RESENHAS BOOK REVIEWS
HIGIENE E ILUSÃO: O LIXO COMO INVENTO SOCIAL. José Carlos Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora Nau, 1995. 111pp.
O livro de José Carlos Rodrigues propõe examinar atitudes da nossa cultura em relação ao lixo, tendo como princípio a tese de que longe de ser um fenômeno natural, o significado que o lixo adquire em qualquer cultura é uma construção social desenvolvida em muito tempo de história. A proposta de compreender um "outro" cultural, neste contexto, tem o propósito de servir como um ponto de referência que permite ver e compreender as nossas próprias instituições e costumes ou, mais especificamente, as nossas próprias atitudes e sentimentos. Este exercício denomina-se "relativização", uma proposta da antropologia que acompanha uma atitude aberta oposta ao "etnocentrismo", uma postura fechada e limitada que toma verdades históricas e culturais como se fossem naturais e absolutas.
Para demonstrar este ponto de vista, o autor se propõe compreender um "outro" cultural projetado no tempo pré-capitalista da Idade Média a partir de seus próprios valores e atitudes de tal modo que esta compreensão possa trazer alguma luz para uma cultura projetada no espaço capitalista urbano de nossos dias que comporta adesões diferenciadas à percepção do corpo, das excreções e do lixo. As perspectivas histórica e estrutural coincidem com a divisão do livro em duas partes principais, além da introdução e conclusão.
A obra de José Carlos Rodrigues usa uma linguagem simples, econômica e didática para desenvolver sua tese. Conceitos complexos das ciências sociais modernas são trazidas à luz de um modo tal, que mesmo um leigo pode compreendê-los. Trata-se, portanto, de uma obra pioneira que vem preencher uma lacuna importante principalmente se for considerado o fato de que o lixo está se constituindo num problema ecológico extremamente sério nas sociedades modernas.
O objetivo central desta obra encontra-se no propósito de transmitir o que talvez seja o aspecto mais nobre presente na Antropologia Social e Cultural, ou seja, o impulso para compreender e tolerar as manifestações culturais distantes do centro de gravidade imposto pela cultura dominante. Trata-se de um verdadeiro exercício de tolerância capaz de apreender a inteligência, os sentimentos e as atitudes que muitas vezes subjazem a manifestações que se tornam, pela nossa incapacidade de compreendê-las, estranhas diante do nosso olhar.
A disciplina que o Professor Rodrigues exercita em relação ao "outro" cultural é também estendida ao leitor não especialista desta obra. Foi certamente pensando neste leitor que o autor dividiu o livro de um modo não convencional, colocando a sua parte teórica no final.
Embora seja admitida uma certa arbitrariedade em focalizar a Idade Média como referência de análise na primeira parte do livro, a escolha é justificada por dois motivos. Em primeiro lugar, num sentido mais amplo e geral, porque a Idade Média é de fato a referência contra a qual o capitalismo se definiu. Em segundo lugar, num sentido mais específico à proposta do livro, porque o autor reconhece muito de medieval na cultura brasileira caracterizada por manifestações que se colocam numa posição de antagonismo e resistência ao capitalismo moderno.
Sob o ponto de vista do olhar capitalista moderno, a cultura medieval é percebida muito mais pelo que não foi do que pelo que foi. Como tal, ela é entendida como o momento em que faltavam os valores, as conquistas e o progresso desenvolvido pelo sistema capitalista. Aquilo que a cultura medieval teria como virtude não pode ser dimensionado pela razão capitalista simplesmente porque esta se forjou pela sua negação.
A esta visão distorcida e preconceituosa que impede uma percepção adequada do que foi realmente o mundo medieval, o autor convida o leitor para partilhar com ele um olhar mais imparcial e tolerante e com isso poder compreender o ponto de vista não só dos homens que a viveram mas também daqueles que por vários motivos, endógenos e exógenos, ainda não partilham do "ethos" capitalista moderno.
