TEMA
Relações fundamentais entre C & T e Reforma Sanitária no Brasil
Marília Bernardes Marques
Professora Adjunta da ENSP/ FIOCRUZ. ? do NEP/FIOCRUZ
INTRODUÇÃO
A Reforma Sanitária integra o conjunto de Reformas Sociais conclamadas pela sociedade brasileira, no árduo caminho das conquistas políticas voltadas à consolidação da Democracia e de um capitalismo socialmente menos injusto no país.
A noção de Reforma Sanitária contém um projeto que é, simultaneamente, técnico e político, de intervenção positiva na configuração assumida pela problemática da saúde na sociedade brasileira contemporânea, e são seus fundamentos principais: um conceito abrangente para Saúde, que a toma como uma resultante das condições de vida e trabalho prevalecentes na nossa sociedade e do padrão de organização da base estruturada de serviços de saúde, voltados ao indivíduo, às coletividades e ao meio ambiente; também adota um posicionamento político claro quanto ao caráter público que o conjunto de ações e serviços de saúde deve assumir no país, de tad modo que a Saúde seja preservada como uma função típica do Estado, como Dever do Estado.
Com base em tais fundamentos, o projeto da Reforma Sanitária tem como objetivo a satisfação de necessidades sociais mais gerais, ligadas à qualidade de vida, e de necessidades específicas, sem o que não poderá ser assegurado o direito universal à Saúde. O panorama demográfico e epidemiológico promove, por si só, a contínua ampliação do quadro de necessidades sociais a serem satisfeitas, e a perspectiva de um processo acelerado de desenvolvimento social, conseqüente às medidas reformistas que venham a ser efetivamente implantadas, fará com que tais necessidades se multipliquem rapidamente. Se o quadro brasileiro, revelado pelos principais indicadores sociais, sempre foi dramático, a oferta de produção e serviços que o país proporciona para satisfação do consumo referente às necessidades básicas de sua população está hoje muito aquém do mínimo desejado.
A totalidade das Reformas Sociais necessárias, entre as quais a Reforma Sanitária, exigirá amplas correções na difícil trajetória seguida pelo processo de desenvolvimento científico e tecnológico do país. Principalmente, será necessária uma profunda revisão crítica das formas de utilização social dos resultados do avanço científico e tecnológico no Brasil.
Na atualidade, a noção de Desenvolvimento Sustentado, procedente dos países ditos industrializados e, em especial, dos EUA e da Europa, "atropela" toda a América Latina (1). No Brasil, o conceito chegou quase com a furia de um inédito ciclone, instigado pela questão da Amazônia,e trouxe, novamente, as velhas idéias sobre "progresso", agora com a juventude dos significados de "maior riqueza", "benefício social equitativo" e "equilíbrio ecológico".
A implementação de um modelo de Desenvolvimento Sustentado no Brasil, que atinja os resultados esperados em termos de crescimento econômico, equidade social e equilíbrio ecológico, necessariamente significará assegurar o financiamento para volumosos gastos sociais e ecológicos, ao lado de investimentos produtivos pesados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Será necessário dar prioridade às metas de universalização da educação (especialmente do ensino fundamental), da saúde, do saneamento básico, além de priorizar as metas de preservação ambiental. Obviamente, o modelo comporta a escolha política de grandes metas estratégicas para o desenvolvimento científico e tecnológico.
O NOVO PARADIGMA TECNOLÓGICO E AS REFORMAS SOCIAIS NO BRASIL
São, especialmente, o controle e a capacitação em tecnologias avançadas identificadas, freqüentemente, com a "terceira onda", que representam, na atualidade, os principais instrumentos de hegemonia entre blocos e países. A tecnologia é o elemento decisivo na nova divisão internacional do trabalho, e dela dependerá a retomada do processo de desenvolvimento econômico e social dos países da América Latina.
No mundo industrialmente avançado, a inovação tecnológica está possibilitando a superação dos velhos paradigmas taylorista e fordista, gerando uma nova estrutura industrial em um processo que não apenas é auxiliado pelo Estado como é o próprio resultado da ação estatal, não sendo simples conseqüência da ação das forças de mercado.
A adoção de um novo paradigma tecnológico pelos países avançados, na perspectiva sugerida por F. Erber, constituiu o seu projeto político (2). O Estado nesses países não apenas tem um claro desempenho como regulamentador das políticas econômicas, como é um Estado de Bem-Estar, a nível das políticas sociais. Cerca de 40% da renda domiciliar são representados por salário indireto, proporção bastante elevada, em justa correspondência com a relevância que os direitos sociais alcançaram nesses países. Carlos Estevan Martins (3) lembra que o surgimento do "Welfare State", longe de ter representado um fenômeno conjuntural, resultou de transformações da própria estrutura produtiva dos países avançados, fazendo com que não apenas a força de trabalho se tomasse dependente do Estado, mas o próprio capital incorporasse o Estado no processo de sua reprodução. O capital necessita do Estado que o socorre através dos gastos públicos que subsidiam a indústria e o comércio, que financiam a agricultura e a pesquisa científica e tecnológica e assim por diante. O "Welfare State", que está sofrendo na atualidade intensos ataques doutrinários deflagrados pelo neoliberalismo "reaganiano e thatche-rista", integra-se tão enraizadamente à complexidade do sistema capitalista que não poderá ser desmantelado sem que, simultaneamente, aconteça a destruição da ordem econômica, nas sociedades industriais avançadas.
