínio.

Para “atenção ao pré-natal”, as variáveis que também obtiveram relação positiva foram ter CRAS ou CREAS e ter como desdobramento da avaliação o relatório de problemas identificados no serviço para o nível central de gestão. A relação negativa se deu quando se trata de UBS ou arranjo organizacional do serviço diferente de saúde da família, unidades tradicionais ou UBS com postos avançados e a presença na rede de apoio de ambulatório de especialidades.

O domínio “atenção à saúde da criança” apresenta relação positiva também com as seguintes variáveis independentes: planejamento das ações por meio de estudos realizados nos últimos três anos e de dados dos programas, perfil da demanda dos casos “extras” (ou não agendados), cadastro das famílias ou estudos na comunidade, ter CRAS ou CREAS como rede de apoio e ter como desdobramento da avaliação o relatório de problemas identificados no serviço para o nível central de gestão. Já a influência negativa se dá por ser UBS, outro arranjo organizacional do serviço e ter ambulatório de especialidades como rede de apoio.

Para “prevenção de incapacidades em agravos e doenças crônicas” houve relação positiva, para além do citado, para localização urbana central, ter CRAS e CREAS, o relatório de problemas identificados no serviço para o nível central de gestão como desdobramento de avaliação do serviço. Ser UBS, ser unidade mista ou outro tipo de serviço obtiveram relação negativa.

O último domínio, “atenção a à pessoa com deficiência e ao cuidador” obteve relação positiva com arranjo organizacional denominado como de outro tipo de serviço e relatório de problemas identificados no serviço para o nível central de gestão a partir de processo avaliativo, além do já abordado. Já negativamente: ser UBS ou unidade mista e ter localização urbana central.

Por fim, para além das variáveis que se associaram a todos os domínios e à dimensão, houve associação positiva no escore da dimensão Atenção à deficiência em serviços de atenção primária à saúde ter rede de apoio de CRAS e CREAS e relatório de problemas identificados no serviço para o nível central de gestão. Ser UBS ou outro tipo de serviço de APS diferente do abordado no instrumento, educação permanente para médicos, ambulatório de especialidades na rede de apoio foram as variáveis que obtiveram valor de beta negativo.

Discussão

Os resultados encontrados demonstram que os serviços de APS avaliados apresentam limitações enquanto componentes de uma RCPcD, há fragilidades que os gestores devem buscar superar para promover o fortalecimento e a consolidação das políticas e diretrizes já implantadas.

O desempenho médio da dimensão Atenção à deficiência em serviços de atenção primária à saúde se aproxima do desempenho de seus domínios. Os valores mínimos e máximos e o desvio padrão demonstram grande disparidade. Portanto, há serviços que estão mais bem estruturados e organizados, enquanto outros estão muito distantes do preconizado. Pode-se dizer que, quando se trata de deficiência, o senso comum é de que sejam feitos o diagnóstico inicial e o encaminhamento para nível secundário e terciário, sem manutenção do seguimento no serviço de APS. Contudo, essa análise não explica por que as ações de prevenção da deficiência ao nascimento e adquirida ainda estão tão incipientes, já que a atenção ao pré-natal, à saúde da criança e às doenças crônicas constituem temáticas teoricamente mais apropriadas como objeto de trabalho em saúde da APS. Cabe também ressaltar que a APS no estado de São Paulo tem baixa cobertura de serviços USF, obtendo uma rede heterogênea com relação ao modelo organizacional1212 Sanine PR, Zarili TFT, Nunes LO, Dias A, Castanheira ERL. Do preconizado à prática: oito anos de desafios para a saúde da criança em serviços de atenção primária no interior de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00094417..

O domínio “estrutura” obteve o maior desempenho entre os domínios. As barreiras de acessibilidade arquitetônica representam obstáculos que impedem que os indivíduos com deficiência física possam exercer seus direitos de acesso à saúde, à inserção social e ao fortalecimento de sua participação enquanto cidadão1313 Girondi JBR, Santos SMA, Hammerschmidt KSA, Tristão FR. Acessibilidade de idosos com deficiência física na atenção primária. Estud Interdiscip Envelhec 2014; 19(3):825-837..

