Implantação de consórcios públicos de saúde e policlínicas regionais na Bahia, Brasil

Daniela Gomes dos Santos Biscarde João Vitor Pereira dos Santos Vitória Oliveira Santos Nilia Maria de Brito Lima Prado Patty Fidelis de Almeida Ana Paula Chancharulo de Morais Pereira Adriano Maia dos Santos Sobre os autores

Resumo

Os consórcios públicos de saúde (CPS) representam uma estratégia para potencializar a regionalização no SUS e a cooperação interfederativa. A implantação de policlínicas regionais visa melhorar o acesso a serviços de maior densidade tecnológica, mais próximos ao município de origem dos usuários. Este estudo objetiva analisar o processo de implantação dos consórcios públicos de saúde e das policlínicas regionais na Bahia, com base em análise documental, identificando aspectos facilitadores e dificultadores relativos à entrada na agenda política, ao papel da gestão estadual e às especificidades da composição dos CPS e das policlínicas regionais no estado da Bahia. Realizou-se análise documental das atas da Comissão Intergestores Bipartite dos anos de 2015 a 2018 e de documentos constitutivos dos consórcios implantados na Bahia. A experiência do Ceará inspirou a criação dos consórcios na Bahia, sobretudo na estruturação das policlínicas. Verificou-se posicionamento favorável dos gestores municipais acerca da potencialidade do consórcio na cooperação entre municípios. A atuação do governo do estado revelou-se condição facilitadora, e a manutenção da contrapartida municipal no financiamento, como elemento dificultador. Os consórcios contribuíram para a regionalização da saúde no estado e a ampliação do acesso à atenção especializada.

Palavras-chave:
Consórcio de saúde; Gestão em saúde; Regionalização da saúde

Introdução

A implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado federativo brasileiro apresenta muitos condicionantes para a coordenação de políticas públicas. Aspectos de natureza político-institucional, próprias do arranjo federativo, e histórico-estrutural, ligados às desigualdades socioespaciais, limitam a articulação e o desempenho dos governos, sendo essencial desenvolver estratégias e instrumentos de coordenação com múltiplos atores e escalas de decisão para implantação de políticas e ações abrangentes e integradas11 Lima LD, Pereira AMM, Machado CV. Crise, condicionantes e desafios de coordenação do Estado federativo brasileiro no contexto da COVID-19. Cad Saude Publica 2020;36(7):e00185220..

Os consórcios públicos de saúde (CPS) são considerados estratégicos para viabilizar ação pública em rede, unindo e integrando entes federativos autônomos na realização de atividades e projetos de interesse comum22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). O consórcio e a gestão municipal em saúde [Internet]. 1997. [acessado 2019 ago 14]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_14.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
. Os arranjos organizativos por meio de CPS promovem a cooperação e o compartilhamento na prestação da atenção à saúde entre os entes federativos, fomentando o acesso e a interação entre serviços públicos municipais, visando facilitar planejamento local e gestão33 Mendonça FF, Andrade SKAV. Consórcio Público de Saúde como arranjo para relação federativa e processo de regionalização. Redes 2018; 23(3):206-224. para atender a necessidades regionais com qualidade e racionalidade dos custos44 Flexa RGC, Barbastefano RG. Consórcios públicos de saúde: uma revisão da literatura. Cien Saude Colet 2020; 25(1):325-338..

A primeira experiência de consórcios verticais de saúde, no Ceará, demonstra como fatores favoráveis à cooperação vertical no estado: (i) a trajetória da política de saúde; (ii) a atuação do governo estadual como ente coordenador do processo de regionalização; (iii) a existência de empreendedores políticos e coesão entre a burocracia; e (iv) a sobreposição entre o desenho institucional dos consórcios e a estrutura decisória do SUS55 Julião KS, Olivieri C. Cooperação intergovernamental na política de saúde: a experiência dos consórcios públicos verticais no Ceará, Brasil. Cad Saude Publica 2019; 36(3):e00037519..

Destaca-se a redução de desigualdades regionais como uma das potencialidades dos CPS, uma vez que possibilitam oferta equitativa de serviços em benefício de municípios com diferentes portes populacionais em uma mesma região de saúde66 Lima APG. Os Consórcios Intermunicipais de Saúde e o Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2000; 16(4):985-996.. Os consórcios podem favorecer a descentralização da prestação de serviços e maior racionalidade na implementação das políticas públicas, a partir de uma visão territorial do desenvolvimento na qual as questões regionais devem ser tratadas conjuntamente77 Carvalho SML, Xavier TS, Pinto FLB. Trajetória dos consórcios públicos baianos: oportunidades e desafios para uma política de desenvolvimento territorial. In: Anais do 9th Congresso CONSAD de Gestão Pública [Internet]. 2016. [acessado 2019 out 10]. Disponível em: http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Painel-36-02.pdf
http://consad.org.br/wp-content/uploads/...
.

No que respeita aos processos de aquisição de insumos e contratação de serviços, os CPS apresentam melhor desempenho frente às compras individualizadas por cada um dos entes federativos44 Flexa RGC, Barbastefano RG. Consórcios públicos de saúde: uma revisão da literatura. Cien Saude Colet 2020; 25(1):325-338.,88 Lui L, Lima LL, Aguiar RBD. Avanços e desafios na cooperação interfederativa: uma análise dos consórcios intermunicipais de saúde do estado do Rio Grande do Sul. Novos Estud CEBRAP 2022; 41(1):145-142.. Em outras realidades, a estratégia prevê adequação e melhoria de hospitais e outras unidades de saúde para atendimento de alta densidade tecnológica33 Mendonça FF, Andrade SKAV. Consórcio Público de Saúde como arranjo para relação federativa e processo de regionalização. Redes 2018; 23(3):206-224.. Contudo, a organização de fluxos e integração assistencial regional persiste como fragilidade99 Paiva MG, Chebli JMF, Souza AIS, Teixeira MTB. Acesso e regionalização em saúde: análise de um serviço ambulatorial de média complexidade. Rev APS 2010; 13(Supl. 1):3-14.,1010 Galvão JR, Almeida PF, Santos AM, Bousquat A. Percursos e obstáculos na Rede de Atenção à Saúde: trajetórias assistenciais de mulheres em região de saúde do Nordeste brasileiro. Cad Saude Publica 2019; 35(12):e00004119..