O Estado de Bem-Estar não estando superado, requer, entretanto, importantes reformas, para que possa acompanhar as transformações contemporâneas observadas nas relações sociais e que só indicam a necessidade de aumentar a sua importância para a plenitude democrática. Este crescimento exige a sua modernização, superando antigos vícios como o clientelismo, a demagogia, a corrupção, etc, e que conduziram, em muitos países, à situação de gigantismo da máquina estatal. Este crescimento também evidencia a necessidade e a importância de mecanismos eficazes de controle público sobre o Estado. Assim, o movimento de "enxugamento" do Estado que se verifica em alguns países avançados e do bloco socialista, longe de indicar a inviabilidade do "Welfare Stare", revela o processo em curso de sua modernização, para superar o burocratismo Intervencionista ineficiente.
Este movimento tem grande importância para o Brasil, para a urgente transformação das suas normas de intervenção estatal, conferindo-lhe maior eficácia, uma nova ética e diretrizes claramente voltadas para o interesse público e para os interesses nacionais. Para a política científica, como lembrou Fábio Erber acertadamente, a transformação necessária deverá introduzir o país no novo "paradigma tecnológico" (4).
A idéia de "paradigma tecnológico" considera que a inovação se processa seletivamente, segundo uma direção bem definida, não sendo um processo indiscriminado, expressão de uma busca aleatória de inovação em qualquer direção, em qualquer sentido. Existem condicionantes econômicos, sociais e políticos que determinam a orientação seguida pelo processo de desenvolvimento científico e tecnológico. O moderno paradigma tecnológico é baseado na ciência, isto é, não resulta da ação isolada, empreendedora do empresário industrial, como na primeira Revolução Industrial. Além de ser um processo baseado na ciência e socialmente condicionado, o processo de inovação tecnológica é coletivo e soma os resultados de uma marcada divisão de trabalho entre indústria, universidade e governo nas sociedades avançadas, cujo: tecidos industrial, institucional e social são altamente complexos. Finalmente, no novo paradigma o processo de pesquisa é um processo de larga escala, isto é, a inovação tecnológica é extensiva a vários setores, introduzindo profundas transformações intra-setoriais e subvertendo a ordem de importância hierárquica dos setores (e do trabalho qualificado).
Também para o Brasil a ação estatal apropriada à complexidade atual de sua sociedade deve resultar em uma política que não seja isoladamente de desenvolvimento científico e tecnológico, mas que venha incorporada a outras políticas. O fortalecimento isolado da capacidade científica não será suficiente, e basta lembrar, como fez Fábio Eber, a história de países da América Latina e da índia, onde a criação de centros de excelência, como única política, resultou nas denominadas "ilhas de competencia científica e tecnológica" perdidas num "mar de subdesenvolvimento". São diversos os centros de pesquisa cuja grandiosidade, copiada de instituições congêneres dos países avançados, não foi suficiente para superar o isolamento das mesmas em relação à sociedade, permanecendo pirâmides anacrônicas e indiferentes às condições econômicas e sociais que as circundam.
Todos os países que conseguem atingir o desenvolvimento tecnológico partem de sistemas articulados e de vínculos claros entre três agentes fundamentais: empresas/universidades e outros institutos de pesquisa/governo. A progressiva estratégia de interação tecnológica entre governo/universidade/indústria observada nos países industrializados, conforme indicam Dembo, Dias & Morehouse (5), acrescenta os seguintes desafios para países latino-americanos e de outras partes do Terceiro Mundo: superar a falta de ligação entre política tecnológica e necessidades sociais; elevar as consciências nacionais sobre a importância das novas tecnologias; monitorizar os impactos sociais e distributivistas da inovação tecnológica; sensibilizar as comunidades científicas e burocráticas para os impactos sociais e ecológicos das novas tecnologias.
Resumidamente, se o Brasil não quiser frear o seu desenvolvimento econômico e social, deverá, rapidamente, encontrar os meios de recuperar as perdas tidas na década e direcioná-los para o alcance de uma nova base tecnológica, capaz de assegurar sua competitividade no plano do comércio internacional e de garantir o crescimento do mercado interno, por meio de uma melhor distribuição de renda, onde, em última instância, se realiza a satisfação das crescentes necessidades sociais de sua população. Importância estratégica nessa direção terá o recurso ao componente governamental do mercado interno. Estar à frente na luta pelo desenvolvimento científico e tecnológico é, portanto, fator decisivo para a transição rumo à Democracia e é a premissa fundamental para que seja alcançada a Reforma Sanitária que a sociedade brasileira deseja.
PROSPECTIVA EPIDEMIOLÓGICA BRASILEIRA E ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA (6)
O Banco Mundial apóia, há alguns anos, importantes programas brasileiros no campo da saúde: doenças infecciosas e saúde materno-infantil e outros problemas básicos de saúde no Nordeste rural e na periferia urbana de São Paulo; combate à doença de Chagas, leishmaniose e esquistossomose no Nordeste; combate à malária na Bacia do Amazonas; saneamento básico e recuperação do meio ambiente no litoral fluminense, entre outros programas.
Para avaliar os "novos" problemas que o sistema nacional de saúde deverá enfrentar nas próximas décadas, em função do envelhecimento populacional e do aumento da importância das doenças crônico-degenerativas e da AIDS, o Banco encomendou um abrangente estudo a diversos especialistas brasileiros.