Os domínios avaliativos “atenção ao pré-natal” e “atenção à saúde da criança” apresentam maiores taxas de resposta para oferta de procedimentos, como exames, vacinas e tratamentos. Contudo, as ações que necessitam de maior relação entre planejamento, organização e capacitação reduzem o escore do domínio, o que demonstra que os serviços não têm conhecimento e atualização técnica com base no Caderno de Atenção Básica do pré-natal de baixo risco 1414 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Atenção ao pré-natal de baixo risco - (Cadernos de Atenção Básica nº 32) [Internet]. 2013. [acessado 2016 dez 14]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_32.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab...
, da Rede Cegonha1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União 2011; 25 jun., do Decreto nº 60.075, de 17 de janeiro de 20141616 São Paulo. Decreto nº 60.075, de 17 de janeiro de 2014. Altera a denominação do "Programa Estadual de Atendimento às Pessoas com Deficiência Intelectual", instituído pelo Decreto nº 58.658, de 4 de dezembro de 2012, estabelece as diretrizes e metas para sua implementação e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo 2011; 18 jan., referente ao Programa Estadual de Atendimento à Pessoa com Deficiência Intelectual: São Paulo pela Igualdade de Direitos.

A oferta de vacinação da APS, enquanto medida de proteção da saúde da gestante, garante qualificação da atenção ao pré-natal e à saúde da criança. A taxa de cobertura da vacinação em 2017 no estado de São Paulo foi de 67,291717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). DATASUS: Imunizações - cobertura - Brasil [Internet]. [acessado 2019 jun 16]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?pni/cnv/cpniuf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
, muito aquém do esperado, e assim corrobora a urgente necessidade de fortalecimento imediato, já que a diminuição dessa cobertura tem acarretado grandes agravos à saúde pública.

O Programa Nacional de Triagem Neonatal aborda a relevância da realização do teste do olhinho para a prevenção da cegueira infantil1818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 822, de 6 de junho de 2001. Considerando o disposto no inciso III do Artigo 10 da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, que estabelece a obrigatoriedade de que os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, procedam a exames visando o diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais. Diário Oficial da União 2002; 10 jun.. O teste do olhinho, ou teste do reflexo vermelho, é um exame que deve ser realizado em bebês e pode detectar e prevenir alterações oculares, assim como o agravamento dessas alterações. No Brasil, apenas 51,1% das crianças com menos de dois anos de idade o realizam no primeiro mês de vida1919 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde: 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2015..

A criança, quando pertencente a um grupo populacional específico, como a deficiência, tende a estar submetida a alguma forma de exclusão social2020 Schultz TG, Alonso CMC. Cuidado da criança com deficiência na Atenção Primária à Saude. Cad Ter Ocup UFSCar 2016; 24(3):611-619.. A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência estipula o acesso desse público a todos os serviços comunitários e sua integração em todas as áreas da sociedade2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, consolida as normas e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 21 dez.. A abordagem comunitária também deve estabelecer estratégias que envolvam a família, a comunidade, os serviços e os profissionais da saúde, como meio de integralizar a assistência às necessidades das PcD2222 Cruz DM, Nascimento S, Ramon L, Silva GV, Maria D, Schoeller SD. Rede de apoio à pessoa com deficiência física. Cienc Enferm 2015; 21(1):23-33..

As ações educativas em ambientes escolares são ferramentas importantes para a promoção da qualidade de vida, ainda que devam ultrapassar a ênfase biologicista2323 Carvalho FFB. A saúde vai à escola: a promoção da saúde em práticas pedagógicas. Physis 205; 25(4):1207-1227.. Os achados deste estudo demonstram que há baixa incorporação pelos serviços dessas atividades.

O domínio “prevenção de incapacidades em agravos e doenças crônicas”, que também obteve um desempenho insatisfatório, tem diversos indicadores que demonstram a capacidade de organização do processo de trabalho das equipes de APS para a prevenção da deficiência adquirida que gerem limitações funcionais, como amputação, doenças cerebrovasculares e cardiovasculares.

As “Diretrizes de atenção à pessoa amputada”2424 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes de atenção à pessoa amputada. Brasília: M S; 2013. coloca a importância do papel da APS no cuidado dessas condições para monitorar e assistir os usuários que apresentam diagnóstico de doenças que podem ter como consequência a amputação de membros, promovendo o diagnóstico precoce, a oferta dos medicamentos necessários para o tratamento, a oferta de cuidado multiprofissional, o encaminhamento para os demais níveis de atenção e assistência ao indivíduo com amputação para o cuidado integral, ou seja, que todas as suas necessidades de cuidado e de assistência para além do cuidado específico decorrente da amputação sejam atendidas em conjunto com equipes de atenção domiciliar e NASF. Luccia e Silva2525 Luccia N, Silva ES. Aspectos técnicos de amputações de membros inferiores. In: Pitta G, organizador. Angiologia e cirurgia vascular: guia ilustrado. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p. 508-515. referem que aproximadamente 80% das amputações de membros inferiores são realizadas em pacientes com doença vascular periférica e/ou diabetes.

