RESENHAS REVIEWS

 

 

MANUAL PARA TÉCNICOS EM BIOTERISMO. Rosália Regina De Luca, Sandra Regina Alexandre, Thais Marques, Nívea Lopes de Souza, José Luís Bernadino Merusse & Silvânia Peris Neves. São Paulo: Winner Graph, 1996, 259 pp.

 

A publicação é uma revisão ampliada da primeira edição, do Manual para Técnicos em Biotério, elaborado em 1990, pela Profa Valderez Bastos Valero, da Escola Paulista de Medicina. Após cinco anos, a Profa Rosália Regina De Luca, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, editou, juntamente com demais professores, este manual, que descreve de forma simples, atualizada e profunda, a ciência dos animais de laboratório.

Os capítulos foram revisados por veterinários, biomédicos e biólogos, do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea). A forma didática na exposição dos assuntos possibilita ao leitor, mesmo o leigo, avançar em cada capítulo como em uma viagem agradável no universo dos animais de experimentação.

A primeira parte trata das espécies convencionais de animais de laboratórios: camundongos, ratos, hamsters, cobaias e coelhos. Os autores discorrem sobre: os aspectos históricos desses animais; as condutas ética e moral, que devem ser aplicadas nos ensaios in vivo; as instalações e equipamentos apropriados para criação e manutenção, assim como as condições de controle dos animais, incluindo conceitos de higiene, reprodução, sexagem, identificação e registros, necessidades nutricionais, saúde e controle sanitário, em uma seqüência bem conduzida, que, uma vez seguida, permitirá um elevado padrão de qualidade nos resultados experimentais.

O manual também aborda, ainda nesta primeira parte, a monitorização genética, técnicas anestésicas, de transporte, de eutanásia, além de segurança e higiene do trabalho. Cada capítulo é absoluto na sua proposição, sendo enfático no bem-estar dos animais de criação, reprodução e experimentação. Os temas relacionam-se entre si, proporcionando uma leitura abrangente sobre bioterismo.

Na segunda parte, são apresentadas três espécies não convencionais de animais de laboratório: primatas, cães e rãs. Esses animais, devido a sua complexidade, principalmente os dois primeiros, necessitam de regras mais rigorosas no seu manuseio, com constante fiscalização pelos comitês de ética, como aquele exercido pela Prefeitura da Cidade de São Paulo, quanto ao uso de cães para o ensino e a pesquisa.

Os capítulos sobre os primatas e as rãs são extremamente minuciosos, nos moldes apresentados na primeira parte. Os textos são escritos com a clareza e a experência dos autores, fundamentados em extensa bibliografia, que proporciona uma fonte de dados importantes para pesquisadores que utilizam esses animais em seus ensaios. Todavia, esperava-se mais no capítulo referente aos cães.

O Manual para Técnicos em Bioterismo, segunda edição, é leitura obrigatória para os supervisores e técnicos de biotérios e principalmente para professores e pesquisadores envolvidos em estudos realizados com animais.

O referido livro é uma coletânea dos procedimentos operacionais padrão (POP) no bioterismo. Esperamos que a tiragem inicial de mil exemplares seja ampliada para facilitar a sua divulgação.

 

Elizabeth Gloria Barbosa Santos

Departamento de Ciências Biológicas, Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, Rio de Janeiro

 

 

PREVENCIÓN PRIMARIA DE LOS DEFECTOS CONGÉNITOS. Maria da Graça Dutra, org. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1996, 147 pp.

ISBN: 85-85676-26-4

 

O Estudo Latino-Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC) continua produzindo preciosas informações sobre este assunto (conferir a resenha de outro livro, publicado pelo mesmo grupo, em Cadernos de Saúde Pública, 12:425-426, 1996). O tema abordado na presente obra refere-se exclusivamente à prevenção primária dos defeitos congênitos, um assunto sem dúvida importante, pois, de acordo com os autores, a metade deles poderia ser evitada. O livro é excelente sob todos os aspectos, desde a apresentação gráfica, até as informações, expostas de forma clara e simples, do que é e do que não é teratogênico. O planejamento foi cuidadoso e envolveu ampla discussão com todos os participantes do ECLAMC na sua reunião anual de 1994. É importante salientar o que o livro apresenta ou deixa de apresentar. Por exemplo, não existe um capítulo sobre o aconselhamento genético, prospectivo ou retrospectivo, que também se constituiria em importante fator para a prevenção primária de doenças hereditárias identificáveis ao nascer (e que, sem dúvida, têm de ser incluídas no conceito de malformações congênitas).

O livro apresenta uma série de informações da maior valia. Por exemplo, 2% dos nascimentos que ocorrem na América do Sul são de crianças cujas mães têm mais de quarenta anos de idade. Como 45% dos casos de síndrome de Down e outras anomalias cromossômicas nascem de mulheres com mais de 35 anos, poder-se-ia reduzir à metade esses casos simplesmente com a limitação das gestações a mães com idades inferiores a 35. Da mesma maneira, a paridade elevada (quatro ou mais) duplica o risco de morte fetal intraparto, e, portanto, a não-ocorrência de tais gestações diminuiria também em 50% tais eventos. Metade das mulheres da América do Sul fuma durante a gravidez, e os autores calculam que este vício poderia ser o responsável pelo nascimento de trezentas mil crianças com peso abaixo do normal por ano. As vantagens da diminuição do tabagismo durante a gravidez são óbvias.