O relatório resultante, intitulado "Health Policy in Brazil: Adjusting to New Challenges" (versão de maio de 1989), contém rica documentação que possibilita a avaliação do peso epidemiológico e do financiamento desses 'novos" problemas, para os quais estima um fabuloso crescimento nas próximas três décadas (até 2020). A tese do relatório é a seguinte: há risco do crescimento galopante da demanda para o tratamento desses problemas esvaziar os esforços, prioritários, para a prevenção desses mesmos problemas e dos ainda importantes, embora "velhos", problemas como as doenças infecciosas e parasitárias.
Apesar das limitações desse estudo, como a ausência de abordagem da gama completa de problemas de saúde da população adulta, não incluindo, por exemplo, a saúde reprodutiva da mulher, e da consideração apenas superficial dos temas do desenvolvimento de recursos humanos e institucional, constitui um ótimo subsídio para a consideração da variável tecnológica em saúde no país, nos próximos trinta anos.
A respeito das conseqüências para a saúde associadas às profundas mudanças econômicas verificadas nas últimas três décadas, o relatório destaca a queda no número de mortes ditas "do subdesenvolvimento"; a taxa de mortalidade infantil apresentou uma diminuição de 40% entre 1965 e 1985, e as taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias declinaram cerca de 70%, entre 1960 e 1980.
À medida que essas "velhas ameaças" declinaram, cresceram as "novas ameaças"; a proporção da mortalidade atribuída aos ataques cardíacos, aos acidentes vasculares cerebrais, ao câncer e violências em geral, subiu de cerca de 38% em 1960 para 54% em 1986. O quadro brasileiro apresenta algumas características próprias, distinguindo-se dos padrões referidos para os países desenvolvidos em aspectos como a elevada participação das mortes violentas, em particular a escalada impressionante dos homicídios nos anos recentes.
O relatório estima que nos próximos trinta anos, mais de 85% dos brasileiros estarão vivendo em áreas urbanas, o número de idosos terá dobrado, com cerca de 12% da população com 65 anos ou mais, e as doenças cardiovasculares, o câncer e os sinistros contribuirão com mais de 74% das mortes no país.
A epidemia da AIDS, com o Brasil apresentando o terceiro maior número de casos verificados mundialmente, introduziu uma questão funestamente prioritária, com a provável disseminação para todos os grupos populacionais a partir dos grupos de risco. Já são suficientemente reconhecidos os riscos de contrair AIDS, doença de Chagas, hepatite B, sífilis e malária a partir de uma transfusão de sangue feita no país. Com a AIDS, o problema do sangue no Brasil passou a requerer solução tecnológica no curto prazo: apenas 10% dos hemoderivados (7) necessários para o atendimento da demanda são produzidos no país, e a qualidade é precária. A excessiva dependência externa ao lado da precariedade dos produtos disponíveis fazem da auto-sufuciência neste setor a única alternativa para assegurar a qualidade do sangue e dos hemoderivados no país.
Os contingentes mais pobres da população são os principais atingidos por todas essas ameaças, "novas e velhas". O impacto financeiro dessas mudanças será muito grande porque o custo do tratamento das "novas" doenças supera e em muito o custo do tratamento das "velhas"; por exemplo: o custo do tratamento hospitalar do derrame cerebral ou do ataque cardíaco é quatro vezes maior do que o custo do tratamento hospitalar de uma infecção respiratória ou intestinal.
Na atualidade, as doenças do coração, o acidente vascular cerebral e os feridos e acidentados correspondem a 45% dos doentes admitidos nos hospitais e a 55% dos custos dos doentes hospitalizados. Em 1988, apenas quatro procedimentos de alto custo corresponderam a 3% de todo o gasto do Instituto Nacional de Medicina da Previdência Social (INAMPS): hemodiálise, estudos hemodinâmicos, endoscopia e tomografia computadorizada.
Tendo em conta apenas as mudanças demográficas e epidemiológicas estima-se que os custos 'per capita' do cuidado em saúde no Brasil dobrarão, em termos reais, nos próximos trinta anos. A previsão, baseada na experiência dos países industrializados, do crescimento no número de indivíduos incapacitados sugere que a demanda sobre os serviços públicos de saúde exigirá uma crescente escalada dos pastos em procedimentos médicos baseados no hospital e com grande incorporação de tecnologias de alto custo.
Recorrendo a modelo de projeção simples, o relatório mostra que, se forem implantados programas de prevenção eficazes para esses "novos" problemas, com resultados plenos, no ano 2020 teremos 15% a menos de mortes por câncer, doenças cardiovasculares e violências, e que os custos dos cuidados médicos no Brasil serão superiores aos de 1980 em cerca de 75%, ao invés de 100%, se não existirem tais programas.
Verifica-se, assim, que a demanda para os cuidados em saúde mais instrumentalizados crescerá no Brasil como resultado das mudanças demográficas e epidemiológicas, da universalização do acesso estabelecida pela nova Constituição e à medida que as técnicas de tratamento de alta tecnologia tornam-se disponíveis. A racionalização será inevitável e necessária e requererá a definição de modalidades mais criativas e mais produtivas de participação do setor privado no atendimento médico-assistencial da população, de maior capacitação em avaliação e gestão de tecnologias de alto custo, de desenvolvimento de sistemas de informação para o gerenciamento eficaz e de recursos humanos com formação ajustada aos novos desafios.
