ARTIGO ARTICLE
Rosimar Lima Brandão Silva 1 Cristina Maria Barra 2 Teófilo Carlos do Nascimento Monteiro 1 Ogenis Magno Brilhante 3 | Estudo da contaminação de poços rasos por combustíveis orgânicos e possíveis conseqüências para a saúde pública no Município de Itaguaí, Rio de Janeiro, Brasil
A study of groundwater contamination with organic fuels and potential public health impact in Itaguaí, Rio de Janeiro State, Brazil
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1Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil. | Abstract Increasing attention is current focused on urban groundwater contamination with gasoline hydrocarbon compounds in Brazil. The compounds benzene, toluene, ethylbenzene, and xylenes (BTEX) contained in fuels are highly toxic and can have severe public health consequences, besides posing the risk of intake from the water table by way of contamination. After two years of a steady gasoline storage tank leak, water samples from private household wells in the district of Brisa Mar, Itaguaí, Rio de Janeiro State, were analyzed and the concentration of BTEX compounds was evaluated. Two out of ten water samples from the study area presented BTEX concentrations above the National Water Quality Standard (Brazilian Health Ministry Ruling No. 1469/2000), in which the maximum permissible benzene concentration is 5µg.L-1. Four others wells were also contaminated with nitrate, responsible for the induction of methemoglobinemia. Natural attenuation (intrinsic biodegradation) mechanisms through electron acceptors was also investigated in this study.
Resumo A contaminação de águas subterrâneas por combustível derivado de petróleo tem sido objeto de crescente pesquisa no Brasil. Os compostos benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos (BTEX), presentes nesses combustíveis, são extremamente tóxicos à saúde humana e podem inviabilizar a exploração de aqüíferos por eles contaminados. Neste trabalho, foi feita uma avaliação da qualidade da água de poço de algumas residências do Bairro Brisa Mar, Itaguaí, Rio de Janeiro, quanto à presença dos micropoluentes BTEX após dois anos da ocorrência de um vazamento de gasolina do tanque de armazenamento de combustível. Os resultados mostraram que dos dez poços avaliados, apenas dois encontram-se com valores de BTEX acima do recomendado pela Portaria 1.469/2000 do Ministério de Saúde, em que o teor máximo permitido para o benzeno é de 5µg.L-1. Em quatro poços há contaminação por nitrato, que é responsável pela indução da metemoglobinemia. Foram estudados também os possíveis mecanismos de atenuação natural (biodegradação intrínseca) envolvendo os aceptores de elétron. |
Introdução
A água subterrânea tem se tornado uma fonte alternativa de abastecimento de água para o consumo humano. Isto é devido tanto à escassez quanto à poluição das águas superficiais, tornando os custos de tratamento, em níveis de potabilidade, cada vez mais elevados. Em geral, as águas subterrâneas são potáveis e dispensam tratamento prévio, pois os processos de filtração e depuração do subsolo promovem a purificação da água durante a sua percolação no meio, tornando-se uma fonte potencial de água de boa qualidade e baixo custo, podendo sua exploração ser realizada em áreas rurais e urbanas (Oliveira & Loureiro, 1998).
A qualidade das águas subterrâneas deve ser preservada, daí a crescente preocupação com a sua contaminação. Entre as principais fontes de contaminação do solo e das águas subterrâneas pode-se citar os vazamentos em dutos e tanques de armazenamentos subterrâneos de combustível, atividades de mineração e uso de defensivos agrícolas. Outras importantes fontes de contaminação são os esgotos que, nas cidades e nas regiões agrícolas, são lançados no solo diariamente em grande quantidade, poluindo rios, lagos e lençol freático (Alaburda & Nishihara, 1998; Rebouças, 1996).
Devido ao número alarmante de vazamentos de tanques de armazenamento subterrâneos (TAS) a contaminação de aqüíferos a partir de derramamentos de combustível desses tanques tem sido um assunto de grande interesse nas últimas décadas (Bicalho, 1997; Borden et al., 1986; Capuano & Johnson, 1996; Corseuil & Alvarez, 1996; Fernandes, 1997; Hunt et al., 1988; Litle et al., 1992; Mackay & Cherry, 1989; Mackay et al., 1985; Soo Cho et al., 1997). Para se ter uma idéia da grandeza do problema, a Agência de Proteção Ambiental Norte Americana (EPA) estima que 30% dos TAS nos Estados Unidos estão com problemas de vazamento. Este aumento repentino no número de vazamento nos tanques de gasolina está relacionado ao final da vida útil dos tanques, que é de aproximadamente 25 anos (Corseuil & Alvarez, 1996).
