OPINIÃO/OPINION
Mapa de risco no Brasil: as limitações da aplicabilidade de um modelo operário
Brazilian risk map: limited applicability of a worker model
Ubirajara A. de O. MattosI; Nilton Benedito B. FreitasII
ICentro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública. Rua Leopoldo Bulhões, 1480, 3º andar, 21041-210, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIDepartamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho. Praça da República, 386, 3º andar, conjunto 33, 01045-000, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
O texto tece considerações sobre as limitações encontradas na aplicação do Mapa de Risco no Brasil, sob o ponto de vista legal e metodológico. Inicialmente, são apresentadas conceituação, origem e importância desta metodologia na Reforma Sanitária Italiana. A seguir, são colocadas as versões quanto a sua introdução no Brasil, no início da década de 80, e a sua repercussão nas empresas após ter se tornado exigência legal para aquelas empresas que possuam Cipa. Finalmente, é feita uma breve discussão quanto à sua eficácia na prevenção de riscos à saúde pelos trabalhadores.
Palavras-Chave: Saúde do Trabalhador; Avaliação de Riscos; Modelo Operário Italiano
ABSTRACT
This paper shows the limitations identified in Brazilian risk map applications from a legal and methodological perspective. First, the conception, origin, and value of the risk-map methodology are presented as perceived under the Italian Health Reform. Next, the authors report on introduction of the methodology into Brazil in the early 1980s and the reactions by companies when it became a legal requirement for those which had Accident Prevention Committees. Finally, a brief discussion on the effectiveness of its use by workers in preventing health risks is included.
Key words: Worker's Health; Risk Assessment; Italian Worker Model
O QUE É MAPA DE RISCO?
É uma representação gráfica de um conjunto de fatores presentes nos locais de trabalho, capazes de acarretar prejuízos à saúde dos trabalhadores. Tais fatores se originam nos diversos elementos do processo de trabalho (materiais, equipamentos, instalações, suprimentos, e nos espaços de trabalho, onde ocorrem as transformações) e da forma de organização do trabalho (arranjo físico, ritmo de trabalho, método de trabalho, turnos de trabalho, postura de trabalho, treinamento etc.)
QUAL É A SUA ORIGEM?
O mapeamento de risco surgiu na Itália no final da década de 60 e no início da década de 70, através do movimento sindical, com origem na Federazione dei Lavoratori Metalmeccanici (FLM) que, na época, desenvolveu um modelo próprio de atuação na investigação e controle das condições de trabalho pelos trabalhadores, o conhecido "Modelo Operário Italiano". Tal modelo tinha como premissas a formação de grupos homogêneos, a experiência ou subjetividade operária, a validação consensual e a não-delegação, possibilitando assim a participação dos trabalhadores nas ações de planejamento e controle da saúde nos locais de trabalho, não delegando tais funções aos técnicos e valorizando a experiência e o conhecimento operário existente.
"Para que o ambiente de trabalho fique livre da nocividade que sempre o acompanha, é necessário que as descobertas científicas neste campo sejam socializadas, isto é, trazidas ao conhecimento dos trabalhadores de uma forma eficaz; é necessário que a classe operária se aproprie delas e se posicione como protagonista na luta contra as doenças, as incapacidades e as mortes no trabalho.
Somente uma real posição de hegemonia da classe operária diante dos problemas da nocividade pode garantir as transformações que podem e devem determinar um ambiente de trabalho adequado para o homem.
Somente a luta, com uma ação sindical conduzida com precisos objetivos reivindicatórios, com a conquista de um poder real dos trabalhadores e do sindicato, é possível impor as modificações, sejam tecnológicos, técnicas ou normativas, que possam anular ou reduzir ao mínimo os riscos a que o trabalhador está exposto no local de trabalho". (Oddone et al., 1986: 17)
Essa metodologia teve um importante papel no processo da Reforma Sanitária Italiana (Lei 833 de 23/09/78 que instituiu o Serviço Sanitário Nacional) que criou condições para construção de um sistema participativo e com auto-regulação na eliminação dos riscos, prevendo em seu artigo 20 os mapas de risco (Oddone et al., 1986).
COMO O MAPA DE RISCO CHEGOU AO BRASIL?
