Avaliação da Adequação Nutricional dos Alimentos Consumidos em um Centro Integrado de Educação Pública (CIEP)
Evaluation of Nutritional Adequacy of the Food Intake in an Integrated Center of Public Education (CIEP)
Marina V. da Silva [1]
SILVA, M. V. Evaluation of Nutritional Adequacy of the Food Intake in an Integrated Center of Public Education (CIEP). Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 11 (4): 552-559, Oct/Dec, 1995.
The paper's general objective is to evaluate the nutritional adequacy of the food consumed in an Integrated Center of Public Education in the city of Americana, state of Sao Paulo. The data on food consumption in the city of seven to 15 years old was obtained through a recordatory inquiry. To transform the food consumption in energy and nutrients intake a food composition table was used. The establishment of nutritional recommendations was based in the defined standard for the Brazilian population. It was verified that the food consumption is insufficient to attend the energy requirements of children of eight years old or older. It was shown that the protein intake is much higher than the requirements. For all ages, the iron intake is adequated. It is also shown that school meals contribute with 72% of vitamin C requirement. The paper stress that the school meals program should be based on previous diagnoses of the nutritional status of the target population and the food consumption at home.
Key words: School Feeding; Food Intake; Nutritional Recommendations; Nutritional Adequacy
INTRODUÇÃO
A escola pública de tempo integral representa uma alternativa para os problemas de ensino, colocando-se como instrumento da universalização da educação básica para amplas camadas da população. Trata-se de uma proposta pedagógica que amplia o período de permanência da criança na escola, possuindo objetivos bem mais abrangentes do que os das escolas convencionais de primeiro grau, quais sejam: "além do ensino, propiciar aos estudantes atendimento médico odontológico, quatro refeições todos os dias, contribuindo assim, para a assistência ao educando, na perspectiva da melhoria das condições para o desempenho escolar" (Costa, 1991: 487).
No caso do Brasil, com o nível existente de miséria e pobreza da população, há necessidade, conforme aponta Jaguaribe (1989), de o Estado intervir no sentido de melhorar as condições gerais da sociedade, através de programas assistenciais que incluam ofertas de boa instrução, alimentação, higiene, etc.
A implementação da escola integral, portanto, traz para dentro da escola uma série de "funções supletivas". Entre estas, a alimentação escolar assume fundamental papel. Não há possibilidade de permanência do aluno em jornada integral se não lhe for assegurado o recebimento de refeições durante o período de aulas.
No estado do Rio de Janeiro, a partir de 1985, foram implantados no governo Leonel Brizola os Centros Integrados de Educação Pública CIEPs.
Experiência similar surge no estado de São Paulo, especificamente no município de Americana, localizado a 130 km dá capital, que contava, em 1991, com 169 mil habitantes, sendo que, destes, segundo o Censo Demográfico, 17.549 eram crianças com idade entre sete e 15 anos.
A partir de 1990, Americana, através da administração municipal, iniciou a implantação de quatro CIEPs.
Nesta proposta o programa de alimentação parece receber prioridade, totalizando três refeições (desjejum, almoço a merenda) diárias e tendo como meta o atendimento de 100% das demandas nutricionais de crianças da faixa de sete a 15 anos de idade.
O desjejum é composto de produtos lácteos, representados quase que exclusivamente pelo leite, café, pão com margarina e/ou biscoitos.
No almoço, as preparações mais freqüentes são arroz e feijão (fornecimento diário), macarronada, polenta, salada, carnes a sobremesa (doce ou fruta).
A terceira refeição do dia é servida (em 3 dias da semana) sob a forma de sopa. São utilizadas, no preparo, com freqüência, as hortaliças e/ou arroz, macarrão, fubá, feijão e batata. Nos demais dias, são servidos lanches acompanhados de leite com café e/ou chocolate.
Considerando-se o importante papel assumido pela alimentação para a viabilização da escola de tempo integral, optou-se pela realização deste estudo, que tem como objetivo conhecer o consumo alimentar de escolares matriculados em um Centro Integrado de Educação Pública CIEP do município de Americana, Estado de São Paulo.
Vale ressaltar que os CIEPs em funcionamento estão localizados na periferia do Município e atendem, de forma majoritária, crianças pertencentes a famílias de baixo nível sócio-econômico.
