RESENHAS REVIEWS

LA SALUD Y EL AMBIENTE EN EL DESARROLLO SOSTENIBLE. Organización Panamericana de la Salud. Washington, D.C.: OPS, 2000. 283 pp.

ISBN: 92-75315-72-8

 

Este livro foi escrito com o intuito de analisar as tendências da saúde e meio ambiente mundial desde os primeiros anos da década de 1970 - data da Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano - até a atualidade e fazer projeções para o ano 2020, proporcionando uma perspectiva de 50 anos a respeito da saúde ambiental no contexto do desenvolvimento social e econômico.

Composta por sete capítulos e enriquecida por quadros ilustrativos com dados expostos de forma gráfica, bem como de exemplos concretos, a obra contém variado material de consulta, permitindo dois níveis de leitura conforme o interesse do leitor. Constitui, portanto, um extraordinário esforço para tornar público um conhecimento científico acumulado nas últimas décadas no campo da saúde ambiental.

A metodologia proposta sistematiza esse conhecimento de forma compreensível e aplicável em diferentes contextos, além de permitir visão panorâmica da situação atual e apontar novas tendências.

A noção de que a saúde constitui elemento fundamental do desenvolvimento sustentável foi explicitada oficialmente pela primeira vez na "Conferência da Terra", no Rio de Janeiro, em 1992. Esta visão decorre da premissa de que o principal objetivo do desenvolvimento é o ser humano, ou seja, a melhoria das condições de vida e saúde que, por sua vez, não se restringe à ausência de doenças, mas compreende também o bem-estar físico e mental (OMS, 1946).

Esta obra procura, assim, resgatar a relação entre ambiente e saúde a partir de outra visão do desenvolvimento - a de desenvolvimento sustentável (conceito definido pela "Comissão Brundtland" em "Our Common Future" - WCED, 1987).

O primeiro capítulo introduz os principais temas expostos ao longo do trabalho e descreve, a partir de um modelo "causa-efeito", como se dão as complexas relações entre saúde e meio ambiente. Esta abordagem propõe cinco níveis de análise, que são também níveis de intervenção. O primeiro nível é constituído pelas forças motrizes atualmente vigentes no mundo e que exercem pressões (segundo nível) sobre o meio ambiente na forma de emissões de contaminantes, esgotamento dos recursos, mudanças do usos da terra e outras modificações. Estas pressões alteram a qualidade do meio ambiente, ou estado do meio ambiente (terceiro nível). A degradação da qualidade do meio pode, por sua vez, causar exposições nocivas para o homem (quarto nível), com possíveis efeitos para sua saúde (quinto e último nível).

As diferentes ameaças ambientais podem ser classificadas em "perigos tradicionais" (ligados a pobreza e a insuficiência de desenvolvimento) e "perigos modernos" (dependentes de um desenvolvimento insustentável). Os perigos ambientais podem produzir um amplo leque de efeitos sobre a saúde, que variarão de tipo, intensidade e magnitude segundo a classe de perigo, o nível de exposição e o número de pessoas afetadas.

A informação acerca da situação da saúde e do meio ambiente permitirá a construção de indicadores em cada fase da cadeia causa-efeito apresentada. A qualidade desta informação nas fontes oficiais nem sempre é boa, o que representa um obstáculo a ser superado por técnicas estatísticas e pela combinação de diversas fontes, de modo a obter-se melhor aproximação da realidade. Daí a importância do aperfeiçoamento dos processo de coleta de dados e a melhoria dos registros médicos.

No capítulo 2 são descritas as principais forças motrizes das tendências atuais da saúde e do meio ambiente, destacando-se a dinâmica populacional (crescimento, distribuição e mobilidade), a urbanização acelerada (principalmente nos países em desenvolvimento), a pobreza e a iniqüidade, os desenvolvimentos técnicos e científicos, as pautas de produção e consumo e o desenvolvimento econômico.