Há também a apresentação de um método muito interessante para a avaliação de riscos de malformação na prole, tendo em conta simultaneamente quatro variáveis: idade avançada, multípara com nativivo anterior, multípara com aborto ou natimorto anterior, e metrorragia no primeiro trimestre da gestação.

Que a prevenção de malformações não será fácil está exemplificado pela proibição da venda do misoprostol (usado como abortivo e potencialmente teratogênico) no Rio de Janeiro. Desenvolveu-se um mercado negro interestadual, e as farmácias cariocas agora estão vendendo a droga de maneira clandestina e acima do preço normal! A atribuição de virtudes terapêuticas à talidomida com relação a nove situações patológicas (que envolvem desde a cura da Aids até o alívio de enxaquecas!) também poderá condicionar o seu retorno às estantes das farmácias, com vendas pouco controladas.

Os autores salientam, com razão, a existência injustificável de duas subpopulações nitidamente diferenciadas com relação ao desenvolvimento sócio-econômico nos países da América do Sul (como um parêntese, pode-se adicionar que o Brasil situou-se em primeiro lugar quanto à concentração de riqueza dos 20% mais ricos com relação aos 20% mais pobres, quando comparado a 58 outras nações, 40 do terceiro mundo e 18 do primeiro; Vandermeer, J., 1996. Reconstructing Biology. New York: Wiley). Mas em todas as situações, mesmo nas mais vexatórias, há sempre um lado bom (como salientaria o Dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire). Como 80% das mulheres grávidas não trabalham fora do lar nos países sul-americanos, elas estão livres dos problemas teratogênicos dos locais de trabalho extralar (alguns dos quais estão documentados nesta obra).

Para não dizer que o livro é perfeito (neste caso teria sido escrito por divindades!), é pelo menos curioso que as conclusões apareçam sempre no início dos capítulos e não no fim, após a avaliação de todas as evidências. Talvez um termo mais apropriado para as mesmas fosse resumo ou síntese. A extensão do conceito de abiotrofias (doenças genéticas com manifestação tardia) para o de enfermidades congênitas do adulto (p. 41) é claramente incompatível com a definição de malformação congênita da página 15 (defeitos presentes ao nascimento e não posteriormente, como nos dois exemplos citados). E dificilmente poder-se-ia classificar o bombardeio de Hiroshima como um acidente (p. 117)!

Os autores devem ser felicitados pela elaboração de mais uma obra que deverá permanecer como fonte de referência nesta área por muitos anos.

 

Francisco M. Salzano

Departamento de Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre

 

 

UMA REBELIÃO CULTURAL SILENCIOSA: INVESTIGAÇÃO SOBRE OS SUICÍDIOS ENTRE OS GUARANI DO MATO GROSSO DO SUL.

 

Flores as mais belas foram da luz criadas:
a fé, aldeia e selvas, mas hoje ressecadas,
vivas ficaram delas só migalhas herdadas!

No distante sertão, dessas flores nascemos!
olha homem este chão! Esqueceste que viemos
todos do mesmo grão? ­ que a ele voltaremos?  

Boa sorte senhor! ­ teu pé que espezinha,
sente aroma de dor. Luz, a ele caminha!
e volte-nos as flores nesse chão sozinhas!

 

O livro de Maria Aparecida da Costa Pereira mantém acesa a chama do espírito de investigação científica, aliado à revolta diante do jugo a que seu objeto é submetido. A Funai está de parabéns pela divulgação, porque às vezes conhece-se essa arrastada epidemia nos jornais do exterior, sem que tenhamos nossos dados atualizados. Pode-se agora afirmar com base em fonte autorizada que ocorreram 128 suicídios ao longo de 15 anos, de 1978 a 1992, entre os indígenas Nhandéva e Kaiwá do município de Dourados, em Mato Grosso do Sul. O material é fruto de um longo trabalho da autora, tendo ido à região várias vezes ao longo de seis anos, sob os auspícios da Funai. Sua tarefa era dar um encaminhamento psicológico à questão do suicídio naquelas comunidades, parte em que a presente resenha mais se detém. O livro descreve o conjunto das tarefas de que se desincumbiu, atendo-se mais aos resultados de oitenta entrevistas realizadas com índios 'velhos', os rezadores, os líderes e índios que tentaram suicídio. Isso permitiu-lhe fazer um bom levantamento do idioma dos indígenas, suas principais tradições, bem como de escolas, serviços de saúde e seitas religiosas existentes na região.

 

O quantitativo das vítimas

 

Com base no gráfico (p. 55) e valores absolutos (p. 45) do livro de Maria Aparecida, foi feita a Tabela 1, a fim de observar a freqüência de ano a ano com maior precisão. É bastante provável que as tentativas arroladas tenham sido as mais graves ­ com a pessoa já no ritual que, se consumado, seria suicídio. Isto porque em três anos da casuística, o número de suicídios foi maior que o de tentativas no mesmo ano. Quando tentativas benignas são incluídas e toma-se o cuidado de registrar todas as ocorrências, o número de tentativas chega a ser dez vezes maior que o de suicídios. Portanto, o que foi registrado pela autora sob a rubrica de tentativa, foi suicídio evitado.