Note-se, também, que as refeições são planejadas mensalmente por nutricionista do Departamento de Educação da Prefeitura Municipal. Embora com pequenas diferenças, os CIEPs seguem, diariamente, os mesmos cardápios.
Optou-se por desenvolver o presente estudo no CIEP Prof. Octávio Cesar Borghi, localizado no bairro Cidade Jardim de Americana, pelo fato de o mesmo possuir alunos de todas as faixas etárias de interesse da pesquisa.
METODOLOGIA
O CIEP estudado atendia, na época da pesquisa, 442 alunos; sendo 282 do sexo masculino e 160 do sexo feminino, pertencentes à faixa etária de sete a 15 anos. A população de estudo correspondeu à totalidade dos alunos.
O consumo alimentar dos escolares foi estabelecido através da aplicação de inquérito recordatório (Flores, 1973; Beaton, 1979; Fergusson, 1989), relativo ao período de 24 horas. As informações foram obtidas pela autora, durante entrevistas realizadas no decorrer do mês de novembro de 1992.
Para maior fidedignidade dos resultados, colheram-se dados em três dias da semana, tendo em vista não só conhecer a variação semanal, como também minimizar as possíveis diferenças que pudessem existir quanto às preferências alimentares do grupo de indivíduos investigados.
Embora tendo sido obtidas informações sobre a dieta das crianças, analisa-se, no presente estudo, o consumo alimentar ocorrido exclusivamente no âmbito do CIEP.
Pelo método recordatório, a quantidade de alimentos consumida é estimada a partir de medidas caseiras utilizadas pelas crianças. Obtida a quantidade de alimentos, os mesmos foram transformados em gramas através da utilização dos pesos de medidas caseiras apresentados no programa de computação "Sistema de Apoio à Decisão em Nutrição", desenvolvido pelo Centro de Informática em Saúde da Universidade Federal de São Paulo (UFSP).
Para a transformação dos alimentos ingeridos em energia e nutrientes, utilizou-se como base a Tabela de Composição de Alimentos (IBGE, 1977).
Para o estabelecimento das recomendações nutricionais, adotou-se o padrão definido para a população brasileira por Martins & Hidalgo (1983).
Como as recomendações de energia e nutrientes estão relacionados diretamente com o peso corporal do indivíduo, tomaram-se como base os dados propostos por Martins & Hidalgo (1983), calculando-se os valores de energia e proteína para escolares de sete a 15 anos de idade de ambos os sexos, utilizando pesos do percentil 50 do Padrão de Referência NCHS (1976).
Considerando que a tiamina, riboflavina e niacina estão na dependência do total energético da dieta, as recomendações para esses nutrientes foram calculadas baseando-se nos valores de energia obtidos especificamente para este estudo.
Para o ferro, cálcio, vitaminas A e C, foram utilizados os valores partindo-se das recomendações propostas para a população brasileira por Martins & Hidalgo (1983).
Com base nesses critérios, elaborou-se a Tabela 1 de recomendações de energia e nutrientes para crianças de sete a 15 anos de idade, apresentada a seguir.
Deve-se esclarecer que a adequação do consumo alimentar foi estudada com relação às diferentes idades e sexo das crianças.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 2 apresenta dados relativos ao consumo médio de energia e nutrientes de crianças com idades entre sete e 15 anos.
Para possibilitar melhor comparação dos dados de consumo e a respectiva, contribuição nutricional das três refeições servidas no CIEP, para as recomendações nutricionais das crianças observadas, apresenta-se a seguir a Tabela 3.
Observa-se que o consumo de energia é maior para os escolares de 7 a 9 anos. Para as crianças mais jovens, o conteúdo de energia das refeições atendem praticamente 100% das necessidades de energia. Com relação às crianças mais velhas (13 a 15 anos), verifica-se uma adequação média do consumo energético que se situa entre 32 a 48%:
Vale lembrar que o Programa de Merenda Escolar operacionalizado nas escolas da rede pública distribui às crianças com 3,5 horas de jornada refeições com valor nutricional equivalente a 15% a até 30% das recomendações nutricionais. Desse modo, a alimentação oferecida pelo CIEP para as crianças de maior idade praticamente não se distingue das metas dos programas tradicionais de merenda escolar.
Deve-se considerar, também, que a problemática alimentar, no Brasil, é de origem quantitativa, ou seja, a deficiência energética é mais freqüente do que a protéica. Assim, o programa de alimentação do CIEP deverá levar em conta esse aspecto, definindo estratégias que eliminem essa falha.
