DEBATE DEBATE

 

Ana Maria C. Aleksandrowicz 1


A extensão da impostura  

The extent of imposture

 

1 Departamento de Ciências Sociais, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.
Rua Leopoldo Bulhões 1480, 9o andar, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil. analeks@unisys.com.br
  Abstract This paper comments on Sokal and Bricmont's stance towards interdisciplinarity approaches between the human and natural sciences, as stated in their controversial book Impostures Intellectuelles (Fashionable Nonsense) (1999). It happens that interdisciplinarity is a subject of major importance to "new paradigms" in Public Health. First, the paper identifies different types of interaction between these "two cultures", such as transdisciplinary trends and the "Science Wars", and emphasizes their unproductive aspects. Second, it proposes a revaluation of pragmatism as a suitable way of including philosophical considerations in interdisciplinary Public Health research, exemplified by a correlation between the ideas of Henri Atlan (1991) and notions of risk theory (or model).
Key words Philosophy; Human Sciencies; Natural Sciences

 

Resumo A partir da crítica ao livro Imposturas Intelectuais (1999), de A. Sokal & J. Bricmont, enfoca-se o tema da interdisciplinaridade entre Ciências Humanas e Ciências Naturais, no que esta abordagem é imprescindível aos assim chamados "novos paradigmas" de Saúde Pública, sob dois aspectos: (a) distinguir as diversas possibilidades de interação entre as "Duas Culturas", dentre as quais ressaltam-se as ditas Transdisciplinaridades (incluindo-se aí as Teorias da Complexidade) e a usual demarcação acadêmica de fronteiras associada às Guerras das Ciências, assinalando-se os aspectos restritivos à melhor operacionalização do pensamento em cada uma destas vertentes; (b) revalorizar a dimensão pragmática de determinado enfoque filosófico quanto a questões de Fundamentos na pesquisa teórica em Saúde Pública, aqui exemplificado em termos de uma revisão aos conceitos de "possível" e "potencial" (Atlan, 1991) no modelo de risco.
Palavras-chave Filosofia; Ciências Humanas; Ciências Naturais

 

 

"Interpretar as interpretações dá mais trabalho do que interpretar a própria coisa, mas escrevemos mais livros sobre os livros do que sobre os próprios assuntos mesmos; comentamo-nos uns aos outros. Há excesso de comentadores, mas escassez de autores. A principal ciência do século consiste em entender os sábios; não está nisto o fim último de nossos estudos? Nossas opiniões sustentam-se mutuamente, uma serve de degrau à outra, e assim acontece que quem sobe mais alto e maior reputação adquire não tem em verdade grande mérito, pois não faz senão superar de um átimo o que vem logo abaixo" (Montaigne, 1972:483) (...) "um dos meus amigos, a lidar com um indivíduo desta espécie, se pôs, por passatempo, a recitar-lhe, em uma trapalhada de frases, citações sem nexo, embora entremeadas de palavras relativas ao problema; e assim se divertiu o dia inteiro com o tolo que tomara a coisa a sério e dava tratos às bolas para responder às objeções. No entanto, tal indivíduo era homem de letras, gozava de certa reputação e de boa posição social. (...) Quem olhar de perto esta espécie de gente, por toda parte encontradiça, achará como eu que, as mais das vezes, ela própria não se entende, como não entende os outros" (Montaigne, 1972:76).

 

 

O que são as "Imposturas Intelectuais"

 

Em 1996, uma revista cultural americana, a Social Text, publicou - em edição especial, destinada a refutar a crítica dirigida ao pós-modernismo e ao construtivismo social por cientistas renomados - um artigo intitulado Transgressing the boundaries: Toward a transformative hermeneutics of quantum gravity, de autoria de um físico da Universidade de Nova York, Alan Sokal (1996). Neste, Sokal propunha-se a defender uma forma extrema de relativismo cognitivo, culminando na afirmativa de que a realidade física (e não apenas nossas teorias sobre ela) é no fundo uma construção social e lingüística (Sokal, 1996). Logo após, Sokal revelou que o artigo era uma paródia, já que todos os argumentos desenvolvidos eram flagrantemente ilógicos e/ou absurdos, apenas ganhando aparência de coerência em virtude da habilidosa justaposição de citações - também desprovidas de sentido - de eminentes intelectuais franceses e americanos adeptos de extrapolações de mal digeridos conceitos da Matemática e Ciências Naturais para a Filosofia, Psicanálise e Ciências Sociais. O escândalo provocado foi assunto para matérias nas primeiras páginas de jornais importantes (como o New York Times, o Observer e o Le Monde), alcançando enorme repercussão nos meios acadêmicos. Assim estimulado, Sokal decidiu escrever um livro em que detalhou sua posição, agora, com outro físico da Universidade de Louvain, Jean Bricmont. Publicado primeiro na França em 1997 - e lançado recentemente no Brasil (Sokal & Bricmont, 1999) - Imposturas Intelectuais deixa atrás de si um rastro de apaixonados debates, em centenas de artigos na imprensa e na Internet.