Entre a enorme diversidade étnica e cultural que compreende o mundo medieval, o autor aponta para duas forças homogeneizadoras: o direito Romano e o Cristianismo. Neste caleidoscópio cultural observam-se ainda 2 tipos básicos de cultura: a oficial (conhecida pelos monumentos, artes e instituições) e a popular (predominantemente pagã e pouco conhecida). Quanto aos aspectos formais, a cultura medieval apresenta um amálgama de muitos conceitos que a nossa cultura considera totalmente separados como, por exemplo, espírito e matéria, alma e corpo, vida e morte, indivíduo e coletividade, prazer e dejeto.
O autor descreve como exemplo deste amálgama medieval os cemitérios que, ao lado da Igreja, ocupavam o centro da cidade e abrigavam os mortos comuns numa grande vala que permanecia permanentemente aberta. Neste espaço, a população transitava, fazia comércio, namorava, brincava e participava de festas. Os mortos não eram considerados, como hoje, presenças inoportunas em completa oposição à vida.
O autor lembra também as chamadas danças macabras que ocorriam nessas praças-cemitérios e que eram associadas à alegria, aos banquetes e bebedeiras e outras manifestações de uma cultura "bárbara" e pagã. Nesta parte, fica clara a distinção básica lembrada no começo do livro entre cultura popular e cultura oficial. Enquanto esta última, através do Cristianismo, opunha-se ao riso e sobretudo à gargalhada, associando tais manifestações ao Diabo, a primeira resistia esta dominação pelo deboche, pela paródia e pela desmistificação, manifestações estas associadas a festas e celebrações de caráter carnavalesco, onde o prazer, o riso e as gargalhadas eram fundamentais.
A análise do autor neste particular, ainda que trazendo à tona um material bastante interessante, perde um componente importante ao deixar de perceber as festas pagãs como rituais que mais do que resistência cultural, expressavam o controle e o poder da cultura dominante. O deboche, neste contexto, aparece como uma inversão ritual da ordem, uma sombra lúdica e caótica de um mundo sério e ordenado, mundo com que a cultura dominada também concordava em partilhar. O bobo da corte, antes de ser uma invenção da cultura "bárbara" e pagã, remete à própria estrutura social dominante da corte.
O autor prossegue a sua análise mostrando que, no mundo medieval, a relação com o corpo é aberta, expansiva, indisciplinada, transbordante e preguiçosa, muito diferente da relação fechada, contida e individualizada mantida no mundo burguês que transforma o corpo humano em instrumento de trabalho. De tal modo que o que causa nojo e temor aos corpos de hoje, causava riso, intimidade e familiaridade aos corpos medievais.
O autor sustenta que, para a emergência da modernidade, a fragmentação do amálgama medieval em várias esferas de domínio relativamente autônomos foi indispensável. Entre esse domínios, o autor enfatiza a polarização entre campo e cidade. Com o desenvolvimento do capitalismo a partir do século XVIII, uma preocupação constante foi isolar, separar e impor um conhecimento especializado e uma disciplina institucional a tipos diferenciados de coisas e de vida. Excluir os mortos dos vivos neste contexto, passou a ser um empreendimento fundamental. Uma forte preocupação nesta época foi colocar os mortos, juntamente com o lixo, cada vez mais longe do meio urbano e do convívio social. Misturar as coisas sem o devido cuidado passou a ser visto como uma fonte extremamente importante de perigo e doença.
No interior de um Estado Nacional forte e de uma cultura que pretendia impor seu controle e domínio sobre a natureza e os homens, o ar e a água consistiam, pela sua mobilidade e incapacidade de se manterem fixos e sujeitos ao controle, em fontes de grande perigo à ordem e à saúde. Restrição de banhos e de ar puro procediam principalmente para doentes e convalescentes, mas também para indivíduos saudáveis que não pretendiam adoecer. O controle das águas e dos gases que emanavam da terra passaram a ser a maior questão da saúde pública então emergente.
Um outro aspecto importante da fragmentação do amálgama medieval refere-se ao que o autor denomina a história da propriedade privada do eu, ou seja, o processo de individualização que resulta na atual dimensão cultural que permite ao indivíduo pensar e sentir a si mesmo, através de um modelamento prévio de seus órgãos do sentido, como sendo um indivíduo com um corpo e uma personalidade individuais, privados e únicos. A individualidade pressupõe também que o corpo contenha em si tudo o que oferece algum risco de transbordar as suas fronteiras como, por exemplo, o arroto, os flatos, o catarro, a transpiração, os hálitos e, mais tarde, os pensamentos e sentimentos.