É importante lembrar que não se dispõe de diagnósticos prévios de consumo alimentar, em nível doméstico. Tais informações poderiam subsidiar planejadores e executores do Programa, no sentido de dimensionar adequadamente a alimentação dos escolares.
Constatou-se, também, a boa aceitabilidade das principais refeições (desjejum e almoço) e, além disso, aos escolares é permitido repetir o prato à vontade. Isso foi declarado nas entrevistas com os coordenadores e também foi observado durante a coleta de dados, quando se presenciou as merendeiras (responsáveis pela distribuição dos alimentos) oferecendo alimentos às crianças.
Quanto à proteína, nota-se que a quantidade fornecida pelas refeições é bastante elevada, superando os valores estabelecidos para todas as idades. Ressalta-se que tal situação é decorrente da presença diária, em quantidade satisfatória, de alimentos considerados excelentes fontes de proteína. O conteúdo disponível nas refeições é basicamente de proteína de origem animal, considerada de alto valor biológico.
Ainda de acordo com as Tabelas 2 e 3, pode-se dizer que o consumo médio de vitaminas B1, B2 e C é mais satisfatório para as crianças com idades entre sete e 11 anos. No entanto, o conteúdo desses nutrientes nas refeições não é suficiente para atender integralmente às ambiciosas metas do Programa.
Com relação à vitamina C, deve-se considerar, no entanto, que o cálculo do valor nutricional baseia-se a partir de tabelas cujos dados referem-se às hortaliças cruas, não se levando em conta perdas acarretadas pela cocção. No caso das refeições do CIEP, esse fato pode ocorrer, considerando-se que grande parte de hortaliças são freqüentemente submetidas aos processos de cocção.
Note-se que o ácido ascórbico (vitamina C) é um favorecedor importante do potencial de aproveitamento do ferro. Cinqüenta miligramas de ácido ascórbico, puro ou proveniente de frutas ou vegetais, são suficientes para duplicar o teor de ferro não-heme absorvível em uma mesma refeição (Uchimura, 1994).
Com relação à vitamina A, é evidente a inadequação do consumo para todas as idades observadas. Para as idades entre 12 e 15 anos, a adequação não ultrapassa 31 %. No que diz respeito à adequação do consumo de vitamina A pelas crianças de menor idade (sete nove anos), verificam-se percentuais ao redor de 50%.
Entre as vitaminas, a niacina foi o nutriente com menor adequação de consumo, não ultrapassando proporção de 20%.
Com relação ao ferro, é importante lembrar que sua quantidade nos alimentos não reflete necessariamente sua absorção pelo intestino e tal fator deve ser considerado para a adequada interpretação da qualidade das fontes alimentares de ferro, ao invés de se levar em conta somente o conteúdo.
Considerando o consumo de ferro, pode-se dizer que os resultados são satisfatórios para todas as idades. O consumo apresenta ligeiro decréscimo somente a partir da idade de 13 anos.
Vale ressaltar que a carne (bovina ou de frango) aparece de forma sistemática nas refeições dos escolares. O feijão, que é considerado importante fonte alternativa do ferro, também é fornecido diariamente através das refeições do CIEP.
Quanto ao cálcio, é interessante notar que o consumo apresenta variação para todas as idades. A adequação percentual está em torno de 30% para os escolares mais velhos. No entanto, vale lembrar que o leite integral, mingaus e cremes (sempre à base de leite) são alimentos oferecidos rotineiramente aos escolares do CIEP.
CONCLUSÕES
O consumo alimentar, no âmbito do CIEP, a partir de oito anos de idade torna-se insuficiente para atender às necessidades energéticas, evidenciando que o problema refere-se mais à quantidade do que à qualidade dos alimentos ingeridos.
Em todas as idades, mais particularmente nas idades entre sete e 10 anos, o aporte de proteína está muito acima das quantidades recomendadas para o consumo do nutriente.
Contudo, deve-se ter cautela nas alterações, visando à diminuição do conteúdo protéico das refeições, uma vez que tal restrição poderia impactar negativamente no fornecimento de outros nutrientes específicos, veiculados pelos alimentos ricos em proteína de alto valor biológico.
