OPINIÃO OPINION

 

 

 

 

 

Paulo Marchiori Buss 1


Promoção e educação em saúde no âmbito da Escola de Governo em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública

Health promotion and health education at the School of Governance in Health, National School of Public Health, Brazil

 

1 Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões, 1480 Rio de Janeiro, RJ 21045-900, Brasil.  

Abstract Schools of public health should define their teaching, research, and technical cooperative programs on the basis of epidemiological, epistemological, and health care parameters, which are heavily affected by the socioeconomic context of their countries. Brazil's demographic and epidemiological transition has been characterized by an increasing prevalence of diseases and risk factors associated with life styles, thus requiring an extensive and in-depth change in the country's health care model, with a greater supply of evidence-based services and preventive and health promotion measures, including new initiatives in information, education, and communications. This article approaches the recent experience at the Brazilian National School of Public Health, which has added to its long-standing academic tradition with a strategic reorientation known as the School of Governance in Health, including distance education as one of its main teaching options. Given Brazil's prevailing social and health situation, we conclude by highlighting the importance of training health professionals and promoting research and technological development in the fields of health promotion and education within the context of the School of Governance in Health at the National School of Public Health.
Key words Health Education; Graduate Education; Educational Technology; Health Personell; Public Health

Resumo As escolas de saúde pública devem definir seus programas de ensino, pesquisa e cooperação técnica em função dos contextos epidemiológico, epistemológico e dos serviços de saúde, que são profundamente condicionados pelo contexto sócio-econômico do país. No Brasil, a transição demográfico-epidemiológica caracteriza-se pela prevalência cada vez mais elevada de doenças e fatores de risco relacionados com os estilos de vida, o que exige uma profunda transformação do modelo assistencial, com a maior oferta de serviços e ações preventivas e de promoção da saúde baseadas em evidências, o que inclui iniciativas inovadoras de informação, educação e comunicação. Esse artigo aborda a experiência recente da Escola Nacional de Saúde Pública, que vem somando à sua longa tradição acadêmica a reorientação estratégia denominada Escola de Governo em Saúde, que inclui a educação à distância como uma de suas principais opções pedagógicas. Face ao quadro sócio-sanitário vigente, conclui-se que adquire enorme importância a capacitação de profissionais e a pesquisa e desenvolvimento tecnológico nos campos da promoção e educação em saúde no âmbito da Escola de Governo em Saúde da ENSP.
Palavras-chave Educação em Saúde; Educação de Pós-graduação; Tecnologia Educacional; Pessoal de Saúde; Saúde Pública

 

 

Introdução

 

O "aggiornamento" das instituições acadêmicas está entre seus principais desafios em um tempo de rápidas mudanças sociais como as que se verificam neste final de século. No caso das escolas de saúde pública, cujas funções centrais são a capacitação de recursos humanos e a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias, além da ação política no interior da sociedade, esta necessidade de constante atualização frente à conjuntura cresce de importância. Isso porque precisam não só atender às áreas científica e acadêmica, como também responder as demandas do sistema de saúde, principal usuário dos recursos humanos capacitados e dos conhecimentos e tecnologias que elas produzem.

O próprio objeto da saúde pública, além da sua prática e dos métodos e técnicas por ela utilizados, encontra-se em transformação constante. No nível epistemológico, a reconstrução da saúde pública passa por superar as falsas oposições entre teoria e prática, objeto e contexto, individual e coletivo, pessoa e população, biológico e social, quantitativo e qualitativo, descritivo e analítico, concreto e abstrato; "... na esfera metodológica, busca-se a hibridização das estratégias extensivas de investigação com técnicas qualitativas ...; e no campo da prática da saúde pública, procura-se a redefinição de modelos organizativos e de estratégias sanitárias" (Sánchez et al., 1998).

O exame dos contextos sócio-econômico, sanitário, epistemológico e dos sistemas e serviços de saúde é fundamental para a formulação das concepções teórico-conceituais e das práticas das escolas de saúde pública.

O profundo exame dos referidos contextos e dos valores e missão da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) vem trazendo mudanças substantivas nas concepções teórico-conceituais, assim como nas práticas, programas e estratégias pedagógicas da instituição nos últimos anos. Entre tais mudanças encontram-se duas que serão especificamente examinadas neste artigo: a renovação da promoção da saúde, como função essencial da saúde pública; e a proposta da Escola de Governo em Saúde, implementada, entre outras estratégias pedagógicas, pela educação à distância.