No Brasil existem, aproximadamente, 27 mil postos de gasolina. No ano de 1985, o consumo de álcool, de gasolina e de diesel no País foi de 33, 38 e 82 milhões de litros.dia-1, respectivamente (Petrobras, 1995). Como na década de 70 houve um grande aumento do número de postos no país, supõe-se que a vida útil dos tanques de armazenamento, que é de aproximadamente 25 anos, esteja próxima do final, aumentando a ocorrência de vazamento. As preocupações relacionadas ao potencial de contaminação de águas subterrâneas, por derramamento de combustível, vêm crescendo em diversas cidades brasileiras. São Paulo e Curitiba possuem legislações sobre o tema e, em Joinville, a Prefeitura realizou um estudo com 65 postos da cidade, em que foi constatado que somente um deles não possuía qualquer tipo de vazamento (Corseuil & Marins, 1997).
Os principais contaminantes das águas subterrâneas são os compostos aromáticos, os hidrocarbonetos oxigenados, os íons metálicos, os microorganismos e os compostos nitrogenados. A presença de compostos nitrogenados também indica o grau de contaminação e as condições higiênico-sanitárias do aqüífero (Alaburda & Nishihara, 1988; Rebouças, 1999).
Os maiores problemas de contaminação são atribuídos aos hidrocarbonetos monoaromáticos, que são os constituintes mais solúveis e mais móveis da fração da gasolina. Estes hidrocarbonetos monoaromáticos, tais como benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos (orto-, meta-; para-), são denominados de BTEX. Os valores máximos permitidos para os diferentes hidrocarbonetos monoaromáticos, de acordo com o estabelecido pela Portaria 1.469/2000 do Ministério da Saúde (MS, 2000) são 5µg.L-1 para o benzeno, 170µg.L-1 para o tolueno, 200µg.L-1 para o etilbenzeno e 300µg.L-1para o xileno. Esses compostos são poderosos depressores do sistema nervoso central, apresentando toxicidade crônica, mesmo em pequenas concentrações (da ordem de µg.L-1). O benzeno é reconhecidamente o mais tóxico de todos os BTEX. Trata-se de uma substância comprovadamente carcinogênica (podendo causar leucemia, ou seja, câncer dos tecidos que formam os linfócitos do sangue), se ingerida, mesmo em baixas concentrações durante períodos não muito longos de tempo. Uma exposição aguda (altas concentrações em curtos períodos) por inalação ou ingestão pode causar até mesmo a morte de uma pessoa. Enquanto o padrão de potabilidade do benzeno estabelecido pelo MS é de 5µg.L-1, sua concentração dissolvida na água em contato com gasolina pode chegar a 3x104µg.L-1 (Mendes, 1993; Oliveira & Loureiro, 1998).
Quando ocorre um derramamento de gasolina, uma das principais preocupações é a contaminação de aqüíferos que são usados como fonte de abastecimento de água para consumo humano. Por ser muito pouco solúvel em água, a gasolina derramada, contendo mais de uma centena de componentes, inicialmente estará presente no subsolo como líquido de fase não aquosa (NAPL). Em contato com a água, os compostos BTEX se dissolverão parcialmente, sendo os primeiros contaminantes a atingir o lençol freático.
Evidências de campo sugerem que muitos dos hidrocarbonetos monoaromáticos originários dos vazamentos biodegradam naturalmente antes dos contaminantes alcançarem um receptor de água potável, indicando que pode estar ocorrendo uma atenuação natural. Segundo Borden et al. (1995) e Corseuil & Alvarez (1996), o conceito de biorremediação intrínseca (atenuação natural) é o fenômeno que envolve o uso de microorganismos endógenos que possuem a capacidade de degradar compostos perigosos, tais como os BTEX, dentro de aqüíferos, transformando-os em dióxido de carbono e água.
