ARTIGO ARTICLE
Denise Oliveira e Silva 1 Elisabetta G. Iole Giovanna Recine 2 Eduardo Flávio Oliveira Queiroz 3 | Concepções de profissionais de saúde da atenção básica sobre a alimentação saudável no Distrito Federal, Brasil
Concepts of healthy diet as expressed by primary health care workers in the national capital of Brazil
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1 Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil. deniluz@ensp.fiocruz.br 2 Departamento de Nutrição, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília. Campus Universitário Asa Norte, Brasília, DF 70910-900, Brasil. recine@unb.br 3 Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília. Campus Universitário Asa Norte, Brasília, DF 70910-900, Brasil. queiroz@linkexpress.com.br | Abstract Dietary changes in Western society highlight the need for individual and collective health providers to use their strategic positions to actively promote healthy eating habits. Using the research-action methodology in various clinics in the Federal District of Brazil, the present study aimed to identify what these professionals consider a healthy diet. The results indicate an apparent conceptual dichotomy: on the one hand, an idealized version of eating for good health based on the scientific literature; on the other, a concept derived from the ideal, but based on people's day-to-day reality. In their pursuit of the latter concept, people in social situations make connections between various pieces of information, and what emerges are the eating habits most closely associated with a particular lifestyle. However, both concepts tend to transcend the implicit biological character of the conceptual constructs and to find support in the sociocultural conditions that shape them and which in turn are shaped at the concrete level of reality. Key words Health Personnel; Feed; Food Habits
Resumo As mudanças alimentares na sociedade ocidental apontam para a importância de uma ação específica no campo da saúde individual e coletiva e colocam os profissionais sanitaristas como indivíduos estratégicos na promoção da alimentação saudável. O presente estudo tem o propósito de conhecer as concepções desses profissionais sobre a alimentação saudável, com base na técnica metodológica da pesquisa-ação aplicada em centros de saúde do Distrito Federal. Os resultados mostram que existe um aparente dualismo entre os conceitos envolvidos nesse tema, um que versa sobre a idealização alimentar e outro que situa o espaço da realidade concreta dos indivíduos. Ou seja, há um conceito sobre a alimentação para a saúde fundamentado na literatura científica e outro que se apóia neste, mas distingue-se no espaço interno do cotidiano. Neste último, os atores sociais fazem correspondências entre um saber e outro e trazem à tona os hábitos alimentares conjugados ao estilo de vida, mas, em ambas as concepções, a tendência é transcender o caráter biológico implícito na construção do conceito e apoiar-se nas condições sócio-culturais que as moldam e são moldadas no plano concreto da realidade. |
Introdução
Desde as primeiras sociedades humanas, a luta pela sobrevivência obrigou os indivíduos a produzirem regimes alimentares, o que os levou a acumularem, ao longo do tempo, um imenso cabedal empírico na interação com o meio ambiente. Desse modo, com a apreensão de técnicas de conservação, puderam suprir as carências sazonais e conquistaram novos produtos para enfrentar o esgotamento de recursos. Para tanto, era vital saber o que seria comestível, e esse conhecimento formou, provavelmente, a base da cultura alimentar, a qual evoluiu, continuamente, sob a influência das necessidades biológicas, junto a crenças, aspirações de grupos sociais, motivações econômicas e, mais tarde, pela evolução da ciência (Flandrin & Montanari, 1996; Mazzini, 1996; Perlés, 1979, 1996; Tannahill, 1973).
A concepção organizada e escrita sobre a relação entre alimentação e saúde foi descrita pela Civilização Védica há cinco mil anos, sendo esta, nos atuais limites da reconstituição histórica, a precursora dos princípios da alimentação saudável, tanto no mundo oriental, como no ocidental. Para essa civilização, o processo saúde e doença estava fundamentado na união do sagrado ao conhecimento científico, filosófico e religioso, segundo o qual o ser humano deveria estar em harmonia com a natureza, tendo o seu corpo como forma de expressão dessa relação. Essas concepções foram assumidas pelos gregos e romanos - precursores da medicina ocidental - em virtude de uma grande devoção aos aspectos ideológicos e dietéticos da alimentação (Luz, 1996; Mazzini, 1996).
Mas somente no século XIX o avanço das ciências contribuiu para a descoberta de agentes infecto-contagiosos, o que levou ao surgimento das vacinas, a uma melhoria dos indicadores sociais de saúde na Europa Ocidental e ao avanço do processo de industrialização e do modelo de produção de alimentos. O movimento sanitário que eclodiu na Inglaterra e na França nesse período assumiu que o processo saúde e doença estava determinado pelas condições de vida e de trabalho, e, nesses termos, reforçou a importância do acesso aos alimentos como um dos principais fatores para a melhoria dos indicadores demográficos, entre os quais, os índices de morbi-mortalidade (McKeown & Lowe, 1986).
