ARTIGO ARTICLE


 

 

 

 

 

 

Juvenal Soares Dias da Costa1
Paula Berenhauser D'Elia1
Mônica Regina Moreira2


Prevalência de uso de métodos contraceptivos e adequação do uso de anticoncepcionais orais na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil  

Prevalence of contraceptive methods and adequacy of oral contraceptive use in Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil

 

 


1 Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas. Av. Duque de Caxias 250, Pelotas, RS, 96030-000, Brasil.
2 Programa de Ginecologia e Obstetrícia, Universidade Federal de Pelotas. Av. Duque de Caxias 250, Pelotas, RS, 96030-000, Brasil.
  Abstract In order to study the prevalence of various contraceptive methods in the city of Pelotas, in southern Brazil, an epidemiological survey was carried out with women ranging from 20 to 49 years of age. Among the 677 women, 455 (65.7%) were currently using some contraceptive method. Most of these women (85%) used one of two such methods: oral contraceptives (66.7%) and surgical sterilization (18.4%). Oral contraceptive usage was considered inadequate for smoking women over 35 years of age and/or those with systemic hypertension. No differences were found between the groups with regard to social class or who prescribed the method.
Key words Contraceptives Methods; Oral Contraceptives; Epidemiology; Contraception  

Resumo Através de um inquérito de prevalência de base populacional entre mulheres de 20 a 49 anos, residentes na zona urbana da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, estudou-se o consumo de métodos contraceptivos. Entre as 677 mulheres, verificou-se que 455 (65,7%) usavam algum método contraceptivo. Constatou-se que aproximadamente 85% das mulheres utilizavam apenas dois métodos contraceptivos: anticoncepcional oral (66,5%) e ligadura tubária (18,4%). Considerou-se o consumo de anticoncepcionais orais inadequado às mulheres fumantes com idade acima de 35 anos e/ou que apresentavam hipertensão arterial sistêmica. Não foram encontradas diferenças de inadequação de consumo entre as variáveis sócio-econômicas ou relação a quem tenha indicado o método.
Palavras-chave Métodos Contraceptivos; Anticoncepcional Oral; Contracepção; Epidemiologia

 

 

Introdução

 

A filosofia básica do programa de planejamento familiar no Brasil, através do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), é a de oferecer, ao maior número de pessoas possível, informações e orientações quanto aos métodos de planejamento familiar legalmente reconhecidos em nosso meio, de modo que a mulher ou o casal possam escolher conscientemente um deles. Além disto, o programa propõe-se a promover o acesso a estes métodos (MS, 1987).

Pelotas, é uma cidade localizada no sul do Estado do Rio Grande do Sul, com uma população de 289500 habitantes (dados preliminares do Recenseamento Geral de 1991, divulgados na imprensa local) e dispõe de uma rede pública constituída por mais de 50 postos de saúde, além de serviços credenciados, privados e filantrópicos. Segundo o Plano Municipal de Saúde entre as atividades essenciais desenvolvidas nas unidades que integram o sistema está o Planejamento Familiar.

Os objetivos deste estudo de base populacional, entre as mulheres de 20 a 49 anos, residentes na zona urbana da cidade de Pelotas foram, inicialmente, identificar padrões de consumo de métodos contraceptivos, através de inquérito epidemiológico, e verificar a adequação do uso de anticoncepcionais orais, por meio de um estudo transversal.

 

 

Materiais e métodos

 

Este trabalho foi uma complementação de um projeto de dissertação de mestrado em epidemiologia (Dias da Costa, 1993), de base populacional, realizado de março a junho de 1992, entre mulheres de 20 a 69 anos, residentes na zona urbana da cidade de Pelotas.

Para verificar os tipos de métodos contraceptivos utilizados, constatou-se que o tamanho de amostra possibilitava a realização de um inquérito epidemiológico. Partindo-se de 48.223 mulheres entre 20 e 49 anos, residentes na zona urbana da cidade de Pelotas (FIBGE, 1980), e tomando-se como base uma prevalência em torno de 60% e um erro de 4%, estimou-se, inicialmente, um tamanho de amostra de aproximadamente 245 pessoas. Como o cálculo do tamanho de amostra para inquéritos epidemiológicos no Programa Epi-Info implicava amostragem aleatória simples, corrigiu-se para 490 mulheres o tamanho necessário para este estudo.