A iniqüidade é apontada como uma das maiores forças motrizes pelos efeitos que provoca na saúde e no meio ambiente. Desse modo, a redução da pobreza pelo desenvolvimento econômico torna-se fundamental para o desenvolvimento sustentável. Contudo, as forças motrizes econômicas atuais estão contribuindo para o aumento da iniqüidade, acarretando, com isso, o aumento da pressão sobre os recursos naturais, assim como da geração de resíduos perigosos e despejos domésticos. Agravam-se, desta forma, os conflitos entre os imperativos econômicos de uma indústria globalizadora e a necessidade de proteger a saúde e o meio ambiente da população.

O capítulo 3 procura mostrar a magnitude da pressão da atividade humana atual sobre o meio ambiente. De acordo com as informações disponíveis, existem muitos efeitos negativos do desenvolvimento sobre o meio ambiente e a saúde, cuja intensidade está aparentemente crescendo, ao menos em certas partes do mundo, e que chegam a afetar zonas cada vez mais extensas; em lugares onde não havia nenhum tipo de contaminação química, agora existe.

Nos países em desenvolvimento, dois terços da população não têm acesso aos sistema de saneamento, e o problema da desnutrição persiste, ainda que a produção de alimentos tenha crescido de forma substancial. A demanda cada vez maior por água potável, a produção de resíduos em quantidades crescentes e o uso insustentável de minerais e de outros recursos naturais de todo tipo continuam seu ritmo.

A indústria é um dos maiores consumidores dos recursos do planeta (matéria-prima e energia) e a responsável por grande parte da contaminação ambiental e seus efeitos na saúde, mas não é a única atividade a fazê-lo. O tremendo ataque sobre o meio ambiente possui origens diversas que vão desde as atividades desenvolvidas nas casas, no campo, nas industrias, até os processos de produção e utilização de energia. As conseqüências de todas essas pressões atuais e futuras sobre o meio ambiente são descritas nos capítulos seguintes.

O capitulo 4 faz uma análise da forma com que a má qualidade do meio ambiente pode trazer consigo maiores níveis de exposição e risco para a saúde humana, bem como a forma com que distintos ambientes degradados se associam a determinados efeitos nocivos à saúde.

No ambiente domiciliar, por exemplo, a contaminação do ar, no interior das casas, pela utilização de biomassa como combustível para aquecimento e cozimento dos alimentos é responsável por cerca de 2,8 milhões de mortes por infeções respiratórias agudas (IRA) ao ano.

A eliminação deficiente dos resíduos domésticos (incluindo as excretas), por sua vez, é responsável por grande parte das doenças infecciosas, tais como: diarréia, cólera, infeções intestinais por parasitas e febre tifóide.

Por outro lado, sabe-se que o acesso a serviços sustentáveis de abastecimento de água potável e saneamento permitiria a redução de 200 milhões de episódios diarréicos; 2,1 milhões de mortes por enfermidades diarréicas; 150 milhões de casos de esquistossomose e 75 milhões de casos de tracoma.

A aglomeração nas casas também facilita a transmissão de doenças como a tuberculose, a meningite, a gripe e o sarampo.

Contudo, é no local de trabalho que ocorre grande parte da exposição à contaminação do ar por substâncias tóxicas e partículas em suspensão, onde o risco de acidentes de trabalho e lesões são elevados. Os efeitos mais freqüentes destas exposições são o desenvolvimento de doenças respiratórias, câncer, problemas musculoesqueléticos e do aparelho reprodutivo, bem como de doenças cardiovasculares e doenças mentais e neurológicas.

As transformações do clima mundial igualmente têm efeitos diretos potenciais na saúde humana - o aquecimento e as variações drásticas de temperatura podem ser responsáveis por uma série de doenças - como as doenças coronarianas, cânceres de pele, alterações do sistema imunológico, difusão maior das doenças infecciosas (variação da distribuição e incidência de doenças infecciosas e das intoxicações por alimentos). A elevação do nível do mar, por sua vez, torna os problemas de inundações ainda mais freqüentes e, com elas, todos os riscos inerentes. Neste caso, recomenda-se a melhoria dos sistemas de vigilância de doenças, dos sistemas de controle de saúde ambiental e maior integração dos problemas de saúde pública ao planejamento econômico, que permitiria reduzir a vulnerabilidade social às mudanças do meio ambiente.

