ARTIGO ARTICLE
Prevalência e fatores associados a sobrepeso e obesidade em adolescentes de 15 a 19 anos das regiões Nordeste e Sudeste do Brasil,1996 a 1997
Prevalence of overweight and obesity and associated factors among adolescents in the Northeast and Southeast regions of Brazil, 1996 to 1997
Vera Cristina MagalhãesI; Gulnar AzevedoII; Silva MendonçaII
IDepartamento de Nutrição Aplicada, Instituto de Nutrição, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua São Francisco Xavier 524, Rio de Janeiro, RJ, 20559-900, Brasil. vcmaga@aol.com, vcm@uerj.br
IIDepartamento de Epidemiologia, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua São Francisco Xavier 524, Rio de Janeiro, RJ 20559-900, Brasil. gulnar@uerj.br
ABSTRACT
The purpose of this study was to assess the prevalence and factors associated with overweight and obesity (OW/O) among Brazilian adolescents, based on the Living Standards Survey conducted in 1996 and 1997 (IBGE, 1998a). The sample included 1,027 and 854 adolescents aged 15 to 19 years from the Northeast and Southeast regions, respectively. Body Mass Index (w/h2) was calculated. Statistical analysis considered expansion factors and sample design. Prevalence of OW/O was 8.45% in the Northeast and 11.53% in the Southeast. In the Northeast there was a higher risk of OW/O for girls (PR = 3.00), with the same situation in both urban (PR = 3.21) and rural areas (PR = 2.27). In the Southeast, the risk of OW/O was lower among girls (PR = 0.58). The same situation occurred in girls from urban areas (PR = 0.51), but in rural areas there was an increased risk among girls (PR = 1.86). Per capita monthly income was associated with the risk of OW/O among boys in both regions. Programs to prevent OW/O should incorporate nutritional reeducation and encourage physical exercise, besides considering socioeconomic, cultural, and regional differences and the location of the target population.
Key words: Obesity; Overweight; Teen Health; Nutrition Assessment; Prevalence
RESUMO
O estudo objetivou avaliar a prevalência de sobrepeso e obesidade (S/O) e fatores associados, em adolescentes de duas regiões do Brasil, segundo o Índice de Massa Corporal. Baseou-se nos dados da Pesquisa sobre Padrões de Vida, inquérito domiciliar realizado pelo IBGE (1998a), entre 1996 e 1997, nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil e incluiu 1.027 e 854 adolescentes de 15 a 19 anos, respectivamente. A análise estatística considerou os fatores de expansão e o desenho da amostra. A prevalência de S/O foi de 8,45% no Nordeste e 11,53% no Sudeste. No Nordeste, observou-se maior risco de S/O para meninas (RP = 3,00), na área urbana (RP = 3,21) e na rural (RP = 2,27). Observou-se menor risco de S/O para meninas do Sudeste (RP = 0,58), também na área urbana (RP = 0,51), mas não na rural (RP = 1,86). O aumento da renda per capita domiciliar mensal se associou ao risco de S/O em meninos do Nordeste (c2 de tendência linear: p = 0,002) e Sudeste (c2 de tendência linear: p = 0,006). Concluiu-se a necessidade de programas de prevenção a S/O que incluam reeducação alimentar e estímulo à atividade física, considerando as diferenças sócio-econômicas e culturais regionais da população alvo.
Palavras-chave: Obesidade; Sobrepeso; Saúde do Adolescente; Avaliação Nutricional; Prevalência
Introdução
O crescente aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade observado em diferentes regiões do mundo e em diversos segmentos sociais, não só nos países ricos mas também nos países em desenvolvimento, tem causado grande preocupação entre autoridades sanitárias e na população em geral (WHO, 1998). Estes agravos nutricionais são fatores de risco para diversas doenças ao longo da vida dos indivíduos. Relacionam-se à hipertensão arterial, hiperlipoproteinemias, doenças coronarianas, ósteo-articulares, diabetes mellitus e a alguns tipos de câncer (WHO, 1998). Sendo a adolescência um período da vida onde ocorre grandes mudanças físicas e psicológicas, altamente influenciadas por fatores genéticos, étnicos e ainda pelas diferentes situações sociais e ambientais, destaca-se a importância da implementação de atividades preventivas de problemas de saúde e nutrição específicas dentro das políticas de saúde pública, não só para a sua saúde presente, como futura.