Na primeira parte do artigo, faz-se uma rápida revisão dos contextos epidemiológico e do sistema de saúde do país, no interior dos quais se desenvolvem as iniciativas da ENSP de renovação da promoção da saúde (e da educação em saúde como componente da mesma) e da estratégia da Escola de Governo em Saúde, que são analisadas nas duas partes seguintes do texto.

 

 

Contexto sócio-sanitário e do sistema de saúde

 

O Brasil vem apresentando, nas últimas décadas, transformações sócio-econômicas rápidas e profundas, assim como no perfil de saúde de sua população (Buss, 1993; Minayo, 1995; Monteiro, 1995). A concentração da riqueza e o aumento da pobreza e da exclusão entre regiões e entre classes sociais no interior de territórios aparentemente homogêneos vêm sendo apontadas como caraterísticas predominantes do desenvolvimento sócio-econômico nacional na década de 90.

No campo da saúde verifica-se o que os estudiosos denominam de transição epidemiológica polarizada, na qual diferentes segmentos sócio-econômicos e territórios apresentam perfis epidemiológicos substancialmente diferentes e contraditórios. Processos contra-transicionais, como os episódios de ressurgimento da dengue e da cólera agregam dimensões dramáticas à complexa situação sócio-sanitária que vive o país.

A mortalidade geral e a mortalidade infantil apresentam uma tendência claramente descendente, ao mesmo tempo em que aumenta a esperança de vida. As taxas globais de natalidade e fecundidade vêm se reduzindo drasticamente, enquanto eleva-se a participação relativa dos idosos na composição demográfica. Enquanto a mortalidade por doenças infecto-parasitárias sofreu redução importante, vêm aumentando as mortes, incapacidades e invalidez por doenças crônicas não-transmissíveis (neoplasias, doenças cardio e cérebro-vasculares, diabetes etc.) e por causas externas, sobretudo as ocasionadas por homicídios e acidentes de trânsito.

As transformações econômico-sociais, demográficas e epidemiológicas apontadas colocam importantes desafios para os sistemas de saúde (Mendes, 1996). As tendências permitem prognosticar que o sistema de saúde brasileiro deverá enfrentar nos próximos anos uma população crescente de idosos, e doentes crônicos, com patologias que até o momento são combatidas com tecnologias de alto custo e recursos humanos muito especializados. Ademais, é presumível que se incrementem os padecimentos derivados dos problemas ambientais, as fármaco-dependências e, em geral, de estilos de vida que vêm com a modernidade e a urbanização.

Assim, é evidente que as transições demográfica e epidemiológica que se verificam no país geram transições também no seu sistema de saúde. Já se sabe de longo tempo que os perfis das instituições de saúde, isto é, seus programas, estratégias e práticas, são delineados, em essência, por três tipos de fatores: os econômicos e sociais, os epidemiológicos e a disponibilidade de recursos.

O perfil epidemiológico pós-transicional exige que à atenção tardia, poli-medicamentosa, tecnologicamente dependente e que requer especialistas e um seguimento quase constante, some-se o fortalecimento do caráter promocional e preventivo dos serviços de saúde.

De fato, como em quase em todos os países industrializados, também em países como o Brasil, em que a transição demográfico-epidemiológica ocorre com as características complexas acima descritas, exige-se do sistema de saúde ações enfocadas no diagnóstico e na detecção oportuna (precoce) de enfermidades crônico-degenerativas, o que implica o uso intensivo e qualificado de serviços médicos de primeiro nível de atenção, assim como atividades que procurem modificar os estilos de vida.

Isto é, os serviços de saúde devem atuar com programas abrangentes de promoção da saúde, o que inclui informação, educação e comunicação massivas e de qualidade, assim como a mobilização do esforço inter-setorial no enfrentamento de problemas que têm origem fora do contexto exclusivamente biológico e individual, para localizar-se nos componentes sociais, econômicos e culturais da sociedade.

A promoção da saúde (e a educação em saúde como parte integrante da mesma) representa uma estratégia promissora para enfrentar os múltiplos problemas pós-transicionais que afetam as populações humanas e seus entornos neste final de século. É o que examinaremos em continuação.