O Mapa de Risco se disseminou por todo o mundo, chegando ao Brasil no início da década de 80. Existem duas versões quanto à sua introdução no Brasil. A primeira, atribui tal feito às áreas sindical e acadêmica, através de David Capistrano, Mário Gawryzewski, Hélio Baís Martins Filho e do Departamento Intersindical de Estudos em Saúde e Ambiente de Trabalho (Diesat).
A outra versão atribui à Fundação Jorge Duplat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) a difusão do mapa de risco no país. Segundo o Engenheiro Mário Abrahão:
"Técnicos da Fundacentro de Minas Gerais foram designados para estudar o método de trabalho e acompanhar os resultados. Após um longo acompanhamento e a constatação dos resultados positivos, eles começaram como agentes multiplicadores a ensinar esta técnica por todo o País. Em São Paulo, graças aos esforços conjuntos da Fundacentro São Paulo, Delegacia Regional do Trabalho de Osasco e Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que em 1982 patrocinaram dois cursos com os técnicos de Minas Gerais, preparando 40 novos instrutores de diversos ramos de atividades, aproximadamente 200 empresas já estão aplicando esta técnica com resultados positivos" (Abrahão, 1993: 22)
Em 1986 foi lançado no Brasil Ambiente de Trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde, por Ivar Oddone e outros sindicalistas, para técnicos com atuação sindical e acadêmica.
Além do Diesat, que adota este instrumento desde 1983 e que nos últimos seis anos o tem utilizado nos cursos de formação de CIPAs (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) ou de monitores de Cipa, o Instituto Nacional de Saúde do Trabalhador (INST) da Central Única dos Trabalhadores (CUT) é atualmente "um dos principais signatários do método" (Freitas, 1992a: 11).
A CONSTRUÇÃO DE MAPAS DE RISCOS É OBRIGATÓRIA?
A realização de mapeamento de riscos tornou-se obrigatória para todas as empresas do país que tenham Cipa, através da portaria nº 5 de 17/08/92 do Departamento Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador do Ministério do Trabalho.
De acordo com o artigo 1º da referida portaria cabe às CIPAs a construção dos mapas de riscos dos locais de trabalho. Através de seus membros, a Cipa deverá ouvir os trabalhadores de todos os setores da empresa e poderá contar com a colaboração do Serviço Especializado de Medicina e Segurança do Trabalho (SESMT) da empresa, caso exista.
Os riscos deverão ser representados em planta baixa ou esboço do local de trabalho (croqui) e os tipos de riscos relacionados em tabelas próprias, anexas à referida portaria.
Posteriormente os mapas deverão ser afixados em locais visíveis em todas as seções para o conhecimento dos trabalhadores, permanecendo no local até uma nova gestão da Cipa, quando então os mesmos deverão ser refeitos (Brasil, 1992).
AS LIMITAÇÕES NA APLICABILIDADE DO MAPA DE RISCO
Além das limitações quando a teorização deste instrumento, apontadas por pesquisadores como Laurel & Noriega, existem também outras críticas relacionadas com a aplicação da citada portaria, oriundas tanto do meio empresarial como do meio sindical trabalhista.
Limitações Quanto à Teorização
Nas primeiras, Laurell & Nuriega constatam a ausência de diferenciação entre teoria e prática (sem que haja a teorização das experiências de investigação) e que com a reestruturação tecnológica e reorganização do trabalho o conhecimento particular se torna inútil, sendo impossível reprojetar o conhecimento no futuro, no que tange a construção de novas propostas. Assim, segundo Laurell & Noriega (1989: 94-95):
"...quando muda drasticamente a realidade fabril, o conhecimento particular por rico que seja se torna essencialmente inútil, pois o seu objetivo desaparece. Por outro lado, uma vez que não se tenha extraído dele o que as situações particulares têm de geral, torna-se impossível projetar o conhecimento no futuro, em se tratando da construção de novas propostas. Ou seja, o conhecimento particular baseado na experiência é, no melhor dos casos, um conhecimento fenomenológico do passado e do presente até que tenha passado e do presente até que tenha passado por um momento de teorização. A ausência de generalização e de teorização do conhecimento, finalmente, o torna dificilmente isolável de seus portadores específicos. Torna-se uma experiência pessoal compartilhada por várias ou mesmo muitas pessoas, mas não passa a ser memória definitiva da classe, recuperável nos momentos em que as mudanças na correlação de forças permitam avançar as posições operárias".