Inquéritos realizados nas últimas quatro décadas nos Estados Unidos vêm evidenciando aumento da obesidade entre adolescentes. Entre 1980 e 1994 o aumento foi acentuado, chegando a 137% entre os meninos. Segundo o III National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III/1988-1994) (NCHS, 1994), a prevalência de obesidade para esses adolescentes na faixa de 12 a 17 anos foi de 12,8% para o sexo masculino e 8,8% para o sexo feminino (Monteiro, 1998).
No Brasil, os inquéritos domiciliares realizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1977, 1998a, 1998b, 2000; INAN, 1990) Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF 1974-1975), a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN 1989) e a Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV 1996-1997), permitiram a avaliação nutricional de adolescentes. Neutzling (1998), com base nos dados de adolescentes de 10 a 19 anos da PNSN, utilizando como ponto de corte o percentil 85 do índice de massa corporal (IMC) da população norte-americana da NHANES I, encontrou prevalência de 7,7% de sobrepeso/obesidade (S/O), sendo 10,6% para meninas e 4,8% para meninos. Anjos (2000), analisando os dados das regiões Nordeste e Sudeste dos três inquéritos brasileiros, observou tendência positiva do IMC para meninos da Região Sudeste.
O presente trabalho, teve como objetivo avaliar a prevalência de S/O e fatores associados, em adolescentes na faixa etária de 15 a 19 anos, em regiões brasileiras marcadas por apresentarem padrões sócio-econômicos e culturais bem diferenciados: Nordeste e Sudeste.
Material e métodos
O estudo compreendeu um recorte dos dados da PPV, inquérito de base domiciliar, realizado entre março de 1996 e março de 1997, pelo IBGE, em convênio com o Banco Mundial (IBGE, 1998a). A estratégia de amostragem empregada contou com a formação de estratos geográficos por regiões, com seleção aleatória de conglomerados (setores censitários) e de domicílios, onde todos os moradores foram entrevistados. A amostra da PPV totalizou 19.409 indivíduos, distribuídos em dez estratos geográficos, 554 setores, 4.940 domicílios, sendo no Nordeste 2.484 em 278 setores e no Sudeste, 2.456 domicílios em 276 setores (IBGE, 1998a).
Foram estudados os adolescentes com idade entre 15 e 20 anos incompletos. A escolha desta faixa etária se deu em função de não ser possível a análise de maturação sexual pela ausência de informação para ambos os sexos, reforçada pela afirmativa de que as fases de maturação sexual e de estirão de crescimento já tenham sido contempladas em maior intensidade entre 11 e 15 anos de idade, pressupondo-se dessa forma, menor variação de peso e altura nos adolescentes selecionados (Colli, 1985).
As gestantes foram excluídas. As perdas por dados incompletos de antropometria, somaram 12,89% na Região Nordeste e 6,15% na Região Sudeste. A população de estudo contou assim com 1.027 adolescentes na Região Nordeste distribuídos em 266 setores, e 854 na Região Sudeste em 257 setores.
Segundo o Manual de Normas Técnicas (IBGE, 1998a), o formulário de coleta de dados utilizado pela PPV, apresentado sob a forma de questionário padronizado, foi preenchido por entrevistador previamente treinado (IBGE, 1998a).
Foram utilizadas balanças de precisão portáteis dinamarquesas, marca Seca, modelo 890, calibradas até 150Kg, que permitiram o registro do peso com precisão de 100g; a medição da altura foi feita por microestadiômetros, que permitiram o registro da altura com precisão de décimos de centímetros. Foram indicados cuidados básicos com o entrevistado, como a retirada dos sapatos e o uso de roupas leves durante as medidas.
A variável idade foi obtida a partir da subtração da data em que foi realizada a aferição do peso e altura, e da data do nascimento do entrevistado. Foram criadas categorias de faixa etária com intervalos de um ano (15 < 16; 16 < 17; 17 < 18; 18 < 19 e 19 < 20).
A avaliação nutricional dos adolescentes foi feita através do IMC (peso em quilos dividido pela altura em metros ao quadrado), indicado em estudos epidemiológicos por sua relativa facilidade de mensuração e correlação com gordura corporal (Himes & Dietz, 1994). Elegeu-se o termo "sobrepeso/obesidade" (S/O) para definir um excesso de massa corporal ou peso relativo. Assumiu-se como ponto de corte, percentil igual ou maior que 85, com base nos valores de IMC da população norte-americana do First National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES I) (Must et al., 1991a, 1991b).