A especificidade do arranjo federativo brasileiro, as profundas desigualdades territoriais e os conflitos políticos governamentais revelam-se como condicionantes para coordenação federativa, mostrando necessidade de estruturas de comando, da repartição de responsabilidades e competências gestoras entre entes federados e do aprimoramento de mecanismos de cooperação intergovernamental, por meio de estratégias e instrumentos que favoreçam o alinhamento de esforços e ações governamentais em prol de objetivos comuns11 Lima LD, Pereira AMM, Machado CV. Crise, condicionantes e desafios de coordenação do Estado federativo brasileiro no contexto da COVID-19. Cad Saude Publica 2020;36(7):e00185220..

Nesse sentido, o CPS se apresenta como alternativa para promover cooperação intergovernamental, visando suprir necessidades de serviços de maior densidade tecnológica e maior resolutividade do SUS, sobretudo em regiões formadas por municípios de menor porte que, isoladamente, não teriam condições de ofertar uma diversidade grande de serviços.

Os CPS fortalecem a integralidade e ampliam a oferta e o acesso aos serviços especializados1111 Botti CS, Artmann E, Spinelli MAS, Scatena JHG. Regionalização dos Serviços de Saúde em Mato Grosso: um estudo de caso da implantação do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região do Teles Pires, no período de 2000 a 2008. Epidemiol Serv Saude 2013; 22(3):491-500.,1212 Almeida PF, Silva KS, Bousquat A. Atenção especializada e transporte sanitário na perspectiva de integração às Redes de Atenção à Saúde. Cien Saude Colet 2022; 27(10):4025-4037.. Assim, é possível inferir que essa estratégia, juntamente com a implementação de policlínicas regionais, apresenta relevância no âmbito da regionalização e da equidade na distribuição de serviços de saúde entre municípios e regiões com menor porte populacional e menor capacidade instalada, bem como fiscal e administrativa, em territórios distantes dos centros urbanos, com grandes dificuldades de acesso a serviços de saúde e prejuízos na resolutividade do SUS.

O processo de regionalização na Bahia vem se dando de forma incremental, desde os anos de 19701313 Araújo JD, Ferreira ESM, Nery GC. Regionalização dos serviços de Saúde Pública: a experiência do estado da Bahia, Brasil. Rev Saude Publica 1973; 7(1):1-9., muito embora, somente ao longo dos anos 2000, tenha ganhado impulso com forte direcionamento do governo estadual1414 Santos AM, Assis MMA. Processo de regionalização da saúde na Bahia: Aspectos políticos- Institucionais e modelagem dos territórios sanitários. RBGDR 2017; 13(2):400-412.. Na Bahia, a formação de CPS verticais é uma estratégia adotada pelo governo para implantação de policlínicas regionais de saúde, visando ampliar o acesso à atenção especializada para as populações de diferentes regiões de saúde, incluindo aporte de transporte sanitário1212 Almeida PF, Silva KS, Bousquat A. Atenção especializada e transporte sanitário na perspectiva de integração às Redes de Atenção à Saúde. Cien Saude Colet 2022; 27(10):4025-4037..

Este artigo objetiva analisar o processo de implantação dos CPS e das policlínicas regionais na Bahia, com base em análise documental, identificando aspectos facilitadores e dificultadores relativos à entrada na agenda política, papel da gestão estadual e especificidades da composição territorial no estado.

Aspectos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa de revisão documental1515 Silva JRS, Almeida CD, Guindani JF. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. RBHCS 2009; 1(1):1-15., que produz e reelabora conhecimentos a partir de corpus da pesquisa, constituído por 99 documentos. Foram analisadas 36 atas de reuniões da CIB-BA, quatro relatórios de atividades da CIB-BA, 23 estatutos dos CPS, 16 atas de reuniões de CPS, 19 contratos de rateio de policlínicas e o Plano Diretor de Regionalização (PDR) (Quadro 1). A produção e análise dos dados ocorreram entre novembro de 2019 e maio de 2021 por bolsistas e pesquisadores da equipe de pesquisa, que foi aprovada com CAAE: 79452117.5.0000.5556.

Quadro 1
Documentos analisados e fontes de obtenção.

Entre novembro de 2019 e janeiro de 2020, foram obtidas as atas das reuniões da CIB-BA do período de 2015 a 2018. De janeiro a março de 2020 e em maio de 2021 foram consultados estatutos e atas de implantação, disponíveis no site do Observatório Baiano de Regionalização (OBR), a fim de estabelecer uma cronologia da criação dos CPS e das policlínicas regionais na Bahia. Em outubro de 2022, março e agosto de 2023, foram realizadas novas consultas ao OBR para atualização do cenário de criação dos CPS.

Houve consulta ao PDR para identificar a composição das regiões de saúde, comparando-as com a composição dos CPS e a abrangência territorial das policlínicas. Adicionalmente, analisaram-se relatórios da CIB-BA do período de abril a maio de 2021, identificando convergências e divergências sobre conteúdo, quantidade de reuniões e frequência mensal dos membros da Secretaria Estadual da Saúde da Bahia (Sesab) e do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (Cosems).

O processo analítico foi iniciado a partir da leitura das atas e da identificação do conteúdo relacionado ao objetivo da pesquisa. Houve organização e sistematização do conteúdo a partir de duas matrizes de análise: 1) características gerais das reuniões (periodicidade, tipo, frequência e participação dos membros da CIB); e 2) conteúdos relacionados às unidades temáticas de referência (regionalização, financiamento, CPS e policlínicas regionais). Em seguida, foram analisados os demais documentos para ampliar e validar informações obtidas das atas, mediante triangulação por meio das diferentes fontes de evidências documentais.