A avaliação de tecnologias em saúde ou "health technology assessment" (HTA) surgiu como uma disciplina nova e multidisciplinar nos países industrializados, e sua origem esteve associada aos problemas introduzidos pela moderna tecnologia médica, altamente complexa, adotando como alvos essenciais: efetividade, custo, segurança e impacto social (8).
Os cenários possíveis para o quadro de saúde brasileiro, a impor a racionalização dos recursos, colocam a avaliação tecnológica como elemento-chave, em uma perspectiva ampla que possibilite efetuar a escolha apropriada em um espectro muito abrangente de alternativas tecnológicas. A escolha apropriada em saúde é aquela que possibilita o máximo de impacto social. Mais do que simplesmente lidar com uma tecnologia particular, selecionada com base em critérios racionais, trata-se de assegurar para o sistema de saúde globalmente uma maior racionalização na incorporação de tecnologias, envolvendo desde as mais simples até as mais complexas e caras.
A avaliação tecnológica em saúde constitui ferramenta essencial para auxiliar a identificação de prioridades na formulação de uma política tecnológica em saúde voltada para a auto-suficiência do país nas áreas mais estratégicas, como é o caso do sangue, hemoderivados, soros e vacinas, fármacos essenciais e outras. É importante ressaltar que, para compor o seu patrimônio tecnológico, o país tanto continuará importando como produzirá internamente produtos e serviços com elevado componente tecnológico, e as decisões a respeito necessariamente deverão processar-se tendo em conta a confluência de diversas políticas (econômica, industrial, de saúde, de formação de recursos humanos, de ciência e tecnologia, etc).
OS NOVOS DESAFIOS TECNOLÓGICOS E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NO BRASIL
Qualquer reflexão sobre as opções estratégicas para o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil deve voltar sua atenção ao novo desafio representado pelo projeto da Reforma Sanitária, destinado à transformação do atual quadro da saúde no país (9).
No plano organizacional a proposta reformista prevê a implantação e a consolidação no país de um "Sistema Único de Saúde", ou o "SUS", como é usualmente denominado. O conceito de SUS, fortemente enraizado na visão sistêmica e na idéia de planejamento, compreende um modelo para os serviços de saúde com a formatação de uma rede hierarquizada e regionalizada (tendo o Distrito Sanitário como sua unidade operacional básica), para assegurar o amplo acesso da população às ações e serviços. A oferta universalizada e planejada das atividades específicas destinadas à problemática da saúde deverá também assegurar as características da "eqüidade" e da "integralidade".
O artigo 198 da Constituição de 88 recebeu a seguinte redação: "As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II. atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III. participação da comunidade". O artigo citado inclui parágrafo único que estabelece que o financiamento do sistema único será feito com recurso do orçamento da Seguridade Social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
O parágrafo 4º do Artigo 199 estabelece que a lei regulamentará a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como as coletas, o processamento e as transfusões do sangue e de seus derivados, vetando a comercialização, de qualquer tipo.
As seguintes atribuições foram definidas para o SUS na Carta de 88 (Art. 200): "I Controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II. executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III. ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV. participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V. incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI. fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle do seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VIL participar do controle e fiscalização da produção, do transporte, guarda e utilização de substâncias produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VII. colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho."
Diversas indústrias respondem, mundialmente, pela fabricação de produtos que constituem insumos para as ações e serviços de saúde, destinados quer à assistência ao indivíduo (assistência médica propriamente dita), quer à coletividade (saúde pública ou coletiva). Medicamentos, vacinas, reativos químicos e biológicos diversos, soros, plasmas e inúmeros dispositivos médico-hospitalares como implantes, material descartável e aparelhos constituem produtos industriais consumidos nas atividades destinadas à prestação de serviços de saúde. Outras indústrias, por sua vez, atuam como fornecedores de matérias-primas, de materiais, de componentes, de serviços, de maquinarias, de equipamentos, de aparelhos e instrumentos necessários a produção e ao desenvolvimento tecnológico daqueles produtos industriais que constituem insumos para a atividade setorial específica.
Um primeiro ponto se destaca: a lei ordinária deverá regulamentar o consumo, dispondo que todos os produtos industriais e substâncias de interesse para a saúde sejam controlados e fiscalizados, devendo, para tanto, no âmbito do SUS, ser registrados, testados e avaliados antes de poderem ser produzidos, importados, comercializados e utilizados. Tarefa de primeira prioridade é, portanto, a revisão da legislação sanitária atual para adequá-la aos novos princípios constitucionais, uniformizando padrões e introduzindo novas técnicas adequadas aos interesses nacionais no setor.
Qualquer abordagem da produção e da disponibilidade de insumos para a atividade setorial específica da saúde deve partir do diagnóstico da existência, ou não, de confluências entre a política de saúde, a política industrial e a política científica e tecnológica.
O documento do grupo de trabalho sobre Ciência e Tecnologia em Saúde (10), elaborado em 1987, antes, portanto, da promulgação da Carta Magna aponta para a área de produção de fármacos e medicamentos no país os seguintes "gargalos": presença fraca da empresa nacional, com as empresas estrangeiras predominando largamente e, conseqüentemente, com dependência exagerada de matérias-primas importadas, falta da ligação da produção com as necessidades prioritárias em saúde, reduzida atividade de pesquisa e desenvolvimento no país e baixa disponibilidade de recursos humanos especializados.