 

 

Promoção e educação em saúde

 

Partindo de uma concepção ampla do processo saúde-doença e seus determinantes, a promoção da saúde propõe a articulação de saberes técnicos e populares e a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, de diversos setores, para o enfrentamento e a resolução dos problemas de saúde e seus determinantes.

O conceito moderno de promoção da saúde (e a prática conseqüente) surgiu e se desenvolveu de forma mais vigorosa nos últimos 25 anos, em países como o Canadá, E.U.A. e países da Europa Ocidental. Quatro importantes Conferências Internacionais sobre Promoção da Saúde, realizadas nos últimos 12 anos, em Ottawa (OMS, 1986), Adelaide (OMS, 1988), Sundsval (OMS,1991) e Jakarta (OMS, 1997), estabeleceram as bases conceituais e políticas da promoção da saúde. Na América Latina, em 1992, realizou-se a Conferência Internacional de Promoção da Saúde (OPS, 1996), em Bogotá/Colômbia, trazendo formalmente o tema para o contexto sub-regional.

A promoção da saúde vem sendo interpretada como reação à acentuada medicalização da vida social, que apresenta impactos bastante medíocres sobre as condições de saúde. Embora o termo tenha sido usado inicialmente para caracterizar um nível de atenção da medicina preventiva (Sigerist, 1946; Leavel & Clark, 1965), seu significado foi mudando, passando a representar, mais recentemente, um enfoque político e técnico em torno do processo saúde-doença-cuidado.

As diversas conceituações disponíveis, assim como a prática da promoção da saúde, podem ser reunidas em dois grandes grupos (Sutherland & Fulton, 1992). No primeiro, a promoção da saúde consiste nas atividades dirigidas centralmente à transformação dos compartamentos dos indivíduos, focando nos seus estilos de vida e localizando-os no seio das famílias e, no máximo, no ambiente das "culturas" da comunidade em que se encontram. Neste caso, os programas ou atividades de promoção da saúde tendem a concentrar-se em componentes educativos, primariamente relacionados com riscos comportamentais cambiáveis, que se encontrariam, pelo menos em parte, sob o controle dos próprios indivíduos. Por exemplo, o hábito de fumar, a dieta, as atividades físicas, a direção perigosa no trânsito etc. Nesta abordagem, fugiriam do âmbito da promoção da saúde todos os fatores que estivessem fora do controle e da ação imediata dos indivíduos.

O que, entretanto, vem caracterizar a promoção da saúde, modernamente, é a constatação do papel protagônico dos determinantes gerais sobre as condições de saúde, em torno da qual se reúnem os conceitos do segundo grupo. Sustentam-se eles na constatação de que a saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de alimentação e nutrição, de habitação e saneamento, boas condições de trabalho e renda, oportunidades de educação ao longo de toda a vida dos indivíduos e das comunidades ("empowerment").

A Carta de Ottawa define promoção da saúde como "o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo" (OMS, 1986). Inscreve-se, desta forma, no grupo de conceitos mais amplos, reforçando a responsabilidade e os direitos dos indivíduos e da comunidade pela sua própria saúde.

As raízes do conceito abrangente da promoção da saúde cristalizado em Ottawa encontram-se, na realidade, na Declaração de Alma Ata, um documento de extraordinária importância, que estabeleceu, mais do que o conhecido conjunto de oito "elementos essenciais" da atenção primária, o entendimento da saúde no desenvolvimento, a inter-setorialidade e a responsabilização do Estado e da sociedade pelas conseqüências das políticas públicas sobre a saúde da coletividade.

A Carta de Ottawa assume o conceito de saúde da OMS e insiste em que "a saúde é o maior recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como uma importante dimensão da qualidade de vida". Afirma, ainda, que "as condições e requisitos para a saúde são: paz, educação, habitação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e eqüidade" (OMS, 1986).

