EDITORIAL
Por uma política de ciência, tecnologia e inovação em saúde
Com a possível exceção da militar, a pesquisa em saúde é a que despende a maior quantidade de recursos no mundo. Em 1998, foram algo como US$ 73,5 bilhões (http://www.global forumhealth.org), mais de 90% nos países ricos, visando resolver seus problemas. A pesquisa em saúde costuma ser circunscrita, mesmo entre especialistas, à pesquisa biomédica. Essa imprecisão conceitual gerou uma complicação metodológica e uma acomodação empírica. A complicação foi a de considerar "saúde" como uma área do conhecimento, quando se trata de um setor de aplicação ou de atividade. A acomodação conseqüente foi medir o esforço de pesquisa em saúde pelo somatório das grandes áreas das ciências da saúde e das ciências biológicas.
Numa abordagem setorial, cerca de 50% do esforço de pesquisa em saúde no Brasil provém de grupos vinculados às ciências da saúde, cerca de 25% de grupos vinculados às ciências biológicas e os 25% restantes de grupos das demais grandes áreas. Esse desenho mobiliza cerca de 3.600 grupos, com 15 mil pesquisadores (R. Guimarães, 2001. Rev Saúde Pública, 35:321-340). Trata-se do maior componente científico-tecnológico apropriável num único setor ou grande área do conhecimento no país.
Levando em conta apenas o governo federal e sem contar o pagamento de pessoal, estimamos que os dispêndios com pesquisa em saúde tenham se situado entre R$ 430 e 500 milhões em 2001, sendo cerca de 45% desse valor gasto com bolsas de estudo. Em torno de 42% da despesa foi feita pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), entre 20% e 25% pelo Ministério da Saúde (MS), uma quantia similar pela Capes e pouco mais de 10% por outros agentes. Dos recursos do MS, metade foi gasta com o custeio dos institutos de pesquisa a ele subordinados e a outra no fomento a projetos de pesquisa. Muito ou pouco dinheiro para o número de pesquisadores e de grupos envolvidos com pesquisa em saúde? Algum, mas certamente aquém das necessidades, principalmente se levarmos em conta o estado de crise em que se encontram os hospitais de ensino. Uma nova Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (PNCT&I/S) deverá ter, entre suas ênfases, a de buscar novas fontes de recursos.
A desigualdade é o calcanhar de Aquiles da civilização brasileira. Todo o progresso conquistado no Brasil por gerações, em todos os campos, esbarra na marca infame da desigualdade. O compromisso de aumentar os padrões de eqüidade do sistema de saúde deve ser o primeiro fundamento da PNCT&I/S. "Se o sistema de pesquisa em saúde de um país pode ser considerado como o 'cérebro' do seu sistema de saúde, então a ética constitui a sua 'consciência'. É imperativo que sistemas de saúde operem segundo as mais altas aspirações éticas e de justiça distributiva" (Z. A. Bhutta, 2002. Bull World Health Organ, 80:116). O respeito à vida e à dignidade das pessoas deve ser o segundo fundamento da PNCT&I/S.
A marca do modelo de gastos federais hoje em dia é a quase total desarticulação entre os financiadores principais (MCT e MS). Naturalmente, para ser capaz de promover uma melhor articulação, uma nova PNCT&I/S deve buscar somar os aspectos positivos das duas tradições institucionais. Só assim, a nova PNCT&I/S poderá tratar a pesquisa em saúde como um exercício de lógicas complementares. O mundo da pesquisa e o do sistema de saúde não são perfeitamente superponíveis. Têm histórias, culturas e regras distintas, embora sejam capazes de conviver e convergir nos marcos de objetivos corretamente estabelecidos.
A 1a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde (1994), recomendou a aproximação entre a pesquisa em saúde e a Política Nacional de Saúde. A PNCT&I/S deve, então, ter aumentada sua capacidade de induzir, com base numa escolha racional de prioridades. Para isso, o ponto mais importante a ser contemplado é a necessidade de construção de uma agenda de prioridades para a pesquisa em saúde. A 2a Conferência está convocada para outubro de 2003. Ali serão estabelecidos os fundamentos da nova PNCT&I/S.
Reinaldo Guimarães
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
Towards a policy for science, technology, and innovation in health
With the possible exception of the military, health is the sector that spends the most money on research worldwide. In 1998, expenditures totaled some US$ 73.5 billion (http://www.globalforumhealth.org), more than 90% of which in the wealthy countries and looking at their own health problems. Even among specialists, health research is usually seen as limited to the biomedical fields. This conceptual imprecision has led to a methodological complication and to an empirical accommodation. The complication is the fact that "health" has been viewed as an area of knowledge, when it is actually a sector of application or activity. The resulting accommodation has been to measure health research effort as the sum of research in the major health and biological areas.
From a sectoral approach, some 50% of the health research in Brazil involves groups affiliated with the health sciences, with another 25% in groups linked to the biological sciences, and the remaining 25% in other areas. This framework mobilizes some 3,600 groups, with a total of 15,000 researchers (R. Guimarães, 2001. Rev Saúde Pública, 35:321-340), representing the largest tangible technological/scientific component in a single major field of knowledge in Brazil.
Considering only the Brazilian Federal government, and not including payroll, we estimate total Brazilian health research expenditures for the year 2001 at some U$ 172 to 200 million, with approximately 45% of this total spent on fellowships and scholarships. Some 42% of this budget was covered by the Ministry of Science and Technology (MST), another 20% to 25% by the Ministry of Health (MH), a similar amount by the Ministry of Education, and slightly over 10% by other agencies. Half of the MH funds were spent on research institutes working under the Ministry and the other half to support research projects elsewhere. Is this a great deal of funding, or very little in light of the number of researchers and groups involved in health research in Brazil? The sum is significant, but certainly short of Brazil's needs, especially considering the current crisis in the country's teaching hospitals. The priorities of a new National Policy for Science, Technology, and Innovation in Health (NPST&IH) should certainly include seeking new sources of funding.
Inequality is the Achilles' heal of Brazilian civilization. All the progress achieved by Brazil in all fields and over the course of generations runs up against the infamous stain of inequality. A firm commitment to increase equity standards in the health system should thus be the cornerstone of such a new policy. "If a country's health research system could be regarded as the 'brain' of its health system, the ethics would constitute its 'conscience'. It is imperative that such research systems function to the highest aspirations of ethics and distributive justice" (Z. A. Bhutta, 2002. Bull World Health Organ, 80:116). Respect for the life and dignity of persons should be the second pillar of a new NPST&IH.
The trademark of the prevailing Federal spending model in Brazil is a near total lack of articulation between the principal funding agencies (MST and MH). Naturally, to be capable of fostering better linkage, such a new policy must identify the positive aspects of the two institutional traditions. Only thus will the new National Policy be capable of treating research as an exercise in complementary logic. The world of research and the world of the health system cannot be perfectly juxtaposed. They have different histories, cultures, and rules, although they are capable of coexisting and converging within the framework of properly established objectives.
The 1st National Conference on Science and Technology in Health (1994) recommended closer links between health research and National Health Policy. The NPST&IH should have its inductive capacity increased, based on a rational choice of priorities. In order for this to happen, the most important step is to define an agenda of priorities for health research. The 2nd National Conference has been called for October 2003 to set the guidelines for the new NPST&IH.
Reinaldo Guimarães
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.