Ao final desse século, a alimentação foi colocada como uma estratégia para a saúde, marcando o início das pesquisas no campo da nutrição científica, as quais iriam influenciar a mudança da concepção da relação entre alimentação e saúde no mundo ocidental. As recomendações internacionais de promoção da alimentação saudável evocavam a importância da variedade de alimentos como fonte de nutrientes, o equilíbrio na escolha da ração alimentar baseada nas necessidades individuais e a moderação pelo controle do consumo de alimentos energéticos, principalmente as gorduras (FAO, 1996; OMS, 1990). Todas essas regras circunscrevem, ainda hoje, as distintas abordagens sócio-culturais e biológicas sobre os significados da alimentação.
No Brasil, Boog (1999) descreveu que médicos e enfermeiros têm enfrentado dificuldades na abordagem dessa questão no nível da atenção básica, em virtude de fatores relacionados a sua formação acadêmica e a sua prática vivencial.
Nesse sentido, o presente artigo objetiva interpretar e compreender as concepções sobre esse tema, expressas pelos diversos profissionais de saúde que atuam em nível da atenção básica à saúde no Distrito Federal. Especificamente, buscamos oferecer uma melhor contribuição aos serviços básicos de saúde, no que concerne a uma ação sobre a nutrição em âmbito coletivo.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa-ação sobre as concepções de profissionais de saúde da atenção básica sobre o conceito de alimentação saudável. Está baseada em depoimentos e registros escritos, como parte do estudo de padrões de conhecimentos, atitudes e práticas de profissionais de saúde sobre a promoção da alimentação saudável no Distrito Federal, realizado pela Universidade de Brasília, com apoio da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), Área Técnica de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde e da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.
A pesquisa-ação é um caminho metodológico proposto por dois autores principalmente (Brandão, 1984, 1987; Thiollent, 1998), que foi escolhido por sua capacidade de agregar diversos métodos e estratégias baseados na participação ativa de pesquisadores e atores sociais em busca da resolução de problemas e de ações transformadoras.
Esta pesquisa foi desenvolvida entre janeiro e dezembro de 2000, considerando três formas de abordagem: (1) a incorporação dos pesquisadores à equipe de técnicos em nível central do Serviço de Assistência Alimentar do Distrito Federal; (2) a realização de entrevistas em centros de saúde; (3) e a aplicação de um questionário semi-estruturado aos profissionais de saúde que orientam, por meio da linguagem, a alimentação saudável em seu cotidiano de atuação.
As entrevistas foram realizadas nos centros de saúde, em salas de atendimento individual e/ou de trabalhos de grupos, e gravadas por meio magnético com a utilização de um Roteiro Temático. Entrevistaram-se cinco nutricionistas, todas do sexo feminino, sete pediatras (quatro do sexo feminino e dois do sexo masculino), cinco enfermeiras, três clínicos gerais (duas do sexo feminino e um do sexo masculino) e três odontólogos (duas do sexo feminino e um do sexo masculino). O procedimento foi finalizado com 23 entrevistas, número representativo da amostra que expressou a globalidade do processo temático de cobertura do objeto da investigação. Os relatos das entrevistas foram transcritos integralmente, destacando os silêncios, risos e interrupções, como formas de identificação de sinais interpretativos para uma melhor compreensão do tema.
Entre 1o e 19 de agosto, 17 alunos do curso de graduação em nutrição e enfermagem, treinados e supervisionados, distribuíram questionários semi-estruturados anônimos, do tipo auto-resposta, em 61 centros de saúde da rede pública de atenção primária do Distrito Federal. Esse instrumento foi composto de 51 questões, sendo 31 de múltiplas escolhas e 20 abertas; os questionários foram entregues aos profissionais de saúde, e estes foram informados de que poderiam responder às questões num período de uma semana.
O recolhimento das respostas ocorreu conforme o previsto, e, em nove centros de saúde, esse procedimento durou duas semanas. No total, obtivemos 481 questionários preenchidos dos 61 centros de saúde da SES-DF.
Esses questionários tiveram suas questões de múltiplas escolhas digitadas em bancos de dados formato Excel e foram encaminhados à coordenação da pesquisa, que efetuou a análise de consistência e tratamento dos dados para a análise mediante a utilização do programa SPSS (SPSS Incorporation, 1997). Com o propósito de identificar as unidades de registro, consideradas neste procedimento como frases e termos, as perguntas e respostas foram transcritas e agrupadas a partir da leitura flutuante, para identificação, sendo organizadas em categorias temáticas. Ao final, foram classificadas em percentuais por ordem crescente de freqüência, com o propósito de orientar o processo de discussão das concepções obtidas.
Além dos depoimentos de 23 profissionais de quatro centros de saúde sobre o tema, registramos os escritos de 454 profissionais de saúde dos 61 centros de saúde sobre a seguinte pergunta: "Como você conceitua a alimentação saudável?"