No capítulo 5 são analisados os problemas de saúde ambiental sob o enfoque global de "carga de doença", que cobre todas as categorias principais de doença e lesão, e o conceito de "años de vida ajustados en función de la discapacidad" (AVAD), baseado no trabalho de Murray & Lopez (1996)"The Global Burden of Disease: A Comprehensive Assessment of Mortality and Disability from Diseases, Injuries, and Risk Factors in 1990 and Projected to 2020".

Segundo esse trabalho, cada AVAD representa a perda de um ano de vida saudável (quer dizer, o tempo vivido com uma lesão ou tempo perdido por morte prematura). O número de AVAD de cada região proporciona, assim, uma imagem da distribuição relativa da carga de doença.

Concluiu-se, com as informações apresentadas, que a carga total de AVAD, associada aos fatores ambientais (fração ambiental), eqüivale a 23% da carga mundial de AVAD. O que demonstra a importância das medidas preventivas ambientais, que seriam as primeiras a serem tomadas. A fração ambiental é considerada como a fração da doença que poderia ter-se evitado mediante intervenções ambientais factíveis, anteriores à aplicação de intervenções de outro tipo.

A partir deste enfoque estima-se que 60% da carga mundial de IRA poderia ser evitada de forma sustentável se fossem introduzidas melhorias no meio ambiente para a eliminação das exposições a contaminação do ar em áreas internas nos países em desenvolvimento. No que diz respeito às doenças diarréicas, a fração ambiental chega a 90%.

As doenças que contribuem com maior número de AVAD ambientais (IRA, doenças diarréicas, malária e lesões não intencionais) são também as que mais afetam as crianças. O componente infantil do AVAD corresponde a 15% do total. Portanto, as medidas dirigidas a reduzir os AVAD ambientais melhorariam, em grande medida, a saúde das crianças.

Por fim, conclui-se que, para obter progressos na saúde futuramente, seria necessário um compromisso firme a favor do desenvolvimento sócio-econômico dos pobres que incorporasse melhorias do meio ambiente e grandes investimentos em abastecimento de água, saneamento e outras obras de infra-estrutura.

No capítulo 6 são analisadas as políticas, estratégias e ações integradas, assim como examinados os progressos desde a Conferência da Terra (Rio de Janeiro, 1992) até a HABITAT II (Istambul, 1996). Nestas reuniões declarou-se a importância dos problemas de saúde no programa geral de meio ambiente e desenvolvimento, além de que os temas ambientais também devem ser motivo de preocupação crescente nos programas de saúde pública.

Portanto, qualquer medida orientada à proteção da saúde deverá incorporar, por exemplo: ações sobre as forças motrizes através do desenvolvimento e execução de políticas; ações sobre as pressões mediante produção mais limpa e redução das emissões; ações sobre o estado do meio ambiente pela adoção de dispositivos de controle da contaminação; ações sobre as exposições do homem por intermédio de programas de educação e proteção pessoal; ações sobre os efeitos de saúde resultantes por meio da atenção sanitária aos doentes.

Em seguida são apresentados os novos marcos para o planejamento, destacando-se o papel da Agenda 21 segundo a qual é necessária a integração dos problemas de meio ambiente e desenvolvimento no processo de tomada de decisões. A Agenda 21 destaca a importância da participação das autoridades locais na defesa da sustentabilidade, de forma que as soluções devam basear-se na consideração dos recursos, costumes, instituições e valores locais. Nesse sentido torna-se preciso construir uma base de dados integrada no que concerne às exposições ambientais e saúde.

Por fim, é lembrado que a "Assembléia Mundial de Saúde", em 1995, exigiu nova avaliação da "Estratégia de saúde para Todos", de modo a contemplar as novas tendências mundiais (forças motrizes) que introduziram novas variáveis, tais como a internacionalização do comércio, das viagens e das tecnologias, a urbanização e o crescimento das megacidades, a ampliação da brecha entre ricos e pobres, a mudança de conceitos sobre a saúde, o aumento das doenças não transmissíveis e a proliferação de ameaças ambientais.

