CARTAS LETTERS
Condições de saúde e nutrição de crianças indígenas e não-indígenas que vivem às margens do rio Solimões, Estado do Amazonas, Brasil
Health and nutritional conditions of indigenous and non-indigenous riverine children along the Rio Solimões, Amazonas State, Brazil
Alan Araujo Viera 1
José Ueleres Braga 2,3
Claudia Leite Moraes 1,3
1 Divisão de Ensino e Pesquisa, Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Brigadeiro Trompowsky s/no, Rio de Janeiro, RJ, 21044-020, Brasil.
alanmariangela@megaline.com.br
2 Centro de Referência Prof. Hélio Fraga, Fundação Nacional de Saúde. Estrada de Curicica 2000, Rio de Janeiro, RJ, 22710-550, Brasil.
ueleres@openlink.com.br
3 Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua São Francisco Xavier 524, 7o andar, Bloco D, Rio de Janeiro, RJ 20559-900, Brasil.
clmoraes@alternex.com.br
No período de janeiro a fevereiro de 1996, um grupo de médicos da Universidade Federal Fluminense em conjunto com a Associação dos Amigos da Canoagem e Ecologia (ABRACE) participou de uma expedição ao rio Solimões, estudando as condições de vida da população ribeirinha. A expedição durou 35 dias e percorreu um trecho de 1.200 km do alto e médio Rio Solimões, visitando 11 municípios, cinco comunidades ribeirinhas e seis aldeias indígenas da etnia Tikuna. A população estimada dos locais visitados, segundo dados das prefeituras locais, é de 176.128 habitantes; a população indígena das seis comunidades visitadas é de aproximadamente 9.010 habitantes, segundo a Fundação Nacional de Saúde.
A população deste estudo é formada por 1.575 crianças de 0 a 12 anos (75% das crianças atendidas pela equipe médica). Foram realizadas avaliação antropométrica, coleta de dados sobre sexo, idade, situação vacinal, período de aleitamento materno e presença de doenças no momento do atendimento. Os dados antropométricos foram comparados com a curva padrão de referência do National Center for Health Statistics (NCHS, 1977); os indicadores estatura/idade e peso/estatura foram avaliados pelos respectivos escores Z, classificando as crianças em desnutridas quando estavam inferiores a dois desvios-padrão da mediana de referência. A cronicidade do processo de desnutrição foi identificada pelo índice baixa estatura para idade e a desnutrição aguda pelo índice de baixo peso para altura.
Um número semelhante de crianças dos dois sexos foi estudado (48% do sexo masculino e 52% do sexo feminino); os grupos etários também se distribuíram uniformemente (29% lactentes, 31% pré-escolares e 40% escolares) nos dois grupos. Os índices de esquema vacinal completo para a idade eram maiores na população não-Tikuna (77,3%) que na população Tikuna (58,7%). O índice de aleitamento materno até os seis meses de vida foi de 98,7% na população Tikuna e de 95,5% na população não-Tikuna. Noventa por cento dos Tikuna apresentavam doença no momento do atendimento, contra 95,4% dos não-Tikuna.
As principais doenças atendidas foram verminoses (relato do responsável referindo presença de "vermes" nas fezes), doenças do trato respiratório superior e doenças de pele, principalmente escabiose e impetigo.
As prevalências de baixa estatura para idade e de baixo peso para altura em toda a população estudada foi de 26,5% e 3,8%, respectivamente; índice este semelhante ao encontrado em 1989 pela Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) (IBGE/UNICEF, 1992), para a região norte urbana do país.
Quando comparamos os Tikuna com os não-Tikuna, encontramos diferença estatística significativa nos índices de crescimento linear - 43% de déficit nos Tikuna contra 23,5% na população não-Tikuna. A razão de prevalência foi de 2,47, ou seja, as crianças Tikuna têm 2,47 vezes mais chances de ser desnutridas crônicas que as crianças não-Tikuna. Quando calculamos as razões de prevalência entre Tikuna e não-Tikuna, controlando-se algumas variáveis que poderiam ser fatores de confusão (esquema vacinal completo para a idade; aleitamento materno até os 6 meses de vida; presença de doença ao atendimento), observou-se que as diferentes distribuições destas variáveis na amostra estudada não justificariam a associação estatística encontrada.
Vários fatores podem ser sugeridos como determinantes deste achado, principalmente os que levam em conta aspectos qualitativos da vida destas crianças e suas famílias que não foram contemplados neste estudo, tais como situação sócio-econômica, situação ambiental (ex. saneamento), características maternas (escolaridade, idade, etc.), grau de aculturamento da etnia Tikuna, entre outras. De qualquer forma, as conjecturas apresentadas neste estudo são insuficientes para o entendimento de problema.
Importante destacar que problemas metodológicos como amostragem não probabilística e confiabilidade e validade dos dados coletados, decorrentes da própria situação em que se inseriu a pesquisa de campo, não permitem a extrapolação destes resultados para a população pediátrica total daquela região. Porém, a geração da hipótese de que as crianças Tikuna podem ser mais desnutridas do que as não-Tikuna deve estimular a comunidade científica a testá-la com metodologia mais apropriada.
IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)/UNICEF (United Nations Children's Fund), 1992. Aspectos de Saúde e Nutrição de Crianças no Brasil, 1989. Rio de Janeiro: IBGE/UNICEF.
NCHS (National Center for Health Statistics), 1997. Growth Curves for Children, Birth-18 Years. Department of Health, Education and Welfare Publication no (PHS)78-1650. Washington, D.C.: NCHS.