 

 

A distribuição cronológica evidencia alguma tendência? Como se observa na Tabela 1, os anos de 1990, 91 e 92 foram os mais duros, porque tanto suicídio, quanto tentativa foram os mais elevados; a comunidade foi 'mordida por dentro' de maneira muito atroz. Porém, em anos anteriores, 1979, 80, 82 e 86, o problema já era aflitivo, somando suicídios com tentativas.

Os 128 suicídios em 15 anos dão uma média de 8,5 suicídios por ano. As duas tribos com uma população de cerca de 6.500 indígenas, dão uma taxa de 131 suicídios por cem mil habitantes.

O que se conclui é que não há uma tendência que indique decréscimo do problema; uma vez que se conhecem mal as forças prodigiosas que geram tal estado de coisas, e as que são conhecidas mantêm-se estabilizadas, a perspectiva não é otimista. Maria Aparecida parece que se contorcia para conhecer essas forças; 'rebelião' é a palavra-chave do título do livro, que em grande extensão é um vai-e-vem em torno daquelas forças. Reconhece que na tradição mitológica do grupo há uma espécie de fator predisponente, mas que este só vem à tona em situações de opressão duradoura. Relata que os índios 'velhos' lembram de suicídios até 65 anos atrás ­ até aonde alcança a memória de cada um. Mas no passado eram esporádicos e poupavam os jovens, enquanto que na modernidade são estes os primeiros a se matarem e em quantidade de dar pavor e tremor na comunidade. Com isso, coloca-se a questão em que a civilização ocidental patina há tantos séculos: qual é a melhor solução para uma diversidade cultural inconciliável? Nossa civilação se expande a todo vapor em todos os países; os que não se submetem a seus valores são esmagados ou marginalizados em guetos.

 

Saúde indígena e a prestação de serviços na área mental

 

É difícil esquematizar os serviços de saúde mental, mas o livro de Maria Aparecida dá importantes pistas ao longo de várias páginas para organizar tais serviços; percebe-se que ela estava constantemente preocupada com essa questão. Dá conta de que na região há um posto de saúde para atendimento ambulatorial; os casos mais sérios ficam aos cuidados de um hospital em Dourados. Há também uma plêiade de missões e seitas religiosas que propõem cuidar de vários problemas, inclusive psicológicos. Parece que o mais importante é buscar uma integração com os representantes das várias comunidades; isto é, ter em mente que preservar seus valores é em si uma ação de saúde fundamental.

Nos EUA, há uma rede de serviços de saúde disponíveis para seu 1,5 milhão de nativos indígenas, metade dos quais habita em reservas do governo federal. Em 1990 havia 130 unidades de saúde (hospital ou clínica), e 80% delas dispunham de serviço específico para saúde mental. A maior parte desses serviços pertence ao governo, o qual custeia 75% do pessoal, mas a administração é feita em parceria com as lideranças locais. Também é assim no Canadá e Austrália. Há consenso de que o sucesso para implantar um novo serviço é começar sempre com as lideranças. Os curandeiros nativos são reconhecidos, muitos dos quais trabalham de maneira integrada aos serviços de saúde, por terem aceitação imediata e assim propiciarem confiança nos serviços de saúde.

Depressão, alcoolismo e problemas que culminam em violência estão entre os mais comuns, resultantes de distúrbios de relacionamento interpessoal e desavenças familiares. Pobreza e frustrações contínuas são o denominador comum dos variados problemas de saúde. As taxas de suicídio, homicídio e morte 'acidental' entre os jovens do sexo masculino são duas a quatro vezes maiores que as correspondentes taxas na população. Em suma, parece que a questão central é a mesma nos vários países; é essa coisa terrível que alguns chamam de 'batalha de duas civilizações'. É óbvio que, se é batalha, as duas são desproporcionalmente desiguais; uma dizimaria a outra por completo. Ainda bem que muitos antropólogos, psicólogos e religosos buscam um novo entendimento dessa magna questão.

 

O lírico no livro de Maria Aparecida

 

Antes de mais nada, o que seu livro mais evoca é uma tristeza poética intrínseca à cultura indígena; o resenhista tentou captá-la com a novena ao abrir a resenha, encarnando os lamentos de Dourados e os de mães de uma tribo canadense, pranteando os infortúnios ininterruptos de seu povo. Vamos encerrar com as estrofes abaixo, inspiradas no lirismo do livro; dele são exemplos dois lemas de líderes da comunidade: "Cada sujeito que se mata, fracassa uma proposta comunitária", e "Se não fizerem alguma coisa por nós, é melhor apagar o Sol". O primeiro abre a introdução do livro e o segundo fecha-o; nisto a resenha tentou ser igual ao livro.

 

Anastácio Morgado

Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitavivos em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz Rio de Janeiro

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br