DEBATE DEBATE
Maria Elizabeth Uchôa Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica, Centro de Pesquisa René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz, Belo Horizonte, Brasil. | Debate sobre o artigo de Gil Sevalho Debate on the paper by Gil Sevalho
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Constatando a ausência de discussões específicas em epidemiologia sobre a categoria tempo, bem como sua participação central na construção de conceitos epidemiológicos clássicos, Sevalho dirige o olhar a outras disciplinas física, filosofia e história e à epidemiologia, que passa a ser, então, objeto de reflexões.
O texto introduz um debate, interessante e certamente renovador, a respeito do próprio discurso epidemiológico. O autor detecta a opção por um tempo objetivo e positivista no centro do projeto científico da epidemiologia. Evolutivo e irreversível, o tempo positivista permite situar eventos, analisar padrões de distribuição, identificar fatores de risco e mesmo prever... Objetivo, o tempo positivista captura a simultaneidade de situações, mas as desconecta da sua historicidade. Descontextualizado, o tempo positivista descontextualiza. Assim, a complexidade das relações entre indivíduos, representações e comportamentos não pode ser apreendida em sua globalidade. O risco maior de tal descontextualização é, segundo o autor, a produção de falácias, ressaltando que a identificação de estudos epidemiológicos bem conduzidos tem a preocupação de avaliar a exposição em momentos antecedentes a seu efeito (temporalidade) ou mesmo de verificar mudanças na exposição ao longo do tempo.
Sevalho sugere que a abordagem do adoecer das coletividades seria enriquecida pela integração de "outros tempos", como o tempo histórico de Fernand Braudel e o tempo físico irreversível de Prigogine. A dialética da duração de Braudel reconectaria o evento a sua historicidade, tornando essencial para sua compreensão uma análise da articulação entre estrutura-conjuntura e evento. A termodinâmica generalizada de Prigogine e suas noções de irreversibilidade e instabilidade do tempo viriam re-situar o evento como participante da realidade (multidimensional) em constante transformação e resgatar a apreensão da globalidade.
A argumentação do autor, inteligente e bem conduzida, introduz uma questão bem mais geral ao nos remeter à clássica fragmentação do fenômeno saúde-doença, a uma ou outra das suas dimensões e à dificuldade que encontram disciplinas diversas em apreendê-lo em sua globalidade. Em estudos construídos a partir do paradigma biomédico como é o caso da epidemiologia a dificuldade em assimilar as dimensões social, cultural ou histórica pode efetivamente comprometer os resultados das pesquisas ou dificultar sua transposição para políticas concretas de saúde.
Concordo em que o reconhecimento e a aceitação da existência de "outros tempos" ou de outras dimensões inerentes ao adoecer humano lança as bases de uma análise crítica, mas surge aqui a interrogação acerca da possibilidade de operacionalizar conceitos como cultura, relações sociais ou tempo histórico dentro do projeto teórico e metodológico da epidemiologia.