Inúmeras pesquisas vêm sendo realizadas com a finalidade de restaurar a qualidade das águas subterrâneas até níveis de potabilidade empregando-se diversas técnicas como: recuperação do produto livre, biodegradação sob condições desnitrificantes (Gersberg et al., 1991; Hutchins, 1991a), biodegradação utilizando-se diferentes aceptores de elétron (Hutchins, 1991b), extração de vapor do solo (Capuano & Johnson, 1996), remediação pela eletrocinética (Maini et al., 2000), adição de nitrato (Hutchins et al., 1991), bioventilação pela injeção de ar no solo (Soo Cho et al., 1997), utilização de lodo para promover subsídios à biodegradação anaeróbica (Battersby & Wilson, 1989), adsorção em carvão ativado (Kuhn et al., 1985), entre outras.
Todos os processos citados anteriormente para restaurar a qualidade das águas podem ser implementados para controlar o movimento das plumas (contaminantes), tratamento de águas subterrâneas, e/ou descontaminação de solos, mas em razão da associação de diferentes características apresentadas em cada sítio de estudo, dos elevados custos e dos longos períodos de tempo das técnicas de remediação para tornar as águas potáveis novamente, muitos pesquisadores dedicam-se ao desenvolvimento de modelos matemáticos como alternativa na simulação e na previsão de processos de transporte e biodegradação.
Nas últimas décadas, em virtude da escassez do petróleo e do excesso de monóxido de carbono no ar atmosférico nos grandes centros urbanos, alguns países, entre eles o Brasil, passaram a utilizar como combustível alternativo uma mistura de álcool e gasolina. No Brasil, esta mistura corresponde a 22% de etanol e 78% de gasolina, diferenciando-a da gasolina comercializada em outros países, pois as interações entre o etanol e os BTEX causam um efeito diferente no deslocamento da pluma de contaminantes em relação ao observado em países que utilizam gasolina pura.
Os BTEX são miscíveis nos álcoois primários (metanol e etanol); estes são altamente solúveis em água. Quando a mistura gasolina-etanol entra em contato com a água, o etanol passa para a fase aquosa aumentando a solubilidade dos BTEX nesta fase. Este processo é denominado de cossolvência, definido como a capacidade de um determinado solvente em aumentar a solubilidade de um soluto em outro solvente. Segundo Fernandes & Corseuil (1996), em sistemas subsuperficiais, os principais aspectos que podem afetar o comportamento dos BTEX em presença de etanol são: o aumento da solubilidade dos BTEX em água, o aumento da mobilidade dos BTEX dissolvidos na água e a presença do etanol, que pode dificultar a biodegradação natural dos BTEX, aumentando a persistência destes compostos na água. De acordo com Fernandes (1997), o etanol é completamente solúvel em água, e sua concentração é maior que a dos BTEX, em águas subterrâneas contaminadas por misturas de etanol e gasolina. Os compostos altamente solúveis têm menor poder de sorção. Sendo assim, o etanol terá uma mobilidade maior que os compostos BTEX nas águas subterrâneas. Quando o etanol está presente em concentrações altas, os BTEX podem deslocar-se mais rapidamente. Este processo é causado pela sorção no solo, levando os compostos BTEX a se deslocarem a uma distância maior. Para Corseuil & Marins (1997) e Barker et al. (1987), todos os álcoois primários podem ser biodegradados em preferência aos BTEX e consumir o oxigênio disponível, além de ser tóxico ou inibitório do crescimento dos microorganismos degradadores de BTEX.
Para a biodegradação dos hidrocarbonetos é essencial uma reação redox, em que o hidrocarboneto é oxidado (doador de elétron) e um aceptor de elétron é reduzido. Existem diferentes compostos que podem agir como aceptores de elétron, entre eles o oxigênio (O2), o nitrato (NO3-), os óxidos de Fe(III), o sulfato (SO4=), entre outros. Bactérias aeróbicas usam oxigênio molecular como aceptor de elétron e bactérias anaeróbicas usam outros compostos, tais como nitrato (NO3-), óxidos de Fe(III), sulfato (SO4=) como aceptor de elétron. O oxigênio é o aceptor preferencial, pois os microorganismos ganham mais energia nas reações aeróbicas. Dentre os aceptores de elétron das reações anaeróbicas, o nitrato é um dos íons mais encontrados em águas naturais, ocorrendo geralmente em baixos teores nas águas superficiais, mas podendo atingir altas concentrações em águas subterrâneas (Borden et al., 1995).