Além dessas questões, existem outras limitações apontadas por Lauar et al. (1991: 48) que não devem ser ignoradas:
"Uma limitação ainda não superada pelo modelo é a abordagem deficiente dos fatores do grupo 4 de risco: problemas ligados à fadiga e à saúde mental. Neste particular, ..., torna-se necessário o aprofundamento das pesquisas e a aperfeiçoamento da metodologia, pois o julgamento global e conciso dos trabalhadores sobre estas questões tem se mostrado insuficiente para detectar alterações precocemente e definir ações preventivas...
Outra dificuldade a ser superada se refere à questão da `homogeneidade' do `Grupo Operário'. Observe-se que em uma dada condição de estabilidade social, organizacional e tecnológica, um grupo de trabalhadores pode ser considerado homogêneo em um determinado departamento da fábrica, apesar das diferenças observadas quanto ao tempo de trabalho, experiência prévia, exposição anterior, grau de responsabilidade, bem como quanto a fatores externos à própria fábrica (culturais, de educação etc.)...
Quando se fala em dificuldades, não deve ser desprezado o peso representado pela ameaça de desemprego, que atinge hoje cerca de 10% da força de trabalho italiana e que provoca um desvio da prioridade colocada na luta pela saúde por parte das organizações dos trabalhadores".
Kuchenbecker (1992) faz comentários sobre a necessidade de aperfeiçoamento do instrumento de investigação operária que possibilite uma prática de pesquisa com a participação conjunta de técnicos no grupo e avaliações de saúde e trabalho articuladas com os Programas de Saúde do Trabalhador.
Limitações Quanto à Portaria
Esta portaria tem sido objeto de muita discussão nas empresas e nos sindicatos patronais, sendo alegadas dificuldades no seu cumprimento por parte dos técnicos e das direções das empresas, no que diz respeito a sua construção, ou seja, quanto à simbologia empregada (uso de círculos de diferentes dimensões e cores) e à definição dos riscos ambientais (onde foram introduzidas duas novas categorias, além das três já existentes).
Setores bastante conservadores e corporativistas do meio técnico de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho têm também se manifestado, através de revistas de circulação na área, em defesa de um suposto "saber técnico", em detrimento e em crítica do chamado "saber operário", "conhecimento subjetivo" e "avaliação qualitativa" das condições de trabalhos (Zocchio, 1993).
Sustentados apenas nos seus próprios interesses profissionais e comerciais, estes setores evidentemente não conseguem articular o seu discurso com alguma base técnico-científica. No entanto, adquirem valor acadêmico ao trazer à tona a reflexão sobre o tradicional modelo da Saúde Ocupacional (que conhece seus limites justamente na própria fragmentação de abordagem do trabalho ao estruturar-se em áreas distintas, com saberes e responsabilidades também distintos, conhecidos como Medicina do Trabalho (atividade médica voltada fundamentalmente para o trabalhador), Higiene do Trabalho (que atua sobre o ambiente de trabalho) e Segurança do Trabalho (a preocupação pela prevenção dos acidentes de trabalho) (Mendes, 1980).
É justamente esta fragmentação que o Modelo Operário Italiano e a metodologia do Mapa de Risco condenam, ao abordar a saúde de um modo global, unitário, dinâmico, a partir da interação dos diversos fatores e agentes presentes no ambiente, com os agentes sociais envolvidos (capitalistas e trabalhadores).
"Em primeiro lugar porque o trabalhador vive e percebe sua situação laboral como uma unidade...; em segundo lugar porque do ponto de vista causal, estes diferentes fatores constituem um sistema complexo que inclui interações múltiplas" (Mendes, 1988: 15).
Foi este entendimento inclusive que levou a OMS (Organização Mundial da Saúde) a recentemente alterar o seu Programa de "Saúde Ocupacional" para "Saúde dos Trabalhadores", reconhecendo nos modelos tradicionais dos Serviços de Saúde Ocupacional "um sistema que tampouco foi bem-sucedido no controle de acidentes e doenças profissionais, a julgar pela permanência de significante magnitude" em muitas empresas e na maioria dos países (Freitas, 1992b: 6).
É exatamente por isso que os pressupostos do Modelo Operário Italiano e da Saúde do Trabalhador se encontram, estabelecendo princípios que são marcados pela análise da multicausalidade das doenças; pelo direito dos trabalhadores conhecerem os riscos a que estão expostos nos locais de trabalho; pelo direito dos trabalhadores de se recusarem a expor suas vidas e sua saúde aos riscos do trabalho; pelo direito de acesso dos trabalhadores ao resultado dos seus exames médicos; pelo direito dos representantes dos trabalhadores acompanharem as fiscalizações das condições de trabalho; pela abolição do uso indiscriminado de EPIs em prol das melhorias ambientais etc.