Sokal e Bricmont não são claros no alcance e delimitações de seu propósito. Embora pretendam oferecer uma contribuição à critica "do evidentemente nebuloso 'Zeitgeist' que denominamos 'pós-modernismo'" (Sokal & Bricmont, 1999:18), eles evitam prudentemente aprofundar o significado do termo. Neste processo, ignoram alguns aspectos cruciais desta tendência, como, por exemplo, a ênfase na informação em íntima relação com a problematização do conhecimento e a secundarização das questões ontológicas face às gnoseológicas (Valle-Barbosa, 1990). Todavia, detêm-se, em todo um capítulo, sobre a Epistemologia da ciência, margeando e/ou banalizando discussões complexas.

A Filosofia da ciência é área bastante estrita, exigindo, para a adequada apreensão de seus conceitos, um entendimento peculiar, que vá além de certo esquema impingido à história recente da matéria e de sua atual situação. Dentro de tal visão esquemática, fala-se, por exemplo, tanto em "filosofia positivista ou pós-positivista da ciência" (debate que acompanha o do relativismo), mas de forma tal que só tem em comum com os especialistas do campo o fato de estes nunca utilizarem estes termos na acepção usual simplificada (Laudan, 1990).

Entretanto, Sokal & Bricmont confessam suas limitações nas assim chamadas Humanidades e, uma vez feitas as ressalvas necessárias, permitem-nos focar alguns aspectos de sua proposta que são de interesse para a Saúde Pública. Embora explicitem não acreditar que scholars de áreas não-científicas se vinculem sempre aos abusos que denunciam (Sokal & Bricmont, 1999), é óbvia a dificuldade desses autores para entender e aceitar a cooperação entre as "Duas Culturas" - termo que será explicado adiante -, que, a seu ver, estão mais afastadas mentalmente que nunca (Sokal & Bricmont, 1999). Em contraste, cada vez mais tem-se evidenciado para a Saúde Pública - assim como para outros espaços de confluências teoria-prática - quão imprescindível é o enfoque interdisciplinar, o qual, ao propiciar um conhecimento ampliado de dado universo de atuações, permite que sejam satisfeitas necessidades internas em múltiplos níveis, inclusive naqueles diretamente relacionados à reflexão e à formulação de novas hipóteses acerca da práxis desenvolvida (Nunes, 1994).

Para os "novos paradigmas" da Saúde Pública são atualmente viscerais os encaminhamentos propiciados a partir do debate de questões que abrangem postulações não só éticas, mas também filosóficas lato sensu. Estas situam-se no cerne mesmo das urgentíssimas redefinições necessárias de conceitos como qualidade de vida, autonomia do indivíduo, autodeterminação de grupos sociais, capacidades de escolha, decisão e exercício da vontade para operacionalizações em prevenção-promoção da Saúde (Carvalho, 1996). Muitas destas indagações encontram respaldo teórico em pesquisas de natureza essencialmente interdisciplinar quais as de auto-organização. O livro de Sokal & Bricmont não encontrou tanta receptividade só por exacerbar firulas acadêmicas em torno do pós-modernismo. Fala de uma desconfiança que, subjacente a práticas intelectuais equivocadas, compromete inclusive a credibilidade acerca da praticidade das questões de Fundamentos - em especial, daquelas apresentadas pelos representantes das Humanidades que buscam consonância com as Ciências Naturais - para as discussões em políticas públicas, aqui incluídas as de Saúde.

Quando Sokal & Bricmont enfatizam erros grosseiros em transposições interdisciplinares por parte de autores de Filosofia e Ciências Sociais, pretendendo ou não generalizar o alcance deste procedimento, lançam dúvidas a respeito da capacidade de eficácia de um tipo de pesquisa em Fundamentos. Neste sentido, recortamos posições críticas pertinentes no texto de Sokal & Bricmont (1999), como: as extrapolações inadequadas de terminologias e conceitos das Ciências Exatas e Naturais para contextos das Ciências Humanas (aqui incluída a utilização tendenciosa de jargões científicos); o relativismo epistêmico/cognitivo (oriundo da filosofia e da sociologia), especificamente a idéia de que a moderna ciência não é mais que um "mito", uma "narração", uma "construção social", entre muitos outros; a ostentação de erudição superficial por meio da manipulação de frases e sentenças - na verdade, carentes de sentido - com a finalidade de impressionar os leitores não-cientistas mediante um pretenso status de credibilidade baseado na comprovação científica.

Seria conseqüência desta atitude a "confusão intelectual" - termo utilizadíssimo por Sokal & Bricmont - na inter-relação entre disciplinas, levando os autores das ciências humanas a saírem lesados deste embate, em virtude de sua confissão tácita de incapacidade no sentido de propor soluções com consistência teórica e/ou objetividade operacional para os dilemas que esmiuçam.