A ingestão de nitrato, através das águas de abastecimento, está associada à indução à metemoglobinemia, especialmente em crianças, e à formação potencial de nitrosaminas e nitrosamidas carcinogênicas, dois efeitos adversos à saúde. O desenvolvimento da metemoglobinemia com base no nitrato presente nas águas potáveis depende de sua conversão bacteriana a nitrito durante a digestão que ocorre no trato gastrointestinal. As crianças, principalmente as menores de três meses de idade, são bastante suscetíveis ao desenvolvimento dessa doença por causa das condições mais alcalinas do seu sistema gastroinstestinal, fato também observado em pessoas adultas que apresentam gastrointerites, anemia, porções do estômago cirurgicamente removidas e mulheres grávidas (Alaburda & Nishihara, 1998). Portanto, existem dois motivos para que seja determinada a concentração de nitrato em água de consumo humano contaminada por BTEX, primeiro, como fator benéfico, por ser um aceptor de elétron no processo de biodegradação dos BTEX, e o segundo, que é maléfico, por ser um parâmetro de avaliação da contaminação de águas por compostos nitrogenados que, no caso do nitrato, é prejudicial à saúde humana acima de 10mg.L-1 segundo estabelecido pelo MS na Portaria 1.469/2000 (MS, 2000).
O objetivo desse trabalho é avaliar a qualidade das águas subterrâneas que abastecem os poços de captação de água de algumas das residências do Bairro Brisa Mar, no Município de Itaguaí, Rio de Janeiro, onde a distribuição pública de água é precária. Em 1998, diversos poços de água do bairro foram contaminados por gasolina proveniente de um grande vazamento ocorrido em um posto de venda de combustível. Na ocasião, os poços foram lacrados como medida de proteção à saúde da população. Em virtude da falta de informação técnica com relação à qualidade da água dos poços contaminados e da precariedade do abastecimento público de água naquela região, a população, após dois anos, reabriu estes poços. Daí, o interesse em avaliar os diferentes parâmetros (BTEX, nitrato, pH, oxigênio dissolvido, temperatura, sulfato, Fe(II) e condutividade) que controlam os níveis de potabilidade dessas águas e o risco para a saúde das pessoas que as consomem.
Materiais e métodos
Para a determinação dos BTEX foram coletadas amostras de água provenientes de dez poços localizados no Bairro Brisa Mar, Km 17, Rio-Santos, Itaguaí, Rio de Janeiro, em dois períodos sazonais distintos, fevereiro de 2000 (chuvoso) e agosto de 2000 (seco). Para avaliação dos demais parâmetros físico-químicos, foram realizadas duas amostragens, em fevereiro e agosto de 2001.
A área onde o estudo foi realizado é ocupada por residências e pequenos comércios. A população possui padrão de renda de baixa a média. Em algumas residências verifica-se a prática de cultura de subsistência (pequenas hortas) e criação de animais, como aves e porcos. O abastecimento de água local é realizado por poços de captação de água, sendo estes do tipo cacimba ou poços tubulares com profundidade variando de 6 a 20 metros.
Na Figura 1, é mostrada a localização dos pontos de coleta (poços) numerados de 1 a 10. A amostra de água coletada no poço 09, paralela à fonte de contaminação, tem como objetivo uma comparação com dados de 1998, e verificar se ainda há uma contaminação residual próxima da fonte. As amostras de água coletadas nos poços 05 a 10, fora do percurso da pluma de contaminação, que se direciona para o sentido sul (na direção da Rua Universal), tem como objetivo referenciar os parâmetros físico-químicos e aceptores analisados. As amostras foram coletadas e transportadas ao laboratório seguindo-se as recomendações da American Public Health Association (APHA, 1992).
A determinação de BTEX foi realizada por cromatografia gasosa com sistema purge and trap, utilizando-se um cromatógrafo DFI/DIC - HP 5890 II, seguindo as metodologias 502.2, 503.1, 602 da EPA (Morgan et al., 1993). No sistema purge and trap (P&T), uma alíquota de 5,0mL da amostra de água é extraída e concentrada. O processo de extração por P&T consiste no borbulhamento de um gás inerte (hélio ultrapuro), à temperatura ambiente, em uma amostra aquosa. Desta forma, os compostos voláteis são eficientemente transferidos da fase aquosa para a fase vapor. O vapor é varrido para uma pequena coluna recheada de material adsorvente (trap), onde os componentes são retidos. Após o término da purga, o trap é aquecido sob fluxo de hélio, proporcionando a dessorção dos analitos que são imediatamente transferidos para o cromatógrafo a gás por meio de uma linha de transferência aquecida a 100oC. As determinações de sulfato e nitrato foram feitas por cromatografia de íons com detector condutimétrico, utilizando o cromatógrafo Shimadzu, modelo LO10AD. O oxigênio dissolvido, condutividade, temperatura e pH foram analisados com sonda multielelementar, Hidrolab, modelo Scout 2. O Fe(II) foi determinado por espetrofotometria, empregando-se o-fenantrolina como agente cromogênico, utilizando-se Espectrofotômetro Beckman, modelo DU-65.