Enfim, um modelo que valoriza sempre a participação dos trabalhadores nas questões relacionadas à sua saúde a partir do reconhecimento do seu saber e do seu papel no processo de trabalho.
Exatamente o que não desejam aqueles que se utilizam da profissão para a simples defesa de interesses particulares ou para o exercício inconteste da sua incompetência cotidiana. Vítimas da sua própria ignorância, alguns bem-intencionados entre eles sequer compreendem o sistema complexo no qual estão enredados.
Então tentam a todo o custo desqualificar o conhecimento e a intervenção daqueles que produzem os bens que pagam seus salários.
A serviço de empresários muitas vezes medíocres e imediatistas, são também estes setores os defensores de teorias unicausais e reducionistas como aquela do Ato e da Condição Inseguros que durante tantos anos ajudou o país a cobrir-se com a manta da ignorância e a vendar os próprios olhos para não enxergar e reconhecer os próprios erros e defeitos. Enquanto isso, os orientais, com seus olhos pequenininhos..., desenvolviam técnicas e teorias de investigação de falhas e problemas que sempre passaram, para quem quiser saber, pela absorção do conhecimento dos trabalhadores... e pela análise múltipla dos fatores envolvidos. Aliás, receitas "modernas" daqueles que realmente se preocupam com qualidade e produtividade.
Não bastasse a crítica à subjetividade do saber operário, as vozes do conservadorismo e do modelo falido da Saúde Ocupacional se perdem também na crítica ao teor qualitativo da metodologia em questão.
Criticam os trabalhadores por ficarem "achando" isso ou aquilo, quando creditam toda sua análise à sensibilidade dos aparelhos de medição e submetem todos os resultados aos números estabelecidos como "Limites de Tolerância (LT)", sem se darem conta ou omitindo que estes também são estabelecidos, segundo critérios políticos determinados pela força da indústria, particularmente nos Estados Unidos da América, de onde são importados os LT (desde 1977 sem atualização, é bom frisar) (Diesat, 1989; Arcuri & Cardoso, 1991).
Ignoram também ou fingem ignorar as limitações da análise quantitativa da nocividade no trabalho como:
"Estima-se que existam de cinco a sete milhões de substâncias químicas conhecidas, das quais 70 mil a 80 mil são de uso mais comum. Cerca de 500 substâncias novas são introduzidas ao ano no mercado (OIT,1989)".
"Só se tem registro de limites de exposição, a nível mundial, de cerca de 2.100 produtos, vários aceitos só por alguns países (OIT, 1991)" (Acuri & Cardoso, 1991).
Há ainda pouca informação sobre os efeitos combinados dos agentes químicos e destas com fatores como calor, ruído, umidade, trabalho em turnos, fumo, consumo de álcool, estado nutricional etc.
Há ainda poucas metodologias válidas, para avaliações ambientais de agentes químicos isolados e principalmente combinados (misturas de diferentes substâncias).
Poucas são as empresas e serviços públicos aparelhos e com pessoal tecnicamente habilitado para efetuar avaliações ambientais confiáveis.
As susceptibilidades individuais não podem ser ignoradas quando da comparação de LT com sinais e sintomas de sensibilização a algum agente nocivo.
Coincidência ou não, o conceito da "determinação quantitativa da insalubridade nos locais de trabalho" é herança do período da Ditadura Militar no Brasil, quando foi publicada a Portaria 3214 de 08/06/78, em substituição à Portaria 491 de 16/09/65, que foi posteriormente modificada por pequenas alterações introduzidas pela Portaria 122 de 22/02/67, ambas do então Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).
Assim dispunha o art. 1º., parágrafo 3º da Portaria 491:
"Enquanto os órgãos competentes em Segurança e Higiene do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência Social não estiveram aparelhados, em material e pessoal técnico para a verificação dos limites de tolerância dos agentes nocivos nos ambientes de trabalho, admitir-se-á o critério qualitativo apenas".