A vigilância em saúde do trabalhador também é valorizada nos indicadores presentes nesse domínio e demonstram a incipiência das ações com enfoque na prevenção. É importante ressaltar que há maior prevalência de acidentes de trabalho incapacitantes no sexo masculino por conta do perfil de funções ocupacionais55 Brasil. Ministério da Justiça (MJ). Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Relatório sobre a prevalência de deficiências, incapacidades e desvantagens: Sistematização dos estudos realizados em 21 cidades brasileiras, com a Metodologia de Entrevistas Domiciliares da Organização Pan-americana de Saúde - OPS [Internet]. 2004. [acessado 2019 ago 10]. Disponível em: http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/docs/relatorio_sobre_a_prevalencia_de_deficiencias_-_sicorde.pdf
http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/do...
.

A violência é uma condição de destaque nas políticas de saúde e de difícil institucionalização como prática de vigilância e cuidado, como visto nos resultados. Cabe destacar que os diversos indicadores presentes nos domínios que abordam tal fenômeno são genéricos, mas que se inter-relacionam com a proteção da saúde e a prevenção da deficiência adquirida. Assim como com relação ao uso de álcool e outras drogas, que são fatores de risco para ocorrência de deficiências. O uso de substâncias psicoativas, além de implicações na gestação, na infância e adolescência, também possibilita alteração do DNPM e agravam as situações de risco e vulnerabilidade.

Com relação à manutenção do seguimento da PcD abordada no domínio “atenção à pessoa com deficiência e ao cuidador”, a principal taxa de resposta positiva se refere ao encaminhamento para os serviços especializados, seguido de orientação aos cuidadores e visitas domiciliares do médico e/ou enfermeiro e equipe multiprofissional.

As visitas domiciliares, enquanto ferramentas de acesso, integralidade e cuidado longitudinal, são muitas vezes prejudicadas pela cobertura da área de abrangência muito acima do preconizado ou ainda muito maior do território de abrangência do serviço de APS, o que contribui negativamente na efetivação da assistência domiciliar como ação de rotina dos serviços, diante da sobrecarga da demanda sobre os profissionais de saúde2626 Savassi LCM. Os atuais desafios da atenção domiciliar na atenção primária à saúde: uma análise na perspectiva do Sistema Único de Saúde. Rev Bras Med Fam Comunidade 2016; 11(38):1-12..

As ações voltadas aos cuidadores em ambiente escolar apresentam baixa adesão, assim como orientações sobre o direito das pessoas idosas, suporte técnico, avaliação e acompanhamento da saúde do cuidador e realização de grupos de cuidadores quase ausentes na porcentagem de respostas. O cuidador tem um papel importante para a vinculação do indivíduo ao cuidado e aos serviços de saúde em situações de dependência parcial ou total. Assim, faz-se necessário fortalecer as ações de cuidado a esse trabalhador formal ou informal, seja ele membro da família ou não, diante da sobrecarga emocional e ocupacional gerada pelo exercício de cuidado2727 Rafacho M, Oliver FC. A atenção aos cuidadores. Rev Ter Ocup Univ São Paulo 2010; 21(1):41-50..

A análise efetuada por regressão linear múltipla das variáveis independentes que demonstraram relação significativa com os domínios e com a dimensão avaliada obteve como principais fatores a tipologia do serviço (ser USF), a participação em processos de avaliação do serviço e desdobramentos, a elaboração de um plano anual de trabalho definido pela gestão municipal, a reorganização da assistência e ter equipe NASF ou multiprofissional para apoio técnico.

Diversos estudos2828 Martins JS, Abreu SCC, Quevedo MP, Bourget MMM. Estudo comparativo entre Unidades de Saúde com e sem Estratégia Saúde da Família por meio do PCATool. Rev Bras Med Fam Comunidade 2016; 11(38):1-13.,2929 Macinko, J, Mendonça CS. Estratégia Saúde da Família, um forte modelo de Atenção Primária à Saúde que traz resultados. Saude Debate 2018; 42(Esp. 1):18-37. têm demonstrado melhores resultados no desempenho de USF. Os outros tipos de serviços, como UBS tradicional, misto ou arranjo diferente do abordado no instrumento, obtiveram influência negativa sobre os resultados na maioria dos aspectos estudados.