Todo o material obtido dos depoimentos e os registros escritos foram analisados segundo o referencial teórico da Hermenêutica Dialética proposto por Minayo (1992). Essa forma de tratamento analítico buscou trabalhar com o material comunicativo como resultado do processo vivido como expressões da representação social do processo em que os sujeitos da pesquisa e os pesquisadores fizeram parte de um mesmo contexto ético e político.
Essa pesquisa foi apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética de Pesquisa do Distrito Federal, de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde, Resolução No 196, de 10 de outubro de 1996 (MS, 2000).
A caracterização dos sujeitos da pesquisa
Dos profissionais de saúde que participaram da pesquisa, 71% foram mulheres, sendo as categorias de enfermagem e nutrição as que mais representaram esse quadro (Tabela 1).
A presença do sexo feminino nos serviços, segundo dados da SES-DF, é de 75%, condição essa referida como importante para a visão de questões relacionadas à saúde. Ainda que este estudo não se detenha à questão de gênero, ressaltamos tais dados para mostrar a distribuição sexual do trabalho na saúde, conforme o testemunho de algumas informantes.
"Os centros de saúde são espaços do feminino, existem centros de saúde [em] que não há profissional de saúde do sexo masculino" (nutricionista, sexo feminino).
"A pesquisa tem que se preparar para saber que os resultados vão revelar o pensamento feminino. (...) a medicina que antes tinha mais homens, agora na carreira de pediatria são mais mulheres" (pediatra, sexo masculino).
O perfil etário concentra-se na faixa de 31 a 50 anos, com média de idade de 42 anos, sendo os odontólogos os mais jovens, com 37 anos, e os clínicos os mais velhos, com 44 anos (Tabela 2).
A maioria dos profissionais é oriunda das regiões Sudeste (36%) e Nordeste (35%). Os odontólogos (48%) e os nutricionistas (42%) são as categorias de maior participação da Região Sudeste; os gineco-obstetras (41%) e os pediatras (39%), da Região Nordeste.
Os profissionais têm cursos de pós-graduação, sendo 96% com título de especialização e 4% com mestrado. A área de formação é variada e com tendência para a saúde pública/saúde coletiva, com 22% de profissionais de saúde com essa especialização.
A busca por conhecimentos sobre a promoção da alimentação saudável foi verificada quando das declarações sobre a validade deste estudo; sobre isso, afirmaram que os resultados poderiam ajudá-los a realizar suas ações relacionadas à orientação alimentar. Também advertiram sobre seu papel como profissional-cidadão, que, além de orientar a população, enfrenta conflitos com a escolha da alimentação de sua família. E referiram que as concepções de alimentação saudável estariam associadas à visão de um conceito ideal e de um outro real.
"Tem um conceito ideal e outro da realidade que a vida apresenta (...) para quem tem renda, a alimentação saudável tem que ser equilibrada no que se refere a quantidade e qualidade de nutrientes e suas necessidades diárias, e nisto nós, profissionais de saúde e população, estamos no mesmo barco" (enfermeira, do sexo feminino).
"Quando converso sobre a alimentação saudável eu busco propor um conceito real e não ideal, tanto para mim como para meus pacientes(...). A renda, a família e os hábitos culturais são os que constroem o conceito real (...). Por mais que eu saiba da importância da variedade e do balanço de nutrientes diários, estamos no mundo real e não no auditório da Organização Mundial de Saúde" (pediatra, sexo feminino).
Análise dos dados
"Está tudo sendo revirado de cabeça para baixo (pausa), novo governo, novas mudanças velhas (...). Não vou responder a esta espécie de provão. (risos) Vocês estão com a mania do Paulo Renato de fazer provão? (...) Isto não ajuda nada. (pausa) O que vai resolver são melhores salários, condições de trabalho para permitir que o profissional estude (...). E depois a UnB, a FIOCRUZ, vão fazer o quê? (pausa) Vão nos ensinar o que a gente não sabe? (...) Vai ter cursos? (risos)" (clínico, sexo masculino).
Embora o contexto político-institucional apontasse algumas incertezas, a realização da pesquisa foi entendida pelos profissionais como um momento de apoio às mudanças que seriam implementadas.
Foram 481 os profissionais das categorias de enfermeiros, pediatras, clínicos gerais, odontólogos, gineco-obstetras e nutricionistas que preencheram o questionário de auto-resposta. A adesão foi de 62%, com destaque para os gineco-obstetras e nutricionistas, que superaram a marca de 70% (Tabela 3), valor que se aproxima das taxas de pesquisas realizadas em países europeus e da América do Norte (Temple, 1999; Warber et al., 2000).
O interesse expresso em compreender a promoção da alimentação saudável, conforme o testemunho desses atores sociais, revelou ser esse um tema midiático, para o qual eles não se sentem suficientemente preparados.