Durante o processo de análise, fatores relacionados à disponibilidade de documentos dificultaram a busca por informações completas. Dos 23 CPS implantados na Bahia, sete não tinham nenhuma ata disponível no OBR no período da coleta de dados, em 2020. Neste estudo, a data de criação dos consórcios foi considerada como a data correspondente ao dia da primeira assembleia, e na ausência desta, a data de protocolização do estatuto mais atual do consórcio. Quanto ao período de implantação das policlínicas, adotou-se a data da ordem de serviço contida no contrato de rateio.

As regiões de saúde da Bahia foram definidas pela Resolução CIB nº 275/20121616 Bahia. Serviço Público Estadual. Resolução CIB nº 275, de 15 de agosto de 2012. Aprova as regiões de saúde do Estado da Bahia e a instituição das Comissões Intergestores Regionais. Diário Oficial Estado da Bahia 2012; 16 ago., atualizada por resoluções posteriores, considerando pedido de municípios para compor outra região. Atualmente, o Plano Diretor de Regionalização apresenta 28 regiões de saúde (Figura 1).

Figura 1
Regiões de saúde da Bahia.

Para a análise dos dados produzidos, utilizou-se a perspectiva de Kingdon (1997)1717 Kingdon JW, editor. Agendas, alternatives and public policies. New York: Pearson Education; 1997., a partir da qual o processo de tomada de decisão nas políticas públicas é representado pela confluência de três grandes correntes dinâmicas: dos problemas (problems), das propostas ou alternativas (policies) e da política (politics). Assim, foram identificadas as unidades temáticas na agenda decisória da CIB, correlacionando-as à problemática do acesso à atenção especializada no estado, aos atores estratégicos e a ações indutoras da proposta do CPS na agenda política governamental e aos aspectos do contexto político, administrativo e legislativo favoráveis à criação dos CPS na Bahia. Partiu-se do conteúdo das atas da CIB-BA, posteriormente complementados pelos demais documentos descritos no Quadro 1.

Resultados e discussão

Entrada na agenda da CIB-BA e papel indutor da gestão estadual

Entre os anos de 2015 e 2018 (Quadro 2), foram realizadas, em média, dez reuniões da CIB por ano. A maioria teve caráter ordinário, ocorrendo somente duas reuniões extraordinárias. No período analisado, identificou-se divergência da quantidade de reuniões conduzidas ao considerar o número de atas disponíveis no portal eletrônico da CIB-BA e os dados do relatório de atividades da comissão.

Quadro 2
Caracterização das reuniões da CIB-BA de 2015 a 2018.

As reuniões ocorreram majoritariamente no auditório da União dos Municípios da Bahia (UPB), porém algumas foram no Auditório da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. Com relação à frequência, observou-se constante presença dos membros da CIB, que é composta por gestores municipais e estaduais, representantes do COSEMS e da SESAB1818 Bahia. Resolução nº 011, de 5 de fevereiro de 2015. Aprova Regimento Interno da Comissão Intergestores Bipartite e das Comissões Intergestores Regionais do Estado da Bahia. Diário Oficial Estado da Bahia 2015; 6 fev.. Destacou-se a presença assídua da representação da capital e sua participação nas reuniões. Houve presença pouco frequente de representação do Conselho Estadual de Saúde.

Durante o período em questão, identificou-se que as discussões entre gestores na CIB, de maneira geral, envolveram pactuações acerca da regulação e da rede de atenção à saúde. A temática da regionalização também surgiu ligada a ações e indicadores sobre a vigilância em saúde, com discussões conduzidas pela Superintendência de Vigilância e Proteção da Saúde (SUVISA) e pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia (DIVEP).

Em 2015, nota-se grande ênfase na temática dos consórcios públicos de saúde e das policlínicas regionais, sendo associados ao fortalecimento da descentralização e regionalização do SUS. Por outro lado, nas atas de 2016, não houve referências aos CPS, o que também foi evidenciado no relatório de atividades da CIB-BA.

Em 2017, a análise das atas mostrou o surgimento de discussão envolvendo as policlínicas regionais, destacando sua influência no acesso à atenção especializada em municípios de pequeno porte. Além disso, transcorreram debates relativos às pactuações entre municípios, dentro e fora da mesma região de saúde. No ano de 2018, houve discussões sobre aumento da magnitude de doenças como diabetes e câncer de próstata e mama, correlacionando-as com a atuação das policlínicas frente a tais problemas das regiões.

A partir dos CPS e das policlínicas, com a perspectiva de fortalecimento da relação de interdependência entre municípios, há maior possibilidade de integração e fortalecimento da região de saúde. Nesse sentido, foi possível perceber, sobretudo em 2017, narrativas da equipe diretiva da SESAB acerca do fortalecimento do SUS por meio da organização regional da atenção à saúde, diretriz que possibilita um olhar mais apurado para as singularidades das regiões de saúde.

Entre 2015 e 2018, das 36 atas da CIB-BA, o CPS foi referido em oito; sendo que o ano de 2015 foi o de maior frequência (4), seguido de 2017 (3) e 2018 (1). O conteúdo tratado nas reuniões restringiu-se à apresentação da proposta para a plenária, tendo como relator o gestor estadual. Situação que demonstra o protagonismo da gestão estadual na condução de tal estratégia e a ausência de discussão no âmbito municipal/regional. Presume-se que a condução dessa agenda pela SESAB decorra do fato de que tal estratégia compunha o Programa de Governo Participativo (PGP) do chefe do executivo à época, em seu eixo 1, que estabelecia no rol de ações a implantação de policlínicas regionais de saúde. Observou-se protagonismo do estado no processo de implantação dos consórcios e de equipamentos de saúde, como as policlínicas1919 Almeida PF, Santos AM, Lima LD, Cabral LMS, Lemos MLL, Bousquat AEM. Consórcio Interfederativo de Saúde na Bahia, Brasil: implantação, mecanismo de gestão e sustentabilidade do arranjo organizativo no Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2022; 38(9):e00028922..