Resultados e discussão
Após o vazamento de gasolina do tanque subterrâneo de armazenamento de combustível, a distribuidora responsável pelos tanques tomou todas as providências cabíveis logo após a notificação do acidente pelos moradores, tais como: recuperação da gasolina na fase livre, fechamento dos poços de água, monitoramento dos contaminantes mediante abertura de poços de monitoramento, fornecimento de água por rede de abastecimento público. Estas medidas foram efetuadas na tentativa de minimizar os danos à saúde humana e também ambientais, provocados pelo acidente. Entretanto, por causa da precariedade do abastecimento público de água e da falta de informação sobre os riscos do consumo dessas águas dos poços contaminados, a população, por iniciativa própria, reabriu os poços lacrados pela distribuidora de combustível.
A Tabela 1 apresenta as concentrações de BTEX e as Tabelas 2 e 3 os resultados de oxigênio dissolvido, pH, nitrato, sulfato, Fe(II), temperatura, condutividade, potencial redox e turbidez das amostras de água dos poços do Bairro Brisa Mar, Itaguaí.
Analisando-se a Tabela 1, pode-se observar que, na primeira amostragem (mês de fevereiro), dos dez poços avaliados, somente nos poços 01 e 02 foram encontradas concentrações de BTEX acima do recomendado (MS, 2000), com exceção do etilbenzeno. Comparando-se os resultados obtidos das amostragens de fevereiro e agosto, observa-se que, à exceção do benzeno, as concentrações dos demais hidrocarbonetos monoaromáticos encontram-se dentro dos limites permitidos pela legislação federal (MS, 2000). As concentrações de benzeno nos dois poços (01 e 02) estão cerca de cem vezes acima do valor máximo permitido, que é de 5µg.L-1, indicando um grave risco no consumo dessa água pela população, que por exposição crônica, pode desenvolver doenças do sistema nervoso central ou leucemia (Corseuil & Marins, 1997; Mendes, 1993; Oliveira & Loureiro, 1998). Quando se comparam as concentrações de benzeno com relação ao fator sazonal, nota-se que a concentração de benzeno no período chuvoso é menor que no período de seca. Isto se deve, provavelmente, ao aumento do volume de água no lençol freático no período de chuvas. Em agosto de 2000 foram obtidas as concentrações de BTEX mostradas na Tabela 1. Comparando as concentrações de BTEX nesta tabela, com os resultados fornecidos pela Hidroplan (1998) no ponto de coleta 01 (800µg.L-1 de benzeno, 600 µg.L-1 de tolueno e 900µg.L-1 de xileno) realizados na época do acidente, houve um decaimento de aproximadamente 97% em todos os outros hidrocarbonetos, tirante o benzeno. No entanto, o decaimento na concentração do benzeno foi de apenas 35%. Embora haja muita controvérsia acerca da biodegradação de benzeno sob condições anaeróbicas, em presença de nitrato, no presente estudo isto foi observado, ou seja, o benzeno é recalcitrante (Borden et al., 1995; Hutchins, 1991a; Morgan et al., 1993).
Conforme os dados da Tabela 2, realizados para confirmar uma possível atenuação natural, as águas subterrâneas são ácidas, com pH variando entre 4,0 e 6,0. Comparando-se o pH com a produção de dióxido de carbono como produto da biodegradação, estes valores estão coerentes com os relatados na literatura que citam intervalo de pH entre 4,7 e 5,8 (Borden et al., 1995). Quanto aos aceptores de elétron (oxigênio dissolvido, nitrato, e sulfato), observa-se que os teores de oxigênio dissolvido (1,6-4,16mg.L-1) e sulfato (5-22mg.L-1) encontram-se em níveis moderados nos dois períodos sazonais. Os teores de nitrato encontram-se também em níveis moderados (1-8mg.L-1), menos os das águas dos poços 05, 07, 08 e 09, cujos teores variam entre 17-53mg.L-1 (fevereiro/2001) e 10-22mg.L-1 (agosto/2001).