Nos setores e atividades industriais químico-farmacêutico e farmacêutico estão inseridas as indústrias que respondem pela fabricação e pela disponibilidade de medicamentos que, por sua vez, constituem os insumos finais do consumo setorial específico. A indústria farmacêutica produz medicamentos, na forma de apresentação comercial (ampola, comprimido, drágea, supositório etc) de um fármaco (ou mistura de fármacos) que constitui o princípio ativo. A indústria químico-farmacêutica responde pela produção dos insumos farmacêuticos, os fármacos e/ou intermediários de processos específicos de síntese química. No Brasil, as indústrias brasileiras de capital nacional do setor, privadas e públicas, são principalmente indústrias farmacêuticas, produtoras de medicamentos e que apenas formulam, embalam e comercializam o produto final. O SUS deverá conferir prioridade ao desenvolvimento tecnológico dos fármacos essenciais e seus intermediários, destinados ao atendimento da demanda de medicamentos, devidamente reorientada pela Política de Assistência Farmacêutica (11).
A disponibilidade de medicamentos, em particular a distribuição de medicamentos essenciais, atende de modo insuficiente à demanda oficial (componente do mercado no qual o Estado é o comprador direto). Entretanto, todo o mercado brasileiro de medicamentos está acentuadamente contido, com um consumo 'per capita', em 1987, de apenas US$ 11,96, colocando o país em 18º lugar entre os países capitalistas, com 52% da sua população não tendo acesso ao medicamento (12). Trata-se, portanto, de uma situação indicativa da escassa intervenção governamental (13).
A perspectiva de universalização do acesso às ações e serviços de saúde incorporará parcela importante da população hoje excluída, impondo a demarcacão de estratégias de curto, médio e longo prazos para atender à expansão do mercado oficial, cuja limitação principal situa-se na estrutura produtiva, com acentuada dependência tecnológica em fármacos essenciais e seus componentes intermediários.
Atualmente, a oferta de sangue e hemoderivados está muito abaixo do limite necessário ao atendimento da demanda que cresce notavelmente, acompanhando a elevação dos atendimentos cirúrgicos, a morbidade provocada pelas Causas Externas ou Violências em geral, especialmente tentativas de homicídio e outras agressões, e os acidentes de trânsito, hoje gravíssimos problemas de saúde, ocupantes dos primeiros postos nas estatísticas vitais do país. A indústria nacional é incipiente e apresenta sérios problemas de controle de qualidade. Tais problemas nem sempre são decorrentes de irregularidades, sendo evidências, muitas vezes, do forte atraso tecnológico existente no setor produtor de insumes médicos na área do sangue.
A Carta Magna de 88 operou a mudança fundamental para permitir a eficaz atuação da vigilância sanitária na área da hemoterapia, ao proibir a comercialização no país do sangue e de seus derivados. A etapa atual de aperfeiçoamento da legislação hemoterápica estabelecerá a padronização de procedimentos e introduzirá as normas técnicas necessárias para a regulamentação dos processos de coleta, processamento e transfusão de sangue e hemoderivados.
Aos imunobiológicos (soros, vacinas e reativos biológicos para diagnóstico) corresponde o segmento produtivo no qual o país alcançou longa tradição histórica, tanto em pesquisa, quanto em desenvolvimento tecnológico e produção industrial. Trata-se de uma vantagem significativa para enfrentar os desafios da "corrida internacional" em direção às novas biotecnologias, e a recomendação fundamental diz respeito à prioridade à pesquisa naquelas áreas e disciplinas centrais ao seu desenvolvimento (genética, imunologia, biologia celular, microbiologia etc).
A produção nacional de equipamentos para a atenção à saúde (instrumentos odonto-médico-hospitalar), conforme revelou o documento III da CNRS, tem uma base industrial "quase artes artesanal", dominando as pequenas empresas com até 10 trabalhadores, existindo 300 empresas desse porte em um total de cerca de 400 empresas que constituem o parque industrial brasileiro. Poucas são as empresas transnacionais instaladas no país e voltadas, na maior parte dos casos, à produção de material de consumo imediato nos procedimentos médicos. Em matéria de Raio X alguma coisa já é produzida no país, iniciando-se o domínio técnico-industrial em ultra-sonografia bidimensional, como o ultra-som monodimensional, já produzido regularmente, produção em escala de instrumentos eletrográficos (eletrocardiógrafos, eletroencefalógrafos, ecocardiógrafos, bisturis elétricos etc), além de insumos médicos descartáveis e alguns materiais para implante.
Trata-se de um parque industrial com potencialidade, mas condicionado, cada vez mais, ao desenvolvimento da produção nacional de componentes microeletrônicos. A produção nacional de equipamentos medico-odonto-hospitalares jamais mereceu qualquer atenção especial do Estado e só muito recentemente, a nível da Previdência Social, foram tomadas algumas medidas e criados mecanismos de coordenação para regulamentar as compras e o consumo desses insumos. O SUS deverá dimensionar o mercado interno específico, delimitando projeções de crescimento do componente governamental, passo fundamental para utilizar o poder de compra do Estado como alavanca do desenvolvimento tecnológico do parque industrial brasileiro de equipamentos odonto-médico-hospitalares.
