Representações culturais do câncer de mama: uma revisão de escopo

Pedro Senise Maroun Romeu Gomes Adriano da Silva Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é mapear a produção científica global sobre representações sociais ou culturais e câncer de mama no campo da saúde coletiva e discutir como esse fenômeno se apresenta na literatura. Foi realizada uma revisão de escopo, tendo como norte a seguinte pergunta: “Como representações culturais ou sociais no contexto do câncer de mama são descritas na produção científica global no âmbito da saúde coletiva?”. As buscas foram realizadas em cinco fontes de literatura científica, sendo incluídos 45 estudos. O tratamento analítico seguiu a técnica de análise de conteúdo na modalidade temática. O acervo analisado pode ser tematizado nas seguintes categorias: (1) Comprometimento na imagem corporal e nas interações; (2) Espiritualidade; (3) Perda do controle da vida; (4) Seguir com a vida e (5) Associação a questões étnico-raciais. Apesar dos avanços da biomedicina, observa-se que nas representações do câncer de mama ainda permanecem metáforas associadas ao câncer no século passado. Conclui-se que, dentre outros aspectos, a atenção a mulheres com câncer de mama não pode ser pautada apenas pelas abordagens biomédica e epidemiológica, uma vez que essa doença é atravessada por saberes que competem com essas abordagens.

Palavras-chave:
Câncer de mama; Representações culturais; Representações sociais; Dimensão simbólica

Introdução

O câncer de mama é a doença com maior incidência entre as mulheres do Brasil e do mundo. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, em 2022 foram mais de 73 mil brasileiras com diagnóstico da doença11 Instituto Nacional do Câncer (INCA). Dados e números sobre câncer de mama: Relatório anual. Rio de Janeiro: MS; 2022.. No mundo, mais de 2,2 milhões de mulheres acometidas, representando mais de 11% de todos os cânceres na população mundial. Compreender o câncer de mama não só como uma doença localizada no órgão, mas como uma doença sistêmica, ampliou o olhar biomédico sobre o tratamento.

Nesse campo, a cirurgia de remoção do tumor deixou de ser a etapa fundamental da terapêutica para se tornar uma das tantas fases que a pessoa terá que ultrapassar. A quimioterapia, a radioterapia e os bloqueadores hormonais são, por exemplo, modalidades de tratamento adicionais à cirurgia que conseguiram, ao longo dos anos, melhoras importantes das curvas de sobrevida e tempo livre de progressão.

Para além da ampliação biomédica acerca do câncer de mama, é importante que se venha uma visão de como esse agravo se apresenta na população brasileira. Segundo o Ministério da Saúde22 Instituto Nacional do Câncer (INCA). Fatores de risco [Internet]. 2023 [acessado 2023 jul 8]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/controle-do-cancer-de-mama/fatores-de-risco.
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, com base em estudos epidemiológicos, os fatores ambientais se associam a, pelo menos, 80% da incidência de câncer e os fatores genéticos representam 5% a 7% de sua etiologia e, ao aparecer antes dos 35 anos, este percentual chega a 25%.

Junto aos aspectos biomédicos e epidemiológicos, no que tange à saúde coletiva, compreender as representações que convivem lado a lado aos avanços da medicina sobre essa doença pode ser importante para as instâncias da política, da organização dos serviços de saúde e do cuidado voltadas para o câncer.

Entre as vias para se chegar a essa compreensão, destacam-se os estudos sobre as representações culturais. As representações culturais são constituintes das representações sociais e impactam na subjetividade de um grupo social por meios de caracterizações, permitindo o homem lidar com o mundo ao seu redor. Elas consistem em representações mentais e públicas de um grupo específico em uma comunidade, podendo ser positivas, xenofílicas, ou negativas, xenofóbicas, numa rejeição do outro grupo social33 Rubenfeld S, Clément R, Lussier, D. Lebrun M. Auger R. Second Language Learning and Cultural Representations: Beyond Competence and Identity. Language Learning 2006; 56(4):609-632..