Para todas as idades, o aporte de ferro atinge valores satisfatórios. Tal contribuição se revela de fundamental importância para a prevenção da anemia:
Com relação às vitaminas, merece ser enfatizada a contribuição das refeições para o atendimento da recomendação da vitamina C. É evidente que tal situação é alcançada em decorrência da presença rotineira nas refeições de frutas cítricas, fontes desse nutriente.
As distorções observadas, especialmente quanto à adequação do consumo energético para as crianças de idade entre nove e 15 anos, poderiam ser corrigidas, considerando alguns pontos:
É importante que os programas sejam baseados em diagnósticos prévios do estado nutricional das crianças e do consumo alimentar doméstico. Tais informações subsidiariam os planejadores e executores do Programa, no sentido de dimensionar adequadamente a alimentação dos escolares. É imprescindível também o conhecimento do estado nutricional dos beneficiários, visando o diagnóstico tanto da prevalência da desnutrição como da obesidade.
Recomenda-se, também, o desenvolvimento de estudos visando conhecer os reais motivos que condicionam o baixo consumo de alimentos, no âmbito do CIEP, principalmente entre as crianças mais velhas.
Vale ressaltar, aqui, a importante função desempenhada pela alimentação oferecida no âmbito do Centro Integrado de Educação Pública, já que a permanência do aluno na escola, em jornada integral, reduz o período disponível para complementar a alimentação diária. Também deve ser considerado que a maioria dos escolares matriculados nos CIEPs, são oriundos de famílias de baixo nível sócio-econômico, fator que exerce indiscutível papel sobre a possibilidade de usufruir de alimentação balanceada. Desse modo, a intervenção do setor público (mais especificamente no âmbito municipal) deve consistir na implementação de ações que garantam a manutenção e o aperfeiçoamento do Programa de alimentação escolar, por constituir, muitas vezes, para a maioria dos alunos de baixa renda, importante fonte de recursos alimentares do dia e, possivelmente, representar o limiar de sua sobrevivência.
AGRADECIMENTOS
A autora agradece os comentários e sugestões de um parecerista anônimo.
RESUMO
SILVA, M. V. Avaliação da Adequação Nutricional dos Alimentos Consumidos em um Centro Integrado de Educação Pública (CIEP). Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 11 (4): 552-559, out/dez, 1995.
O trabalho tem como objetivo geral avaliar a adequação nutricional dos alimentos consumidos em um Centro Integrado de Educação Pública da cidade de Americana, São Paulo. Os dados relativos ao consumo alimentar de 442 crianças de sete a 15 anos foram obtidos através da aplicação de inquérito recordatório, relativo ao consumo de 24 horas. Para a transformação dos alimentos ingeridos em energia e nutrientes, utilizou-se Tabela de Composição de Alimentos. O estabelecimento das recomendações nutricionais foi baseado no padrão definido para a população brasileira. Verificou-se que o consumo alimentar a partir dos oito anos é insuficiente para atender às necessidades energéticas das crianças. O aporte de proteína revelou-se muito acima das quantidades recomendadas para o consumo desse nutriente. Para todas as idades, a contribuição do ferro atinge valores satisfatórios. Com relação às vitaminas, destaca-se a contribuição média das refeições quanto à vitamina C, em, torno de 72%. Enfatiza-se a necessidade de que o programa seja baseado em diagnósticos prévios do estado nutricional da população alvo e de consumo alimentar doméstico, bem como recomenda-se o desenvolvimento de estudos visando a conhecer os reais motivos que condicionam o baixo consumo de alimentos, principalmente entre as crianças mais velhas.
Palavras-Chave: Alimentação Escolar; Consumo Alimentar; Recomendações Nutricionais; Adequação Nutricional
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEATON, G. H., 1979. Sources of variance in 24 hour dietary recall data: implications for nutrition study design and interpretation. American Journal of Clinical Nutrition, 32: 2546-2559.
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JAGUARIBE. H. (Org.), 1989. Brasil, Reforma ou Caos. Rio de Janeiro: Paz a Terra.
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NCHS (National Center for Health Statistic), 1976. Growth Charts. Vital Health Statistics, 25: 01-22.
UCHIMURA, T. T., 1994. Anemia e Desnutrição em Escolares Ingressantes nas Escolas Estaduais de Maringá, PR. Dissertação de Mestrado, São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.
[1] Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz". Universidade de São Paulo. Caixa Postal 9, Piracicaba, 13418-900, SP, Brasil.