A Política de Equipamentos a ser definida pelo SUS deverá contemplar a criação de estruturas nas esferas federal, estadual e municipal, destinadas especificamente aos processos de compra, doação, instalação, utilização, manutenção, reforma/recuperação e desativação eventual de equipamentos médico-odontohospitalares; da mesma forma, tais estruturas deverão operar conforme critérios e exigências que visem favorecer a transferência de tecnologia, o controle de qualidade e o controle de preços.
De modo geral, as empresas privadas nacionais e os laboratórios oficiais produtores de insumos industriais diversos para o setor saúde padecem de um grande atraso tecnológico, e a sua modernização assume importância estratégica para a consolidação das diretrizes gerais do SUS. No âmbito do SUS poderão ser estabelecidas normas para concessão de proteção e benefícios temporários para estimular o desenvolvimento da pesquisa tecnológica nas empresas nacionais e que comprovem o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para absorver ou desenvolver tecnologias. Poderão ser estimulados mecanismos associativos entre universidades e institutos de pesquisa com a indústria nacional, para assegurar a disponibilidade de insumos essenciais para a expansão do consumo, prevista com a universalização da oferta de ações de serviços de saúde.
O SUS deverá investir, diretamente, na expansão e na modernização das instituições governamentais, responsáveis pela quase totalidade da pesquisa tecnológica em saúde, com a finalidade de elevar a sua competência tecnológica e gerencial, fomentando e financiando a criação e manutenção de estruturas cativas de gestão e avaliação tecnológica, preparando-as para as associações com o segmento privado e para relações comerciais inteligentes, necessárias ao processo de transferência de tecnologia. Visando a geração de novos produtos processos, o aperfeiçoamento de produtos de consumo tradicional e a redução de custos, deverão ser criados programas associativos, contemplando a possibilidade de contratos para a transferência de tecnologia, nos termos do Código Brasileiro da Propriedade Industrial (14), envolvendo universidade e institutos de pesquisa/empresa privada/governo. Os contratos com empresas privadas deverão priorizar firmas que façam investimentos diretos no país em planta produtiva, em pesquisas e desenvolvimento, em formação de recursos humanos e, principalmente, dispostas a efetivar transferência de tecnologia. No caso de contratos com empresas privadas nacionais, deverão ser priorizadas as empresas que se ajustem a critérios mínimos como: existência de recursos humanos qualificados, de plano estratégico que compreenda o desenvolvimento tecnológico, história prévia de vínculos com a universidade, controle de qualidade, entre outros.
Com o mesmo objetivo, o SUS deverá estabelecer normas para coibir o abuso do poder econômico que visar ao monopólio do mercado institucional de insumos, através de medidas de estímulo à concorrência e de controle do aumento arbitrário dos preços, dando preferência nas suas compras às empresas nacionais que, comprovadamente, invistam em pesquisa, geração/absorção de tecnologia e em controle de qualidade.
O SUS devera possibilitar e estimular a celebração de convênios e contratos destinados ao credenciamento de laboratórios de universidades, de institutos de pesquisa e de indústrias, integrando-os em uma rede, necessária ao incremento da prática do controle de qualidade no setor saúde e, simultaneamente, articulando-a ao Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO).
A idéia do "controle de qualidade" corresponde a uma nova atitude, a ser adotada não apenas pela indústria, mas pela totalidade do SUS, pois constitui um elemento essencial da gestão tecnológica, gerando não apenas melhores produtos, de qualidade assegurada, mas uma elevação da produtividade e uma redução dos custos de produção. Não obstante, os investimentos necessários para a introdução de uma política de controle de qualidade no âmbito do SUS serão pequenos e destinar-se-ão basicamente à área de gestão e treinamento de recursos humanos (15).
Irregularidades metrológicas ou em qualidade nem sempre decorrem de fraudes, indicando às vezes a necessidade de melhor desempenho industrial e tecnológico das empresas. Basta recordar como a intensificação da política de controle de qualidade para imuno-biológicos, a partir de 1981, com a criação do INCQs (16), forçou os laboratórios produtores nacionais a investir em desenvolvimento tecnológico. A área da qualidade, normalização e metrologia é central na problemática do atraso tecnológico que perpassa a indústria nacional e representa um sério desafio no processo de gestão tecnológica do SUS.
A relação preço/desempenho/desenvolvimento tecnológico devera substituir, totalmente, o critério único do "menor preço" nos processos licitatórios no âmbito do SUS. Deverão ser estabelecidos mecanismos e estruturas de coordenação nas esferas federal, estadual e municipal, de responsabilidade plena sob o processo de compras que incluirá, necessariamente, critérios de qualidade para, efetivamente, elevar o poder de barganha do SUS.
Os mecanismos fiscalizadores deverão articular-se com as diversas entidades representativas dos segmentos empresariais diretamente interessados, órgãos de governo e organismos destinados à defesa do consumidor, para assegurar o acesso a bancos de informação tecnológica referentes aos insumos industriais em saúde. Estruturas permanentes do SUS voltadas à informação científica e tecnológica em saúde deverão atuar articuladamente com redes nacionais e internacionais estratégicas, como as referentes a informações bibliográficas biomédicas, de documentação de patentes, marcas etc.