"Esta pesquisa veio na hora certa, estamos sozinhos no meio de tanta informação sobre alimentação. Não sabemos quase nada. Tudo que falamos vem do que a gente apreendeu há 10 anos na faculdade ou do que a gente lê em jornais e revistas. É importante saber o que os profissionais sabem" (pediatra, do sexo feminino).
"É muito importante para a Secretaria de Saúde e para as universidades ajudarem os profissionais de saúde a promover a alimentação saudável. A gente sai da graduação sem saber nada ou quase nada sobre alimentação e nutrição, chega aqui e tem que fazer quase tudo em relação a isto. (pausa) Não há nutricionistas para estar com a gente a semana toda, fazemos os grupos e às vezes a dieta. Temos que pensar na nossa formação antes e depois da universidade, só conhecendo como estão nossos conhecimentos e o que estamos fazendo é que podemos melhorar" (enfermeira, sexo feminino).
O duplo sentido da alimentação saudável
"Como você conceitua a alimentação saudável?"
O interrogar sobre essa questão encontra lugar em alguns fundamentos: no profissional que se relaciona com as coisas do mundo objetivo, quer dizer, que tem seu trabalho técnico no centro de saúde, e com as realidades exteriores ao profissional, que por si mesmas não são objetos de seu trabalho. É nesse último que a compreensão sobre a alimentação saudável se mostra complexa na linguagem, sobretudo em relação à vida dos profissionais ou à dos usuários dos serviços de saúde. Entretanto, observamos que é com a interação entre esses sujeitos que nascem as possibilidades da construção conjunta dos significados que cercam a expressão em tela. Nesse processo interativo, a alimentação saudável toma um duplo sentido que caracteriza a rede semântica que envolve os distintos contextos dos sujeitos e que interfere no processo de conceituação do tema.
Nesse ponto, a metodologia utilizada garante ao informante uma temporalidade que lhe permite refletir o tema e, com isso, ele usa de sua intencionalidade para deslocar a questão alimentar do outro para si e passa a indagar sobre seu próprio corpo e alimento. Nesse deslocamento, constatamos que o contexto sócio-econômico dos usuários aparentemente desaparece para dar lugar ao seu, pois ele, o profissional, significa a alimentação saudável versando sobre sua experiência alimentar. Sobre isso, ele interpreta o seu próprio alimento e explica a expressão temática conforme sua condição social, já que, para ele, a sua "bagagem de conhecimentos" funciona como um esquema de referência para toda a interpretação das coisas do mundo (Capalbo, 1979).
De toda forma, o inquirir sobre a alimentação saudável no mundo do trabalho da saúde reflete uma tendência em mesclar interpretações que são comungadas ao campo da ação social do profissional. Nesta, inscreve-se a subjetividade do termo ideal, em cuja perspectiva o sujeito - personagem que representa o saber técnico-científico - distancia-se da objetividade do seu trabalho e descreve o conhecimento do objeto apoiando-se na ciência e situando a realidade como um espaço externo ao seu trabalho. Desse modo, a questão que sobressai é o quanto não se sabe o que orientar diante do baixo poder aquisitivo que atinge a população usuária desses serviços de saúde.
Ainda assim, num dado momento, o profissional mescla as experiências e passa a interagir com a compreensão que tem sobre a situação alimentar do paciente. Nessa complexidade, o profissional traz na linguagem uma articulação com o seu mundo e o mundo alheio, para externar o sentido de uma alimentação saudável para qualquer pessoa. Esse sentido ideal ou subjetivo vem desvelar a condição que transcende as diversidades entre os homens, na mesma realidade.
Outro significado encarna o mundo real, mas não apaga o sentido de idealidade; este, que está no horizonte dos profissionais e que se funde na realidade de seu trabalho como educador de saúde. Ou seja, em síntese, ele confere o caráter de realidade ou quase-realidade à ação de promover a alimentação saudável.
O conceito ideal da alimentação saudável é, portanto, definido pelos profissionais como uma condição alimentar que deve ser variada, balanceada e equilibrada com nutrientes; que ofereça benefícios à saúde para a adequação as necessidades nutricionais do indivíduo para um peso saudável e que tenha alimentos frescos naturais e integrais. Todas essas regras da biomedicina são consideradas exteriores à realidade do usuário e, por isso, denominadas pelos profissionais como as condições ideais.
A despeito disso, a variedade, o balanço e o equilíbrio de nutrientes para a adequação das necessidades nutricionais do indivíduo foram referidas por 54% dos profissionais. Eles reproduzem a valorização dos nutrientes como símbolos implícitos em uma alimentação saudável, quando dizem:
"É aquela que tem em seu cardápio: proteínas, carboidratos (...)" (enfermeira, sexo feminino).
"Superbalanceada, contém todos os nutrientes, carboidratos, proteínas, lipídios, vitaminas, minerais, fibras e água, tudo equilibrado sem excessos para não causar obesidade" (nutricionista, sexo feminino).