Defesa da causa, capacitação e mediação são, segundo a Carta de Ottawa, as três estratégias fundamentais da promoção da saúde, que propõe cinco campos centrais de ação:

• Elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis

• Criação de ambientes favoráveis à saúde

• Reforço da ação comunitária

• Desenvolvimento de habilidades pessoais

• Reorientação do sistema de saúde

A capacitação dos profissionais da saúde e de inúmeros atores sociais, como as lideranças comunitárias e os conselheiros de saúde, nas habilidades de defesa da saúde (advocacy), capacitação e mediação para a implementação das inúmeras medidas governamentais e comunitárias decorrentes dos cinco campos centrais de ação, eis a missão de uma Escola de Governo em Saúde para incrementar a promoção da saúde.

A informação, a educação e a comunicação inter-pessoal, assim como a comunicação de massas, através de diversas mídias, têm sido reconhecidas como ferramentas importantes que fazem parte da promoção da saúde de indivíduos e da comunidade. De fato, uma vez que a participação ativa e permanente da população é central no conceito e na prática da promoção da saúde, torna-se imprescindível a provisão de informações para o exercício da cidadania, assim como iniciativas do poder público nos campos da educação e da comunicação em saúde.

Tal fato é verdadeiro, qualquer que seja a concepção de promoção da saúde em foco: seja aquela mais concentrada na educação em saúde, visando centralmente a mudança de estilos de vida e fatores comportamentais, seja a que concebe a promoção da saúde de forma mais ampla, centrada nas políticas públicas saudáveis e na intersetorialidade, assim como na ação comunitária concreta e efetiva para estabelecer prioridades, tomar decisões, planejar e implementar estratégias visando melhorar os níveis de saúde.

Para exemplificar, a informação sobre boas práticas para a saúde individual pode ajudar na escolha de comportamentos em diversas esferas, na prevenção de doenças e, em geral, no desenvolvimento de uma cultura da saúde; assim como a democratização das informações sobre a situação de saúde e do sistema de saúde, divulgadas de diversas formas, entre as quais através de órgãos de comunicação de massas, pode contribuir para um melhor entendimento dos determinantes da saúde e para a construção de um discurso político e reivindicatório consistente e persuasivo que mobilize e reforce a ação da comunidade na afirmação de seus direitos e no seu enfrentamento com o Estado.

Segundo a OPS/UNESCO (1993), a comunicação em saúde é "uma estratégia para compartilhar conhecimentos e práticas que possam contribuir para a conquista de melhores condições de saúde, que inclui não apenas a provisão de informações, como também elementos de educação, persuasão, mobilização da opinião pública, participação social e promoção de audiências críticas. A comunicação é um instrumento sabidamente útil para a mobilização social, a democratização da informação, o acesso a conhecimentos e a construção de relações recíprocas por parte da população, a fim de que esta modele sua própria conduta, seja como indivíduos, seja como corpo social; adote ou fortaleça valores culturais a favor da vida e do bem estar e, de forma geral, desenvolva-se em matéria de saúde (Restepro & Alfonzo, 1993).

Já a educação em saúde pode ser definida como "qualquer atividade, relacionada com aprendizagem, desenhada para alcançar saúde" (Tones & Tilford, 1994). Ela é geralmente desenvolvida através de aconselhamento inter-pessoal, em locais como consultórios, escolas etc., assim como impessoalmente, através da comunicação de massas, utilizando-se diversas mídias. Ambos mecanismos podem contribuir efetivamente para implementar conhecimentos, atitudes e habilidades relacionadas com comportamentos ligados à saúde. Já sua contribuição para mudar comportamentos é de mais difícil avaliação, uma vez que mudanças em estilos de vida são usualmente alcançadas através da combinação de diversos fatores atuando em conjunto (Reid, 1996).

Embora a educação em saúde inter-pessoal seja indiscutivelmente efetiva quando praticada por profissionais bem treinados, sua capacidade para produzir mudanças rápidas na saúde de grandes parcelas de população é limitada. Daí a utilização cada vez mais extensa da comunicação de massas para realizar a educação em saúde. Esta, entretanto, deve ser implementada como parte de uma estratégia de promoção da saúde global, com o apoio de políticas públicas favoráveis (como, por exemplo, políticas tributárias para estimular o uso de produtos saudáveis e desestimular aqueles prejudiciais à saúde).

Como em todas as políticas de saúde, também as políticas de comunicação em saúde necessitam, para serem implementadas, de planos estratégicos, com a identificação precisa dos problemas a serem enfrentados, das características do público a ser contatado, dos meios de comunicação mais adequados a serem mobilizados, assim como da implementação dos programas definidos e de seu acompanhamento e avaliação.

