RESENHA/REVIEW
Mário B. Aragão
Pesquisador Titular da Escola Nacional de Saúde Pública Fiocruz
Grande Carajás: planejamento da destruição. Rio de Janeiro, Forense Universitária, Universidade de São Paulo e Fundação Universidade de Brasília, 1989, 154p. e 14 mapas.
O livro começa com um primoroso prefácio do Prof. Aziz Nacib Ab'Sáber, onde se fica sabendo que a pesquisa foi encomendada pela Companhia Vale do Rio Doce, que comanda o Projeto Grande Carajás. Isso nos parece uma coisa extraordinária e torna a Vale digna de todo respeito. Outro motivo de satisfação foram as referências ao eminente geógrafo Leo Waibel, que teve grande influência na formação do Prof. Orlando Valverde e que, com o seu estudo sobre a colonização do Vale do Itajaí, fez com que nos interessássemos pela geografia. No final da década de 50, chegamos a acompanhar um curso de geografia agrária dado pelo Prof. Orlando Valverde.
O livro, propriamente dito, começa com uma discussão, muito interessante, sobre a localização dos diversos pólos metalúrgicos do mundo. Nele ficamos sabendo que os navios japoneses que vêm buscar minério de ferro dão a volta ao mundo. Saem vazios do Japão, carregam carvão na Austrália, que entregam aqui, e regressam com o nosso minério. Mostra a semelhança de localização das reservas de minério do Vale do Rio Doce e de Carajás, ambas localizadas em áreas florestais do interior, e chama a atenção para a devastação que as usinas siderúrgicas, a carvão vegetal, provocaram em Minas Gerais. O mesmo ocorrerá ao longo da Estrada de Ferro Carajás, se for adotado o mesmo modelo, que ele chama de pré-industrial. Lembra que usinas a carvão mineral, nos dois extremos da estrada, iriam reduzir muito os trajetos de composições vazias. Informa que o projeto foi concebido em Brasília por uma comissão de ministros que nem ao menos conheciam a área e estavam, além disso, imbuídos da idéia de pagar a dívida externa com a exportação do minério. Essa Comissão do Grande Carajás tem atuado com a maior desenvoltura. Enquanto a Cia. Vale do Rio Doce realizava estudos para a localização dos pólos metalúrgicos, a Comissão concedia isenção de imposto sobre a renda a 17 projetos para instalação de pólos. Por incrível que pareça, até uma proposta para a instalação de uma usina de álcool carburante foi beneficiada com essa isenção.
O capítulo II, em que discute o problema energético, começa com as fontes tradicionais: lenha e carvão vegetal. Ao contrário do que se pensa, essa corrida para a instalação de siderúrgicas a carvão vegetal não decorre apenas da filosofia de "enriquecer, antes que acabe", hoje imperante na Amazônia. Por trás dela estão os fabricantes de ferro e de carvão vegetal de Minas Gerais, esses últimos reunidos na Associação Brasileira de Carvão Vegetal (Abracave).
O interesse em gerar energia elétrica na Amazônia tem uma de suas raízes na alta do petróleo, a partir de 1973, quando diversos países, especialmente o Japão, desativaram fábricas de alumínio que funcionavam junto a usinas termoelétricas. A solução foi procurar áreas de Terceiro Mundo, onde a produção seria mais barata. A Amazônia, com seu grande potencial hidroelétrico e suas imensas jazidas de bauxita, se configurou como um dos locais mais adequados. Foi então iniciada a barragem de Tucuruí e a constituição da Albras/Alunorte, em Vila do Conde no Pará, e a Alcoa/Alumar em São Luiz do Maranhão. Empresas que gozam de completa isenção de impostos e recebem energia abaixo do custo, cerca de 50% abaixo do preço pago pelo consumidor comum.
Uma grande parte desse capítulo discute o aproveitamento do babaçu, como fonte de carvão para a siderurgia e diversos outros produtos.
O capítulo III, problemas ecológicos e econômico-sociais, começa com uma crítica aos cursos de ecologia, bem ao gosto de alguns professores da ENSP. A ecologia não pode ficar restrita a sua base biológica. Ela, assim como a geografia, não pode dispensar o estudo das estruturas econômico-sociais. Ainda mais, atualmente, quando organismos internacionais, e até a própria ONU, procuram impingir a teoria neomaltusiana. Nesse capítulo está muito bem discutido o Programa de Integração Nacional, o famoso PIN, com suas estradas Transamazônica, Cuiabá Porto Velho Acre etc, os projetos de colonização e demais fracassos. Em seguida, os projetos agropecuários, com a institucionalização da violência para expulsar os posseiros. Entra depois o Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), subordinado ao Conselho de Segurança Nacional, e, por fim, o SNI. Desse PIN, até o pessoal do Projeto Radam recebia gratificação. Eram cinco mil cruzeiros, que não eram tributados pelo imposto de renda. O capítulo termina com a misteriosa Serra Pelada, que faz parte de uma área cedida à Cia. Vale do Rio Doce por decreto da lavra. Ela permaneceu relativamente controlada pela Docegeo, subsidiária da Vale, até o final de 1979, quando um programa matutino da Rádio Nacional de Brasília, muito ouvido no interior, deu a notícia de que a área havia sido liberada para garimpagem. Quem autorizou essa notícia, ninguém sabe ao certo. Há tempos já estava na área o famoso major Curió, do SNI, hoje deputado Sebastião Curió. O Dr. Breno dos Santos, diretor da Docegeo, informa que, antes de Serra Pelada, deveriam existir, na Amazônia, cerca de 50 mil garimpeiros; hoje calcula que os mesmos sejam entre 400 e 500 mil. Ilustra bem a força de Serra Pelada o fato do major Curió, após perder o apoio do SNI, passar a ser financiado pelos capitalistas do garimpo. Mais grave do que isso foi a Vale ter tido de abandonar a pesquisa de cromita próximo ao garimpo porque, à noite, os garimpeiros atiravam no acampamento.
Os fatos relativos a Tucuruí estão muito bem relatados, mas, como foram bem divulgados, necessitam ser comentados.
O livro termina com uma série de recomendações que, devido à gama de interesses em jogo em todos os problemas da Amazônia, dificilmente serão adotadas.