As representações do câncer de mama feminino podem ser socialmente construídas por meio de significados tanto relacionados ao câncer em geral, quanto ao corpo feminino em específico, bem como a partir da experiência de vivenciar essa patologia44 Gomes R, Mendonça EA, Pontes ML. As Representações sociais e a experiência da doença. Cad Saude Publica 2002; 18(5):1207-1214.. Assim, entende-se que os saberes marginais à ciência tradicional podem interferir no processo de produção do conhecimento científico, embora caiba a primeira, em última instancia, definir o que é ou não um conhecimento científico55 Nascimento GC, Córdula EBL. A produção do conhecimento na construção do saber sociocultural e científico. Rev Educ Publica [periódico na Internet] 2018 [acessado 2023 jul 8]. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/18/12/a-produo-do-conhecimento-na-construo-do-saber-sociocultural-e-cientfico.
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Avançando na discussão acerca do contraponto entre biomedicina e representações do câncer de mama, desmitificações poderão ocorrer em relação à morte e ao insucesso feminino. Atravessando essa discussão, pode ser importante ter em mente que o corpo da mulher não é apenas objetificado através das significações culturais, mas a condição de existência no mundo e na cultura66 Csordas TJ, editor. Embodiment and Experience: the existential ground of culture and self. Cambridge: Cambridge University Press; 1994.. O corpo permite acesso ao mundo. Butler77 Butler J. Bodies That Matter: on the discursive limits of sex. New York: Routledge; 1993. descreve corpos como instrumentos de dor, prazer, doença e violência, o que, para ela, não é uma mera representação. Uma mulher que perde a mama, ou os cabelos, é exposta aos descréditos socialmente impostos a ela. Um sujeito incapaz de reproduzir, de ser sexualizado e de operar as vias do capitalismo através da atividade laboral.

Com base nessas considerações iniciais, entende-se que, por meio da problematização do que a literatura vem produzindo acerca das representações do câncer de mama, poderá haver um deslocamento da exclusividade do foco, exclusivamente ancorado no modelo biológico, para “práticas preventivas que contemplem significados do sujeito demarcados por suas relações sociais”44 Gomes R, Mendonça EA, Pontes ML. As Representações sociais e a experiência da doença. Cad Saude Publica 2002; 18(5):1207-1214. (p. 198). Nesse sentido, esta revisão de escopo objetiva mapear a produção científica global sobre representações sociais ou culturais e câncer de mama no campo da saúde coletiva e discutir como esse fenômeno se apresenta na literatura.

Metodologia

Realizou-se uma revisão de escopo com base no referencial metodológico do Instituto Joanna Briggs88 Wendel S, Secoli SR, Alves V. A abordagem do Joanna Briggs Institute para revisões sistemáticas. Rev Lat-Am Enferm 2018; 26:e3074.. Um protocolo de pesquisa foi registrado na Open Science Framework (OSF)99 OSF [Internet]. Osf.io. 2023 [cited 2023 jul 8]. Available from: https://osf.io/.
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Pergunta de investigação

Pergunta: “Como representações culturais ou sociais no contexto do câncer de mama são descritas na produção científica global no âmbito da saúde coletiva?”.

Optou-se por trabalhar com uma pergunta aberta e ampla para se obter uma maior diversidade da produção científica acerca do assunto.

Critérios de inclusão e exclusão

Os critérios de inclusão foram estudos primários e secundários, documentos, relatórios, disponíveis em inglês, português ou espanhol, que abordaram questões relacionadas a representações sociais e culturais no câncer de mama, no contexto da saúde coletiva ou pública. Foram excluídos estudos que se referiam a outros contextos que não a saúde coletiva, e que abordavam representações sociais e culturais fora do contexto do câncer de mama ou que estavam em idiomas diferentes dos citados.

Não se realizou avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos, uma vez que ela não fez parte dos critérios de inclusão, sendo considerada opcional em revisões de escopo99 OSF [Internet]. Osf.io. 2023 [cited 2023 jul 8]. Available from: https://osf.io/.
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. Os estudos selecionados foram transferidos para o software Zotero.