A agenda governamental segue um processo que se caracteriza por: 1) surgimento ou reconhecimento de um problema pela sociedade em geral; 2) existência de ideias e alternativas para conceituá-los - originadas de especialistas, investigadores, políticos e atores sociais, entre outros; 3) contexto político, administrativo e legislativo favorável ao desenvolvimento da ação1717 Kingdon JW, editor. Agendas, alternatives and public policies. New York: Pearson Education; 1997..

Problemas acerca da desigualdade de acesso e utilização de serviços de saúde, da capacidade instalada e dos vazios assistenciais nos diferentes territórios regionais da Bahia gerando grandes deslocamentos da população em busca de atendimento, sobretudo para a região metropolitana de Salvador, já eram pautados na grande mídia, por outros estudos2020 Almeida PF, Santos AM, Cabral LM, Bousquat A, Fausto MC. Provision of specialized care in remote rural municipalities of the Brazilian semi-arid region. Rural Remote Health 2021; 21(4):6652., nos espaços intergestores, pelo controle social e nas campanhas eleitorais. Portanto, o reconhecimento das dificuldades de acesso aos níveis secundário e terciário está atrelado à desigualdade das macrorregiões de saúde, dada sua heterogeneidade de estrutura e financiamento, com destaque para a macrorregião leste, com maior quantitativo de serviços de média e alta complexidade, sendo necessária a reestruturação da rede de saúde, fortalecendo e distribuindo recursos para superar esses impasses2121 Suzart NA, Rosado LB, Vieira SL, Santos TBS. Problemas e prioridades para atenção hospitalar no SUS Bahia: análise dos planos estaduais de saúde. Rev Gestao Saude 2021; 12(1):68-79..

Há condicionantes de ordem política: programas de desenvolvimento privilegiando a capital e adjacências e/ou dissociados das características locorregionais; e também estrutural: forte dependência financeira municipal de transferências governamentais (Fundo de Participação dos Municípios, ICMS, Fundo Nacional de Saúde), insuficiência de profissionais especializados, grande dependência do setor privado e infraestrutura deficiente das unidades de saúde. Todos resultantes do processo histórico de ocupação do território brasileiro, que privilegiou a faixa litorânea, e do modelo de financiamento das ações e serviços de saúde adotado pelo Estado brasileiro, que está alicerçado na capacidade instalada, consolidando desigualdades inter e intrarregionais.

Dessa forma, é imperiosa a reorganização da rede de atenção à saúde, pautada nas necessidades populacionais, em mecanismos de financiamento que mitiguem as desigualdades de oferta entre regiões e no fortalecimento dos espaços de governança regional. Urge fomentar estratégias criativas e inovadoras que fortaleçam relações intergovernamentais solidárias e cooperativas, superando impasses na implementação da política de saúde.

A inserção dos CPS na pauta das reuniões da CIB foi induzida pelo governo estadual, com o primeiro registro de discussão desse tema na reunião de fevereiro de 2015. Houve a apresentação da proposta de consórcios para a Bahia, conduzida pelo secretário estadual de saúde, abordando o planejamento para a implantação de policlínicas regionais de especialidades a partir da estruturação de consórcio interfederativo de saúde (CIS).

Atas da CIB indicam que a pauta do CPS foi inserida nas reuniões em meio a um cenário de problemas de acesso e necessidade de cooperação entre municípios de diferentes tipologias e realidades. Nesse contexto, as discussões enfatizavam fortalecimento municipal e regional, por meio dos CPS, com vistas a aprimorar a regionalização do SUS e, sobretudo, o uso racional dos recursos nas regiões de saúde.

[...] através do consórcio se tornaria real o que o SUS preconiza no papel: a cooperação entre os municípios e o rateio real das despesas” - ata de 2015.

[...] o processo de regionalização e descentralização que foi iniciado na Bahia estimula que cada região decida o que fazer com os recursos de MAC, caminhando para o fortalecimento da região e, consequentemente, o fortalecimento dos municípios” - ata de 2017.

É possível reconhecer como motivação para inserção da temática dos CPS na pauta da CIB, a identificação do mesmo como mecanismo capaz de fomentar a cooperação federativa, dentro da região de saúde, objetivando melhorar a resposta estatal frente às necessidades de saúde da população, ao mesmo tempo em que descentraliza para o nível regional o processo de tomada de decisão e o compartilhamento de responsabilidades, recursos e despesas.

Além do reconhecimento do problema, análises de especialistas no âmbito acadêmico, de gestores e técnicos no planejamento e gestão em saúde já apresentavam experiências exitosas sobre implementação de CPS em diferentes estados brasileiros, demonstrando seu potencial para promover cooperação federativa e fortalecimento da regionalização do SUS.

Os CIS do Paraná foram destacados em relação a quadro funcional, vínculo empregatício e visível melhora regional na ampliação de serviços especializados2222 Nicoletto SCS, Cordoni Jr L, Costa NR. Consórcios Intermunicipais de Saúde: o caso do Paraná, Brasil. Cad Saude Publica 2005; 21(1):29-38.. O CPS em Pernambuco revelou estratégia de gestão democrática e regionalizada com foco nos resultados2323 Galindo JM, Cordeiro JC, Villani RAG,Filho EAB, Rodrigues CS. Gestão interfederativa do SUS: a experiência gerencial do Consórcio Intermunicipal do Sertão do Araripe de Pernambuco. Rev Adm Publica 2014; 48(6):1545-1566.. Experiências de consórcios nos estados de Minas Gerais e Paraná foram destacadas pelo comprometimento dos governos estaduais44 Flexa RGC, Barbastefano RG. Consórcios públicos de saúde: uma revisão da literatura. Cien Saude Colet 2020; 25(1):325-338..