O processo de higienização dos corpos que ocorre a partir do século XIX sofre alguma alteração na concepção de saúde e limpeza. A água e o ar puro perdem a sua conotação de perigo e adquirem um sentido de purificadores, de produtores de limpeza e higiene. A sofisticação do capitalismo incluiu a idéia de que corpos de trabalhadores fortes e saudáveis incluiria maior produtividade ao sistema e, assim, esta nova percepção de saúde e limpeza se estende das classes dominantes para as classes dominadas. Recentemente, o desenvolvimento industrial e a sociedade de consumo produziu uma nova maneira de perceber e de sentir o corpo: a desvalorização progressiva dos músculos e do corpo ferramenta e a valorização do consumo e do prazer.
No desenvolvimento histórico que procede a partir da Idade Média, até nossos dias ocorreram, portanto, 3 modelos de mentalidade e sensibilidade corporais: o medieval, o capitalista e o consumista. Embora a história reconheça que um determinado modelo se suceda a um outro, o precedente não desaparece completamente e continua a existir de um modo mais circunscrito. Desse modo, é possível encontrar um pouco do corpo medieval mesmo na elite e o corpo hedonista e consumista mesmo entre favelados. É evidente que ambos os casos não são predominantes em relação ao meio a que pertencem.
Na segunda parte da obra, os bastidores de sua produção (as teorias, os métodos e técnicas) são trazidos à tona. Aqui, o autor prossegue com seu estilo simples e didático, seduzindo o público leigo a pensar em termos sociológicos e antropológicos. O autor inicia esta parte declarando-se influenciado principalmente pelo estruturalismo de Lèvi-Strauss que trouxe um verdadeiro avanço teórico ao propor uma analogia da sociedade não mais com mecanismos físicos ou organismos biológicos, mas com um aspecto menor da própria sociedade que é sua estrutura lingüística. Neste sentido, a tarefa do cientista social é apreender o sistema de comunicação e as diferentes linguagens de uma sociedade.
Em seguida, o autor propõe uma analogia de sistema social com um mapa que ao classificar o mundo com sua grade imaginária deixa aquilo que não foi demarcado como incogitável. Esta grade imaginária, da mesma maneira que o conceito de paradigma desenvolvido por Khun, não permite ver, sentir e pensar o significado de qualquer coisa que se situe fora dela. O seu poder simbólico na demarcação de fronteiras pode ser muito maior do que qualquer muralha. No interior da própria grade, algumas coisas encontram-se em sua parte central; outras, na periferia e outras, ainda, nas fronteiras classificatórias e como tal apresentam ambigüidade e perigo. Deste modo, o sistema simbólico de classificação do mundo, ao mesmo tempo que inventa a ordem, inventa também o caos.
A partir dessas digressões teóricas, o autor encontra-se em condições de definir simbolicamente o lixo que não é outra coisa senão um tipo desses perigos inventados pela grade ou pelo sistema de classificação de uma sociedade: uma mistura de elementos pertencentes a categorias que, de acordo com o sistema classificatório, devem ser mantidos separados. A lógica da manutenção simbólica do lixo, neste contexto, não tem nada a ver com higiene ou microbiologia, muito menos ainda com uma razão instrumental. Esta lógica é relacionada com aspectos rituais e mágicos que marcam a distância social entre pessoas, objetos e idéias. O cerne desta lógica, de aplicação universal, é a seguinte: quanto mais próximo do centro de poder, mais distante da sujeira e vice-versa.
Cada sociedade estrutura diferencialmente esta lógica classificatória, com modos diversos de rigidez.
Neste particular, o autor propõe uma hipótese bastante interessante: nos ambientes sociais em que se requer alto grau de auto-controle as pessoas tendem a se expressar por atitudes e comportamentos formalistas, baseados em códigos fortes, com rígida aplicação de regras de pureza e separação. As classes sociais mais altas de uma sociedade capitalista se submeteram, de um modo geral, a um tipo de educação cujos aspectos básicos são o controle do corpo, além da disciplina das emoções e da vontade. Estes são requisitos fundamentais do domínio que estas classes exercem na sociedade. As classes populares, por outro lado, sem ter recebido a inculcação desta disciplina corporal, mostra uma marcação muito mais tênue das regras de pureza.
