RESENHA REVIEW
Maria da Conceição de M. C. Beltrão
Setor de Arqueologia
Museu Nacional
Paleopatologia e Paleoepidemiologia: Estudos Multidisciplinares. Adauto José G. de Araújo & Luiz Fernando Ferreira (coordenadores). Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, 1992. 237 p., ilus., bibliografia.
(Brochura)
Cr$ 250.000,00
Além dos importantes trabalhos que sempre realizou no campo da saúde pública, o monumento da Ciência que é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem criando novas linhas de pesquisa, como a de paleopatologia e paleoepidemiologia.
O livro Paleopatologia e Paleoepidemiologia Estudos Multidisciplinares teve como propósito "reunir trabalhos de especialistas em paleo-patologia no Brasil, bem como alguns aspectos de paleoepidemiologia e paleoecologia de populações pré-históricas, restringindo-se a publicação ao grupo de professores que participaram deste primeiro curso de especialização".
A determinação de patologias em populações pré-históricas tem sido objeto de muitos estudos em vários países, mas, no Brasil, é graças especialmente à Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), da Fiocruz, que trabalhos neste sentido vêm sendo realizados e publicados. Já existe mesmo na Ensp uma área de concentração em estudos desta natureza dirigida às populações indígenas pré-históricas e atuais.
O livro, que é o "primeiro suporte a estas idéias de construção da nosologia no território brasileiro", reúne uma série de trabalhos, entre eles os de autoria dos dois pilares das mencionadas especialidades: Adauto J. G. de Araújo e Luiz Fernando Ferreira, que, além de coordenadores da publicação, são responsáveis pela parte introdutória do livro.
No primeiro artigo, Luiz Fernando Ferreira e colaboradores comentam trechos do livro de Garcia da Orta, escrito na Índia, em 1957, e sua contribuição à epidemiologia histórica, já que ele nos fornece uma descrição clínica detalhada da cólera.
No segundo artigo, Diana Maul de Carvalho retoma o tema, concluindo que o quadro clínico fornecido por Orta torna possível o diagnóstico da cólera, embora a obra de Orta não se propusesse a descrever doenças. A sazonalidade e a descrição de Orta permitem à autora concluir que o Vibrio cholerae era freqüente na Índia durante o século XVI.
Sheila Mendonça de Souza traduz o artigo seguinte, de 1980, assinado por Jane E. Buikstra e Della C. Cook, sobre paleoepidemilogia e paleopatologia, apontando os avanços obtidos por esses campos de pesquisa desde a publicação do livro de Saul Jarcho (1966) e o Diseases in Antiquity (1967) até 1980. Entre os avanços, os autores citam a histomorfometria dos ossos como tendo produzido resultados impressionantes e, ainda, a paleoepidemiologia, os estudos de múmias e de material osteológico que comprovam que patologias diversas, inclusive a tuberculose, já existiam na América antes da colonização européia.
Lilia Cheuiche Machado discorre sobre a paleodemografia, citando estudos realizados a partir de restos esqueletais encontrados em sítios arqueológicos na Jordânia, Turquia, Grécia e Brasil (Sítio Arqueológico Corondó, da Tradição Itaipu, em São Pedro da Aldeia, Rio de Janeiro, com datações entre aproximadamente 4.000 e 3.000 AP; Sítio Piaçagüera, em Cubatão, São Paulo, com datações entre 4.890 e 4.930 AP). Conclui a autora pela necessidade da continuação de pesquisas deste tipo.
Em outro artigo, Maria Dulce Gaspar trata do padrão de assentamento dos pescadores, coletores e caçadores que habitaram sítios arqueológicos na região compreendida entre a baía da Ilha Grande e o delta do Paraíba do Sul, entre 5.500 e 1.200 AP.
Anne-Marie Pessis e Niède Guidon discorrem sobre a área arqueológica de São Raimundo Nonato, no Piauí, onde evidenciaram vestígios humanos da ordem de 50 mil anos. Nos últimos 22 anos, foi estabelecido um programa de pesquisas objetivando o reconhecimento de modelos adaptativos do homem pré-histórico em seu processo interativo com o meio ambiente.
No artigo subseqüente, Sheila Mendonça de Souza estuda os traumatismos vertebrais da população que há 2.000 anos ocupou o sítio arqueológico Furna do Estrago, em Pernambuco, como indicadores de atividades físicas. Foram observadas fraturas na coluna vertebral e membros inferiores em 50% da coleção de esqueletos examinada.
Marília Carvalho de Mello e Alvim e João Carlos Gomes analisam os casos de hiperosteose porosa considerada um marcador não-específico de estresse em 20 crânios de índios Tenetehára-Guajajára que viveram há 50 anos na região do rio Pindaré, no Estado do Maranhão. Os esqueletos foram coletados pelo Dr. Pedro de Lima. Os resultados obtidos demonstram que, no material Tenetehára, a hiperosteose é conseqüência de fatores ambientais que provocaram a anemia malárica crônica, fortalecida por uma dieta inadequada, resultante do contato do indígena com a população regional, não-indígena.
A seguir, Verônica Wesolowski e Zélia dos Santos analisam, em uma reduzida amostra dentária Tupí-Guaraní, casos de hipoplasia linear de esmalte, considerada também um exemplo de marcador não-específico de estresse.
Carlos E. A. Coimbra Jr. e Ricardo V. Santos, em seu artigo sobre paleoepidemiologia e epidemiologia das populações brasileiras, demonstram que, a partir da análise do material ósseo das populações pré-históricas, chega-se apenas a um quadro fragmentário do estudo dessas populações. O quadro que se obtém a partir do exame das populações atuais é muito mais complexo e serve de contraponto ao estudo das populações desaparecidas. Em resumo, os métodos usados em epidemiologia contribuem para tornar mais seguros os resultados da paleoepidemiologia.
Em outro artigo, Marcia Chame propõe um método experimental de diagnóstico de fezes e cropólitos não-humanos encontrados no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Segundo a autora, os padrões utilizados na caracterização das fezes recentes encontradas na mesma região, onde se localizam vários sítios arqueológicos, também podem ser utilizados na identificação de coprólitos. Os coprólitos examinados foram coletados em 6 sítios arqueológicos datados entre 2.000 AP e até cerca de 8.000 AP.
Finalmente, Jorge Ferigolo discorre sobre as paleopatologias de vertebrados não-humanos e sua importância para se estudar a paleontologia evolutiva (cujo espectro é, segundo o autor, muito mais amplo do que o da paleopatologia humana); para se esclarecer aspectos ligados à história e à evolução das doenças; para se evitar erros taxionômicos; e para suprir informações sobre hábitos alimentares e dados biomecânicos. O autor pioneiro no Brasil em paleopatologia de vertebrados não-humanos lista os materiais examinados (ossos e dentes), descreve diversas patologias e aponta suas prováveis causas.
A leitura do livro parece-nos imprescindível a todos quantos se interessam pelos estudos de paleopatologia e paleoepidemiologia em suas visões multidisciplinares.