Em intermezzos entre os capítulos nos quais assinalam tais falhas em obras de Lacan, Kristeva, Iriday, Latour, Baudrillard, Deleuze, Guattari e Virilio, dentre outros, Sokal & Bricmont vão delineando suas próprias sugestões de compreensão ao panorama que consideram de imposturas generalizadas; no Epílogo, assinalam seus três principais efeitos negativos: desperdício de tempo nas Ciências Humanas, favorecimento ao obscurantismo e enfraquecimento político (da esquerda) (Sokal & Bricmont, 1999), citando, a propósito, exemplos bem escolhidos de infrutíferas discussões pseudo-pós-modernistas em palestras a respeito de assuntos internacionais e de questões estratégicas em países pobres (Sokal & Bricmont, 1999).

Estes trechos receberam ressalvas particularmente mordazes (Sturrock, 1998; Mellor, 1999), tendo sido considerados (adequadamente) pouco consistentes e desatualizados. Mas, como é comum neste tipo de confronto, nada foi contraposto por parte dos contestadores das Ciências Humanas, sem dúvida melhor gabaritados para análises destes temas, o que lhes enfraquece a réplica e sustenta a argumentação de Sokal.

O desmascaramento pretendido por Sokal & Bricmont não é importante pelos alvos que escolhem ou pelo cunho sensacionalista de que possa ou não estar investido, mas sim por desafiar-nos a uma resposta significativa, patenteando inadequações em um movimento irreversível da Cultura, como o da pesquisa interdisciplinar. Aqui procuraremos formulá-la, destacando, como eixos para discussão, a situação atual de lutas e alianças entre disciplinas pelo Poder Intelectual e a necessária recuperação da dimensão pragmática no discurso das Humanidades - suas especificidades preservadas - em sintonia (e não mescla inoperante) com o discurso científico.

 

 

As Duas Culturas, as transdisciplinaridades e as Guerras das Ciências

 

O termo "Duas Culturas" foi consagrado a partir de sua utilização na famosa conferência "As Duas Culturas e a Revolução Científica", de 1963, em que o físico e romancista C. P. Snow compara a freqüente ignorância das pessoas cultas (referindo-se aqui à acepção tradicional de cultura, ou seja, em Ciências Humanas) acerca de conhecimentos básicos em Ciências Naturais. Snow (1993) relata o quão natural lhes parecia ignorar a Segunda Lei da Termodinâmica, assinalando, entretanto, que esta seria o equivalente científico, por exemplo, à leitura de uma obra de Shakespeare. O episódio é citado por Sokal & Bricmont (1999), os quais acrescentam que a interdisciplinaridade, atualmente em voga, parece-lhes proveitosa para as diversas áreas de pensamento envolvidas; portanto, em aparente contradição com outras afirmações suas a respeito (Sokal & Bricmont, 1999). O equívoco se esclarece quando Sokal & Bricmont estabelecem as regras para tal parceria frutífera, das quais a mais importante, quando esta iniciativa parte das Ciências Humanas (conforme a tônica do livro), seria o estudo adequado das teorias científicas relevantes, a serem comparadas com hipóteses das Ciências Humanas em nível profundo o bastante para escapar ao plano insuficiente da vulgarização (Sokal & Bricmont, 1999). Por mais que os autores tentem evitar, não se pode deixar de sentir um certo "didatismo" das Ciências Naturais no que se refere aos procedimentos interdisciplinares a serem adotados pelas Ciências Humanas, sem preocupação equivalente daquelas em relação a estas.

Neste mesmo trecho criticam o termo "Guerra das Ciências", que lhes parece infeliz e diretamente relacionado ao fato de que "pesquisadores no campo das ciências sociais podem legitimamente se sentir ameaçados pela idéia de que a neurofisiologia e a sociobiologia irão substituir suas disciplinas" (Sokal & Bricmont, 1999:203). Tentando estabelecer um paralelismo com as "ameaças" por parte das Humanidades que poderiam afetar a Ciência, citam, a seguir, a astrologia como ensaiando estar em "pé de igualdade" com a Astronomia. A ser levada a sério esta afirmação, Sokal & Bricmont atestam absoluta ignorância em termos do que são as Ciências Humanas, ao menos em termos acadêmicos tradicionais, parecendo evidenciar uma inversão completa da situação conforme apresentada por Snow em relação às Duas Culturas.

A atitude de Sokal & Bricmont nos é útil por ser paradigmática de uma diferença marcante - na qual nos deteremos - quanto ao entendimento das relações interdisciplinares, conforme estas sejam apresentadas por cientistas ou pesquisadores das áreas humanas em termos de sua própria constituição enquanto alianças ou embates.