O Rio Grande do Sul88 Lui L, Lima LL, Aguiar RBD. Avanços e desafios na cooperação interfederativa: uma análise dos consórcios intermunicipais de saúde do estado do Rio Grande do Sul. Novos Estud CEBRAP 2022; 41(1):145-142. criou consócios para suprir demandas de acesso aos serviços de saúde e fragilidades financeiras dos municípios de pequeno porte. Mato Grosso obteve resultados satisfatórios na melhoria da situação regional de saúde após implementação dos consórcios1010 Galvão JR, Almeida PF, Santos AM, Bousquat A. Percursos e obstáculos na Rede de Atenção à Saúde: trajetórias assistenciais de mulheres em região de saúde do Nordeste brasileiro. Cad Saude Publica 2019; 35(12):e00004119.. No Ceará, a implantação dos CPS visou garantir e ampliar os serviços especializados, resultando em um experiência exitosa2424 Almeida PF, Giovanella L, Martins Filho MT, Lima LD. Redes regionalizadas e garantia de atenção especializada em saúde: a experiência do Ceará, Brasil. Cien Saude Colet 2019; 24(12):4527-4540..

A análise das atas evidenciou que a experiência dos CPS do Ceará foi a principal referência para a criação dessa estratégia na Bahia, inclusive para a estrutura física das unidades. A planta arquitetônica das policlínicas do Ceará, com desenho técnico da construção, foi replicada na Bahia. Nesse processo, houve consultoria do gestor de saúde cearense que participou da criação dos consórcios e das policlínicas.

No que se refere ao contexto político, administrativo e legislativo para a composição da agenda governamental de criação dos CPS na Bahia, o conteúdo das atas também aponta um cenário facilitador1717 Kingdon JW, editor. Agendas, alternatives and public policies. New York: Pearson Education; 1997.. Verifica-se o alinhamento entre o governador e o secretário estadual de saúde, no intuito de descentralizar e ampliar serviços de referência para as regiões de saúde do estado. Evidências obtidas no conteúdo das atas revelam que “a bandeira do governador para a área de saúde sempre foi, desde o primeiro momento, regionalizar, descentralizar”. Tais ideias eram convergentes com a perspectiva do secretário estadual da saúde, conforme registro das atas.

Esse alinhamento e a expansão de serviços denotam a perspectiva de aumentar a capacidade instalada, o acesso e a resolutividade regionais, favorecendo o processo de regionalização. Desde a assunção do Partido dos Trabalhadores ao governo do estado nas gestões anteriores (2007-2014), iniciativas para implantação de consórcios públicos como estratégia de desenvolvimento territorial na Bahia ocuparam a agenda governamental, com destaque para consórcios multifinalitários2525 Bahia. Secretaria do Planejamento, Diretoria de Planejamento Territorial. A política territorial do estado da Bahia: histórico e estratégias de implementação [Internet]. 2003. [acessado 2023 ago 28]. Disponível em: https://www.seplan.ba.gov.br/wp-content/uploads/Texto-DPT-Politica-Territorial_-V-2.0-2022.pdf
https://www.seplan.ba.gov.br/wp-content/...
(Figura 2).

Figura 2
Criação de Consórcios Públicos de Saúde (CPS) e Policlínicas Regionais (PR) na Bahia 2015-2023.

Identifica-se decisão do governo estadual, a partir de 2015, quanto à adoção da estratégia de CPS para implantar policlínicas regionais na Bahia. Assim, foi desencadeado um processo político, com forte indução do executivo estadual, através de negociações com prefeitos e de articulações junto ao legislativo (ALBA e câmaras municipais), no intuito de viabilizar a aprovação de lei que regulamentasse em cada esfera subnacional os CPS. Destaca-se, em setembro de 2015, a aprovação da Lei Estadual 13.3742626 Bahia. Assembleia Legislativa. Lei nº 13.374 de 22 de setembro de 2015. Disciplina a participação do estado da Bahia nos consórcios interfederativos de saúde, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005. Diário Oficial Estado da Bahia 2015; 23 set., sobre a participação do estado nos CIS, visando a cooperação técnica entre entes federados e a prestação de serviços especializados, entre outros. Estudos apontam que os consórcios de saúde verticais são um fenômeno relativamente novo no cenário brasileiro1919 Almeida PF, Santos AM, Lima LD, Cabral LMS, Lemos MLL, Bousquat AEM. Consórcio Interfederativo de Saúde na Bahia, Brasil: implantação, mecanismo de gestão e sustentabilidade do arranjo organizativo no Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2022; 38(9):e00028922.,2727 Julião KS, Olivieri C. Cooperação intergovernamental na política de saúde: a experiência dos consórcios públicos verticais no Ceará, Brasil. Cad Saude Publica 2020; 36(3):e00037519..

Apesar da continuidade do Partido dos Trabalhadores no governo estadual, têm-se a posse de um novo governador e mudanças na composição da Assembleia Legislativa da Bahia. Tal cenário, em 2015, resulta na alteração da composição das equipes gestoras das diversas secretarias estaduais, incluída a SESAB. Para além das mudanças de ordem pessoal, ocorreram, concomitantemente, modificações na agenda política e nas propostas/iniciativas. Tais mudanças envolvem alterações-chave em órgãos governamentais, na esfera administrativa e legislativa, alterando disputas de poder e indicando situações em que alternativas políticas antes consideradas inadequadas ou inviáveis passam a ser valorizadas2828 Zapelini MB. Montagem de agenda no Comitê Itajaí: uma aplicação do modelo de Kingdon. Rev Adm Contemp 2014; 18(6):795-812..

A decisão política do executivo estadual, nas pessoas do governador e do secretário de saúde, de forte indução da SESAB na CIB e nas articulações com prefeitos, associada à mudança da gestão, apontaram para um ambiente político facilitador da implementação dos CPS na Bahia. Verifica-se a convergência de elementos para construção de um contexto político, administrativo e legislativo favorável ao desenvolvimento da ação1717 Kingdon JW, editor. Agendas, alternatives and public policies. New York: Pearson Education; 1997..