Fontes de dados e estratégias de busca

As palavras-chave para a acessar as fontes foram: “Poder simbólico”, “Representaciones Sociales”, “Social Representations”, “Representações sociais”, Estigma, “Alterações de autoimagem”, Stigma, “Dimensão simbólica”, “Câncer de mama”, “Neoplasias da mama”, “Câncer mamário”, “Breast Neoplasms”, “Neoplasias de la Mama”, “Breast cancer”, “saúde coletiva”, “Saúde pública”, “Public health”, “Salud Publica”, “etnografia”, Antropologi*, “Imaginário social”.

O processo de identificação dos estudos relevantes contou com os bancos de dados de periódicos da Portal regional BVS, PubMed, Scopus e Web of Science, OASISbr, e Dimensions. Essas bases possuem uma vasta cobertura das publicações na área de saúde o que justificou a seleção realizada. Utilizou-se a seguinte estratégia de busca na Knowledge Translation [Title] OR translational Medical Research [Title/Abstract]. A estratégia de busca foi desenvolvida pelos autores.

Extração e análise dos dados

Os estudos que foram escolhidos para fazer parte desta revisão foram organizados em uma planilha no programa Excel® com as seguintes informações: autor(es), título, país de origem e trechos descrevendo os principais resultados de interesse desta revisão. Essa etapa consistiu na sumarização dos elementos essenciais de cada estudo, trabalhando a estrutura analítica descritiva para examinar o texto de cada artigo.

Os resultados dos estudos, em sua maioria qualitativos, foram analisados à luz da técnica de análise de conteúdo adaptada por Gomes1010 Gomes R. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2007. p. 79-108., da modalidade temática descrita por Bardin1111 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1979. Os resultados são apresentados de forma descritiva, e por meio de quadros.

Resultados

As buscas recuperaram 117 registros e, após exclusão de 3 fontes que estavam em duplicatas, restaram 114 estudos. Após leitura dos títulos e resumos, 69 trabalhos foram excluídos por não apresentarem elementos que à pergunta de pesquisa. É necessário reforçar que, quando a importância de um estudo não estava descrita no resumo, o artigo completo era recrutado para a leitura na íntegra pelos dois leitores. O objetivo era verificar se eles tratavam de forma adequada da questão de pesquisa. Os 45 estudos que permaneceram na seleção foram lidos na íntegra. As razões mais comuns para a exclusão dos estudos foi por não debaterem representações sociais ou por não tratarem do cenário do câncer de mama. Com na recomendação Prisma16, elaborou-se um fluxograma do processo de seleção das publicações desta revisão (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção das publicações.

Características gerais do acervo

O acervo das fontes analisadas apresenta algumas características, destacando-se principalmente local da produção, foco dos estudos e desenho metodológico (Quadro 1). No conjunto dos 45 artigos analisados, observa-se que a produção abrange todos os continentes, sendo 15 da América do Norte, 10 da América do Sul, 8 da Ásia, 7 da Europa, 4 da África e 1 da América Central. Dos estudos sul-americanos, 6 são do Brasil.

Quadro 1
Características do acervo.

No que se refere a objetivos ou focos dos estudos, os significados culturais e as representações sociais estão presentes em seis estudos. Em seguida, destacam-se experiências/vivências de mulheres, questões étnico-raciais; crença/espiritualidade, aspectos psicológicos e psicossociais; informação/conhecimento/conscientização; presentes cada um desses focos em quatro estudos.

Em relação a desenho metodológico, a grande maioria dos trabalhos se caracteriza como estudos primários (36), sendo 28 de abordagem qualitativa, 7 quantitativos e 1 quanti-qualitativo. O restante dos estudos (9) são ensaios ou revisões.

No que tange à temporalidade da publicação dos estudos, observa-se que 3 foram publicados na segunda metade do século XX e 42 no atual século.