Entre os cientistas - a partir, naturalmente, de certo nível de envolvimento em pesquisas de Fundamentos -, sempre foi bastante freqüente o interesse e o respeito face à possibilidade de diálogo com as Humanidades, mesmo porque se tratava de pessoas cultas lato sensu. Heisenberg (1990), por exemplo, hesitou longamente entre a música e a física, sendo bem dotado para ambas. Pode-se mesmo falar de uma tradição de tentativas de aproximar as descobertas em Física - em particular, desde a Mecânica Quântica - de um seu aproveitamento indireto nos campos do social. Cientistas definiam-se politicamente, na época das duas grandes guerras, tornando públicas as prováveis conseqüências catastróficas oriundas do mau uso da energia nuclear. Propugnavam pela cooperação entre os conhecimentos oriundos da Filosofia natural, da Ética, Sociologia e Antropologia, que, conjugados, levariam à superação de preconceitos culturais por via do reconhecimento de uma riqueza intrínseca à realidade (meta)física, compartilhada por todos os povos, que se sobreporia a qualquer barreira mental discriminatória (Bohr, 1995). Isto porque "(...) a ciência, que não conhece fronteiras nacionais e cujas realizações são um patrimônio comum da humanidade, tem unido os homens, em todas as eras (...)" (Bohr, 1995:105). Ao que Heisenberg acrescenta: "A física moderna (...) faz nascer a esperança de que, no estado final de unificação, numerosas tradições culturais possam viver lado a lado e combinar diferentes atividades humanas numa nova espécie de equilíbrio entre o pensamento e a ação, entre a atuação e a meditação" (Heisenberg, 1990:71).

Ingênuas que pareçam estas intenções, alcunháveis de canhestras em sua formulação filosófica ou política, elas marcam um estilo que se tem mantido inalterado - e prestigiado - ao longo do século. A Física mantém-se fiel a uma nunca abandonada parceria com a Filosofia. A natureza redescoberta enquanto physis auxilia a compreender a complexidade das questões com as quais se confrontam as ciências da sociedade na "nova aliança" re-afirmada desde sempre e re-interpretada por Prigogine & Stengers (1991). Embora este termo - tão em voga em determinado momento (veja-se o título da obra seminal de Newton, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural com 1a edição em 1687) - tenha caído em desuso, físicos propõem sistematicamente uma nova Filosofia da Natureza harmonizada com as consideráveis realizações da ciência moderna (Nicolescu, 1983). Quando se pronunciam, fazem-no em tom de confiança absoluta, na medida em que a Física se instrumentaliza, junto às Matemáticas, na esfera das Essências Perenes. Omnés, também físico, em Filosofia da Ciência Contemporânea (1995), declara que "os princípios da ciência estarão um dia tão próximos do coração e das entranhas das coisas que se tornará possível remodelar por eles a filosofia" (Omnés, 1995:9), fazendo assim "soar o contínuo de um canto de esperança" (Omnés, 1995:299).

Seguindo o deslocamento da Física para a Biologia como eixo do saber científico predominante que assegura realidades, Eccles (neurocientista) justapõe suas idéias às de Popper em cooperação interdisciplinar, na qual, respeitadas certas diferenças de enfoque, defendem a mesma tese de interação psicofísica (Popper & Ecles, 1995). De Duve (1998), bioquímico, mantém a tônica otimista. Acompanhando o desenvolver da vida na Terra - para ele, segundo imperativo cósmico -, dá ao universo um sentido, o de "refletir sobre si mesmo, descobrir a própria estrutura e apreender entidades imanentes como a verdade, a beleza, o bem e o amor" (De Duve, 1998:394).

É, em geral, sob a égide conjunta dessas disciplinas - Física, Filosofia e algumas vertentes da Biologia - que se processam os chamados movimentos transdisciplinares, orientação paralela à interdisciplinar que, ao diálogo entre as duas culturas, pretende aliar uma dimensão específica de sua universalidade e uma assumida vocação ética (Random, 1996). Embora se procure aqui uma valoração eqüitativa de todos os saberes, em razão desta mesma qualidade democrática, a transdisciplinaridade tende à ampla aceitação de teorias ainda em fase experimental ou altamente questionáveis segundo os padrões convencionais - como o neo-vitalismo -, o que dificulta sua inserção nos quadros acadêmicos.

O mesmo tipo de indefinição arranha os objetivos e o embasamento epistemológico da Complexidade (também uma aliança do tipo transdisciplinar), que seria, antes de tudo, um "modo complexo de pensar (que) propor-se-ia a ultrapassar a visão disjuntiva pertinente às ciências tal como estão tradicionalmente constituídas" (Castiel, 1994:33). A idéia de complexidade teria reaparecido marginalmente a partir da cibernética e da teoria da informação, que teriam retomado a intuição, neste sentido, de Bachelard (Morin, 1996). Daí, seu campo de abrangência passou a incluir praticamente todas as disciplinas (inclusive as vertentes reflexivas de Economia e Direito), pois, na medida em que a complexidade se torna o conceito central, os discursos científicos, antropológicos e artísticos podem articular infinitas relações complexas (Deschamps, 1991).