Um dos grandes méritos deste livro é a quantificação dos fenômenos que permite relacionar saúde e ambiente, servindo de ponto de partida para políticas de promoção da saúde, além de possibilitar futuras avaliações e identificar tendências. Constitui excelente referencial para posteriores pesquisas setoriais ou gerais relativas à saúde e ao ambiente, as quais interessam não só aos encarregados de elaborar políticas, como também aos líderes comunitários e pesquisadores das questões de saúde ambiental. Este trabalho provavelmente será capaz de interessar também a todo leitor, mesmo leigo, dada a riqueza de informações que contém, os exemplos concretos que apresenta e a linguagem simples e direta com que foi escrito.

 

Paulo Cesar Peiter
Departamento de Geografia
Instituto de Geociências
Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza
Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

MURRAY, C. J. L. & LOPEZ, A. D., 1996. The Global Burden of Disease: A Comprehensive Assessment of Mortality and Disability from Diseases, Injuries, and Risk Factors in 1990 and Projected to 2020. Cambridge: Harvard University Press.

WCED (World Commission on Environment and Development), 1987. Our Common Future: Report of the World Commission on Environment and Development. Oxford: Oxford University Press.

WHO ( World Health Organization), 1946. Constitution of the World Health Organization. Official Records of the World Health Organization, 2.

 

 

VIDAS AO LÉU: UMA ETNOGRAFIA DA EXCLUSÃO SOCIAL. Sarah Escorel. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. 276 pp.

ISBN: 85-85676-63-9

 

A exclusão social vem sendo pensada e discutida por alguns autores e, sobretudo, sentida por grandes segmentos populacionais. No cenário da chamada mundialização, atravessado pela ideologia neoliberal, vem se observando cada vez mais a concentração do poder, principalmente o de caráter econômico. Essa concentração se justifica e se reproduz a partir de um discurso que tenta defender a idéia de que os vencedores, ao contrário dos perdedores, são competentes. Aos perdedores, tanto países como segmentos sociais, a partir da influência da face perversa da globalização, só resta seguir a ordem imposta pelos vencedores.

Nesse cenário, como diz Bourdieu (1998), os pobres são vistos não só como imorais, alcoólatras e corrompidos; mas são apontados como estúpidos ou pouco inteligentes. Assim, não só a falta de condições de vida para que os pobres sobrevivam vem contribuindo para o sofrimento social, mas a imagem que fazem deles como pessoas fracassadas influencia na determinação de seus destinos, imobilizando-os e impedindo-os de uma superação.

A realidade brasileira é um significativo exemplo dessa situação. Sob o manto da extrema contradição, o Brasil, de um lado, é uma das maiores economias mundiais e, de outro, situa-se como um dos países com a pior distribuição de renda do mundo. O resultado desse paradoxo não se traduz apenas pela pobreza de alguns, mas pela miséria social que compromete a vida de um grande contingente populacional.

"Vidas ao Léu" é uma referência para se compreender essa miséria social, traduzida na existência de populações que vivem na rua. Sua autora, Sarah Escorel, traz uma vasta discussão sobre a categoria de análise exclusão social, fundamentada em um sólido quadro teórico-conceitual e em uma sensível apreensão de um campo empírico.

No pólo teórico, ela busca um amplo conjunto de referenciais, passando de forma mais ligeira em uns, só para situar a sua discussão, e de forma mais densa em outros, onde ancora seu posicionamento. Em sua proposta conceitual e metodológica para melhor aproximar-se de seu objeto de estudo, ressaltam-se as idéias de Hanna Arendt, em que são delineados os conceitos de labor, work e action. A partir desse referencial teórico-metodológico e com base na realidade brasileira, Sarah constrói a sua categoria exclusão social, entendida "não só pela extrema privação material mas, principalmente, porque essa mesma privação 'desqualifica' seu portador, no sentido de que lhe retira a qualidade de cidadão, de brasileiro (nacional), de sujeito e de ser humano, de portador de desejos, vontades e interesses legítimos que o identificam e diferenciam" (p. 81).