Dada às evidências científicas de que diferenças antropométricas entre grupos populacionais estão relacionadas não só com estado nutricional, mas também com atividade física, nível sócio-econômico, grau de urbanização e de industrialização e localização geográfica (WHO, 1995), somadas às enormes desigualdades socioculturais intra e inter regionais nas regiões Nordeste e Sudeste, apontadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD 1992-1995 (IBGE, 1997), optou-se por selecionar as informações e medidas da PPV que possibilitaram analisar a prevalência de S/O entre adolescentes segundo região de domicílio. Para avaliar a influência de alguns indicadores sócio-econômicos, foram selecionadas as variáveis: situação de moradia (urbana ou rural), número de moradores no domicílio (até quatro ou cinco e mais), renda per capita domiciliar baseado no salário mínimo federal à época: até um salário mínimo (R$112,00), maior que um salário e menor que três salários e igual ou maior que três salários. Do somatório mensal de todas as fontes de renda dos moradores dos domicílios, dividido pelo número de moradores, chegou-se à renda per capita domiciliar mensal. Foi incluída também a única informação referente à realização de algum tipo de atividade física de lazer (não realiza, realiza até duas vezes por semana e realiza três ou mais vezes na semana) (IBGE, 1998a).
A ausência de informação sobre renda per capita domiciliar mensal foi de apenas 72 observações na Região Nordeste (7,01% que, expandidos, corresponderam a 4,81%) e 56 na Região Sudeste (6,56% que, expandidos, corresponderam a 7,1%). As variáveis escolaridade do pai e da mãe, nas duas regiões, não foram incluídas como indicadoras de nível sócio-econômico, por apresentarem perdas de informação maiores que 15%.
O processamento dos dados e as análises estatísticas consideraram a complexa estrutura do processo amostral e foram realizados com o programa STATA 6.0 Módulo Survey. As especificações contemplaram as ponderações amostrais calculadas para cada domicílio, os estratos geográficos e a unidade primária de amostragem. Assim, os dados foram corrigidos considerando-se o efeito do desenho amostral para cálculo das estimativas pontuais e intervalos de confiança.
Foram calculadas as prevalências e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%), para a variável de desfecho "sobrepeso/ obesidade" e variáveis independentes estudadas por região e sexo: situação de domicílio, renda per capita domiciliar mensal, número de moradores no domicílio e prática de atividade física. A escolha das análises estratificadas por sexo, baseou-se nos dados apresentados por Anjos (2000), que mostram haver tendência secular do IMC em adolescentes nos últimos 25 anos no Brasil, e que esta é bastante diferenciada não só pela região de moradia, mas também pelo sexo.
Para avaliação de associação de risco entre as variáveis indicativas de situação sócio-econômica e S/O, por região e entre os sexos (meninas/meninos), foram calculadas razões de prevalência com IC95%, através da regressão de Poisson (Kahn & Sempos, 1989; Szklo & Nieto, 2000).
As análises de associações de risco por região segundo o sexo, foram feitas por meio de regressão logística não-condicional, utilizando-se odds ratios (OR) brutas e ajustadas, com IC 95% (Kelsey et al., 1996). Para as variáveis renda per capita domiciliar mensal e prática de atividade física foram calculados qui-quadrados de tendência linear.
O modelo multivariado final proposto avaliou a associação entre o S/O e as condições sócio-econômicas estudadas (situação de domicílio, renda domiciliar per capita mensal, número de pessoas na moradia), ajustadas por idade e prática de atividade física, sempre estratificados por região e sexo.
Resultados
A Tabela 1 apresenta a distribuição relativa e a prevalência de S/O da população de estudo. Observa-se que a prevalência de S/O foi maior na Região Sudeste quando comparada à Região Nordeste, com destaque para moradores da área urbana em ambas as regiões. No Nordeste, meninas apresentaram maior freqüência de S/O, ocorrendo o oposto na Região Sudeste. Exceção para meninos de 16 anos do Nordeste, onde a prevalência de S/O foi maior quando comparada com meninas. Meninas da Região Nordeste, apresentaram maior risco de S/O quando comparadas aos meninos (razão de prevalência: RP = 3,00; IC95%: 1,73-5,22). Na Região Sudeste, as meninas apresentaram menor risco de S/O que meninos (RP = 0,58; IC 95%: 0,37-0,92) (tabela não apresentada).