Especificidades da composição dos consórcios públicos de saúde e das policlínicas regionais na Bahia

Os CPS da Bahia foram inspirados na experiência do Ceará. Apesar de o governo baiano ter adotado o modelo cearense como diretriz para a conformação dos CPS, registros apontam que a composição territorial apresenta contornos distintos. No Ceará, existe convergência entre as regiões de saúde e a área de abrangência dos CPS e das policlínicas. Na experiência baiana, o desenho territorial de abrangência dos CPS e das policlínicas não segue a cartografia das 28 regiões de saúde do PDR. Assim, o território de abrangência dos serviços das policlínicas na Bahia apresenta agrupamentos de municípios de diferentes regiões de saúde, algumas das quais estão divididas para compor diferentes consórcios (Quadro 3).

Quadro 3
Consórcios Públicos de Saúde implantados na Bahia entre 2015 e 2022

Relatos presentes nas atas dos anos de 2016 e 2018 apontam a influência da formatação dos consórcios para a composição das regiões de saúde. Tanto representantes da SESAB quanto do COSEMS relataram que, durante a movimentação para criação dos consórcios e das policlínicas, houve situações de municípios que saíram de uma região de saúde para outra. Em diferentes atas há registros de gestores apontando a necessidade de rever o Mapa da Saúde da Bahia, bem como o PDR. Assim, evidências denotam que a composição de algumas regiões de saúde pode ter sido alterada como consequência do processo de criação dos consórcios e implantação das policlínicas.

Durante a primeira etapa de consulta ao OBR, em 2020, regimentos e atas mostravam um total de 19 CPS implantados, abrangendo 26 regiões de saúde. Em nova consulta realizada em 2021, percebeu-se um avanço na quantidade de CPS, com o acréscimo de quatro consórcios (CISCD, Chapada Unida, CBTS e CONPIS), contemplando duas novas regiões de saúde (Porto Seguro e Seabra), além de englobar municípios de três regiões de saúde que já estavam contidas em outros consórcios (Itaberaba, Salvador e Serrinha).

Em 2022, observou-se que o número de CPS manteve-se o mesmo, contudo a composição foi alterada. O consórcio Alto Sertão incluiu um município (Botuporã). Do CISVITA saíram três municípios (Aratu, Guajeru e Malhada de Pedras), que migraram para o CISB. Este também incluiu mais sete consorciados (Boquira, Érico Cardoso, Ibipitanga, Livramento de Nossa Senhora, Macaúbas, Paramirim e Rio do Pires). No Reconvale houve saída das cidades de Muritiba e Conceição da Feira. Este município consorciou-se ao Portal do Sertão, no qual houve saída de Irará.

O COISAN integrou o município de Tucano, que havia saído do CONPIS. A cidade de Maraú consorciou ao CISCAU e o município de Ubaitaba, que antes participava do CIRJ. O CISBARC, por sua vez, integrou três municípios (Bom Jesus da Lapa, Sítio do Mato e Serra do Ramalho) e perdeu três (Serra Dourada e Tabocas do Brejo Velho, Correntina).

Em março de 2023, poucas modificações foram identificadas nas composições dos CPS. O município de Monte Santo saiu do CONPIS para integrar o consórcio da região de Senhor do Bonfim. Houve o retorno de municípios para os consórcios dos quais faziam parte anteriormente, como Muritiba ao Reconvale e Correntina para o CISBARC.

Em outubro de 2022, municípios das 28 regiões de saúde da Bahia estavam presentes em CPS, totalizando 407 municípios consorciados, dos 417 municípios baianos. Em março de 2023, esse número aumentou para 408 municípios, conforme dados do OBR.

Destacam-se possíveis consequências da composição dos CPS e da abrangência territorial das policlínicas para o processo de pactuação entre os municípios. Em 2017, houve sinalização de dificuldades para conduzir e implementar o processo de pactuação entre municípios de regiões de saúde diferentes, descrito como “procedimentos problemáticos” por parte de representante de área técnica da gestão estadual. A divergência entre os recortes territoriais dos CPS e das regiões de saúde resultou em dificuldades no processo de programação pactuada integrada (PPI), instrumento que trata da referência e contrarreferência para serviços ambulatoriais e hospitalares de maior densidade tecnológica, que culmina na alocação dos recursos de média e alta complexidade (MAC), repassados pelo Ministério da Saúde, nos Fundos Municipais de Saúde dos municípios executores daqueles serviços não disponíveis nos municípios demandantes.

Quanto ao posicionamento dos integrantes da CIB a respeito desse processo, notou-se consenso entre os gestores sobre a necessidade de cooperação entre os municípios de diferentes portes. Desse modo, o CPS era apontado como uma estratégia para unir esses municípios, visando diminuir a falta de integração entre os serviços, melhorar o rateio dos recursos entre os municípios, aumentar o acesso aos serviços e a resolutividade e fortalecer a rede regional de saúde. Experiência na região Sul do Brasil demonstrou que os consórcios possibilitaram economia na aquisição de insumos de saúde, pois o custo é rateado entre os municípios consorciados88 Lui L, Lima LL, Aguiar RBD. Avanços e desafios na cooperação interfederativa: uma análise dos consórcios intermunicipais de saúde do estado do Rio Grande do Sul. Novos Estud CEBRAP 2022; 41(1):145-142..

Foram identificados como aspectos facilitadores desse processo: o apoio e a indução do governo do estado para promover um modelo de gestão e organização de serviços, favorecendo a regionalização do SUS. Nesse sentido, a destinação de recursos estaduais para viabilizar a criação das policlínicas e a implementação dos consórcios foi muito valorizado pelos gestores.

Pela primeira vez o governo do Estado tinha sinalizado um novo recurso para os municípios, a fim de viabilizar o consórcio, e estava injetando 40% do custeio da média complexidade nessas estruturas que os municípios vinham se comprometendo a assumir e ratear via consórcio - ata de 2017.