O mais curioso é que, efetivamente, o quadro descrito não sofreu grandes alterações de 1965 para 1978 e até o presente momento. É sabido que poucos são os órgãos públicos aparelhados e com pessoal técnico suficiente para a inspeção nos ambientes de trabalho. É sabido também que este quadro, proporcionalmente, não é muito diferente na iniciativa privada e ainda mais deficitário no setor público empregatício em todos os níveis e instâncias.
Então, por que não utilizar-se da análise qualitativa dos riscos, reservando à avaliação quantitativa o seu verdadeiro papel de aferição da eficiência de medidas de proteção adotadas?
Algum problema com o reconhecimento das limitações da nossa realidade, ou tudo não passa de simples retórica para a preservação de interesses econômicos e corporativistas?
Afinal, alguns dos princípios da metodologia do Mapa de Risco são os da "não-delegação" das questões de saúde dos trabalhadores aos técnicos e da "validação consensual" das referências à nocividade no trabalho, reafirmando o radicalismo da proposta em contraposição à hegemonia capenga do saber técnico-científico-autoritário na área.
Ao que tudo indica, a razão de tal resistência das empresas e órgãos de classe, que estão exercendo forte pressão junto ao Ministério para que a portaria seja revogada, deve-se muito mais a motivos políticos do que técnicos, pois a exposição de mapas de riscos em locais visíveis cria para a empresa uma situação de constrangimento e uma imagem negativa junto aos seus trabalhadores, bem como às pessoas que venham visitá-la, nas situações de acesso aos locais de trabalho, afinal como diz o ditado "roupa suja se lava em casa...".
Uma outra questão, relacionada com a primeira, consiste na facilidade que esse instrumento de análise cria para os órgãos de fiscalização, em particular a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e a Vigilância Sanitária, nas atividades de inspeção dos locais de trabalho, o que torna as empresas mais vulneráveis às intimações, notificações e multas.
Talvez a grande falha dessa portaria seja a de atribuir somente à Cipa a tarefa de sua execução, cabendo apenas aos trabalhadores o direito de opinarem sobre a sua construção, quando na realidade estes deveriam ser os reais construtores, conforme a idéia original.
As Limitações Quanto aos Cursos de Treinamento para Construção de Mapa de Risco, que em Geral São Oferecidos no Brasil
Uma outra questão que cabe aqui tratar diz respeito ao treinamento, que de uma forma geral é oferecido nos cursos de construção de mapas de riscos para membros de Cipa e Profissionais dos Serviços especializados. Tais cursos, na sua maioria, somente repassam informações diretamente ligadas às técnicas de elaboração dos mapas, não discutindo junto aos alunos a origem e os propósitos dessa metodologia e a necessidade de seu repasse aos trabalhadores como forma de um maior envolvimento destes no controle das condições de trabalho.
Como conseqüência, as dificuldades encontradas pelos cipeiros na hora de fazer o mapa são imensas, indo desde o planejamento da ação até a sua representação gráfica, sem falar nos encaminhamentos posteriores que se fazem necessários.
A partir de cursos sobre o assunto, ministrados pelo Diesat a membros da Cipa do Banco do Estado de São Paulo (Banespa) e de diversas indústrias químicas e petroquímicas do ABC, algumas destas dificuldades foram sistematizadas.
QUANTO À METODOLOGIA
Há dúvidas sobre a maneira de se iniciar o mapeamento de riscos.
Sobre a necessidade de agendamento da visita com o responsável pelo local.
Sobre a necessidade de informação anterior aos trabalhadores do setor a ser avaliado e de que forma fazê-lo.
Sobre as pessoas da Cipa que devem participar e sobre a sua representatividade (patronal ou profissional).
Sobre a paralisação ou não dos setores a serem investigados no momento da visita, em relação à necessidade de entrevistar os trabalhadores e/ou observar o trabalho.
Sobre a forma de "ouvir os trabalhadores", de que forma fazê-lo e sobre como considerar o ponto de vista das chefias, supervisores, engenheiros e outros.
Sobre a forma de abordagem dos riscos presentes ou exemplificados na Portaria nº 5 de 18/08/92 e aqueles referidos pelos trabalhadores.
Sobre o momento da realização do mapeamento em relação as alternativas do cotidiano do setor em diferentes horários da jornada, nas atividades organizadas em turnos de revezamento, nos processos industriais semicontínuos ou descontínuos, nos serviços de atendimento público, nas atividades que sofrem alterações constantes (como obras civis) e outros.