Metodologicamente, através da definição de moradores de rua, como campo de estudo, selecionados em bairros da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, a autora consegue fazer nexos com a realidade que vai além desse micro recorte. Os depoimentos, as entrevistas, a observação e os registros, em geral, forneceram diferentes corpos de análise, que se configuram no âmbito da discussão de cinco dimensões que constituem a vida social: econômica-ocupacional, sócio-familiar, da cidadania, das representações sociais e da vida humana.

Dentre as conclusões da autora, ressalta-se a idéia de que a população de rua, por viver a exclusão social, como um grupo "supérfluo e desnecessário", faz com que se constitua o "ser sem lugar no mundo". É preciso que observemos que esses seres não são apenas aqueles que se encontram desempregados e/ou desamparados pelos seus familiares. São também, como mostram os dados empíricos da autora, trabalhadores que, apesar de cumprirem árdua jornada de trabalho, não conseguem sobreviver frente à exploração e à desvalorização de sua força de trabalho.

O debate empreendido na obra em questão nos convida a nos instrumentalizarmos contra o movimento em que "quanto mais as trocas econômicas se globalizam e, portanto, se 'dessocializam', tanto mais se separam os dois componentes da modernidade, a atividade técnico-econômica e a consciência de si" (Touraine, 1998). Mas, na busca de uma união desses dois componentes, é importante que não caíamos em um intelectualismo estéril. É preciso colocarmos um olho na macro discussão social e outro na micro existência desses seres "sem lugar no mundo". É no encontro desses dois focos que conseguiremos caminhar em direção a políticas sociais mais comprometidas com a realidade social da qual, muitas vezes, nos afastamos. Nesse empreendimento, a obra de Sara Escorel poderá ser útil.

 

Romeu Gomes
Instituto Fernandes Figueira
Fundação Oswaldo Cruz

 

BOURDIEU, P., 1998.Contrafogos: Táticas para Enfrentar a Invasão Neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

TOURAINE, A., 1998. Igualdade e Diversidade: O Sujeito Democrático. Bauru: EDUSC.

 

 

EPIDEMIOLOGIA DEL CANCER: PRINCIPIOS Y METODOS. Isabel Santos Silva. Lyon: Agencia Internacional de Investigación sobre el Cáncer, Organización Mundial de la Salud, 1999. 471 pp.

ISBN: 92-83204-07-7

 

De forma distinta de outros textos que abordam a temática da Epidemiologia do Câncer, os quais usualmente se caracterizam por apresentar uma breve descrição da metodologia epidemiológica, aprofundando-se na especificidade da história natural da doença, fatores de risco e medidas de detecção e controle do câncer em suas distintas localizações, a Profa Isabel Santos Silva adota opção diversa em seu Epidemiología del Cáncer: Princípios y Métodos. Ao longo de suas 471 páginas, organizadas em 18 capítulos, apenas três (Capítulo 1 - Introducción a la Epidemiología del Cáncer; Capítulo 16 - Prevención del Cáncer; e Capítulo 17 - Papel de los Registros del Cáncer) estão destinados à abordagem de temas específicos da área. Todos os demais tratam da conceituação e aplicação do método epidemiológico, bem como dos fundamentos estatísticos de sua utilização através de diversos exemplos clássicos e contemporâneos da literatura clínico-epidemiológica do câncer.