De outro lado, a defesa (advocacy) da saúde está entre as principais funções da promoção da saúde. Tal função tem, nos meios de comunicação de massas, um dos seus principais instrumentos. O propósito da defesa da saúde é promover objetivos de saúde pública, usando a mídia para ampliar as pressões por transformações políticas. Ela foca centralmente nas políticas públicas, ao invés dos comportamentos individuais (Wallack & Dorfmann, 1996).

Uma poderosa estratégia de "comunicação horizontal" são os grupos de apoio social e auto-ajuda, como os Alcoólicos Anônimos, grupos de incentivo à amamentação, portadores de câncer, diabetes ou HIV e tantos outros. Trata-se de um tipo de abordagem que se baseia no apoio social entre pessoas não profissionais, mas portadoras de problema semelhante, com fatores de riscos similares. O compartilhamento de experiências, com uma linguagem comum e acessível a todos os membros do grupo, tem se revelado um efetivo instrumento de controle dos problemas enfocados. Entretanto, tal prática tem sido insuficientemente difundida no nosso sistema de saúde e nossos profissionais necessitariam ser capacitados para a implementação das mesmas.

Em toda e qualquer área da saúde pública, um dos grandes desafios é a incorporação da pesquisa avaliativa, buscando identificar e difundir "melhores práticas", ou seja, uma saúde pública baseada em evidências. Além disto, tais práticas devem ser as mais custo-efetivas possíveis. Para o campo da comunicação em saúde tal perspectiva é fundamental, seja pelo alto custo de suas ações, seja pelos aspectos éticos que envolve.

Um dos componentes de pesquisa mais importantes para o estabelecimento de programas eficazes e efetivos de educação e comunicação em saúde são os estudos sobre fatores comportamentais de risco. A identificação de determinados padrões de comportamento e estilos de vida na população em geral ou em segmentos da mesma, assim como o significado que adquirem na vida social, pode contribuir para o desenho de mensagens mais eficazes no campo da promoção da saúde. O conhecimento sobre o contexto social e econômico, gerador de tais comportamentos ou estilos de vida, certamente contribuirá para a escolha de intervenções mais eficazes e efetivas. Um modelo bastante difundido e utilizado é o PRECEDE/PROCEDE, desenvolvido por Green & Kreuter (1998).

As Escolas de Saúde Pública, particularmente aquelas que, como a ENSP, se investem da proposta de, através da estratégia de Escola de Governo, preparar quadros para o incremento da qualidade dos governos em saúde, devem considerar a necessidade de introduzir nos currículos de formação dos dirigentes o campo da IEC, que é capaz de responder, com um grau desejável de eficácia e eficiência, os enormes desafios colocados pelo quadro epidemiológico, no qual predominam as doenças para as quais as transformações nos estilos de vida são decisivas. Assim como desenhar projetos de pesquisa que respondam às indagações centrais necessárias para a formulação de programas de promoção da saúde, incluindo o campo de IEC.

 

 

Escola de Governo em Saúde (EGS)

 

A Escola de Governo em Saúde é uma reorientação estratégica dos programas de ensino, pesquisa e cooperação técnica da ENSP/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) para a preparação de quadros e a produção de conhecimentos, visando a ampliação da capacidade de governo em saúde. Encontra-se implantada na ENSP desde março de 1998.

Tal reorientação justifica-se plenamente como contribuição ao esforço do Sistema Único de Saúde em melhorar tanto seus métodos de gestão quanto os recursos humanos aos quais está cometida a função de dirigi-lo, adequando-os ao perfil demográfico-epidemiológico que se encontra em dramática transformação no país.

Para este propósito, a ENSP está estruturando a formação e a educação permanente de gestores públicos de sistemas, serviços, organizações e programas de saúde, bem como cooperando na implantação de abordagens inovativas na assistência médica, na saúde pública e na formulação e avaliação das políticas de saúde.

Neste sentido, a Escola de Governo em Saúde da ENSP ultrapassa os limites de uma tradicional escola de administração pública, visando, mais do que capacitar administradores de serviços, a formar lideranças técnicas e políticas em saúde, assim como a contribuir para ampliar a base de inteligência do setor.