As alianças transdisciplinares não oferecem ameaça dado seu limitado espectro de atuação e sua não interferência em áreas de prestígio que possam implicar investimentos de recursos e direcionamento de pesquisas. Tendo, conforme foi descrito, sua sustentação teórica nas Ciências - não obstante professarem intenções generosas de contribuições ao social/político - fazem-no apenas em termos educativos lato sensu. Retiram-se assim da Guerra das Ciências, não sendo de admirar que Sokal & Bricmont tenham deixado de fazer referência a quaisquer de seus expoentes em Imposturas Intelectuais.

Esta contenda mantém-se acesa onde se procura preservar maior especificidade - donde, a princípio, condição de intervenção efetiva na realidade - entre os saberes. Os especialistas que Sokal & Bricmont citam filiam-se a propósitos renovadores dentro de suas próprias disciplinas: Lacan, na Psicanálise; Latour, na Sociologia da Ciência; Baudrillard, na Semiologia etc. Não encampam projetos transdisciplinares. Não se propõem o trabalho de equipe - obrigatório nessas vertentes - que, ao sujeitar-se à imprecisão do alcance, resguarda-se do erro grosseiro. Em lugar disso, utilizam abusivamente termos e linhas de raciocínio das áreas científicas como se o fizessem. Esquecem-se do postulado fundamental da interdisciplinaridade que dispõe que "(...) o novo espírito epistemológico incita à multiplicação dos olhares científicos e ao seu controle cruzado" (Araújo-Jorge, 1994:290). Com esta atitude - utilizando ou não um pretenso "relativismo epistêmico/cognitivo" para se justificar - deixam a nítida impressão de (ab)uso do inegável prestígio atual do discurso científico, permitindo a inferência de seu próprio descrédito em relação à condição de repercussão semelhante de um discurso específico das Humanidades.

A "Guerra das Ciências" - ou seja, pela autoridade entre os saberes científico e das Humanidades -, da qual o texto de Sokal & Bricmont seria mais uma escaramuça (Fujimura, 1998; Mellor, 1999), pode ser remontada a estas mesmas Humanidades, desde as eternas dissensões franceses-ingleses, às quais, mais adequadamente, as diatribes de Sokal e Bricmont são aplicáveis. O discurso das Ciências sempre primou pelo cunho universalista. Ao invés, desde a definição dos próprios termos "cultura" e "civilização", franceses, ingleses e alemães discordam em termos de auto-imagens nacionais (Elias, 1990). E mantêm um cetro de soberania entre si enquanto nesta disputa, já que não lhes interessa a contribuição das nações fora de suas periferias de influência (Toynbee, 1981). Ao encamparmos uma veemência "pró" ou "contra" Sokal & Bricmont versus franceses, ao renunciarmos a um caráter nosso da apreciação eqüidistante, oriunda do simples fato de sermos outra cultura, identificamo-nos com o jogo desta supremacia. E com os estertores de suas recentes manifestações de fazer face, por si só, aos desafios propostos às Humanidades neste final de século.

Entregues a si mesmas, as Humanidades mais não têm feito que constatar uma falência progressiva de valores e possibilidades de atuação. Ao mesmo tempo que exigem a exclusividade de análise no que diga respeito à intervenção no social, detêm-se no clima da década de 80, quando Lasch (1986) já aponta para uma "mentalidade de sobrevivência", em que, face às condições sempre mais árduas de contato com a realidade, prefere-se uma "apatia apocalíptica" (já que a crise da sociedade do século XX não apresenta solução coletiva ou política). Castoriadis, em 1996, acentua esta "escalada da insignificância", caracterizada por um "conformismo generalizado". Em artigos recentes, Kurz (1997, 1998, 1999) resume a situação em uma série de locuções adjetivas, subordinando substantivos imponentes a conceitos que a estes deveriam ser acessórios (A Expropriação do Tempo; A Expansão do Caos; A Estetização da Crise). Lúcido e pertinente, este tipo de discurso pouco tem a oferecer ao indivíduo/grupo social padrão, senão uma desesperançada e dúbia "conscientização" - pois por via racional exclusiva -, donde poder dar-se ao luxo de redigir na linguagem um tanto esotérica dos especialistas, para cuja leitura é prioritariamente direcionado.

Em contrapartida, os cientistas e tecnocratas - ressalvas feitas à distinção radical entre eles - enunciam suas promessas dentro de uma ideologia que associa bem-estar e superação do sofrimento à felicidade, e que encontra, na retórica atual das Ciências, em um final de século de absoluta exaustão psíquica, social, moral, um aliado poderoso no entusiasmo e clareza expressiva que caracterizam seu estilo. Diga-se o que quiser de Sokal & Bricmont, mas na associação que fazem entre a necessidade da existência de evidência científica, a importância dos fatos e sua relação implícita com os (esquecidos) grandes projetos de transformação política (Sokal & Bricmont, 1999), transpira alguma remotamente "engajada e legítima" preocupação com o social. Seu tom veemente, apaixonado e participativo remete a um esquecido idealismo (corresponda isto, ou não, a uma postura íntima por parte dos autores), refrescante principalmente - embora não apenas - para o público semi-leigo - aquele que procura informação coerente e lazer com pitadas de auto-ajuda em doses quase equivalentes.