Desta maneira, a obra ganha uma dimensão e abrangência muito superior àquela que o seu título poderia fazer supor, constituindo, na realidade, importante consolidação atualizada do estado da arte no desenho, execução e interpretação crítica da prática epidemiológica. Assim, sua esfera de interesse não se restringe à oncologia e áreas afins, podendo ser utilizada por estudantes, pesquisadores e profissionais de saúde em quaisquer áreas de atuação, que passam a dispor, desta forma, de valioso compêndio de conceitos básicos da análise epidemiológica e técnicas estatísticas contemporâneas de maior relevância para sua execução. Esta característica não o transforma em um texto superficial, permitindo ao leitor o contato com uma criteriosa revisão dos estudos sobre o câncer, bem como da literatura epidemiológica clássica, incluindo textos de Richard Doll, Brian McMahon, Olli Miettinen, entre outros. Todos os capítulos são acompanhados de sugestões de leituras complementares, apresentando-se a publicação ilustrada com exemplos de investigações epidemiológicas efetuadas em diversos países, incluindo - o que o converte em raridade - diversos estudos realizados em países do terceiro mundo, constatando assim a factibilidade de sua execução em condições heterogêneas de organização.

O texto tem início com uma análise histórica da epidemiologia do câncer (capítulo 1), na qual a autora aborda a evolução do conhecimento da área à luz da trajetória do desenvolvimento metodológico da abordagem epidemiológica. Desta maneira, o leitor é introduzido ao acervo de avanços no conhecimento etiológico da doença à medida que se foram tornando mais complexos os delineamentos de investigação até os nossos dias. O capítulo 2 dedica-se à apresentação das medidas de exposições e resultantes, introduzindo os conceitos de fontes de dados, validade, confiabilidade, sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo e negativo. No capítulo 3, são analisados os procedimentos voltados para a apresentação e descrição de dados quantitativos e qualitativos, com sugestões para seu processamento, edição e elaboração de tabelas e gráficos, assim como as normas de apresentação de dados resumidos.

O capítulo 4, voltado às medidas relacionadas ao surgimento das doenças e outros eventos relativos à saúde, apresenta as medidas de freqüência, definição do numerador e denominador em suas distintas modalidades, incluindo a conceituação de risco e taxa. São discutidas as definições de incidência cumulativa, densidade de incidência, razão de taxas, razão de riscos, razão de chances, métodos de padronização ou ajustamento de taxas e razão de mortalidade proporcional na ausência de denominadores adequados à realização de comparações.

O capítulo 5 oferece uma introdução dos diferentes delineamentos de estudos epidemiológicos com pesquisas observacionais e de intervenção, exemplificados através de estudos de coorte, caso-controle, transversais, ecológicos e ensaios clínicos, destacando suas diferenças metodológicas e o emprego de medidas pertinentes de associação, incluindo as medidas relativas e absolutas de efeito da exposição.

O capítulo 6 introduz o leitor na avaliação do papel jogado pelo acaso na avaliação dos resultados de estudos epidemiológicos, sendo apresentados o conceito de estimadores amostrais, teste de hipóteses, significância estatística, "p" valor e intervalo de confiança. Este capítulo é acompanhado de anexo em que se analisam as provas de significância estatística para as diferentes medidas epidemiológicas, incluindo os intervalos de confiança para razão e diferença de taxas e risco, razão de chances e teste qui-quadrado de tendência linear para proporções, taxas e razão de chances.

As especificidades dos delineamentos de investigações epidemiológicas são aprofundadas nos cinco capítulos seguintes. No capítulo 7 são analisados os estudos de intervenção desde sua classificação, definição de objetivos, aspectos éticos, definição da população e subgrupos de estudo com os respectivos critérios de inclusão. São também apresentados os métodos de aleatorização para escolha de participantes, desenhos experimentais selecionados - tais como fatorial e ensaios cruzados -, critérios de monitorização do cumprimento de normas e reações secundárias durante o experimento, bem como avaliação, análise e interpretação dos resultados.

O capítulo 8 discute a execução dos estudos de coortes, abrangendo a definição de objetivos, escolha e fontes da população de estudo, medidas de exposição e construção temporal das coortes de comparação (histórica e prospectiva). São analisados exemplos da ação potencial de variáveis de confusão, características do seguimento e análise de resultados, examinando-se o caso particular dos estudos caso-controle aninhados (nested case-control studies).