Sem recorrer a nomes e a teorias mais específicas no interior desta proposta de análise estruturalista, o autor apresenta o seu cerne utilizando-se não só das idéias de Lèvi-Strauss, mas também do estruturalismo britânico, principalmente Radcliff-Brown, Mary Douglas, Leach, Gluckman e Victor Turner. É evidente que a apresentação de tanto em tão poucas páginas teve que se fazer com alguma dose de sacrifício com relação às especificidades e as nuances destas várias teorias.
Em algumas ocasiões, a obra deixa transparecer alguma influência do relativismo cultural, uma tendência ultrapassada no desenvolvimento da Antropologia Social e Cultural. Esta tendência, ainda que inicialmente útil na valorização do "outro" cultural, tornou-se inconsistente ao deixar de perceber o relacionamento e a situação de dependência em que esse "outro" se encontra em relação ao sistema capitalista. A lógica classificatória que impõe aos membros das classes altas da sociedade contenção e disciplina corporal e, conseqüentemente, uma percepção de habitantes de favelas como sujos existe não por preconceito ou falta de informação, mas porque faz parte de uma estrutura de poder e o indivíduo foi educado para preencher um papel social. O habitante da favela, por outro lado, deixa de adotar uma disciplina corporal mais rígida não porque resiste a cultura das classes altas, mas porque não recebeu uma programação social compatível. Em outros momentos da obra, o autor parece entender perfeitamente este aspecto quando mostra que o processo de inculcação de noções de higiene e disciplina corporal, antes de ser uma conquista das classes trabalhadoras, corresponde a uma necessidade do sistema capitalista, a partir de uma determinada fase de seu desenvolvimento.
Este flanco aberto à crítica revela-se também na análise da cultura medieval que se contrapõe à percepção de sujeira na sociedade capitalista em fins do século XVIII quando, tanto o lixo como o cemitério, passaram a ser percebidos como sérios problemas urbanos. É, em realidade, difícil imaginar uma cultura pré-capitalista sobrevivente neste meio urbano que não visse toneladas de lixo orgânico em descomposição nas ruas como um sério problema de saúde pública. Em ambiente rural, o lixo poderia ser visto como reciclável, como adubo, como algo benéfico. É neste contexto que excrementos humanos ou de animais teriam poder curativo. Já em ambiente urbano desenvolvido, o lixo perde a sua conotação benéfica e passa a ser visto como um grande problema não só pelas classes dominantes, mas por toda a população. É difícil acreditar que favelados no Rio de Janeiro resistissem a um projeto de urbanização da favela que introduzisse um sistema de esgoto, água tratada e serviço de limpeza pública.
Um outro problema encontrável não só aqui, mas em grande parte das análises antropológicas, diz respeito a uma resistência desproporcional em considerar enunciados de outras disciplinas científicas, principalmente da biologia que, por muito tempo serviu como modelo para as ciências sociais. Ainda que esta resistência pudesse ter sido útil no período de consolidação destas ciências, hoje em dia, na época da interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade, não há mais o que a justifique. Afinal de contas, admitindo que há um forte elemento simbólico no lixo, isto não significa que inexistam nele implicações microbiológicas, ecológicas e estéticas. A Antropologia está perfeitamente equipada para poder incluir estas dimensões como pano de fundo sem invalidar a sua proposta específica.
Contudo, a grande virtude do livro permanece na originalidade de seu tema e em algumas propostas criativas que o autor sugere em relação à teoria estruturalista. Trata-se de um livro estimulante para ser dado em aulas em cursos de graduação em ciências sociais e graduação e pós-graduação em medicina, enfermagem e saúde pública.
Marcos S. Queiroz
Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria; Faculdade de Ciências Médicas; Universidade Estadual de Campinas, Campinas
ATLAS GEOGRAFICO DE LAS MALFORMACIONES CONGENITAS EN SUDAMERICA. Maria da Graça Dutra (organizadora). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1995. 144 pp.