Também nesse aspecto, destacam a importância dos carboidratos, proteínas, vitaminas e sais minerais para responder às exigências biológicas do ser humano, que congregam sobre tais condições a preocupação em evitar os excessos de consumo de gorduras e doces. Esses elementos são definidos por eles ora como nutrientes, porque oferecem energia, ora como alimentos, porque dão prazer.
Referem-se aos nutrientes com recomendações que não podem faltar no repertório da alimentação saudável e, ao mesmo tempo, expressam que estes são itens de difícil abordagem para os usuários, na medida em que tais elementos reúnem a necessidade biológica do corpo humano aos valores sócio-culturais que evolvem hábitos e desejos a serem representados como os sabores da vida.
"Tudo que é proibido e deve ser evitado tem gordura ou açúcar (...) comer menos frituras e gorduras é ter alimentação saudável, (...) a gordura é um nutriente importante como fonte calórica (...) é tão difícil explicar às pessoas que precisamos comer lipídios para obter energia e que eles podem fazer mal à saúde" (nutricionista, sexo feminino).
"Às vezes eu fico pensando que o açúcar é o nosso principal vilão a combater. Não é alimento. Talvez o dentista tenha que entender de forma mais ampla o que é alimentação (...) comemos muito, por excesso. Minha mãe dizia: já viu passarinho gordo?" (risos) (odontólogo, sexo feminino).
Trinta por cento dos profissionais de saúde referem que a alimentação saudável é aquela que permite qualidade à saúde e equilíbrio orgânico. Nesse sentido, relacionam a visão de consumo de nutrientes aos requerimentos nutricionais do indivíduo para a obtenção de um peso saudável e expressam a alimentação saudável como "saúde e bem estar" (nutricionista, sexo feminino). Ou ainda, a alimentação que "leva em consideração as necessidades de cada indivíduo com elementos necessários para manter a saúde" (clínico geral, sexo feminino).
Ao enfatizar a necessidade de nutrientes, configura-se a importância de uma referência a estes no discurso biomédico como ícones simbólicos a serem associados à comida do dia-a-dia, mesmo que não se comam nutrientes. As respostas se aproximam do senso comum, que transforma a comida cotidiana numa espécie de medicalização recorrente à promoção da saúde. Essa representação ancorada no saber biomédico move o discurso desses profissionais e também interrompe uma maior compreensão da realidade dos usuários.
O consumo de alimentos frescos naturais e integrais foi outro aspecto referido pelos profissionais de saúde. Quinze por cento acreditam que o maior consumo de legumes, verduras, frutas e cereais integrais, bem como a redução de alimentos industrializados fazem parte do ideário da alimentação saudável.
"É uma alimentação mais natural possível (...) ausência de enlatados, conservantes (...) sem agrotóxico, aditivos químicos, e agora sem ser transgênica" (enfermeira, sexo feminino).
"É uma alimentação que não sofreu processos de industrialização (...) sem agentes químicos, redução da ingestão de conservas, defumados" (nutricionista, sexo feminino).
De fato, tais concepções, acima referidas como ideais, foram narradas como algo difícil de ser atingido, tanto para os profissionais em sua vida pessoal, como na abordagem à população, sendo necessário apreender um conceito real: aquele que faz uma correspondência entre as recomendações científicas e a realidade social.
Essa visão referida como uma alimentação saudável real significa uma resposta bio-sócio-cultural.
"(...) a gente fala o tempo todo de alimento, mas as pessoas pensam em comida (...) deve ser bonita, prazerosa levando em conta o poder aquisitivo da pessoa" (enfermeira, sexo feminino).
Nesta narrativa, entra em cena a necessidade da abordagem interdisciplinar, isto é, uma noção do contexto relacional. Na prática, retrata a valorização dos hábitos culturais e da adequação com a renda monetária. Desse modo, a conexão entre a dimensão biológica e a sócio-cultural é o eixo de definição. São mais valorizados os aspectos relacionados à comida habitual, pela deficiência de responder às condições sócio-econômicas dos pacientes. Nessa dinâmica, os profissionais se sentem sem preparo técnico e pessoal para falar a gramática científica e reveladora de uma alimentação saudável.
Outra vez, o profissional personifica. Traz a sua pessoa para o confronto da realidade que encontra em seu mundo do trabalho:
"Você pensa que o profissional de saúde tem uma alimentação saudável? Você acha que a família de médicos tem alimentação saudável? Eu faço plantões. Sou visita na minha casa (...) é uma correria danada de segunda a sexta. Quando é possível, como um churrasco sem culpa e se você for lá perguntar se é saudável eu vou dizer que sim (...) para o pedreiro que eu atendo aqui no centro de saúde não é diferente" (clínico geral, sexo masculino).
