NOTA RESEARCH NOTE
Franz Reis Novak 1 | Qual seria a fonte de fungos miceliais encontrados em leite humano ordenhado?
What is the source of mycelial fungi in expressed human milk? |
1 Banco de Leite Humano, Departamento de Assistência, Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Rui Barbosa 716, Rio de Janeiro, RJ 22250-020, Brasil. | Abstract The authors characterized the genera of mycelial fungi found in samples of expressed human milk received through home collection by the Human Milk Bank of the Instituto Fernandes Figueira in Rio de Janeiro. A total of 821 samples of expressed human milk were taken randomly from bottles collected at home by the milk donors themselves and were investigated for molds, yeasts, and mesophilic microorganisms. The analyses showed the occurrence of molds and yeasts in 43 (5.2%) of the samples, with counts reaching 103CFU/ml. Some 48 strains of mycelial fungi were identified by standard laboratory techniques, including: Aspergillus Niger group (6.3%), Aspergillus sp. (4.2%), Paecilomyces sp. (12.6%), Penicillium sp. (60.4%), Rhizopus sp. (2.0%), and Syncephalastrum sp. (14.5%). The authors discuss the importance of donor hands' asepsis prior to collecting human milk.
Resumo Caracterizou-se os gêneros de fungos miceliais encontrados em amostras de leite humano ordenhado, recebidas a partir de coleta domiciliar, pelo Banco de Leite Humano do Instituto Fernandes Figueira. Foram analisadas 821 amostras de leite humano ordenhado, obtidas ao acaso, a partir de frascos coletados nos domicílios pelas próprias doadoras, e realizadas pesquisas de bolores e leveduras e microrganismos mesófilos. As análises revelaram a ocorrência de bolores e leveduras em 43 (5,2%) das amostras, com contagens atingindo a ordem de 103UFC/ml, tendo sido isoladas 48 cepas de fungos miceliais, que foram identificadas por técnicas padrão de laboratório, como as seguintes: Aspergillus Grupo Niger (6,3%), Aspergillus sp. (4,2%), Paecilomyces sp. (12,6%), Penicillium sp. (60,4%), Rhizopus sp. (2,0%) e Syncephalastrum sp. (14,5%). Discute-se a importância do controle da assepsia das mãos das doadoras, antes da coleta do leite humano. |
Introdução
Banco de Leite Humano (BLH) é um centro especializado responsável pela promoção do incentivo ao aleitamento materno e execução das atividades de coleta, processamento e controle de qualidade de colostro, leite de transição e leite maduro, para posterior distribuição, sob prescrição de médico ou de nutricionista, a crianças que dele necessitam como fator de sobrevivência (MS, 1998).
O Brasil tem hoje a maior rede de BLH do mundo. São 140 unidades, espalhadas em 22 estados, que beneficiaram mais de 80 mil crianças prematuras e de baixo peso, tendo sido coletados mais de 90 mil litros de leite humano, com aproximadamente 60.000 doadoras cadastradas só no ano passado (MS, 2000).
O leite humano ordenhado (LHO) obtido de doadoras sadias, submetidas a rigoroso controle de higiene, é livre de microrganismos patogênicos (Almeida, 1986). As evidências científicas comprovaram a eficácia e segurança da pasteurização do leite humano como processo de inativação de agentes patogênicos (Baum, 1982; Wright & Feeney, 1998).
Aflatoxinas, um grupo específico de micotoxinas, são metabólitos tóxicos produzidos por fungos miceliais, que no Brasil, estão associados freqüentemente à contaminação do amendoim, algodão, feijão e milho, merecem atenção especial por sua natureza carcinogênica (Baldiserra et al., 1993).
Como os bolores ocorrem em grande escala na natureza, a sua presença no LHO pode servir como indício de contaminação advinda do meio externo. A presença desse grupo de microrganismos em leite, traz consigo, além do problema da deterioração, a possibilidade da produção de micotoxinas (MS, 2000).
Métodos
As amostras foram obtidas de forma aleatória, a partir de frascos recebidos como doação pelo BLH do Instituto Fernandes Figueira (IFF) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), e coletados nos domicílios pelas próprias doadoras, no período e de outubro de 1998 a janeiro de 2000. As doadoras foram orientadas a observar o protocolo higiênico-sanitário (MS, 1998). No BLH-IFF os frascos foram descongelados e alíquotas retiradas para análise de bolores/leveduras e mesófilos (Marvin, 1976), que foram realizadas no Laboratório de Controle de Alimentos do IFF e a identificação das cepas de fungos miceliais, no Laboratório de Micologia do Centro de Pesquisa Hospital Evandro Chagas (CPqHEC), ambos da FIOCRUZ.