Para este inquérito epidemiológico encontraram-se 677 mulheres com perdas de 3,6% na faixa etária do estudo.

Posteriormente, para estudar a adequação de consumo de anticoncepcionais orais, calculou-se o tamanho da amostra como um estudo transversal. Desta forma, a partir de um nível de confiança de 95%, de um poder estatístico de 80%, de uma razão de expostos para não-expostos de 3:7, freqüência do evento em não-expostos de 20% e de um risco relativo de 2,0, estimou-se que seriam necessárias 221 mulheres. Para este estudo transversal, encontrou-se uma amostra de 296 mulheres. Portanto, um número de mulheres suficiente para a análise.

Assim, estimou-se um total de 852 domicílios necessários. Foram sorteados 25 setores censitários na zona urbana na cidade de Pelotas, estabelecendo-se que em cada setor seriam visitados 36 domicílios.

A partir de um quarteirão previamente sorteado, escolhia-se, também de maneira aleatória, o ponto de partida. Quando terminava a entrevista em um determinado domicílio, sistematicamente, saltavam-se três casas antes da próxima.

Utilizaram-se questionários padronizados e pré-codificados, aplicados por estudantes de medicina previamente submetidos à programa de treinamento e estudo-piloto. Tal estudo tinha o objetivo de complementar o treinamento e de testar os instrumentos.

Coletaram-se informações sobre o método anticoncepcional utilizado, idade das mulheres, classe social, nível de escolaridade, tabagismo, presença ou não de hipertensão arterial sistêmica e também sobre quem indicou o método.

Na operacionalização de classe social, utilizaram-se duas classificações. A primeira categorizava os indivíduos a partir da propriedade dos meios de produção, de suas inserções nas atividades produtivas e da escolaridade (Bronfman et al., 1988). A segunda classificação, preconizada pela Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado, ABIPEME (Rutter, 1988), baseava-se na acumulação de bens materiais e na escolaridade.

Na primeira classificação, como a quantidade de pessoas na burguesia era muito pequena, mesmo sendo uma variável qualitativa, os seus casos foram agrupados com nova e pequena burguesia, para fins estatísticos, passando este agrupamento a contar com quase 8% das observações. Nesta classificação, quatro mulheres (1,4%) não se enquadraram em nenhuma categoria.

Os dados encontrados na classificação da ABIPEME também foram transformados para fins estatísticos, mas com liberdade, por tratar-se de uma variável qualitativa com pontos de corte arbitrários, agrupando-se a classe A e B, também, quase 7%.

Foi definido uso inadequado de anticoncepcional, quando as mulheres eram fumantes com mais de 35 anos e/ou portadoras de hipertensão arterial sistêmica (Aldrighi et al., 1993; Burns et al., 1984; Rocha et al., 1990; Wannmacher et al., 1993).

Os questionários foram codificados e, posteriormente, submetidos a duas revisões. A entrada e a limpeza de dados foram realizadas através do programa Epi-Info. Os dados foram analisados com o programa SPSS e Epi-Info.

 

 

Resultados

 

Entre as 677 mulheres de 20 a 49 incluídas no estudo, verificou-se que 445 (65,7%) utilizavam algum método anticoncepcional no momento da entrevista.

A Tabela 1 mostrou a distribuição de utilização de métodos anticoncepcionais. Observou-se que aproximadamente 85% das mulheres utilizavam dois métodos contraceptivos: anticoncepcional oral (66,5%) e ligadura tubária (18,4%). Para fins de análise, agruparam-se os métodos restantes como "outros".

 

 

Verificou-se que uso de anticoncepcional oral diminuiu com a idade, enquanto o uso de outros métodos aumentou com o decorrer do tempo. Quanto à ligadura tubária, verificou-se um aumento percentual a partir dos 30 anos de idade (Tabela 2).