As iniciativas de escolas de governo de caráter setorial são relativamente raras, certamente com base na concepção de que, independentemente das peculiaridades de cada setor, os princípios norteadores da gestão não sofreriam alterações significativas. Com a ampliação da complexidade dos problemas e dos métodos de intervenção, entretanto, verifica-se que o "que fazer" de determinados setores e a disponibilidade de um instrumental disciplinar específico para o seu manejo podem potencializar o desenvolvimento de uma gestão mais adequada às necessidades específicas do respectivo setor, através de uma escola setorial (ENSP, 1998).

Tal é o caso do setor saúde, no qual a gestão está influenciada por eixos funcionais que obedecem a paradigmas e métodos de trabalho bastante diferenciados, como ocorre com a contribuição da epidemiologia ao processo decisório ou com a abordagem das ciências sociais e das ciências do ambiente, devidamente articuladas com a saúde. A diferenciação setorial agrega maior especificidade ao objetivo que se quer alcançar e, nesse caso, "o mais específico" passa a dominar o quadro, definindo mais concretamente o objeto de ação (ENSP, 1998).

A estratégia da EGS/ENSP desenvolve-se com uma quipe multiprofissional e multidisciplinar diversificada, que vem buscando soluções para os problemas prioritários em saúde através do trabalho interdisciplinar de caráter aplicado, respaldado pela contínua produção teórica de suas unidades acadêmicas.

Para estabelecer o programa de trabalho da Escola de Governo, a ENSP toma em conta a análise setorial que se desenvolve de forma permanente na instituição, as principais questões colocadas pelas agendas políticas da saúde e da reforma do Estado, assim como as diretrizes, estratégias e operações definidas a partir da NOB-96. Estabelece-se também através da estreita parceria institucional e aconselhamento com atores relevantes do SUS (Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde/ CONASS, Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde/CONASEMS etc.) e outros atores (incluindo a atenção supletiva, como o Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência à Saúde/CIEFAS).

A clientela da EGS são os dirigentes de saúde, entre os quais se incluem os secretários de saúde, os dirigentes de primeiro escalão, de escalões intermediários e de níveis técnicos de decisão, dos Estados e dos quase 6.000 municípios do país, além do Ministério da Saúde, dos Conselhos de Saúde em todos os níveis e de outras entidades-alvo. A estimativa é de que existam cerca de 150.000 dirigentes numa força de trabalho total estimada em 2,5 milhões de profissionais de saúde. Estes números extraordinariamente elevados demandam uma "formação massiva, mas com qualidade e flexibilidade" (ENSP, 1998a), princípios que dificilmente seriam atingidos com estratégias pedagógicas convencionais.

As tecnologias de educação à distância (EAD), que vêm sendo utilizadas na EGSENSP, são instrumentos adequados para as novas demandas de ampliação da capacidade de governo na esfera pública, com os requisitos acima enunciados. Além de rapidez e versatilidade na transmissão de informações, estas tecnologias permitem que os profissionais permaneçam em seu ambiente de trabalho e permitem centrar a aprendizagem no próprio processo de trabalho.

O potencial do programa educativo da EGS/ENSP amplia-se também com a chamada metodologia problematizadora, voltada para a ação e para a autonomia de criação-inovação, o que desenvolve a capacidade de liderança do pessoal de saúde. Esta estratégia se completa com a utilização de estudos de casos, ampliando a visão do pessoal local com a análise de situações e experimentos bem sucedidos em outros contextos.

Especial atenção vem sendo dedicada a mecanismos de difusão e incorporação de inovações, permitindo que o conhecimento produzido na rede acadêmica seja levado a uma adequada aplicação nos serviços. Igualmente vem sendo estimulada a permeabilidade da EGS às experiências do próprio sistema de saúde e de organizações da comunidade, possibilitando com isto a difusão de soluções ajustadas às realidades de cada região, assim como a avaliação dessas experiências da sociedade e do poder local.

 

Cursos

 

A programação da EGS procura responder às prioridades definidas nas várias instâncias do setor saúde, pelo que foram selecionados inicialmente quatro conjuntos temáticos: Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde; Vigilância em Saúde (incluindo as vigilâncias sanitária e epidemiológica); Modelos de Prática de Saúde (com ênfase na promoção da saúde e na prevenção); e Saúde e Ambiente.