No Brasil, praticamente a totalidade do investimento em pesquisa e em desenvolvimento tecnológico é feita pelo Estado. No âmbito do SUS, deverão ser estabelecidas medidas de estímulo à participação do setor privado no investimento em ciência e tecnologia. Será necessário delimitar a previsão da participação a ser alcançada, em termos de percentual do PIB, pelo investimento do governo e pelo investimento do setor privado, traduzidos, por sua vez, em grandes metas a serem alcançadas dentro de um plano plurianual para C & T em saúde.
Entre outras medidas de incentivo ao investimento privado, o SUS poderá estabelecer as normas para o ' prêmio de seguro" destinado às indústrias de equipamentos odonto-médico-hospitalares, a ser aplicado na rede de serviços. Tal seguro só será aplicável a indústrias que operem acima de determinado patamar de qualidade e desempenho, com redução da probabilidade de sinistros e do valor do prêmio. Uma medida desse tipo funcionará como instrumento para o alcance da qualidade e de estímulo ao investimento privado em desenvolvimento tecnológico, pois a diferença, para menos, no valor do prêmio deverá ser canalizada para investimento em qualidade.
O SUS deverá estabelecer o padrão da base de financiamento das atividades de C & T em saúde, e que deverão compreender recursos orçamentários das três esferas de governo e da Seguridade Social, recursos provenientes das agência financeiras nacionais e internacionais, outros recursos extra-orçamentários e recursos provenientes do fontes próprias de receita das instituições de pesquisa tecnológica em saúde. Através da comercialização de tecnologia, de produtos e de serviços especializados, os institutos governamentais de pesquisa tecnológica em saúde poderão gerar receita própria que será canalizada para novos investimentos em P & D. Já foi assinalado que o SUS deverá estimular a vinculação dos órgãos de governo executores de atividades de C & T em saúde com os serviços de saúde, executores de atividades assistenciais e com a indústria de insumos para a saúde, apoiando, desse modo, o processo de transferência de tecnologia dos institutos para a sociedade, de modo a alcançar & maximização dos benefícios sociais. Nessa direção, especial apoio deverão merecer as associações com empresas destinadas ao desenvolvimento de projetos nos setores estratégicos: biotecnologia, fármacos e desenvolvimento tecnológico de equipamentos.
Será fundamental constituir uma estrutura colegiada no âmbito do SUS, composta pelas diversas agências governamentais de fomento e financiamento, pelos ministérios da área econômica e os ligados ao desenvolvimento industrial, científico e tecnológico, bem como o Ministério das Relações Exteriores; esse colegiado promoverá a coordenação das ações desses diversos órgãos, integrando incentivos e benefícios destinados ao setor privado e ao fomento às instituições públicas, canalizando-os para o desenvolvimento tecnológico nos setores industriais ligados à produção de insumos para o SUS. O desenvolvimento de processos e produtos estratégicos e essenciais, dentro dos objetivos da Política Nacional de Saúde, como no caso dos fármacios e medicamentos da RENAME, deverá ser contemplado com incentivos diversos, como o financiamento dos gastos com transferência e adaptação de tecnologias. Também deverão ser estabelecidos mecanismos visando a simplificação dos procedimentos burocráticos, para facilitar a importação de equipamentos e de insumos para a atividade de pesquisa em saúde no país.
O desenvolvimento das pesquisas científicas ligadas à problemática da saúde merecerá a devida prioridade ao ser formulada a Política Nacional de Saúde, devendo ser fomentadas e financiadas no país a pesquisa básica, a pesquisa clínica, a investigação epidemiológica e a pesquisa social em saúde. A ciência, para o seu desenvolvimento, requer, em primeiro lugar, o investimento "cérebro intensivo". Para impedir a "drenagem de cérebros", o SUS deverá introduzir planos de carreira que assegurem a competitividade salarial do setor público naquelas áreas profissionais fundamentais para o desenvolvimento científico e tecnológico em saúde. A programação orçamentária anual do SUS deverá viabilizar as metas plurianuais de crescimento da "massa crítica" de recursos humanos necessárias para a ampliação das atividades de C & T em saúde no Brasil.
O apoio do SUS ao desenvolvimento científico deverá processar-se tendo como referência linhas prioritárias de pesquisa ("oriented science"), ligadas ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial em saúde, em torno das quais integrará recursos humanos, de infra-estrutura e recursos financeiros, estimulando a máxima complementaridade interdisciplinar, sem prejuízo do desenvolvimento da pesquisa pura nas disciplinas fundamentais da biologia e da medicina.
Deverão ser introduzidas medidas destinadas a uma maior concentração dos esforços nacionais em pesquisa, realizadas na rede institucional global, compreendendo desde os laboratórios e grupos de pesquisa até os serviços assistenciais. Quanto a estes últimos, uma política de somação de esforços deverá ser introduzida, evitando a pulverização ineficaz do investimento. A organização da base infra-estrutural para C & T do SUS deverá partir do reconhecimento da importância estratégica dos centros de pesquisa tradicionais, investindo na sua ampliação e na sua modernização como a opção estratégica ideal para o desenvolvimento científico e tecnológico em saúde no Brasil.
Será fundamental estabelecer e consolidar grupamentos regionais necessários ao desenvolvimento da pesquisa em saúde, através da criação de "pólos de pesquisa" com dotação financeira apropriada e comprometidos com o desenvolvimento de projetos prioritários. Tais projetos deverão merecer orçamentação adequada e, mesmo quando tenham custo financeiro elevado, deverão ter a sua continuidade assegurada. Tais pólos deverão estar capacitados para desenvolver atividades de formação e treinamento de recursos humanos, canalizando, para tanto, os auxílios institucionais e as bolsas de estudo disponíveis.