Quase todos os hidrocarbonetos de petróleo são biodegradáveis sob condições aeróbicas. O oxigênio é um co-substrato que pode iniciar o mecanismo de biodegradação e, depois de iniciado o metabolismo, pode também funcionar como aceptor de elétron para a geração de energia. Porém, a maior limitação da biodegradação aeróbica na subsuperfície é a baixa solubilidade do oxigênio em água. Em altas concentrações de hidrocarboneto, a biodegradação aeróbica pode não ser suficiente para degradá-los completamente. Quando o oxigênio é esgotado e o nitrato está presente, os microorganismos anaeróbicos facultativos utilizarão o nitrato como aceptor final de elétron em substituição ao oxigênio (Borden et al., 1995).
Analisando em conjunto as concentrações de BTEX, oxigênio dissolvido e nitrato, pode-se concluir que, provavelmente, houve atenuação natural por estes dois aceptores de elétron. Os teores de sulfato são relativamente altos, indicando que este aceptor não foi utilizado no processo de biodegradação. Os teores de Fe(II), muito baixos (< 0,2mg.L-1), indicam que nesses poços provavelmente há ausência de Fe(III). Na Tabela 3, os potenciais químicos relativamente altos indicam um ambiente oxidante, que também é reforçado pelos teores de nitrato e oxigênio dissolvido que, além de serem fortes oxidantes, favorecem a atenuação natural, também observado por Morgan (1993). Na Figura 1, pode-se constatar que os pontos 01 e 02, localizados dentro da pluma de contaminantes, têm os teores de nitrato mais baixos que os pontos localizados fora da pluma. Como descrito por Bedient et al. (1999), os teores mais baixos de nitrato indicam que estes estão sendo utilizados como aceptor no processo de atenuação. Quando se comparam as concentrações de nitrato com relação ao fator sazonal, observa-se que sua concentração no período chuvoso é maior que no período de seca. Isto se deve, provavelmente, à maior infiltração do esgoto no lençol freático no período de chuvas.
Seguindo-se a Portaria Federal, com relação à contaminação por nitrato, somente quatro dos poços avaliados (poços 05, 07, 08 e 09) estão com teor acima do permissível, que é de 10mg.L-1 (MS, 2000). O poço 09, onde foram encontrados 53,3mg.L-1 e 22,2mg.L-1 de nitrato, um teor cinco e duas vezes maior, respectivamente, do que o máximo permissível demonstra que as condições higiênico-sanitárias são insatisfatórias na região e representam um risco elevado para a população, sobretudo para as crianças e pessoas idosas que consomem esta água (Alaburda & Nishihara, 1998).
Conclusão
A disponibilidade tanto de oxigênio dissolvido quanto de nitrato (aceptores de elétron) provavelmente contribuiu para a ocorrência da atenuação natural dos BTEX (biodegradação) no sítio de estudo. A concentração de benzeno, cem vezes maior que a permitida pela Legislação Federal, indica que este hidrocarboneto aromático, tóxico, resiste à biodegradação neste sítio.
No Bairro Brisa Mar, nos poços onde foram coletadas amostras de águas subterrâneas para a realização do presente estudo, as águas são inadequadas para consumo por parte da população do bairro, já que propiciam risco ao desenvolvimento de doenças como, especialmente, metemoglobinemia e câncer. Isto se deve à alta concentração de nitrato presente, oriunda de condições bastante precárias de saneamento básico. Uma vez que a exposição à água contaminada não está apenas restrita aos moradores dos lotes onde os poços estão localizados, pois além de servir a duas ou três residências, há também a distribuição por intermédio da coleta em vasilhames, devem ser dados esclarecimentos à população do bairro acerca do perigo de consumir água de poço sem avaliação precisa e confiável.
É importante ressaltar que o monitoramento da qualidade da água de poço, ministrado pela distribuidora responsável pelo posto, deve ser acompanhado pelo órgão público competente sobre o assunto para respaldar e proteger a população local, além de fiscalizar e avaliar os trabalhos que estão sendo realizados.
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Recebido em 4 de outubro de 2001
Versão final reapresentada em 7 de fevereiro de 2002
Aprovado em 8 de abril de 2002