Experiências em diferentes realidades no Brasil apontam a importância da participação estadual como uma das razões para a expansão dos CPS. Evidência de Pernambuco demonstrou que a gestão estadual participou na articulação com os municípios e no financiamento de ações regionais, sendo fundamental para a implantação, a legitimidade e a sustentabilidade do modelo consorciado2929 Leal EMM, Silva FSS, Oliveira RA, Pacheco HF, Santos FAS, Garibaldi DGJ. Razões para a expansão de consórcios intermunicipais de saúde em Pernambuco: percepção dos gestores estaduais. Saude Soc 2019; 28(3):128-142.. Em Mato Grosso, essa participação possibilitou a viabilidade financeira1111 Botti CS, Artmann E, Spinelli MAS, Scatena JHG. Regionalização dos Serviços de Saúde em Mato Grosso: um estudo de caso da implantação do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região do Teles Pires, no período de 2000 a 2008. Epidemiol Serv Saude 2013; 22(3):491-500.. A gestão estadual do Paraná atuou no fomento da cooperação intermunicipal, incentivando e articulando com os municípios para melhor adesão aos consórcios3030 Rocha CV. A cooperação federativa e a política de saúde: o caso dos consórcios intermunicipais de saúde no estado do Paraná. Cad Metrop 2016; 18(36):377-399.. Estudo de região do Ceará apontou protagonismo do estado, por sua legitimidade nos espaços formais de negociação e decisão em âmbito regional, impactando a ascensão dos CPS2424 Almeida PF, Giovanella L, Martins Filho MT, Lima LD. Redes regionalizadas e garantia de atenção especializada em saúde: a experiência do Ceará, Brasil. Cien Saude Colet 2019; 24(12):4527-4540.. Estudo na Bahia também apontou que os gastos para construção, equipamentos, transporte sanitário e cofinanciamento permanente de custeio pelo gestor estadual são fatores que incentivam adesão aos consórcios verticais1919 Almeida PF, Santos AM, Lima LD, Cabral LMS, Lemos MLL, Bousquat AEM. Consórcio Interfederativo de Saúde na Bahia, Brasil: implantação, mecanismo de gestão e sustentabilidade do arranjo organizativo no Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2022; 38(9):e00028922..

O formato do financiamento compartilhado e assunção de responsabilidade técnica e financeira pelo governo estadual para custear as policlínicas foi fundamental no cenário baiano. Contudo, pode-se perceber como um dos pontos dificultadores o receio dos gestores municipais em garantir uma parte dos recursos, tendo em vista o subfinanciamento do SUS e as restrições orçamentárias municipais.

Considerações finais

Historicamente, o processo de regionalização da Bahia é marcado por desconcentração administrativa e conflitos políticos, sem a necessária descentralização de poder para territórios regionais e estruturas administrativas. A adoção dos CPS tornou-se alternativa para fortalecer a regionalização, por meio de cooperação entre entes federativos desiguais, visando prestar serviços e desenvolver ações conjuntas que levem em consideração interesses coletivos e benefícios públicos, consolidando o processo de descentralização política.

As discussões sobre os CPS, pautadas na CIB, envolveram a necessidade de fortalecer territórios regionais, contribuindo efetivamente para a regionalização do SUS. A despeito das fragilidades existentes, destaca-se a relevância da implantação de policlínicas regionais como estratégia do CPS na Bahia para ampliação do acesso à atenção especializada por meio de consultas, procedimentos de apoio diagnóstico e terapêutico em nível regional.

Este estudo apresenta limites, posto que a análise documental não permite aprofundar nuances dos aspectos políticos inerentes à gestão regional do SUS que permearam a tomada de decisão para implantação dos CPS e das policlínicas regionais na Bahia. Há necessidade de outros estudos para análises mais aprofundadas sobre esse processo, a partir da concepção dos atores, dos pactos e do processo decisório junto aos diferentes municípios e regiões do estado. Como pontos fortes, nota-se o papel estratégico dos estados na indução e na coordenação da regionalização do SUS, bem como especificidades relativas ao cenário territorial e a capacidades estatais. Embora inspirado no caso cearense, há peculiaridades na formatação dos territórios dos CPS e das policlínicas na Bahia, divergentes da composição das regiões de saúde delimitadas pelo PDR. Tais aspectos precisam ser investigados quanto às motivações para esse formato e às consequências para o planejamento e a gestão regional, para o fluxo de acesso dos usuários e a organização e a integração assistencial da rede regional de serviços de saúde. Além disso, ainda são necessárias análises sobre a relação entre os CPS, o processo de participação popular e controle social no SUS e as comissões intergestores regionais, que a priori seriam instâncias decisórias e condutoras do processo de gestão regional do SUS.