Na matéria da revista Veja "Superinteressante: autores de divulgação científica ameaçam tomar o espaço dos intelectuais na cultura" (Graieb, 1999), estes pontos são ressaltados. Cita-se, neste artigo, como expressivo desta tendência, o tipo de divulgação científica feito pelo agente cultural John Brockman. Em seu livro The Third Culture, Brockman (1996) defende a tese de que os cientistas que representa em contraste com "intelectuais do velho estilo" estão conscientes de "estar modelando os pensamentos de sua geração" (Brockman, 1996:18-19). Aproveita, a seu modo, a queixa do historiador cultural Jacoby (1987, apud Brockman, 1996) de que a geração de pensadores atuantes na dimensão pública teria sido substituída por acadêmicos anêmicos, para justificar sua opinião de que um "intelectual é um sintetizador, um publicista, um comunicador" (Brockman, 1996:19). E define a "Terceira Cultura" - da qual é articulador - como consistindo "naqueles cientistas e outros pensadores no mundo empírico que, através de seu trabalho e exposições escritas, estão tomando o lugar da intelectualidade tradicional, tornando visível os significados profundos de nossas vidas, redefinindo quem e o que nós somos" (Brockman, 1996:17).

Naturalmente, o que está em questão é a promessa de uma eficácia explicitada de forma compromissada para com o indivíduo/grupo social. Na qual, os cientistas de ponta crêem, com base em dados empíricos, em seus laboratórios. Na qual, adeptos da transdisciplinaridades crêem, confiantes em, com o tempo, darem sustentação científica lato sensu às suas intenções éticas para intervenções significativas no mundo. A qual os pesquisadores das áreas humanas, academicamente bem renomados, repudiam, renunciando a um salto qualitativo em seus próprios esquemas mentais que pudesse levá-los à contribuição significativa que lhes é pedida por seus colegas cientistas e exigida pela sociedade. Desta forma, tanto a "aliança" superficial das transdisciplinaridades quanto a "guerra" das ciências naturais "triunfantes" versus ciências humanas "amarguradas" resolvem-se em uma derrota comum da Inteligência Humana. Com a entrega correspondente do que seria sua Potência aos mesmos mecanismos poderosos alienantes, na batalha contra os quais só sua Força conjunta teria chance de efetiva vitória.

 

 

A filosofia que deve dizer (em compasso de ação) do possível

 

Uma das falhas estruturais do livro de Sokal & Bricmont - em sua camaleônica crítica ao pós-modernismo - diz respeito ao tópico justamente em que eles não se detêm, que estaria na origem da "confusão intelectual" assinalada: a adjetivação constante das problemáticas, a exclusão da discussão de questões substantivas (confundidas com as "grandes narrativas", que não teriam mais lugar em nosso mundo de significações fragmentárias e multifacetadas), com freqüência assimiladas a entendimentos ontológicos e metafísicos e a juízos ético/morais estanques, predeterminados, de uma forma ou de outra, em função de valores estáticos e concepções abstratas inoperantes. À luz de nossa compreensão, pois, o equívoco fundamental da maioria dos autores criticados por Sokal & Bricmont (e, neste sentido, cometeram algumas injustiças, nas quais não nos deteremos) estaria na falta de ter algo substantivo a dizer (ao menos nos textos escolhidos), o que os teria impulsionado a extrapolações de molde adjetivo para encobri-lo, donde seu estilo pesado, artificial e fátuo.

Em sua formação acadêmica contemporânea, o filósofo é cada vez mais estimulado a, para legitimar suas idéias, relacioná-las de alguma maneira às diversas Teorias do Conhecimento e/ou critérios epistemológicos. Da mesma forma, a Literatura deve pedir avais a exigências de modismos lingüísticos e à Teoria Literária e assim por diante. O que a princípio era de interesse das Ciências Naturais, para caracterizar certo discurso como científico - donde a importância do Círculo de Viena -, impôs-se progressivamente às Humanidades, sufocando-lhes a primeira especificidade essencial: a do vigor da inspiração criativa.