"Eu adoro pensar que a alimentação é algo gostoso e que dão prazer comidas gostosas (...) eu acho possível pensar uma alimentação saudável gostosa (...) em geral as pessoas pensam que saúde é comer sem sal, sem tempero, melhor dizendo: comida de dieta (...); eu não aprendi a fazer comida nem na minha família e nem na faculdade (...) o nutricionista que deve ter apreendido não fala da comida, fala somente de carboidratos, gorduras, vitaminas, de listas, de dietas; aí a gente não faz" (risos) (gineco-obstetra, sexo feminino).
A comida é entendida como a junção da dimensão biológica e simbólica da alimentação e representa a chave do diálogo entre o real e o ideal alimentar.
As razões que podem ser discutidas sobre essa díade colocam a nutrição científica e o regime alimentar afluente e sua relação com o risco de morbi-mortalidade por doenças cardiovasculares como os principais fatores para a discussão dos significados dados sobre o duplo sentido da alimentação saudável.
Os nutrientes como referências simbólicas do discurso biomédico
Do idioma biomédico nasce a concepção de uma alimentação saudável referida por nossos atores como uma soma de nutrientes. A racionalização do pensamento científico na medicina, e consequentemente na nutrição, tem valorizado o organismo e não o conteúdo humano. Essa escola de pensamento crê que o corpo se alimenta de nutrientes e não de alimentos. Foi essa a visão divulgada nos países industrializados, principalmente desde a Segunda Guerra Mundial, com as propostas de reconstrução econômica, tendo como base o modelo agro-industrial.
Esse modo de pensar as necessidades orgânicas, segundo Oliveira (1997), apresenta três características: o ajuste quantitativo em virtude das necessidades fisiológicas; a importância dada à qualidade do alimento e a generalização da preferência pelos alimentos industrializados. Tais objetivos buscaram cumprir as demandas colocadas pelo mercado mundial, relacionadas à melhor conservação dos alimentos e seus benefícios à saúde (Oliveira & Mony-Thebaud, 1996). Seus pressupostos começaram a ser divulgados pelos denominados food reformers, inicialmente com mulheres com experiência em praticar aulas de culinária, posteriormente com economistas domésticos, médicos-nutrológos, sanitaristas e, mais tarde, por nutricionistas que tinham como atribuição difundir o conhecimento científico da medicina e da nutrição com a orientação alimentar (Rosen, 1994).
No Brasil, nas décadas de 40 e 50, as idéias sobre a racionalização da alimentação tiveram como base o contexto político social que apontava a fome e a desnutrição como os principais problemas de saúde e nutrição. Desde então, guardando os diversos momentos conjunturais, nasce uma retórica institucional fundada no incentivo da adequação energética para a alimentação das populações de baixa renda. A questão que se colocava, e ainda se coloca, não está em esgotar a produção da fome, mas em oferecer um discurso amparado pelo conhecimento científico. O cientista Josué de Castro, principal referência nacional, e depois internacional, sobre o flagelo da fome, em seu livro Fisiologia dos Tabus (Castro, 1941), apontava a função cultural e simbólica da alimentação. Mas o aspecto marcante da concepção da alimentação e saúde, segundo Lima (2000), era a dimensão fisiológica e racional da alimentação, que considerava o homem como máquina e o alimento como combustível, constituindo-se, assim, o objeto principal da ciência da nutrição e da educação alimentar. Vasconcelos (1999), em seu trabalho de desvendar a produção científica de nutrição, entre 1944 a 1968, nos Arquivos Brasileiros de Nutrição, revelou que a maioria dos artigos publicados estava inserida numa perspectiva biológica da nutrição sobre a composição química e o valor nutricional dos alimentos. Lins (1990), ao analisar a disciplina de educação nutricional de cursos de graduação em nutrição nessa época, referiu que a visão eugênica da alimentação era transmitida como "palavras de ordem", visando à transmissão de conhecimento, hábitos e atitudes à sociedade.
Para Canesqui (1988), os estudos até meados da década de 60 estavam no campo da orientação social de políticas estatais, convertendo-se na década de 70 para uma orientação eminentemente técnica. Essa foi a abordagem utilizada pelo extinto Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, que privilegiou programas de intervenção no combate à desnutrição infantil, estimulando a adequação do consumo energético das populações de baixo poder aquisitivo.
De maneira geral, as estratégias utilizadas entre as décadas de 40 a 80 foram concebidas para incorporar a complementação ou a suplementação alimentar com base em formulados nutricionais, leite e grãos e óleo de soja. Os planos governamentais implementados limitaram a renda familiar como o principal fator dos problemas alimentares, o que, segundo Boog (1997), contribuiu para que o componente educação migrasse para o "exílio" de seu papel na discussão da problemática alimentar nacional, ocasionando sua ausência dos programas de saúde pública.