Nas Tabelas 2 e 3, comparando-se as regiões, evidenciou-se algumas desigualdades regionais segundo a distribuição relativa de meninos e meninas. Na Região Nordeste mostrou-se maior o percentual de adolescentes de ambos os sexos com moradia em área rural, renda per capita domiciliar de até um salário mínimo e número de pessoas residentes por domicílio.
Mostram ainda que, desagregando-se os dados nas duas regiões por sexo e por situação de domicílio, as meninas da área rural da Região Nordeste quando comparadas com as do Sudeste, apresentaram prevalência de S/O menor. Verificou-se maior risco de S/O entre meninas em relação aos meninos, moradores do Nordeste urbano (RP = 3,21, IC 95%: 1,72-5,99). Já no Sudeste urbano, verificou-se o contrário, razão de prevalência de S/O entre meninas e meninos igual a 0,51 (IC95%: 0,31-0,85).
Entre meninos de ambas as regiões, observou-se aumento da freqüência de S/O em função do aumento da renda (Tabelas 2 e 3), o que não ocorreu entre meninas. Para as do Nordeste as prevalências foram similares entre as categorias de renda, e para as do Sudeste destacou-se menor prevalência de S/O entre as de renda per capita domiciliar maior que três salários mínimos. Estes achados devem, no entanto, ser considerados apenas como indicativos de prevalência, pois os intervalos de confiança em muitas vezes se superpõem devido ao tamanho amostral referente aos dados estudados. Analisando-se a RP meninas/meninos do Nordeste em relação à renda, observou-se que o risco de S/O em meninas aumentou em função de menor renda per capita domiciliar. Já na Região Sudeste a RP meninas/meninos no estrato de renda mais alto foi de 0,24 (IC 95%: 0,08-0,65) (Tabela 3).
No Nordeste, as maiores prevalências de S/O foram verificadas entre moradores de domicílio com até quatro pessoas, quando comparados com os moradores de domicílio com cinco ou mais pessoas. As meninas apresentaram maior de risco de S/O do que os meninos ao residirem em domicílios com mais de cinco pessoas nesta região (RP = 4,43, IC95%: 2,15-9,09) (Tabela 2), o que no Sudeste se apresentou de forma inversa (RP = 0,44, IC95%: 0,23-0,85) (Tabela 3).
Quanto à distribuição relativa dos adolescentes por freqüência de atividade física, observou-se que o sedentarismo é maior entre as meninas, quando comparadas aos meninos nas duas regiões. Foram encontradas 80,03% de sedentárias na Região Nordeste e 70,75% na Região Sudeste. Maior prevalência de S/O registrou-se entre meninas da Região Nordeste (19,33%) e do Sudeste (13,61%) que praticavam atividade física até duas vezes na semana (Tabelas 2 e 3). Entre os meninos do Nordeste não se evidenciou variação importante da prevalência de S/O com a freqüência de atividade física (Tabela 2). Para os meninos da Região Sudeste, observou-se que as prevalências de S/O se apresentaram maiores com o aumento da freqüência de atividade física (Tabela 3). Quanto à associação de risco entre freqüência de atividade física e S/O entre os sexos (meninas/meninos), foi encontrado maior risco de S/O para as meninas entre os adolescentes que faziam atividade até duas vezes na semana (RP = 4,93, IC95%: 1,45-16,70), seguidas das meninas que não realizavam nenhuma atividade física na Região Nordeste (RP = 2,98, IC95%: 1,40-6,37) (Tabela 2).
A Tabela 4 mostra os resultados da análise de regressão logística bruta e multivariada para as variáveis selecionadas, associadas a S/O na Região Nordeste. Observou-se que meninos de 16 anos apresentaram maior risco de S/O quando comparados com os de 19 anos, mesmo após o ajuste por situação de domicílio, renda per capita domiciliar mensal, número de pessoas por domicílio e freqüência de prática de atividade física Foi visto que o aumento da renda per capita domiciliar mensal só se mostrou associada a S/O entre meninos (c2 de tendência linear: p = 0,002). Da mesma forma, o número menor de moradores por domicílio parece estar associado a um menor risco de S/O entre os meninos. A prática de atividade física não apresentou resultados estatisticamente significantes em ambos os sexos.