A identificação foi realizada a partir das colônias obtidas no isolamento em agar Sabouraud e mantido à temperatura ambiente. As morfologias foram comparadas com as descritas em publicação especilizada (De Hoog & Guarro, 1995).
O estudo de correlação entre as contagens de bolores e leveduras e mesófilos, foi realizada empregando-se o programa System Analysis Statisitical (SAS).
Resultados
Das 821 amostras de LHO analisadas, 43 (5,2%) apresentaram contaminação com fungos miceliais e deram origem a 48 cepas, uma vez que três amostras demonstraram duas cepas e uma amostra três cepas com aspectos macroscópicos diferentes. Os resultados revelaram a presença de bolores e leveduras com contagens atingindo a ordem de até 103UFC/ml, sendo identificados os seguintes microrganismos: Aspergillus Grupo Niger (6,3%), Aspergillus sp. (4,2%), Paecilomyces sp. (12,6%), Penicillium sp. (60,4%), Rhizopus sp. (2,0%) e Syncephalastrum sp. (14,5%).
Discussão
Durante a tentativa para se determinar a fonte dos fungos miceliais encontrados nas amostras de LHO, imaginou-se que os esporos de fungos existentes nos alimentos manipulados pelas doadoras poderiam ser a fonte de tais microrganismos para o LHO, pois, os fungos encontrados no presente trabalho eram semelhantes aos detectados por outros pesquisadores ao trabalharem com outros alimentos (Alexandre et al., 1996; Paula et al., 1988).
A presença dos mesmos fungos miceliais encontrados em alimentos no LHO, sugere que as condições higiênico-santárias no momento da obtenção, não foram aquelas preconizadas, demonstrando a importância do controle da assepsia das mãos das doadoras, que eventualmente estejam manipulando alimentos antes da coleta de LHO.
Se considerarmos que 5,2% das amostras apresentavam fungos miceliais, podemos afirmar que a maior parte das doadoras entendeu e praticou as orientações transmitidas pelos profissionais do BLH.
Se considerarmos ainda, que LHO será pasteurizado e que os fungos miceliais, que são sensíveis a esse procedimento, desaparecerão após o mesmo, o problema estaria terminado, mas quando se trata do repasse do LHO in natura para bebês prematuros, os efeitos dessas contaminações precisam ser estudados.
Referências
ALEXANDRE, S. M.; IBAÑEZ, H. V. & THOMPSON, M. L., 1996. Hongos filamentosos contaminantes de superficie de diferentes frutas deshidratadas de venta libre en Santiago de Chile. Revista Chilena de Infectología, 13:210-215.
ALMEIDA, J. A. G., 1986. Qualidade do Leite Humano Coletado e Processado em Bancos de Leite. Dissertação de Mestrado, Viçosa: Universidade Federal de Viçosa.
BALDISSERA, M. A.; SANTURIO, J. M.; CANTO, S. H.; PRANKE, P. H.; ALMEIDA, C. A. A. & SCHIMIDT, C., 1993. Aflatoxin, ochratoxin A and zearalenone in animal feedstuffs in south Brazil. Part II. Revista do Instituto Adolfo Lutz, 53:5-10.
BAUM, J. D., 1982. Donor breast milk. Acta Paediatrica Scandinavica, 299(Sup.):51-57.
DE HOOG, G. S. & GUARRO, J., 1995. Atlas of Clinical Fungi. Baarn: Centraalbureau voor Schimmelcultures/Reus: Universitat Rovira i Virgili.
MARVIN, L. S., 1976. Compendium of Methods for the Microbioloical Examination of Foods. Washington, DC: American Public Health Association.
MS (Ministério da Saúde), 1998. Normas Gerais para Bancos de Leite Humano. 2a Ed. Brasília: MS.
MS (Ministério da Saúde), 2000. Informe Saúde. Ano 4. Número 69. Brasília: MS.
PAULA, C. R.; GAMBALE, W.; IARIA, S. T. & REIS FILHO, S. A., 1988. Ocorrência de fungos em manteigas oferecidas ao consumo público no Município de São Paulo. Revista de Microbiologia, 19:317-320.
WRIGHT, K. C. & FEENEY, A. M., 1998. The bacteriological screening of donated human milk: Laboratory experience of British Paediatric Association's published guidelines. Journal of Infection, 36:23-27.
Recebido em 7 de abril de 2001
Versão final reapresentada em 5 de novembro de 2001
Aprovado em 18 de dezembro de 2001