ISBN 85-85676-18-3
O Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC) é um programa pioneiro de investigação da freqüência e da etiologia das malformações congênitas, que funciona há 29 anos. Consiste em uma rede continental de maternidades, nas quais são obtidos dados cuidadosamente padronizados, os quais posteriormente são remetidos para um núcleo central, onde eles são revisados e armazenados em computador, para análises futuras. A partir dessa massa de dados, já foram publicados mais de duzentos artigos científicos in extenso em revistas especializadas internacionais, bem como quatro livros, e elaboradas vinte teses de pós-graduação. Muitas contribuições a congressos científicos também foram preparadas a partir desse grande arquivo. O livro sob consideração analisa parte desses dados de maneira simples, direta e elegante.
O presente estudo refere-se a cerca de três milhões de nascimentos, ocorridos entre 1967 e 1992, em 183 hospitais de 12 países (dez da América do Sul, mais a Costa Rica e a República Dominicana). Foram considerados 40 diagnósticos envolvendo 38 malformações ou conjuntos de malformações, escolhidas por sua importância médica, biológica ou prática. A freqüência dos mesmos foi obtida em 30 regiões (embora na Tabela 1 sejam listadas 41 regiões e 51 tipos de unidades) e plotada em mapas. O livro também apresenta uma bibliografia de 28 itens, boa parte de artigos emanados do ECLAMC, mas também com obras de referência geral; e seis tabelas, com as listas das regiões e dos hospitais considerados, bem como com os dados numéricos a partir dos quais foram elaboradas as figuras.
Os 40 mapas fornecem uma visão imediata sobre a distribuição das freqüências dos diagnósticos ao longo de todo o continente e nos dois países da América Central, sendo assim muito úteis. Infelizmente eles não estão numerados, não estando claro qual foi o critério estabelecido para a ordem de sua apresentação, e nem aquele responsável pela gradação de freqüências estabelecida (são sempre três classes, presumivelmente identificáveis como indicando incidências baixa, média e alta, respectivamente, mas os intervalos de freqüência não são uniformes e portanto este aspecto deveria ter sido esclarecido).
Na página 114 é fornecido um resumo dos valores máximos obtidos e aí temos uma surpresa, pois se indica terem sido consideradas 50 malformações (e não 38). Seja como for, os valores extremos envolveram dez malformações e oito regiões diferentes. Entre as malformações com distribuições mais peculiares, estão a polidactilia pós-axial, o talipes talovalgo e a microtia. No que se refere a tendências seculares (avaliadas considerando-se quatro intervalos de cinco anos e um quinto de seis) foi observado um aumento nas incidências para 25 dos 40 diagnósticos e diminuição da freqüência de apenas um: síndrome de Down em mulheres com idade acima de 34 anos.. Os aumentos observados foram atribuídos a melhorias no diagnóstico, e não a algum fenômeno de deterioração ambiental ou de outra natureza.
Apesar dos pequenos senões indicados acima, esta obra deverá constituir-se em importante fonte de referência para qualquer pessoa interessada na incidência de malformações congênitas na América Latina. Devemos ser gratos aos autores, à organizadora, e também a Iêda M. Orioli, que também faz parte do núcleo central responsável pela triagem e montagem deste fantástico acervo de dados, por sua aplicação e perseverança na obtenção e análise dos mesmos.
Francisco M. Salzano
Departamento de Genética; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Porto Alegre
COMO ANDA O RIO DE JANEIRO: ANÁLISE DA CONJUNTURA SOCIAL. Luiz Cezar de Queiróz Ribeiro (coordenador). Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano e Regional/ Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995.