A localização urbana central obteve influência positiva para os domínios de estrutura e prevenção da incapacidade, mas com valor de beta baixo, por ter maior disposição de rede de apoio ou de estrutura. Já o domínio referente à estrutura teve relação negativa com a localização rural, podendo-se inferir que são serviços com menores condições de acessibilidade e de disponibilidade de insumos.

Destaca-se que, além das equipes de NASF e multiprofissionais, a presença de serviços como CRAS ou CREAS obteve relação positiva com a maioria dos escores. Há vários estudos que demonstram o impacto da criação das equipes multiprofissionais e de NASF para a qualificação da APS, em prol de uma oferta de ações mais resolutiva e que abrange a complexidade do processo saúde-doença3030 Moretti PGS, Fedosse E. Núcleos de Apoio à Saúde da Família: impactos nas internações por causas sensíveis à atenção básica. Fisioter Pesqui 2016; 23(3):241-247.. O mesmo se dá pela parceria das unidades de saúde com as equipes de assistência social, que possibilitam discussões de casos e interface com outros níveis de atenção3131 Dias MSA, Parente JRF, Vasconcelos MIO, Dias FAC. Intersetorialidade e Estratégia Saúde da Família: tudo ou quase nada a ver? Cien Saude Colet 2014; 19(11):4371-4382..

As estratégias de formação dos membros da equipe não obtiveram significância estatística, com exceção da variável sobre educação permanente para médicos, que na dimensão geral teve influência negativa. A presença de ambulatórios médicos de especialidades também teve relação negativa com os escores, especificamente dos domínios relacionados ao pré-natal e à saúde da criança e da dimensão, ainda que com valores baixos de beta. Não é possível explicar claramente tal resultado, contudo podemos pensar que ainda há muito em que avançar na consolidação de redes dinâmicas de atenção à saúde, pois os serviços atuam muitas vezes de forma isolada e sem processos e fluxos de referência e contrarreferência.

Vários indicadores de planejamento não obtiveram relação significativa com o escore dos domínios e da dimensão, em grande maioria pelo fato de alcançarem frequências baixas ou médias, o que demonstra fragilidades na questão do gerenciamento dos serviços.

Portanto, os dados demonstram que há muito em que avançar para a qualificação da abordagem da deficiência nos serviços de APS, mesmo que a RCPcD esteja publicada desde 2012 para a organização do sistema de saúde, pois a efetivação da construção de redes de atenção depende de complexas construções micro e macropolíticas.

Apesar da inespecificidade do instrumento QualiAB a respeito da temática, o modelo avaliativo demonstrou ser uma boa estratégia de diagnóstico das práticas desenvolvidas nos serviços de APS sobre o objeto “deficiência”, contemplando diferentes temas dentro da prevenção, da promoção e da assistência à saúde.