O SUS, através de uma sistemática de credenciamento progressiva, apoiará a implantação de unidades de pesquisa clínica integradas a serviços médico-hospitalares, introduzindo critérios selecionadores e pré-requisitos rigorosos quanto a recursos humanos especializados, condições infra-estruturais etc.
O credenciamento pelo SUS dessas unidades integradas de pesquisa se processará conforme um esquema previamente planejado. Assim, o SUS poderá estipular um número restrito de áreas para introduzir esse modelo de unidades integradas de pesquisa/serviços. Nessas unidades poderá proporcionar, em caráter experimental, medidas como o "tempo parcial real em atividade de pesquisa", sujeito a regras de avaliação precisas, para os recursos humanos envolvidos em projetos prioritários, como forma de assegurar ao pesquisador clínico, proteção ao fator limitante efetivamente representado pela quota de cuidados assistenciais.
CONCLUSÕES
Este trabalho teve por objetivo analisar os vínculos fundamentais necessários entre processo de desenvolvimento científico e tecnológico e processo de desenvolvimento social, tomando por base a problemática que envolve a discussão da Reforma Sanitária, pela sociedade brasileira, na atualidade. Nele tratamos de delimitar o campo da Reforma Sanitária, enquanto projeto de transformação de caráter político, social e organizacional/administrativo, do quadro de saúde da população e do sistema de atenção à saúde no país. Analisamos a relevância estratégica de uma via de desenvolvimento científico e tecnológico voltada para o alcance de prioridades sociais, capaz de monitorizar os impactos sociais e ambientais e que possibilite a retomada e a continuidade do desenvolvimento econômico do país.
Foram analisados os elementos principais que deverão, a nosso ver, integrar a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde, no capítulo específico, referente a ciência, tecnologia, insumos, equipamentos e assistência farmacêutica e que serão fundamentais para assegurar a viabilidades das novas e crescentes demandas sociais em saúde que a Reforma Sanitária faz supor.
(1) Ver a respeito, "Desatollo Sostenido", por R. Zeledon, em La Nación de 30.09.88 e "Meio Ambiente, Desenvolvimento e Dívida Externa", por A. Rocha Magalhães, na Folha de São Paulo de 01.04.89.
(2) Fiocruz/NEP - Seminário "Qual Política Tecnológica para que Política de Saúde*. Exposição de Fábio Erber. Série Política ** Saúde nº 2, 1987.
(3) Carlos Estevan Martins, em "Difícil por um lado, desejável por outro", em a Folha de São Paulo de 17/09/88.
(4) Ver exposição no Seminário "Qual Política Tecnológica para que Política de Saúde*. O termo paradigma tecnológico" é inspirado na noção de "paradigma científico", de T. Kuhn.
(5) David Derribo, Clarence J. Dias e Ward Morehouse em "Os Nexos Vitais em Biotecnologia: relações entre pesquisa e produção e suas implicações para a América Latina". Em série Política de Saúde, nº 7 Fiocruz/NEP, 1989.
(6) Segundo Michel Godet, em seu livro "Scenarios and Strategic Management" (editado por Butter-worth Scientific Ltd, 1987), o futuro deve ser estudado em um "approach" global que ilumine o presente; esta é a idéia básica que diferencia "prospectiva" de "prognóstico". A prospectiva, ou o conceito concernente à visão crítica do futuro para orientar ações no presente, não é, portanto, exercício de futurologia. É um modo de pensar para agir contra o fatalismo e que fornece os meios para entender e explicar as crises, em um mundo caracterizado pelo aumento da incerteza e do risco de mudança de tendências, não somente a longo prazo mas no curto e no médio prazos. A prospectiva tem o futuro como sua 'raison d'être', pois "...the future has not been written...".
(7) Hemoderivado é o produto industrial obtido do fracionamento físico-químico do plasma humano, com finalidade terapêutica, profilática e de pesquisa.
(8) Consultar Attinger, E. O. & P ao eral, R. B. em Transferabflity of Health Technology Asseanent with Particular Emphasis on Developing Countries, fat J. of Technology Assessment in Health Care, 1988, nº 4, p. 545-554.
(9) Para uma análise abrangente da Reforma Sanitária brasileira ver a série de documentos (Documentos I, II e III), editados em 1987, pela Comissão Nacional da Reforma Sanitária; ver também o importante Relatório Final da VII Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em março de 1986.
(10) Ver documento III da CoMISsão Nacional da Reforma Sanitária.
(11) Ver documento III da Comissão Nacional da Reforma Sanitária.
(12) Ver o "Estudo Preliminar sobre a Situação da Química Fina no Brasil", preparado por R. T. Magalhães para o Grupo de Estudos Técnicos do Ministério das Relações Exteriores, abril de 1989.
(13) A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, a RENAME, constitui o principal instrumento disciplinador do mercado oficial; a Central de Medicamentos (CE-ME) responde pela sua atualização.
(14) Código da Propriedade Industrial Lei nº 5772 de 21/12/1972.
(15) FIOCRUZ7NEP - Seminário "A Qualidade dos Produtos em Saúde". Série Política de Saúde nº 4, 1987.
(16) INCQS - Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, unidade técnica da Fundação Oswaldo Cruz, localizada no Rio de Janeiro.