Com uma linha de trabalho que visa contribuir para a formulação de políticas públicas no Estado do Rio de Janeiro, o Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro publica mais um boletim com informações relevantes para a análise da conjuntura social do Estado. "Como anda o Rio de Janeiro: análise da conjuntura social" foi produzido no âmbito do projeto de pesquisa Avaliação da conjuntura social e das políticas públicas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, convênio IPPUR-UFRJ/IPLANRIO (Empresa Municipal de Informática e Planejamento S. A.), e apresenta a evolução das desigualdades sociais da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), a partir da um conjunto de indicadores sociais estabelecidos com base nas PNDAS Pesquisas Anuais de Amostra a Domicílio de 1981 a 1990 referentes a Demografia, Trabalho, Renda, Educação, Família, Habitação e Saneamento. O pano de fundo que possibilita uma boa visualzação das desigualdades sociais, entre as diversas sub-áreas da RMRJ e de outras áreas do Estado, é a construção de indicadores para oito áreas homogêneas de conformação e organização interna da RMRJ e, também, áreas de Interior Urbano e Interior Rural . Desta forma, as Regiões Administrativas (RA's) do município do Rio encontram-se compondo uma área homogênea juntamente com municípios da Região Metropolitana e algumas RA's contíguas geograficamente não se encontram necessariamente, compondo uma mesma área homogênea.
O botetim traz, em cada um de seus seis capítulos, uma síntese analítica dos indicadores para o Estado e suas distintas áreas homogêneas e de uma série de gráficos e tabelas onde podem ser visualidas as variações dos indicadores entre os anos de 1980 e 1991. As áreas homogêneas construídas para o estudo são: Zona Sul/Niterói (compostas pelas RA's de Botafogo, Copacabana, Lagoa, Barra e o município de Niteroi); Zona Norte (composta pelas RA's da Tijuca, Vila Isabel, Méier, Rio Comprido, Santa Tereza, Ilha do Governador e Ilha de Paquetá); Centro/Subúrbio 1 (composta pelas RA's do Centro, Portuária, São Cristóvão, Ramos, Inhaúma, Irajá e Penha); Subúrbio 2 (composta pelas RA's de Anchieta, Pavuna, Madureira e Jacarepaguá); Zona Oeste (composta pelas RA's de Bangu, Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba); Nova Iguaçu; Baixada Fluminense (composta por Nilópolis, São João do Meriti e Duque de Caxias); São Gonçalo/Outros Municípios (composta por São Gonçalo, Mangaratiba, Itaboraí, Paracambí, Magé, Itagiaí e Maricá); Interior Urbano (Zona Urbana dos demais municípios do Estado) e Interior Urbano (Zona Rural dos demais municípios do Estado).
Algumas conclusões do trabalho evidenciam as desigualdades socias entre essas diversas áreas. As informações sobre demografia apontam a Zona Oeste do município do Rio e São Gonçalo/Outros Municípios com as maiores taxas de crescimento demográfico. O município de Nova Iguaçu apresentou a menor taxa. A distribuição espacial da população por cor e renda demonstra que as faixas de mais alta renda estão concentradas entre os indivíduos de cor "branca" e estão localizadas nas áreas centrais. À medida que há um distanciamento da área central, diminuiu a renda e aumenta a população de "pardos e negros". A distribuição da população por faixa etária acompanha a tendência em nível nacional: todas as áreas apresentam um envelhecimento da população.
Quanto ao componete Renda, o estudo demonstra um expressivo aumento da pobreza e das desigualdade no Rio de Janeiro: a proporção de pobres e indigentes na sua área metropolitana, entre 81 e 90, foi a que mais cresceu entre todas as metrópoles brasileiras. Apesar do decréscimo da distribuição de renda na Zonas Sul/Niterói e Zona Norte a concentração de riqueza nessas áreas ainda é bastante importante: a Zona Sul/ Niterói, onde residem apenas 9% das famílias do estado, chegou a concentrar 31% do total de rendimentos familiares, em 1990. Além disso houve uma queda generalizada no rendimento familiar: a renda mediana familiar teve uma redução de 19,4%.