Sobre como realizar a "validação consensual", para que o mapa represente de fato o sentimento global, frente a uma estrutura organizacional extremamente rígida, que inclusive não vê com "bons olhos" a reunião e a discussão de trabalhadores dentro da empresa.
Sobre como alcançar indicadores externos ou indiretos dos riscos no local de trabalho, como índices de absenteísmo, estatísticas de acidentes de trabalho, registros de doenças ou alterações significativas do estado de saúde, relatórios de ocorrência de anormalidades etc.
SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DOS FATORES DE RISCO
Reside nesta tarefa uma das maiores dificuldades dos trabalhadores, que se acentua tanto quanto mais baixa for a escolaridade dos mesmos. Mas a limitação antes de tudo está na própria portaria ministerial que aleatoriamente ou arbitrariamente estabeleceu grupos de riscos (físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e mecânicos) sem conceituá-los, apenas exemplificando aspectos que estariam contemplados e deixando a porta aberta através de um genérico "outros", ao final de cada relação de grupo.
Neste particular, os autores da proposta não seguiram sequer os pais da matéria (os italianos), que categorizaram os riscos em quatro grupos:
"O 1º compreende os fatores presentes também no ambiente em que o homem vive fora do trabalho (nos locais de habitação)... luz, temperatura, ventilação e umidade. O 2º engloba os fatores característicos do ambiente de trabalho: poeiras, gases, vapores e fumaças. O 3º compreende os fatores que exigem trabalho físico, provocam fadiga física e mental. Por fim, o 4º compreende as condições de trabalho que geram estresse e a organização de trabalho". (São et al., 1993: 2)
Não adotando uma conceituação de cada grupo, estabeleceu-se a discórdia e mesmo a dúvida: o que se entende por riscos ergonômicos, quando se exemplifica com "conflitos" e "trabalho de turno"? O trauma pós-assalto ocasionado pela violência do ato ou, a ocorrência rotineira de estupros no acesso a um local de trabalho isolado, seriam classificados como? Mecânicos? Biológicos? Ergonômicos?
Os exemplos poderiam suceder-se extensamente e o motivo já foi apontado. Daí a dificuldade e o direito das pessoas também inferirem conclusões apressadas. Ainda mais quando elas não são "técnicas".
SOBRE A NEGOCIAÇÃO DO MAPA E SEUS DESDOBRAMENTOS
Pouca informação se tem sobre como tem ocorrido na prática, no cotidiano, o encaminhamento e as discussões entre empregados e empregadores, sobre os achados do Mapa de Risco. Este fato pressupõe dois motivos: o tempo de exercício legal da Portaria ainda não comportou esta fase ou, o que seria muito pior, ela não vem ocorrendo e o mapeamento dos riscos vem se limitando ao desenho em planta baixa e afixação do mesmo em algum lugar da fábrica.
Mais uma vez as dificuldades dos trabalhadores neste campo são imensas: as informações dos trabalhadores sobre os resultados e conclusões do mapeamento; a validação dos achados; a discussão da contraproposta patronal; a mobilização dos trabalhadores de determinado setor mais prejudicado etc.
Como enfrentar a absoluta autoridade do empregador dentro da fábrica, possibilitada pela forma de contratação individual do trabalho e o arcabouço jurídico-legal de uma Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ultrapassa e de caráter antidemocrático?
Como possibilitar que as partes com interesses distintos dialoguem e negociem condições de trabalho se a organização do trabalho já é determinada unilateralmente pelo empregador, definidor da tecnologia a ser utilizada no processo produtivo, das matérias-primas empregadas, do ritmo e da organização da produção, da distribuição dos resultados da produção?
De fato, numa relação desigual de organização e poder dentro da empresa, as dificuldades dos trabalhadores brasileiros para implementarem a metodologia do Mapa de Risco, com resultados efetivos, são imensas.
Conclui-se então pela assertiva de que uma metodologia para investigação e negociação das causas da nocividade do trabalho no Brasil só vai ter sucesso efetivo quando acompanhada das condições objetivas para o exercício real da democracia e da cidadania nos ambientes de trabalho, com livre possibilidade de organização dos trabalhos, com contratação coletiva de trabalho, com liberdade e autonomia sindical, conferindo a ambas as partes as condições propícias para o diálogo e o entendimento na organização do trabalho e da produção, fazendo com que o "risco" deixe de ser um fenômeno pré-determinado socialmente.
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