Referências

  • 1
    Lima LD, Pereira AMM, Machado CV. Crise, condicionantes e desafios de coordenação do Estado federativo brasileiro no contexto da COVID-19. Cad Saude Publica 2020;36(7):e00185220.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). O consórcio e a gestão municipal em saúde [Internet]. 1997. [acessado 2019 ago 14]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_14.pdf
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_14.pdf
  • 3
    Mendonça FF, Andrade SKAV. Consórcio Público de Saúde como arranjo para relação federativa e processo de regionalização. Redes 2018; 23(3):206-224.
  • 4
    Flexa RGC, Barbastefano RG. Consórcios públicos de saúde: uma revisão da literatura. Cien Saude Colet 2020; 25(1):325-338.
  • 5
    Julião KS, Olivieri C. Cooperação intergovernamental na política de saúde: a experiência dos consórcios públicos verticais no Ceará, Brasil. Cad Saude Publica 2019; 36(3):e00037519.
  • 6
    Lima APG. Os Consórcios Intermunicipais de Saúde e o Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2000; 16(4):985-996.
  • 7
    Carvalho SML, Xavier TS, Pinto FLB. Trajetória dos consórcios públicos baianos: oportunidades e desafios para uma política de desenvolvimento territorial. In: Anais do 9th Congresso CONSAD de Gestão Pública [Internet]. 2016. [acessado 2019 out 10]. Disponível em: http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Painel-36-02.pdf
    » http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Painel-36-02.pdf
  • 8
    Lui L, Lima LL, Aguiar RBD. Avanços e desafios na cooperação interfederativa: uma análise dos consórcios intermunicipais de saúde do estado do Rio Grande do Sul. Novos Estud CEBRAP 2022; 41(1):145-142.
  • 9
    Paiva MG, Chebli JMF, Souza AIS, Teixeira MTB. Acesso e regionalização em saúde: análise de um serviço ambulatorial de média complexidade. Rev APS 2010; 13(Supl. 1):3-14.
  • 10
    Galvão JR, Almeida PF, Santos AM, Bousquat A. Percursos e obstáculos na Rede de Atenção à Saúde: trajetórias assistenciais de mulheres em região de saúde do Nordeste brasileiro. Cad Saude Publica 2019; 35(12):e00004119.
  • 11
    Botti CS, Artmann E, Spinelli MAS, Scatena JHG. Regionalização dos Serviços de Saúde em Mato Grosso: um estudo de caso da implantação do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região do Teles Pires, no período de 2000 a 2008. Epidemiol Serv Saude 2013; 22(3):491-500.
  • 12
    Almeida PF, Silva KS, Bousquat A. Atenção especializada e transporte sanitário na perspectiva de integração às Redes de Atenção à Saúde. Cien Saude Colet 2022; 27(10):4025-4037.
  • 13
    Araújo JD, Ferreira ESM, Nery GC. Regionalização dos serviços de Saúde Pública: a experiência do estado da Bahia, Brasil. Rev Saude Publica 1973; 7(1):1-9.
  • 14
    Santos AM, Assis MMA. Processo de regionalização da saúde na Bahia: Aspectos políticos- Institucionais e modelagem dos territórios sanitários. RBGDR 2017; 13(2):400-412.
  • 15
    Silva JRS, Almeida CD, Guindani JF. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. RBHCS 2009; 1(1):1-15.
  • 16
    Bahia. Serviço Público Estadual. Resolução CIB nº 275, de 15 de agosto de 2012. Aprova as regiões de saúde do Estado da Bahia e a instituição das Comissões Intergestores Regionais. Diário Oficial Estado da Bahia 2012; 16 ago.
  • 17
    Kingdon JW, editor. Agendas, alternatives and public policies. New York: Pearson Education; 1997.
  • 18
    Bahia. Resolução nº 011, de 5 de fevereiro de 2015. Aprova Regimento Interno da Comissão Intergestores Bipartite e das Comissões Intergestores Regionais do Estado da Bahia. Diário Oficial Estado da Bahia 2015; 6 fev.
  • 19
    Almeida PF, Santos AM, Lima LD, Cabral LMS, Lemos MLL, Bousquat AEM. Consórcio Interfederativo de Saúde na Bahia, Brasil: implantação, mecanismo de gestão e sustentabilidade do arranjo organizativo no Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2022; 38(9):e00028922.
  • 20
    Almeida PF, Santos AM, Cabral LM, Bousquat A, Fausto MC. Provision of specialized care in remote rural municipalities of the Brazilian semi-arid region. Rural Remote Health 2021; 21(4):6652.
  • 21
    Suzart NA, Rosado LB, Vieira SL, Santos TBS. Problemas e prioridades para atenção hospitalar no SUS Bahia: análise dos planos estaduais de saúde. Rev Gestao Saude 2021; 12(1):68-79.
  • 22
    Nicoletto SCS, Cordoni Jr L, Costa NR. Consórcios Intermunicipais de Saúde: o caso do Paraná, Brasil. Cad Saude Publica 2005; 21(1):29-38.
  • 23
    Galindo JM, Cordeiro JC, Villani RAG,Filho EAB, Rodrigues CS. Gestão interfederativa do SUS: a experiência gerencial do Consórcio Intermunicipal do Sertão do Araripe de Pernambuco. Rev Adm Publica 2014; 48(6):1545-1566.
  • 24
    Almeida PF, Giovanella L, Martins Filho MT, Lima LD. Redes regionalizadas e garantia de atenção especializada em saúde: a experiência do Ceará, Brasil. Cien Saude Colet 2019; 24(12):4527-4540.
  • 25
    Bahia. Secretaria do Planejamento, Diretoria de Planejamento Territorial. A política territorial do estado da Bahia: histórico e estratégias de implementação [Internet]. 2003. [acessado 2023 ago 28]. Disponível em: https://www.seplan.ba.gov.br/wp-content/uploads/Texto-DPT-Politica-Territorial_-V-2.0-2022.pdf
    » https://www.seplan.ba.gov.br/wp-content/uploads/Texto-DPT-Politica-Territorial_-V-2.0-2022.pdf
  • 26
    Bahia. Assembleia Legislativa. Lei nº 13.374 de 22 de setembro de 2015. Disciplina a participação do estado da Bahia nos consórcios interfederativos de saúde, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005. Diário Oficial Estado da Bahia 2015; 23 set.
  • 27
    Julião KS, Olivieri C. Cooperação intergovernamental na política de saúde: a experiência dos consórcios públicos verticais no Ceará, Brasil. Cad Saude Publica 2020; 36(3):e00037519.
  • 28
    Zapelini MB. Montagem de agenda no Comitê Itajaí: uma aplicação do modelo de Kingdon. Rev Adm Contemp 2014; 18(6):795-812.
  • 29
    Leal EMM, Silva FSS, Oliveira RA, Pacheco HF, Santos FAS, Garibaldi DGJ. Razões para a expansão de consórcios intermunicipais de saúde em Pernambuco: percepção dos gestores estaduais. Saude Soc 2019; 28(3):128-142.
  • 30
    Rocha CV. A cooperação federativa e a política de saúde: o caso dos consórcios intermunicipais de saúde no estado do Paraná. Cad Metrop 2016; 18(36):377-399.

  • Financiamento

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) - TO - SUS0030/2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Set 2024

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2023
  • Aceito
    09 Set 2023
  • Publicado
    11 Set 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br