A área de gestão em saúde refere-se diretamente aos problemas de qualidade de governo, às novas funções do Estado, às tarefas reguladoras e aos desafios do desempenho de organizações e sistemas de saúde. Esta é uma área ampla e de grandes necessidades, demandas e desafios, em que a ENSP conta com significativa experiência acumulada e na qual já foram oferecidos dois cursos à distância: "Gestão em Saúde para Dirigentes Municipais", com 3.000 vagas; e "Dirigentes de Empresas de Auto Gestão da Atenção Supletiva", com 1.000 vagas.

Outros cursos à distância previstos neste conjunto temático são os cursos para Conselheiros de Saúde; de Gestão de Hospitais; e o GERUS (Gestão de Unidades de Saúde). No caso do GERUS, a proposta em desenvolvimento é a educação permanente dos cerca de 2.000 egressos dos cursos presenciais já desenvolvidos em diversos locais do país.

A proposta da EGS para a área da vigilância em saúde consiste na formação de gestores públicos centrada em uma concepção de vigilância como um modo de intervenção, no qual articulam-se o conhecimento técnico-científico de base epidemiológica e a legislação sanitária, para exercer as funções de regulação e controle sobre a saúde e o meio ambiente nos espaços e processos de vida e trabalho das populações.

A EGS está oferecendo diversos cursos neste bloco, dois dos quais à distância: o Curso de Vigilância Sanitária, com 2.000 vagas e o de Biosegurança, destinado a garantia de qualidade e proteção ao trabalhador e ao ambiente nos laboratórios de saúde pública, com 1.000 vagas.

No bloco de Modelos de Práticas de Saúde propõe-se o desenvolvimento de modelos de análise, gestão e intervenção inter-setorial, visando enfrentar articuladamente as questões sociais e de saúde, como também seus determinantes, que com grande freqüência são externos ao setor saúde. Tais modelos pressupõem um equilíbrio adequado entre ações de assistência médica, de promoção e prevenção em saúde e de iniciativas inter-setoriais (ambientais, educacionais, alimentares e nutricionais etc.). A capacitação para a negociação inter-setorial, a mediação Estado-população no campo da saúde, a "advocacy" da saúde e a informação, educação e comunicação são partes integrantes deste campo de atuação da EGS.

O primeiro produto deste conjunto temático é a implementação do modelo propriamente dito no nível local, especificamente na região da AP3, no Rio de Janeiro, em cooperação com a Sub-Prefeitura local e outras entidades públicas e desenvolvido por unidades e sub-unidades da ENSP e da FIOCRUZ que trabalham o tema no nível local. Os cursos serão oferecidos do ano 2.000 em diante.

A área de Saúde e Ambiente parte do entendimento de que, entre as questões críticas para a saúde e a qualidade de vida, encontram-se o abastecimento de água, o saneamento básico, a poluição atmosférica, a destinação de dejetos tóxicos originados nos processos de trabalho urbanos e rurais, os próprios ambientes do trabalho e os demais componentes da ampla questão ambiental.

Os primeiros cursos a serem oferecidos neste conjunto temático serão destinados a dirigentes superiores e de nível intermediário de decisão de empresas de água e esgoto, de limpeza urbana e, mais tarde, de controle ambiental integrado, o que, inclusive, responderá em parte às expectativas de inter-setorialidade da Escola. Também serão oferecidos cursos para gestores dos programas de saúde do trabalhador, que compõe, modernamente, o campo da saúde e do ambiente.

Está em curso a revisão dos vários cursos presenciais e descentralizados da Escola, integrantes destes blocos temáticos, como os de planejamento, recursos humanos, gestão hospitalar, gestão de unidades de saúde, epidemiologia geral, grandes endemias, laboratórios de saúde pública, educação em saúde, saúde ambiental, engenharia sanitária e outros, visando melhor identificá-los, em temos de conteúdos e métodos pedagógicos, à orientação programática da Escola de Governo e que poderão vir a ser também oferecidos na modalidade à distância.

 

Pesquisa estratégica e desenvolvimento tecnológico

 

Um componente fundamental da Escola de Governo é a geração de conhecimentos e tecnologias novas que contribuam para a melhoria da capacidade do governo na área da saúde e afins. Na realidade, a transformação do conhecimento científico em tecnologias, assim como sua difusão e incorporação pelos sistemas de saúde é um dos principais desafios contemporâneos para as instituições científicas, particularmente dos países em desenvolvimento, carentes e com escassos recursos para investir em saúde.