A cobertura dos serviços de saneamento , analisada através da proporção de população atendida pela rede geral de água, por sanemanto adequado e por coleta de lixo demonstram que, de maneira geral, houve ampliação da cobertura desses servíços no Estado. Apesar disso, a proporção de habitantes atendidos por esses serviços ainda é bastante baixa: a cobertura da rede de água não passa de 80% da população e a coleta de lixo só atende 69,3%. Quando verificada a amplitude do atendimento desses serviços nas diversas áreas do Estado, as variações são bastante significativas: as áreas do Interior Rural, São Gonçalo/Outros Municípios e Nova Iguaçu, apesar de apresentarem um acréscimo na proporção de população atendida por rede geral de água, ainda têm coberturas abaixo de 65%. Essas variações também podem ser verificadas nas informações referentes à proporção de pessoas residentes em domicílios dotados de saneamento adequado (com rede geral de água e de esgoto ou de fossa séptica). Cabe aqui uma observação em relação ao indicador de saneamento adequado: não seria plausível, para efeito de avaliação de política pública e de qualidade de vida, agregar num mesmo indicador dados referentes a domicílios dotados de rede de esgoto ou de fossa séptica, uma vez que o investimento nas diferentes instalações dependem, distintamente, ou de ação pública ou familiar.
No tocante à propoção de população atendida com coleta de lixo, as desigualdades entre as áreas são bastante acentuadas. A situação mais precária foi verificada em Nova Iguaçu que em 1981 já apresentava uma baixíssima cobertura desse serviço (28,4%) e no ano de 1990 caiu mais ainda (atingiu 25,9%). A Zona Norte foi a área que atingiu a maior proporção de populacão atendida por coleta de lixo, saiu de uma propoção de 85,2% em 1981 e alcançou 97,1% em 1990.
"Como anda o Rio de Janeiro: análise da conjuntura social" não é apenas mais um boletim com estatísticas oficiais sobre o Estado, mas sim de uma construção analítica que favorece a visualização das desigualdades sociais e da distribuição dos bens e serviços públicos. É uma fonte obrigatória de consulta para aqueles que se dedicam a estudos sobre o processo saúde-doença no Estado.
Rosely Magalhães de Oliveira
Departamento de Endemias Samuel Pessoa; Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; Rio de Janeiro
ECOLOGIA: PRINCÍPIOS & MÉTODOS. Sebastião Laroca. Petrópolis: Vozes. 1995.
ISBN 85-326-1524-4
Muito acertada a idéia de começar o livro mencionando o conhecimento dos índios. Na verdade eles são os grandes conhecedores da ecologia brasileira.
O Brasil está presente na história da ecologia, na obra pioneira de Eugen Warming, geografia vegetal ecológica, uma vez que ele trabalhou em Lagoa Santa, Minas Gerais.
Fritz Müller, o grande naturalista teuto-catarinense, considerado por Darwin "o príncipe dos observadores" é tratado com muito carinho.
Estão muito bem apresentadas as ligações entre o conhecimento científico e o popular, com destaque para alguns grandes observadores da natureza, como "Taituba" (Raimundo Aselino de Castro), que trabalhou com a expedição da Royal Society no norte de Mato Grosso e Joaquim Venancio de Manguinhos, ambos praticamente sem nenhuma escolaridade.
A parte de meteorologia está ótima, o que denuncia um curso de meteorologia feito por Laroca, antes de ingressar na Universidade.
Na discussão dos assuntos relativos às populações, nota-se que o autor é servido por uma ampla cultura geral.
O autor não esquece de lembrar as contribuições inovadoras de alguns brasileiros e considera a teoria da seleção "r" e "K", como a lei Oliveira Castro ampliada.
Assuntos complexos como ecologia das comunidades e nicho ecológico estão apresentados de forma bem simples.
Encerra o livro alguns exemplos importantes de ecologia das invasões, como a do Anopheles gambiae, no nordeste brasileiro, a de um cacto e dos coelhos na Austrália.
Há no livro muita computação, com diversos programas, um dos quais desenvolvido por um dos filhos do autor. Como não entendo nada do assunto, limito-me a dar apenas esta notícia.
Com a publicação desse livro está de parabéns a Universidade Federal do Paraná e seu Departamento de Zoologia, desenvolvido pelo incansável Padre Jesus Santiago Moure.
Diz o saber popular que todos caminhos levam a Roma. Isso faz lembrar o caso dos dois ecólogos aqui em jogo. Laroca virou ecólogo estudando abelhas e Aragão, trabalhando com mosquitos. Donde se conclui que o importante é trabalhar. Como dizia Oswaldo Cruz: "não há nada que resista ao trabalho".
Mário B. Aragão
Departamento de Ciências Biológicas; Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; Rio de Janeiro