Mapeamento e discussão das temáticas da produção

Nem todos os estudos tratam especificamente de representações culturais ou representações sociais. No entanto, na leitura mais aprofundada dos estudos que não explicitam essas representações, podemos inferir que as discussões se alinham à dimensão simbólica do câncer de mama que, de certa forma, caracterizam as representações, sejam culturais ou sociais.

A literatura aponta que as representações sociais incluem temas concretos, como alterações corporais, incluindo os estigmas da doença, como também temas subjetivos e abstratos, relacionados ao fatalismo, espiritualidade e aspectos relacionados à sobrevivência pós câncer. Aspectos políticos, como as relações étnico raciais também são amplamente citados no contexto do câncer de mama, o que traduz a relação desse tema com a cultura local, as leis e costumes de um território e a forma de tratar o corpo da mulher.

Em síntese, as fontes afiguram-se em cinco grandes temáticas: (1) Comprometimento na imagem corporal e nas interações; (2) Espiritualidade; (3) Perda do controle da vida; (4) Seguir com a vida e (5) Associação a questões étnico-raciais (Quadro 2). Observa-se que uma fonte pode figurar, simultaneamente, em mais de uma temática ou subtemática.

Quadro 2
Subcategorias e referências dos estudos.

Discussão

Com base na literatura, consideramos que, para compreender as alterações corporais no câncer de mama e como isso afeta as mulheres em tratamento, precisamos suscitar o conceito de estigma. Segundo Goffman1212 Goffman E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4ª ed. Rio de Janeiro: LTC; 1988., há três tipos de estigmas: deformidades físicas; culpas de caráter individual e estigmas tribais de raça, nação e religião. Os dois primeiros tipos podem ser inferidos na discussão dos estudos analisados. Nesse sentido, por meio do estigma de algo, ou seja, um marcador de desvalia, pode haver a desacreditação ou distanciamento do reconhecidamente normal que as mulheres com câncer de mama serão reconhecidas e tratadas diante desse contexto. A marca da queda do cabelo pela quimioterapia e/ou a mutilação da ausência da mama evocam a perda da feminilidade diante da expectativa do corpo como instrumento reprodutivo, sexual e adequado.

Nos textos sobre modificações corporais e como esse evento é um marcador da representação social do câncer de mama, o debate pode ser ampliado para aspectos como: “vergonha do diagnóstico”, “medo”, “ameaça” e “autoestima”. Essas expressões envolvem as angústias diante das perdas físicas que afetarão as subjetividades. Embora não seja o tema central, o corpo feminino como instrumento de controle e pela medicina moderna, seu principal dispositivo de vigilância, reafirma o quanto o corpo biologicamente saudável deva ser instrumento de desejo e valor. Refletir através da medicalização e fragmentação de corpos nos faz acessar as afetações que traduzem medo, vergonha e ameaça por algo que não é culpa da pessoa acometida1313 Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes; 1987.,1414 Martin E. A mulher no corpo: uma análise cultural da reprodução. Rio de Janeiro: Garamond; 2006.. Nesse ponto, encontramos trabalhos que demonstram justamente o abandono por parte dos cônjuges da pessoa com câncer, numa demonstração de como os frutos das representações se firmam socialmente.

O estigma como representação, de forma indireta, afasta mulheres do rastreio, e em consequência, do diagnóstico precoce e do tratamento adequado. É fato também que o processo de exclusão social não permite essa escolha para um segmento de mulheres, porém, outras que possuem esse direito, ou privilégio, atrasam apoiadas na negação que pode advir do que isso representa na trajetória pessoal. É um ciclo que aumenta mortalidade, traz mais estigma pois os tratamentos das doenças avançadas serão mais agressivos e alimenta o imaginário de que todo câncer será devastador e uma real ameaça à vida.

Quando os artigos abordam as representações sociais relacionadas à perda do controle da vida, observamos as consequências do estigma, que era temido no grupo anterior. O diagnóstico do câncer de mama traz reflexões inexoráveis: medo da morte, medo do futuro, medo da rejeição e o debate sobre fatalismo.