A Tabela 5 mostra igualmente ao ocorrido na Região Nordeste, que o S/O entre meninos mostrou-se associado ao maior valor de renda per capita domiciliar mensal, com tendência linear estatisticamente significativa (c2 de tendência linear: p = 0,006). Ainda entre os meninos, residir em área urbana mostrou OR bruto de 2,65 (IC95% = 1,14-6,17), porém, após ajuste pelas demais variáveis, o OR deixou de ser estatisticamente significativo.
A prática de atividade física nesta região, também não foi associada ao S/O em ambos os sexos.
Discussão
Com a PPV foi possível avaliar nutricionalmente adolescentes da Região Nordeste, considerada a menos desenvolvida do país, e a mais desenvolvida, a Sudeste, confirmando a existência de diferenças no estado nutricional dessas duas populações.
O uso da população americana como valor de referência para estimar sobrepeso em grupos específicos como o de adolescentes, pode subestimar este problema nutricional em países em desenvolvimento como o nosso (WHO, 1995). Os valores de IMC da população americana no percentil 85 são bem elevados quando comparados com os valores de IMC no mesmo percentil de nossa população, o que alguns estudos nacionais já atestaram (Anjos et al., 1998; Sichieri & Allan, 1996; Veiga et al., 2001). Ainda assim, acredita-se que o ponto de corte utilizado em nosso trabalho tenha identificado importante percentual de adolescentes que necessitam de atenção especial por parte da saúde coletiva, na tentativa de diminuir a probabilidade de virem a ser adultos obesos, assim como apontou para a necessidade de iniciativas rápidas de prevenção para este agravo na população geral.
Constatou-se que maior desenvolvimento da região e grau de urbanização mostraram-se relacionados a S/O entre adolescentes, quando analisados os dois sexos em conjunto, assim como encontrado por Neutzling (1998) e em estudos com adultos (Coitinho et al., 1991) e crianças (Taddei, 1995), baseados na PNSN 1989. Estudos internacionais também apontaram para o fato de a obesidade ser mais prevalente entre a população da área urbana (Doyle & Feldman, 1997; Drewnowski & Popkin, 1997). No entanto, quando estratificados por sexo, não foi observado o mesmo comportamento entre meninas.
Comparando-se a prevalência de S/O, por região e por sexo, observou-se que os meninos da Região Sudeste apresentaram maior prevalência quando comparados aos da Região Nordeste, ocorrendo o oposto entre meninas, que apresentaram maior prevalência na Região Nordeste. Estudos realizados em locais situados na Região Sudeste também evidenciaram maiores prevalências para os meninos (Barros, 1999; Fonseca et al., 1998; Gama, 1997; Pereira, 1998; Priori, 1998). Tal fato não foi evidenciado por Neutzling (1998), que, na PNSN, encontrou prevalências de S/O na Região Sudeste de 12,9% para meninas e de 5,4% para meninos de 10 a 19 anos. Tal diferença pode ser justificada em função do período em que os estudos foram realizados, o que foi atestado por Anjos (2000), que observou existir uma clara tendência a aumento do IMC para adolescentes do sexo masculino da Região Sudeste, a partir dos dados do ENDEF 1975, PNSN 1989 e PPV 1997. Infelizmente, os dados antropométricos dos inquéritos se basearam apenas no IMC, que, apesar de ser uma alternativa para o rastreamento de sobrepeso em inquéritos populacionais por sua fácil aplicabilidade, suscita discussões com relação a sua correlação com gordura e massa magra corporal para adolescentes, já que não reflete as mudanças de composição corporal que ocorrem freqüentemente durante este estágio da vida (Anjos et al., 1998). Estudos indicaram que o uso de IMC para identificação de S/O em adolescentes gerou alto percentual de resultados falsos positivos em meninos e maior percentual de resultados falsos negativos em meninas, quando se usou como critério de comparação o percentual de gordura corporal (Barros, 1999; Veiga et al., 2001).
Ainda entre meninos da Região Sudeste, maior prevalência de S/O foi evidenciada entre os moradores da área urbana quando comparados aos da área rural. Parte desses meninos poderiam estar sendo influenciados pelo modismo já disseminado em países desenvolvidos do "culto ao corpo musculoso" (Heinberg et al., 1996). Dessa forma para estes, os resultados obtidos através do IMC, "poderiam estar mascarando" sua verdadeira condição nutricional. Também a diminuição do gasto energético oriundo do menor esforço físico no lazer e no trabalho, o que favoreceria um estilo de vida sedentário, acrescidos ou não de mudança no padrão alimentar, poderia estar contribuindo para o incremento deste agravo nutricional, pois os adolescentes são alvos constantes das campanhas publicitárias estimulando-os freqüentemente a aumentarem a ingestão calórica. Ressalta-se ainda, que o aumento de risco estatisticamente significativo para S/O em meninos, se associou ao aumento da renda per capita domiciliar mensal nas duas regiões.