 

 

Em relação a quem indicou o método contraceptivo, verificou-se que em 78,4% dos casos algum médico foi responsável pela indicação; em 18,4%, foi escolhido por conta própria e em 3,2%, recomendado por outra pessoa (Tabela 3). Também se relacionou o método anticoncepcional de acordo com sua indicação. Assim, verificou-se que os anticoncepcionais orais foram preferencialmente indicados por médicos, que a opção pela ligadura tubária foi por conta própria e que os demais métodos foram sugeridos por outras pessoas.

 

 

Entre as 296 mulheres que utilizavam anticoncepcional oral, 55 (18,6%) o faziam de forma inadequada.

A Tabela 4 mostrou os resultados da análise bivariada quanto à inadequação do consumo de anticoncepcional em relação à classe social, nível de escolaridade e quem indicou o método. Os riscos relativos com seus respectivos intervalos de confiança e os testes estatísticos não revelaram diferenças entre as diversas categorias destas variáveis. Os resultados foram divulgados por tratar-se de estudo com base populacional.

 

 

 

Discussão

 

Possivelmente, a escolha de métodos contraceptivos está relacionada com fatores sócio-econômicos, culturais e sanitários. Assim, para selecionar estudos que servissem como parâmetros de comparação, levaram-se em conta outros estudos realizados no Brasil.

Deve-se ressaltar que os percentuais utilizados para comparação de prevalências nesta discussão devem ser observados com cautela, uma vez que a maioria dos estudos citados ou incluíam mulheres unidas de 15 a 49 anos ou não tinham base populacional.

A prevalência de uso de métodos contraceptivos na cidade de Pelotas foi de aproximadamente 66%, entre todas as mulheres de 20 a 49 anos residentes na zona urbana da cidade. Este percentual foi mais baixo do que os encontrados em estudos realizados na Região Sul do Brasil (73%) (Arruda et al., 1986) e no Estado de São Paulo (76%) (Pinotti et al., 1990). No entanto, foi superior ao encontrado no Município do Rio de Janeiro (57,8%) (Costa et al., 1989). Estes percentuais podem ser considerados diferentes, pois o erro amostral deste estudo foi de 4%, ou seja, a prevalência variou de 62% a 70%.

Talvez esta prevalência tenha sido menor do que as estimativas de consumo (UNFPA, 1995) em conseqüência de um problema de desenho na coleta dos dados, uma vez que não se restringiu a população deste estudo às mulheres unidas. Por outro lado, não foram incluídas as mulheres com menos de 20 anos, o que poderia diminuir a prevalência encontrada.

O método contraceptivo mais utilizado foi anticoncepcional oral, em 66,5% das mulheres. Este percentual foi maior do que o encontrado na revisão bibliográfica (Arruda et al., 1986; Costa et al., 1989; Faúndes et al., 1986; Hardy et al., 1991; Mauldin & Segal, 1988; Szwarcwald et al., 1985), destacando-se 40% para a Região Sul (Arruda et al., 1986) e 54% no interior urbano do Rio Grande do Sul em 1978 (Szwarwald et al., 1985). Por outro lado, o segundo método mais utilizado foi a ligadura tubária, em 18,4% das mulheres incluídas no estudo. Este percentual foi mais baixo do que aquele encontrado no Estado de São Paulo (32%) (Pinotti et al., 1990), Campinas (23,3%) (Faúndes et al., 1986) e entre mulheres de baixa renda do Município de Rio de Janeiro (21,9%) (Costa et al., 1989). Este percentual foi semelhante ao dos resultados de dois estudos realizados na Região Sul do Brasil: 19% (Arruda et al., 1986) e 14,4% (Pebley et al., 1985). Como este estudo é mais recente que os outros citados, considerou-se este percentual verdadeiramente mais baixo do que o encontrado nos locais de comparação. Verificou-se que os percentuais de ligadura tubária nas faixas etárias a partir dos 30 anos eram semelhantes. Esta semelhança pode indicar um aumento desta prática, uma vez que as mulheres mais velhas estavam expostas ao ato cirúrgico há mais tempo. Outra hipótese levantada para tentar explicar este achado seria que as ligaduras tubárias foram realizadas durante a década dos 30 anos. A metodologia deste estudo não verificou a idade com que as mulheres foram submetidas ao procedimento.