Needleman (1983), em O Coração da Filosofia, comenta como, ao escolher o curso de Filosofia, estava interessado nas grandes questões como o Ser, a Realidade, o Sentido da Vida, e de que modo, gradualmente, foi sendo afastado - assim como seus colegas - do que o impulsionara pelas exigências menores de classificação e metodologias de ensino (que, embora em si tenham o objetivo oposto, por sua aplicação inadequada arriscam-se a ser experienciados como domesticações do pensar). Em trecho exemplar, Freud escreve a Lou-Andreas Salomé: "Para a minha velhice, escolhi o tema da morte. Defrontei-me com uma noção notável baseada em minha teoria dos instintos e agora preciso ler todo o tipo de coisa a ela pertinente, como por exemplo, Schopenhauer, pela primeira vez. Mas não gosto de ler" (Freud & Salomé, 1975:133). Tratava-se naturalmente da elaboração da pulsão de morte. Mas esse tipo de ímpeto que primeiro contata com uma Idéia - ou permite que ela surja de dado contexto auto-organizacional (para utilizarmos formulação mais atual) - e só depois busque sua validação no enquadre conceitual/metodológico vigente em dado momento/espaço é descategorizado a priori no "treino universitário". É neste sentido que Feyerabend "(...) ridicularizava a noção de propriedade intelectual e os padrões que obrigam o autor a referir o mais minúsculo e insignificante fato intelectual à sua fonte" (Feyerabend, 1998:188), devendo-se, ainda, registrar, de passagem, que, em sua apressada e superficialíssima crítica de Feyerabend, Sokal & Bricmont negligenciam a assumida posição deste contra a pretensão farfalhante do discurso intelectualesco vazio, exortando a que seja mantida distância de "ofuscadores como Derrida" (Feyerabend, 1998:196).

A conseqüência disto que nos interessa pinçar para nosso comentário é a separação entre o Pensar e a Ação - interna, em primeiro lugar - a que esta mediação da necessidade de inserção em esquemas adjetivos obriga. Nos processos de elaboração interna, enfraquece-se o peso significativo da volição, instância que carreia em si o entusiasmo indispensável para forjar a ponte entre esta Ação interna e sua expressão externa no mundo. Cabe-nos aqui explicitar certa leitura do pragmatismo, que nos parece adequada ao entendimento de como se daria a dinâmica proposta.

Costuma-se entender mal o que seja pragmatismo, confundindo-o com o utilitarismo ou com a justificação teórica que é fornecida a estratégias de ação que se qualificam arbitrariamente como pragmáticas. Por pragmatismo entendemos aqui a orientação do pensar cuja tese principal é a de que toda verdade corresponde a uma regra de ação, a uma norma para a conduta futura, em que residiria o seu significado, entendendo-se por "ação" e "conduta futura" toda a espécie ou forma de atividade, quer seja cognitiva quer emotiva (Abbagnano, 1970:8). Nada tem a ver evidentemente com o materialismo, tendo sido, inclusive, enxertado no tronco da filosofia tradicional e utilizado para defesa do espiritualismo por William James, um de seus principais expoentes (Abbagnano, 1970). Pode também ser considerado "filosofia prática", que enfatiza o interesse na ação, não sendo classificável como "empírica" ou "a priori", "realista" ou "idealista" (Russell, 1967). Escusado é dizer que não se enquadraria em nenhum dos campos nos debates positivismo versus relativismo. Dentro da multiplicidade de colorações de idéias dos autores dito pragmáticos, preferimos aqui privilegiar o que podemos chamar de "pragmatismo fraco": reconhece-se não estar em discussão a condição de se atingir uma Verdade absoluta, deliberadamente escolhem-se as crenças que seriam mais úteis para uma ação em dado contexto, em um universo pluralista ("multi-verso", segundo James) e atribui-se à vontade de viver o móvel propulsor do filosofar, na medida em que a ela submetem-se todas as lógicas.

Quando se repete a suspeita - comum em áreas de planejamento e administração pública - dos "produtos da atividade intelectual serem pouco efetivos no sentido de propiciar mudanças na sociedade em que (se) vive" (Castiel, 1999:2) cabe, antes de tudo, lembrar que esta é dúvida recente - não é provável que alguém questione a influência das idéias nas grandes revoluções do passado, da Francesa à Soviética - e indagar a que tipo de idéias nos estamos referindo. Não me parece que discussões eruditas sobre a justificação ou não - epistemológica? ontológica? lógica? cognitiva? - desta ou daquela hipótese de entendimento, assim como a constante asseveração de que as "forças ocultas" - políticas? astrais? - impedem qualquer alternativa de mudança, auxiliem a influência do Pensar - como fluxo e refluxo de Ação interna/externa - em transformações sociais, presumindo-se, é claro, que estas ainda sejam viáveis (pois, se não forem, para que escrever a respeito?).