Referências

  • 1
    Paim JS. Modelos de atenção à saúde no Brasil. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 547-73.
  • 2
    Martins JA, Barsaglini RA. Aspectos da identidade na experiência da deficiência física: Interface (Botucatu) 2011; 15(36):109-121.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria Executiva Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Programação Anual de Saúde [Internet]. 2018. [acessado 2019 ago 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/programacao_anual_saude_PAS_2019.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/programacao_anual_saude_PAS_2019.pdf
  • 4
    Teixeira AM, Guimaraes L. Vida revirada: deficiência adquirida na fase adulta produtiva. Rev Mal-Estar Subj 2006; 6(1):182-200.
  • 5
    Brasil. Ministério da Justiça (MJ). Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Relatório sobre a prevalência de deficiências, incapacidades e desvantagens: Sistematização dos estudos realizados em 21 cidades brasileiras, com a Metodologia de Entrevistas Domiciliares da Organização Pan-americana de Saúde - OPS [Internet]. 2004. [acessado 2019 ago 10]. Disponível em: http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/docs/relatorio_sobre_a_prevalencia_de_deficiencias_-_sicorde.pdf
    » http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/docs/relatorio_sobre_a_prevalencia_de_deficiencias_-_sicorde.pdf
  • 6
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 793, de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2012; 24 abr.
  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência [Internet]. 2010. [acessado 2017 dez 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_pessoa_com_deficiencia.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_pessoa_com_deficiencia.pdf
  • 8
    Othero MB, Dalmaso ASW. Pessoas com deficiência na atenção primária: discurso e prática de profissionais em um centro de saúde-escola. Interface (Botucatu) 2009; 13(28):177-188.
  • 9
    Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: UNESP-FM; 2016.
  • 10
    Zarili TFT. Desenvolvimento de um modelo de avaliação da atenção à deficiência em serviços de atenção primária à saúde [tese]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho; 2020.
  • 11
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2010 [Internet]. [acessado 2018 jun 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude.html
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude.html
  • 12
    Sanine PR, Zarili TFT, Nunes LO, Dias A, Castanheira ERL. Do preconizado à prática: oito anos de desafios para a saúde da criança em serviços de atenção primária no interior de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00094417.
  • 13
    Girondi JBR, Santos SMA, Hammerschmidt KSA, Tristão FR. Acessibilidade de idosos com deficiência física na atenção primária. Estud Interdiscip Envelhec 2014; 19(3):825-837.
  • 14
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Atenção ao pré-natal de baixo risco - (Cadernos de Atenção Básica nº 32) [Internet]. 2013. [acessado 2016 dez 14]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_32.pdf
    » http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_32.pdf
  • 15
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União 2011; 25 jun.
  • 16
    São Paulo. Decreto nº 60.075, de 17 de janeiro de 2014. Altera a denominação do "Programa Estadual de Atendimento às Pessoas com Deficiência Intelectual", instituído pelo Decreto nº 58.658, de 4 de dezembro de 2012, estabelece as diretrizes e metas para sua implementação e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo 2011; 18 jan.
  • 17
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). DATASUS: Imunizações - cobertura - Brasil [Internet]. [acessado 2019 jun 16]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?pni/cnv/cpniuf.def
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?pni/cnv/cpniuf.def
  • 18
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 822, de 6 de junho de 2001. Considerando o disposto no inciso III do Artigo 10 da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, que estabelece a obrigatoriedade de que os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, procedam a exames visando o diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais. Diário Oficial da União 2002; 10 jun.
  • 19
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde: 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2015.
  • 20
    Schultz TG, Alonso CMC. Cuidado da criança com deficiência na Atenção Primária à Saude. Cad Ter Ocup UFSCar 2016; 24(3):611-619.
  • 21
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, consolida as normas e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 21 dez.
  • 22
    Cruz DM, Nascimento S, Ramon L, Silva GV, Maria D, Schoeller SD. Rede de apoio à pessoa com deficiência física. Cienc Enferm 2015; 21(1):23-33.
  • 23
    Carvalho FFB. A saúde vai à escola: a promoção da saúde em práticas pedagógicas. Physis 205; 25(4):1207-1227.
  • 24
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes de atenção à pessoa amputada. Brasília: M S; 2013.
  • 25
    Luccia N, Silva ES. Aspectos técnicos de amputações de membros inferiores. In: Pitta G, organizador. Angiologia e cirurgia vascular: guia ilustrado. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p. 508-515.
  • 26
    Savassi LCM. Os atuais desafios da atenção domiciliar na atenção primária à saúde: uma análise na perspectiva do Sistema Único de Saúde. Rev Bras Med Fam Comunidade 2016; 11(38):1-12.
  • 27
    Rafacho M, Oliver FC. A atenção aos cuidadores. Rev Ter Ocup Univ São Paulo 2010; 21(1):41-50.
  • 28
    Martins JS, Abreu SCC, Quevedo MP, Bourget MMM. Estudo comparativo entre Unidades de Saúde com e sem Estratégia Saúde da Família por meio do PCATool. Rev Bras Med Fam Comunidade 2016; 11(38):1-13.
  • 29
    Macinko, J, Mendonça CS. Estratégia Saúde da Família, um forte modelo de Atenção Primária à Saúde que traz resultados. Saude Debate 2018; 42(Esp. 1):18-37.
  • 30
    Moretti PGS, Fedosse E. Núcleos de Apoio à Saúde da Família: impactos nas internações por causas sensíveis à atenção básica. Fisioter Pesqui 2016; 23(3):241-247.
  • 31
    Dias MSA, Parente JRF, Vasconcelos MIO, Dias FAC. Intersetorialidade e Estratégia Saúde da Família: tudo ou quase nada a ver? Cien Saude Colet 2014; 19(11):4371-4382.

  • Financiamento

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2023
  • Aceito
    08 Ago 2023
  • Publicado
    10 Ago 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br