Outro aspecto observado na revisão, é a espiritualidade como norte de mulheres com câncer de mama. Embora espiritualidade não seja o tema central deste estudo, o uso dessa definição correlato às representações sociais funciona por vezes como antídoto. A espiritualidade no enfrentamento, no lidar com a doença e suas consequências e como estratégia de enfrentamento. Notamos ainda registros do uso inadequado da espiritualidade para negação da realidade corporal, tão comum na nossa cultura. Mulheres que fogem para religião na busca por algo que a ciência deve intervir, o que não significa que curas espirituais sejam benéficas, mas não se interpõem à ciência e à farmacologia.

Como a seleção dos artigos não foram excludentes dentro dos grupos de análise, a maior quantidade de estudos pode se adequar ao tema “seguir com a vida/ sobrevivência”. Compreender a dimensão simbólica do câncer de mama e bem como experimentar a resiliência nesse mesmo contexto foram pontos onde as representações foram incluídas na literatura. A construção da sequência simbolismo e resiliência seguidos pela aceitação do corpo modificado e a readaptação ao trabalho e à vida pessoal demostra a trajetória de uma parcela de mulheres que decidem, e podem, se tratar.

Os aspectos étnico-raciais no contexto do câncer de mama formaram uma categoria diversa, com possibilidade de novos debates e necessidade de maior atenção em outros trabalhos. Esse fato se deve às representações sociais também se associarem ao conceito de cultura e por também vivermos num mundo historicamente racializado. Na antropologia, a cultura dialoga com crenças e valores que são produzidos e perpetuados por um grupo social, ou seja, se relacionam com valores locais que são transmitidos socialmente. Nesse contexto, países autocráticos, comuns nas regiões do golfo pérsico e em países da África central apresentam barreiras para mulheres acessarem serviços de saúde pela exposição do corpo, pela necessidade de consentimento do cônjuge e por viverem comandadas por dogmas religiosos.

No caso dos atravessamentos raciais, pudemos observar o que, dentro de um olhar atento fora do contexto acadêmico, já parecia cristalizado: mulheres negras são mais excluídas dos sistemas de saúde que as brancas, apresentam doenças mais avançadas e morrem mais de câncer que as de pele clara. Racializar o cuidado em saúde parece ser uma demanda urgente nesses estudos que evocam, entre outras especificidades, o mito da democracia racial, que pode abalar as relações médico-paciente e potencializar estigmas da doença e do tratamento do câncer.

Conclusões

Observa-se que, até a primeira metade do século XX, no campo da biomedicina, várias metáforas foram utilizadas para o câncer em geral, a exemplo das visões fatalista (“vestíbulo da morte”), demoníaca (“tumor maligno” X “tumor benigno”) e militar (“ataque de células inimigas a ser combatido”)1515 Sontag S. A doença como metáfora. Rio de Janeiro: Graal; 1984.. Se olharmos para as representações do câncer de mama tematizadas neste estudo, podemos considerar que permanências dessas metáforas associadas ao câncer em geral ainda continuam existindo.

Por outro lado, consideramos que as representações aqui tratadas não são apenas tributadas às mencionadas metáforas. As instâncias da subjetividade, das relações societárias e da dimensão sociocultural de segmentos populacionais podem também configurar distintas formas leigas para representar o câncer.

Em termos de evidências, podemos ressaltar que o escopo desta revisão aponta para questões que vão para além da doença da uma parte do corpo da mulher. Problemas com a mama podem resultar em comprometimentos na identidade feminina.

Com base nas discussões dos estudos revisados, destacamos que a atenção a mulheres com câncer de mama não pode ser pautada apenas pelas abordagens biomédica e epidemiológica, uma vez que essa doença é atravessada por saberes que competem com essas abordagens. Nesse sentido, tanto âmbito da formação, quanto no da atuação de profissionais de saúde, faz-se necessário problematizar diferentes camadas simbólicas que envolvem as representações do câncer aqui focalizado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2023
  • Aceito
    09 Ago 2023
  • Publicado
    11 Ago 2023
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