EDITORIAL

 

Ao longo dos tempos, as questões referentes ao trabalho em sua relação com a saúde têm sido concebidas e enfrentadas de formas diversas, em função dos contextos históricos, dos interesses envolvidos e do próprio estágio do conhecimento sobre o tema.

No Brasil, o campo de Saúde do Trabalhador, no âmbito da Saúde Coletiva, instituiu-se sob pressupostos da corrente latino-americana da Medicina Social e foi inspirado na experiência da Reforma Sanitária Italiana.

Particularmente na última década, acompanhando o processo de democratização do país, vem se consolidando como campo de estudo e pesquisa, na prática dos serviços e nas pautas de reinvindicações de determinados setores do movimento sindical.

A I Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, realizada em 1986, constituiu um marco decisivo nessa direção. Ao diagnosticarem a situação de saúde da classe trabalhadora como reflexo das políticas econômicas e sociais, as entidades representativas dos trabalhadores e da sociedade civil, bem como os órgãos governamentais e técnicos presentes no fórum apresentaram propostas dirigidas à formulação de uma Política Nacional de Saúde dos Trabalhadores capaz de contemplar e transformar o contudente quadro constatado. Esse movimento influenciou, de forma expressiva, o resgate da competência do Setor Público de Saúde na implementação de ações voltadas para a Área, na Constituicão de 1988. A II Conferência, em 1994, com destacado papel dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde, referendou as decisões anteriores e ressaltou a importância da unificação de todas as ações de saúde do trabalhador sob a coordenação do Sistema Único de Saúde. No entanto, tais propostas, mediadas por conjunturas locais/regionais, dentro de um contexto global desfavorável às questões sociais, assumem níveis diferenciados de concretização. As conquistas obtidas resultam, frequentemente, mais do empenho de profissionais comprometidos e de segmentos do movimento sindical, que de uma determinação governamental clara em dar curso aos preceitos constitucionais.

Contrariamente, se as práticas de saúde do trabalhador, no âmbito do SUS, defrontam-se com obstáculos de diversas naturezas, constata-se o crescente avanço do conhecimento na Área. É significativo o número de cursos de pós-graduação lato e stricto sensu que vem capacitando profissionais de diversas formações para atuação nos serviços, na pesquisa e na docência nesse campo de Saúde Coletiva, marcado pelo enfoque interdisciplinar. Entretanto, parte do acervo de conhecimentos produzidos, seja através de relatórios de inspeção a locais de trabalho, de pesquisa, de eventos ou de dissertações e teses, carece de uma divulgação efetiva. Da mesma forma, uma considerável parcela dos artigos publicados em periódicos tende a ficar dispersa e, frequentemente, restrita aos especialistas sobre o tema.

A iniciativa de publicar o presente número temático responde à necessidade permanente de concentrar esforços na reflexão da problemática da Área, contribuindo para difusão do saber já acumulado e despertando o necessário debate para o seu constante amadurecimento.

Numa revista, nunca se poderá contemplar toda a riqueza e complexidade da produção científica de docentes/pesquisadores e profissionais que atuam neste campo multifacetado. Procurou-se, no entanto, combinar análises panorâmicas sobre sua coonstrução e trajetória com algumas questões temáticas que o perpassam, incluindo contribuições da Argentina e do México.

 

Carlos Minayo-Gomez
Francisco Antônio de Castro Lacaz

 

 

EDITORIAL

Over the course of time, issues referring to work and its relationship to health have been viewed and confronted in various ways, as a function of the historical contexts, the interests involved, and the state of knowledge of the theme itself.

In Brazil, the field of Workers' Health within the scope of Collective Health was founded on the premises of the Latin American current of Social Medicine and was inspired by the experience of the Italian Health Reform.

In the last decade particularly, and accompanying the country's democratization process, Workers' Health has been consolidated as a field of study and research, in the practice of health services, and on the platforms of demands by given segments of the trade union movement.

The 1st National Conference on Workers' Health, held in 1986, was a milestone in this direction. By diagnosing the working class's health situation as the result of economic and social policies, workers' representative organizations and civil society as well as government agencies and experts present at the forum presented proposals aimed at drafting a National Policy for Workers' Health, capable of tackling and changing this dramatic reality. This movement had a decisive impact in recovering the competence of the public sector in implementing measures in the area of workers' health in the 1988 Constitution. The 2nd Conference, in 1994, with an outstanding role played by the National, State, and Municipal Health Councils, ratified the previous decisions and stressed the importance of unifying all measures pertaining to workers' health under the aegis of the Unified Health System. However, these proposals, mediated by local and regional situations within a global context unfavorable to social issues, have been implemented to highly variable degrees. The gains obtained have frequently resulted much more from the dedication of health professionals and segments of the trade union movement than from a clear commitment by government to put the Constitutional principles into practice.

On the other hand, while workers' health practices have faced various kinds of obstacles in the Unified Health System, there has been a growth of knowledge in the field. There has been a significant increase in the number of graduate courses (both Master's and PhD courses and short graduate courses) to train professionals with various backgrounds to work in services, research, and teaching in this field of Collective Health, characterized by an interdisciplinary focus. Nevertheless, a relevant portion of the storehouse of knowledge produced, in the form of workplace inspection reports, research, events, or thesis dissertations, has been insufficiently publicized. Likewise, a considerable share of the articles published in periodicals tends to remain spread out, and it frequenty only reaches specialists on the theme.

The initiative of publishing this special thematic issue answers a permanent need to concentrate efforts on reflecting on the field's issues, thereby helping spread accumulated knowledge and sparking the debate needed for the field to mature.

One issue could scarcely cover all the wealth and complexity of scientific production by teachers, researchers, and professionals acting in this multifaceted field. However, we have sought to combine panoramic analyses on the construction and trajectory of the field with a number of thematic questions permeating it, including contributions from Argentina and Mexico.

 

Carlos Minayo-Gomez
Francisco Antônio de Castro Lacaz

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br