No final do século XX, a evolução científica da alimentação e as mudanças sócio econômicas observadas em todo o mundo colocaram à disposição das sociedades diversas fontes alimentares e apontaram mudanças no quadro epidemiológico. As pesquisas realizadas relacionaram os problemas de excesso de peso e da obesidade ao risco de mortalidade por doenças cardiovasculares. Um novo padrão alimentar ocidental passou a ser caracterizado pelo incremento do consumo de grãos refinados, açúcar, produtos de origem animal, gorduras saturadas, fast food, alimentação fora do domicílio e um maior acervo de alimentos industrializados (Monteiro, 1999; Popkin, 1998). Este processo, iniciado no século XIX nos países industrializados, tinha evoluído e começava a intensificar-se nos países do Terceiro Mundo de forma incompleta. Como exemplo, na América Latina, as altas taxas de mortalidade decorrentes de enfermidades infecto-parasitárias e desnutrição convivem com doenças crônico-degenerativas, que incidem sobre a mortalidade. Outro dado também significativo dessa transição epidemiológica é o retorno das chamadas doenças pestilenciais, refletindo situações vividas no início do século XX (Sabroza & Leal, 1992).
No Brasil, os benefícios do crescimento econômico não são repartidos eqüitativamente, o que tem ocasionado a lentidão de mudanças concretas para a melhoria da qualidade de vida de grande parte da população. Quanto às enfermidades crônico-degenerativas, observa-se que essa é uma questão que reflete o alto consumo de alimentos energéticos, o que é comprovado pelos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística nas grandes metrópoles brasileiras (Mondini & Monteiro, 1994).
Um outro vértice da questão mostra que o perfil alimentar atual valoriza a praticidade do comer, pois o homem moderno não tem mais tempo para alimentar-se como num passado recente. E todo um caráter de celebração e convívio que antes estava relacionado à alimentação no meio familiar é deslocado para uma outra perspectiva, quando os sujeitos se sentem pressionados pelo mundo do trabalho e outras demandas da vida moderna. Essas características, segundo Demuth (1988), estão baseadas em três princípios: o ecletismo, a simplificação, o refinamento e a forma. O ecletismo está baseado em vários comportamentos que compreendem o preço, a qualidade, o tipo e/ou marca de produtos alimentares. A fidelidade na escolha dos alimentos é mediada pela aparência, pela embalagem e pelo marketing que o produto representa. A simplificação está baseada na busca por produtos e práticas alimentares de fácil preparo e manipulação. Em contraponto à simplificação, o refinamento é um fenômeno em crescimento representado pelo resgate de preparações mais elaboradas, pela valorização da gastronomia como estratégia eventual para compensar a massificação da alimentação nos dias atuais. Por último, o gosto pela forma é representado pelos princípios dietéticos divulgados pela mídia e pelos profissionais de saúde (Demuth, 1988).
Embora esses significados expressem um arcabouço ampliado na construção da concepção da alimentação, a racionalização dietética nos dias atuais tem sido mais assumida pelas instituições no campo da saúde coletiva para diminuir as taxas de morbi-mortalidade por doenças crônico-degerativas (FAO, 1996; OMS, 1990).
No Brasil, na década de 90, os programas governamentais e a Sociedade Brasileira de Nutrição assumiram a importância da variedade de consumo de alimentos como uma prerrogativa a ser praticada a partir da incorporação dos diversos nutrientes. A moderação e o equilíbrio foram, então, apontados como recomendações específicas para o controle quantitativo e qualitativo dos nutrientes. Essas recomendações são, ainda hoje, veiculadas nos eventos científicos do campo da saúde e da nutrição, nos cursos de pós-graduação e também incorporadas pela mídia, contribuindo para a valorização dos nutrientes como símbolos de uma alimentação saudável (Vannuchi, 1990). Garcia (1997), ao estudar as representações sociais dessa expressão em funcionários públicos na cidade de São Paulo, apontou que a razão sanitária e a médica foram os principais elementos de representação da alimentação e da saúde. A preocupação com a gordura, o colesterol, o excesso de peso e a contaminação alimentar são os elementos que representam a concepção da alimentação e da saúde. A questão colocada revela que, para conectar o concebido como ideal e como real em suas próprias vidas, faz-se necessário falar de comida, esta que representa para eles a ponte de ligação entre essas duas dimensões.
Ao discutir sobre esse aspecto com diversos autores, reportamo-nos à comida como a categoria explicativa do conceito de alimentação. Lévi-Strauss (1964) e Perlés (1979) referem-se à transformação do alimento como um ato culturalmente humano.
No Brasil, Canesqui (1977), ao estudar a alimentação de populações de baixa renda, apontou duas categorias de significação da expressão comida: a necessidade orgânica vital e as relações com as condições de vida. E Woortman (1978:4), ao reunir estudos no campo da antropologia sobre hábitos e ideologias alimentares em grupos sociais de baixa renda na área rural e urbana do país, concluiu que "o comer não satisfaz apenas as necessidades biológicas, mas preenche também funções simbólicas e sociais". São as qualidades que expressam a capacidade dos alimentos de oferecer força ao corpo. Campos (1982) apontou essas características em seu estudo com mulheres, em que as categorias identificadas representam a relação de ambigüidade entre alimentos quentes e frios, fortes e fracos, pesados e leves, reimosos e descarregados. Esta última, referida por Rodrigues (1978), é uma qualidade que confere ao alimento um caráter ofensivo. Ao descrever o significado da alimentação e da saúde, esse autor refere que, nas populações estudadas em meio rural, o conceito de alimentação e saúde expressa a natureza dos alimentos e que essa é uma aquisição do processo de compreensão sobre a produção e a preparação culinária.