Como na Região Sul do Brasil (Arruda et al., 1986), encontraram-se 15% das mulheres utilizando outros métodos em Pelotas. Entre os outros métodos, considerou-se que a utilização de dispositivos intra-uterinos ­ em função de sua alta eficácia, que varia entre 99,5% a 97% (Diaz et al., 1995) ­ foi baixa em Pelotas, atingindo 4,3%. Porém, este percentual foi mais alto do que os dados de literatura: 1,2% entre as mulheres de baixa renda no Município do Rio de Janeiro (Costa et al., 1989), 1,6% na cidade de Campinas (Faúndes et al., 1986) e 1,8% no Estado de São Paulo (Pinotti et al., 1990).

Estes achados confirmaram, de certa maneira, a constatação de Diaz (Diaz & Halbe, 1990): "a polarização para métodos de alta eficácia deixou relegados a um plano muito secundário outros métodos reversíveis, especialmente os de barreira e de abstinência periódica".

Em 78% das mulheres incluídas no estudo, a indicação do método foi feita por médico. Este percentual foi mais alto do que o encontrado em outros estudos realizados no Estado de São Paulo (Faúndes et al., 1986; Pinotti et al., 1990), apresentando resultados em torno de 55%. A provável justificativa para este achado foi a grande oferta de serviços de saúde na cidade de Pelotas, cuja média anual de consultas médicas na população feminina atingiu 3,9 (Dias da Costa, 1993).

Mesmo com a esperada diminuição de uso de anticoncepcionais orais com o decorrer da idade, comprovou-se que este foi o método mais utilizado em todas as faixas etárias. Este achado sugeriu que, em uma cidade com ampla oferta de serviços de saúde, o acesso e a disponibilidade a outros métodos mais adequados em relação às condições impostas pela idade das mulheres foram muito restritos.

A metodologia deste estudo não permitiu um aprofundamento para explicar como a maior parte das mulheres que sofreram ligadura tubária submeteu-se a tal procedimento, essencialmente médico, e referido a indicação por conta própria.

Quanto à adequação do uso de anticoncepcionais orais, estudou-se apenas a combinação dos fatores fumo-idade e presença de hipertensão arterial sistêmica. Encontraram-se cerca de 18% das mulheres com uso inadequado de pílulas. Para fins de comparação com outros estudos, verificou-se que, no Estado de São Paulo (Hardy et al., 1991), cerca de 15% das mulheres apresentavam estes fatores de risco. Entre as mulheres de baixa renda residentes no Rio de Janeiro (Costa et al., 1989), encontraram-se 16% de mulheres hipertensas e 17% com mais de 35 anos consumindo anticoncepcionais orais, enquanto que, em Campinas (Faúndes et al., 1986), cerca de 22% das mulheres tinham alguma contra-indicação relativa e 29,3% apresentavam motivos de contra-indicação absoluta. Em outro estudo realizado em Pelotas (Cesar et al., 1993), sem base populacional, verificou-se que, de um total de 487 mulheres, 11% apresentavam Hipertensão Arterial Sistêmica e 42% eram tabagistas.

Em outros estudos realizados a partir do mesmo banco de dados (Dias da Costa et al., 1995a e b), relativos a outros aspectos vinculados ao Programa de Atenção à Saúde da Mulher (exame de mamas e exame citopatológico), encontraram-se marcadas diferenças em relação à classe social. Demonstrou-se que, quanto mais baixa a classe social, pior a qualidade da atenção. Como não se evidenciou diferença na adequação de consumo entre as classes sociais, concluiu-se que os anticoncepcionais orais podiam ser considerados como o método contraceptivo disponível no sistema local de saúde.

A grande maioria das mulheres consumidoras de anticoncepcionais orais seguiu orientação médica. Quanto à inadequação do consumo, não se encontraram diferenças significativas em relação à indicação do método por iniciativa médica. Assim, foi preocupante a falta de esclarecimento por parte dos médicos para a indicação dos anticoncepcionais orais.

 

 

Referências

 

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