Paquot (1999) descreve o quanto, atualmente, as utopias - aqui entendidas como as narrativas que corrigem os mecanismos sociais que regem as relações entre os indivíduos e a coletividade (Paquot, 1999) - não são mais sequer analisadas, sendo simples e radicalmente ridicularizadas. Embora tenham como ponto fraco a ausência de embasamento filosófico adequado, remetem a uma proposta interna corajosa, a de sair de um mundo codificado, indiferente e cínico "para aceitar perder o que temos e conquistar o que ignoramos (...)" (Paquot, 1999: 100). Para este autor, duas cenas podem ser entrevistas: a primeira, constata que o sistema global permite-nos parcos recursos de ação sobre nosso destino. A segunda, "tem raízes (...) na vontade de permanecer livre, de, teimosamente, viver e localiza-se nos indivíduos e grupos sociais que se recusam aos diferentes tipos de massificação e que (...) se religam, mais uma vez, às iniciativas críticas e positivas que os utopistas valorizavam." (naturalmente não se trata de "ressuscitar" as utopias!) Este tipo de projeto "opta pela política do possível, assume sua necessidade de reconhecimento, demonstra a seriedade de suas análises" (Paquot, 1999:106).

Henri Atlan é um exemplo de pesquisador que afirma seu compromisso com questões substantivas, não se isentando entretanto da justificativa epistemológica e das interconexões conceituais interdisciplinares que seu envolvimento teórico com o referencial da auto-organização lhe exigem. É a sua condição de aprofundamento em determinados tópicos do Pensar filosófico, dos quais escolhemos aqui a problematização do "possível", que o distingue também no campo das Humanidades. Ele se situa no espaço exigente e raro em que se dialoga com as diversas disciplinas sem perda de rigor formal e sem diluir, em meio a esta dinâmica, a precisão do enfoque, imprescindível para que as discussões em Fundamentos possam ser operacionalizadas. Desta forma recupera a sintonia interdisciplinar, segundo a perspectiva pela qual esta se faz fundamental nas reflexões em políticas públicas.

Atlan (1994) explicita que pretende propor "uma atitude pragmática" (Atlan, 1994:127), o que veremos concretizar-se, por exemplo, quando, ao defender a consideração de todos os possíveis face a cada situação de escolha, o faz baseado em "(a)ceitar o jogo de diversos sistemas interpretativos diferentes, científicos, mitológicos, artísticos, tendo o cuidado de não misturar as regras" (Atlan, 1994:233), e "(...) aceitando a pretensão de cada uma (das perspectivas) ao monopólio como uma regra do jogo, necessária ao desenvolvimento das partes" (Atlan, 1994:21). Todo o seu pensamento (no qual não nos deteremos aqui) filia-se a manter um conflito pulsante e produtivo entre as instâncias das possibilidades - com base, em termos de parceria interdisciplinar, na teoria do erro organizacional que ele aplica aos sistemas vivos (Atlan, 1992) - indo ao encontro do que Paquot (1999) considera indispensável para romper a situação social atual de conformismo: uma retomada do conflito, no sentido em que uma sociedade igualitária necessita tanto dele quanto do acordo.

O grande diferencial da tese atlaniana é que, para ele, tal contenda tem uma clara e exclusiva dimensão pragmática, pois, através dela, remete a ser respeitado um princípio substantivo, o da Liberdade, que, de outra forma, não encontraria condições de expressão mental/material. É "regra das regras: não acreditar (numa ética e estética absolutas, pois se cairia na ideologia) (...) enquanto conteúdo do saber, sem excluir, no entanto, o otimismo na eficácia de sua prática" (Atlan, 1994:308). Pois, a partir de decisões dentro das dimensões do possível, "(a)inda que eivada de erros, de ilusões e de saberes imperfeitos, esta liberdade pragmática não deixa de ser menos real. Por um lado ela é eficiente e, por outro, pode instituir, pelo próprio fato de ter consciência de suas falhas, um horizonte de 'liberdade verdadeira', daquela que seria coincidente, no infinito, com um conhecimento total" (Atlan, 1991:212).

Concluímos, exemplificando brevemente a aplicabilidade de uma questão discutida nestes termos para a Saúde Pública. No caso, a revisão do constructo Possibilidade, enquanto servindo a uma discussão de Fundamentos. Conforme Atlan (1991), estreitou-se o entendimento de "possível" ao reduzi-lo, operacionalmente, a "potencial". É com este e não com aquele conceito que a Saúde Pública trabalha, em especial nos modelos de risco, em que a idéia de "potencial" de risco - em cima da qual todas as estratégias de prevenção e promoção de Saúde são montadas - se ressente de tal estreitamento, o que é comprovável em termos de sua baixa eficácia (Castiel, 1999). Não fazemos mais que esposar a postura pragmática ao afirmar que, onde uma ação no mundo se exprime de forma inadequada, inadequados também são os fundamentos da verdade-relativa que a justificam. Impõe-se, pois, a reconceituação de "possível", sua re-inserção pragmática na teoria-prática de Saúde Pública, levando melhor em conta as infinitas variações em termos de erros e acertos nos processos do adoecer. Para tal, devemos deixar-nos guiar pelo entusiasmo da pesquisa destas vertentes inovadoras, recusando-nos a estagnar nos parâmetros já estabelecidos e restituindo ao Pensar filosófico sua dimensão de Criação concreta.

 

 

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