Assim entendendo, a EGS/ENSP tem entre suas principais orientações a produção de um conjunto amplo e diversificado de tecnologias (instrumentos, métodos e técnicas) para o aperfeiçoamento da gestão de sistemas, serviços, organizações e programas de saúde. Tal conjunto de recursos tem origem na produção acadêmica da ENSP (teses, dissertações etc.), transformados em instrumentos capazes de ser imediatamente apreendidos pelos gestores do sistema de saúde. Ou, ainda, nas parcerias com atores do sistema de saúde que vem experimentando inovações na sua prática de gestão, transformando-as também em tecnologias e metodologias a serem difundidas para outros ambientes do sistema.

Em 1998, a ENSP implantou, com recursos próprios, um Programa de Pesquisa Estratégica e Desenvolvimento Tecnológico em Saúde, com os objetivos acima expostos. Ao primeiro edital (ENSP, 1998b), que financiou 20 projetos de pesquisa e desenvolvimento, com o valor máximo de R$ 10 mil, acorreram 51 propostas de grupos de pesquisa e pesquisadores da ENSP. Segundo sua qualidade científica, relevância social e adequação aos termos do edital (desenvolver método, técnica ou instrumento em saúde pública, com prazo de finalização em 6 meses de trabalho), foram aprovados 16 projetos, cujos resultados foram recentemente publicados no Banco de Recursos Tecnológicos da Escola de Governo (ENSP, 1999b).

O segundo edital (ENSP, 1999a) foi lançado em julho de 1999, para financiar 20 novos projetos, número imediatamente ampliado para 25, em função da grande demanda. De fato, apresentaram-se 68 propostas, que envolvem a participação de cerca de 180 pesquisadores e alunos da pós-graduação. Cada projeto receberá até o máximo de R$ 12 mil. Como da vez anterior, os projetos serão julgados segundo a qualidade científica intrínseca, a relevância social e a adequação aos termos do edital (idêntico ao anterior, mas fixando-se em três eixos temáticos: contribuições metodológicas à NOB-96, à promoção da saúde e à utilização de grandes bancos de dados nacionais).

 

 

Conclusões

 

As transições demográfico-epidemiológica e do sistema de saúde que atravessa o Brasil colocam desafios de reorientação do modelo assistencial, com a necessidade, entre outros aspectos, de profunda renovação e afirmação das ações de promoção da saúde, que incluem, no seu âmbito, a teoria e prática da informação, educação e comunicação.

As instituições envolvidas com o incremento da capacidade de governo - as Escolas de Saúde Pública, reorientadas na direção da estratégia de Escolas de Governo - têm a missão de capacitar as lideranças e o pessoal dos serviços para a reconversão do modelo nesta direção, assim como de produzir conhecimentos e tecnologias que sustentem este processo.

A ENSP e, mais recentemente, um conjunto de outras instituições nacionais, reunidas em uma ainda incipiente Rede Escola de Governo em Saúde, estão revisando seus cursos presenciais e introduzindo a educação à distância, assim como a pesquisa estratégica para responder a tais necessidades.

Os resultados preliminares da EGS/ENSP são bastante animadores. A aceitação da proposta é geral no interior do sistema de saúde e a programação estabelecida vem se cumprindo a contento, com o cronograma de atividades dentro do esperado.

Recentemente, a ENSP vem negociando com entidades formadoras de diferentes Estados da Federação, visando a constituição de uma Rede Escola de Governo em Saúde, que possa, articuladamente, contribuir para a ampliação da capacidade de governo do sistema de saúde do país.

 

 

Referências

 

BUSS, P. M., 1993. Saúde e desigualdade: o caso do Brasil. In: Sistemas de Saúde: Continuidades e Mudanças (P. M. Buss & M. E. Labra, org.), pp. 61-101, São Paulo: Editora Hucitec/Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.         

BUSS, P. M., 1998. Promoção da Saúde e Saúde Pública. Rio de Janeiro: ENSP. (mimeo.)         

ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública), 1998a. Escola de Governo em Saúde. Rio de Janeiro: ENSP. (mimeo.)         

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Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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