No capítulo 9, debatem-se as bases conceituais e de execução dos estudos caso-controle, analisando-se a formulação de hipóteses de estudo, definição e seleção de casos, bem como a determinação das fontes de casos e controles e dos critérios de sua inclusão e exclusão. São também examinados diversos conceitos relacionados ao processo de amostragem, pareamento, determinação da exposição e análise de dados a partir de diversos exemplos da literatura. Segue-se o capítulo 10, em que são discutidos os estudos transversais e sua implementação, aprofundando-se a apresentação dos métodos de amostragem (aleatória, sistemática, conglomerados) também à luz de exemplos da literatura de epidemiologia do câncer.

O capítulo 11, que enfoca os estudos baseados na análise de dados obtidos através de coletas de rotina, trata da análise epidemiológica descritiva. O papel dos fatores de risco individual, a construção de séries temporais, cruzamento de dados de registros (record linkage), estudos ecológicos e os conceitos de correlação e falácia ecológica são introduzidos. Dando continuidade à descrição de dados, o capítulo 12 destina-se à introdução da análise de sobrevida, onde são discutidos os pressupostos dos métodos atuarial e Kaplan-Meyer de construção das curvas de sobrevida, bem como os conceitos a eles subjacentes.

O capítulo 13 destina-se à interpretação dos estudos epidemiológicos a partir das relações estabelecidas entre as variáveis analisadas e o papel do pesquisador na identificação de possíveis relações causais. Assim, são introduzidos os conceitos de viéses de seleção, informação, erros diferenciais e não diferenciais de classificação e controle de confusão nas etapas de desenho (aleatorização, restrição e pareamento) e de análise dos dados (estratificação e modelagem estatística). Dada sua importância na análise epidemiológica, este último será objeto do capítulo 13, o qual aprofunda a discussão dos fenômenos de confusão e interação, exemplificando-se o emprego da razão de chances (odds ratio) de Mantel-Haenszel, razão de riscos, razão de taxas e de modelos multivariados (regressão logística e regressão de Poisson). O capítulo inclui anexo com a determinação de intervalos de confiança e testes estatísticos para medidas de efeito ajustadas.

No capítulo 15, dirigido à determinação do tamanho de estudo, são discutidos os conceitos de poder estatístico, determinação do tamanho amostral, estimação de riscos, taxas e proporções com os respectivos intervalos de confiança e conduta frente a recusas e perdas.

Os dois capítulos seguintes examinam tópicos de interesse na área da epidemiologia oncológica. O capítulo 16 aborda a prevenção do câncer, analisando os níveis de prevenção, medidas de impacto populacional, avaliação de medidas de prevenção nos distintos níveis e critérios de adequação para programas de detecção precoce do câncer. Contém ainda anexo com medidas absolutas de efeito da exposição e medidas de impacto em estudos caso-controle.

O capítulo 17 trata do papel dos registros de câncer, populacionais e hospitalares, ressaltando-o enquanto fonte de dados para a realização de estudos etiológicos e subsidiando a formulação de programas de controle da doença. Neste sentido, são discutidos os aspectos metodológicos implicados na qualidade das informações coletadas pelos registros nos países.

Finalmente, o capítulo 18 destina-se às questões relacionadas ao desenho, planificação e execução de estudos epidemiológicos. Nele são abordadas as etapas relacionadas à preparação de protocolo de pesquisa, organização logística do estudo, análise estatística, obtenção de amostras biológicas e controle da qualidade dos dados e procedimentos laboratoriais, além de incluir uma seleção de periódicos sugeridos para o acompanhamento do estado da arte na pesquisa internacional contemporânea em epidemiologia do câncer.

Pode-se assim observar que, além de apresentar uma rica coleção de exemplos da literatura da epidemiologia oncológica, o texto da Profa Silva transcende em muito o interesse por esta área específica. Neste sentido, constitui-se em uma valiosa opção para os interessados na moderna conceituação da metodologia epidemiológica contemporânea independentemente de seu objeto de estudo de interesse.

 

Sergio Koifman
Departamento de Epidemiologia
e Métodos Quantitativos em Saúde

Escola Nacional de Saúde Pública
Fundação Oswaldo Cruz

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br