Tanto no campo internacional, como no Brasil, os dilemas e inquietações que circundam o processo de escolha alimentar têm atribuído diversos significados à alimentação saudável na dimensão biológica e simbólica. As mudanças no regime alimentar e no estilo de vida enfrentam importantes questões a serem debatidas na busca ou mesmo na readequação de estratégias de abordagem para a promoção da alimentação saudável.
Considerações gerais
Na história da alimentação e da nutrição humana, tanto a ciência como os interesses econômicos tiveram como objetivo comum aumentar a disponibilidade de alimentos em quantidade e qualidade para responder à prerrogativa onívora do ser humano. Esse processo, ao mesmo tempo em que iluminou cientistas, também estimulou o crescimento de interesses financeiros.
Fischer (1993), ao discutir a característica da alimentação humana com base na prerrogativa acima aduzida, refere que o ser humano neste início de milênio não sabe gerenciar o excesso de opções alimentares. Para os que têm acesso fácil aos alimentos e podem escolher cardápios, as dúvidas estão relacionadas às opções múltiplas, agressivas, sedutoras e contraditórias presentes no mundo moderno em relação aos alimentos e à alimentação. O processo de como elaborar, comparar, estabelecer as prioridades, combater pulsões e resistir aos breves impulsos são os desafios que ainda devem ser superados.
A questão de como abordar o conceito de alimentação saudável, no âmbito da atenção básica de saúde, não está, portanto, restrita à busca de estratégias técnicas a serem repassadas pelos profissionais à população. O setor de saúde deve assumir a alimentação como o resultado das múltiplas relações entre o biológico e o sócio-cultural. Seu papel-chave nessa abordagem interativa deve tomar como premissa o processo de aprendizagem constante e dinâmico, por meio da rede de serviços e programas, contribuindo para a formação da opinião confiável e segura para a população sobre os princípios e recomendações da alimentação saudável. Para isso, será necessário superar o paradigma de considerar o espaço da doença e assumir seu papel de agente de promoção da saúde, atuando com o indivíduo em toda a plenitude de seu ciclo de vida e não com a doença que ele apresenta.
Das narrativas acolhidas, constatamos que, para alguns dos profissionais de saúde, o corpo é o domicílio dos nutrientes, e estes são as substâncias químicas que dão sentido à orientação sobre uma alimentação saudável. A aquisição de uma linguagem que expressa esses elementos como uma necessidade biológica e refuta outras dimensões fundamenta a reprodução de um saber que se sobressai para coibir valores simbólicos inscritos na alimentação cotidiana dos usuários.
Nessa noção conceitual, os nutrientes são colocados na dimensão do simbólico que faz contraste com o plano real, em que estão inseridas outras classificações dos alimentos. É nesse momento que, no campo do trabalho da saúde, traça-se um projeto de orientação alimentar ideal, pois, ao se incluírem os nutrientes no discurso do profissional como um signo para instruir a alimentação para a saúde do organismo, fecha-se a possibilidade de interação entre outros saberes humanos.
Ao buscar a comida como passaporte de entrada para tantas abordagens, consideramos a importância de optar pela humanização dessa complexidade, que, conforme Fischer (1993), Lévi-Strauss (1964) e Perlés (1979), trata-se de um encontro de paradoxos entre o familiar e o desconhecido, a monotonia e a alternância, a segurança e a insegurança. Dessa dinâmica, entendemos que as condições alimentares são decorrentes de um sistema complexo das relações sociais e que os fatores biológicos estão incessantemente comungados aos efeitos das produções da realidade social.
Neste início de milênio, o desafio a enfrentar não está restrito ao setor saúde, embora seja esse espaço a arena de confrontação dos fragmentos dinâmicos do contexto social e econômico, ao jogo de imagens e cores da biologia e do simbólico, ao caleidoscópio da escolha alimentar humana. A tarefa exige um profissional de saúde que consiga associar saberes e práticas que potencializem seu papel de agente de promoção da saúde coletiva, tendo como base o entendimento da dimensão humana e não somente o orgânico, pois trata-se de um processo biocultural, e sua ação social pode proporcionar o resgate da totalidade do ser humano, reconstruindo a visão dos alimentos não apenas para a nutrição do corpo e das finanças, mas, sobretudo, para nutrir o imaginário humano.
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Recebido em 15 de maio de 2001
Versão final reapresentada em 15 de dezembro de 2001
Aprovado em 27 de março de 2002