É curioso notar que as meninas apresentaram maior prevalência de S/O na Região Nordeste, e ainda na área urbana e na rural, quando comparadas aos meninos. Na Região Sudeste, no entanto, na área urbana verificou-se maior prevalência entre os meninos. Este fato porém, não aconteceu entre meninas da área rural da Região Sudeste, onde se verificou a mesma tendência observada na Região Nordeste: maior prevalência entre meninas. Estes achados corroboram os encontrados por Monteiro & Conde (1999) que, estudando os dados da PNSN e PPV, concluíram existir uma tendência de queda de S/O entre adultas da Região Sudeste. Estes autores ressaltaram que tal fenômeno ainda não havia sido descrito em nenhum país em desenvolvimento e apenas em um estudo na Finlândia. Ao contrário do observado no sexo masculino, entre as meninas do Sudeste, a menor prevalência foi encontrada no estrato mais alto de renda. Pressupõe-se que, entre adolescentes, principalmente entre meninas de regiões mais desenvolvidas e com melhores níveis sócio-econômicos, exista a preocupação com a inaceitabilidade social da obesidade, levando-as a uma preocupação extremada com a estética e com a busca do "corpo magro" Este modismo e o aumento da obesidade tanto em nível mundial como nacional, levou a mídia a discorrer constantemente sobre o assunto, alertando a população para as conseqüências danosas da obesidade à saúde. Acredita-se que esses apelos tenham atingido, em parte, meninas de melhor poder aquisitivo.
Diferentemente do encontrado na Região Sudeste, as prevalências de S/O entre meninas da Região Nordeste foram altas e semelhantes em todas as faixas de renda, levando-nos a acreditar que outros fatores que não só o sócio-econômico tenham influência no aparecimento do S/O neste grupo.
Morar em domicílio com até quatro pessoas mostrou ter associação estatisticamente significativa com S/O somente entre meninos da Região Nordeste. Coitinho et al. (1991) aventaram a possibilidade de um aumento de consumo alimentar per capita em função da diminuição do número de moradores, o que facilitaria o aparecimento de S/O.
O maior risco de S/O entre meninos na faixa específica de 16 anos de idade da Região Nordeste é de difícil explicação, já que nosso estudo utilizou somente o IMC e não havia informações sobre maturação sexual ou déficit estatural.
Em relação à atividade física, nas duas regiões estudadas, as meninas mostraram-se mais ociosas que os meninos, tendência já descrita em alguns estudos internacionais (Afonso et al., 2000; Meredith & Dwyers, 1991) e nacional (Lyra, 2000).
Pesquisas recentes têm associado benefícios à saúde, não só como resultado de exercício intenso, mas também como função do gasto calórico total, variáveis incapazes de serem determinadas com acurácia por instrumentos recordatórios (Pate et al., 1995). A associação entre a prática de atividade física e S/O neste estudo não se mostrou estatisticamente significativa, pressupondo-se que a medida de atividade física computada no inquérito tenha sido insuficiente para uma avaliação mais precisa.
Como principais limitações do estudo, destacamos o fato de a PPV ter sido concebida com tamanho amostral para fornecer indicadores de tendência em níveis agregados e não especificamente para subgrupos, o que pode ter interferido nos resultados. Tal limitação já havia sido enfatizada em publicações específicas do IBGE (1998a, 2000). Ao se analisar a faixa etária escolhida, algumas áreas das regiões estudadas tiveram amostras reduzidas, o que diminuiu a precisão dos resultados. Ainda assim, os resultados estão na direção de outros estudos regionais brasileiros.
Em conclusão, as prevalências apontadas denotaram que S/O atingem hoje grande parte de subpopulações, tanto de baixa como de melhor condição sócio-econômica. A baixa prevalência de S/O entre meninas de maior renda per capita domiciliar mensal, da região mais desenvolvida, sugere que a interferência de fatores culturais e sociais, dos quais a mídia participa, podem refletir-se no estado nutricional, o que nos leva a crer que medidas educativas de prevenção devam considerar este fato. Acrescenta-se a necessidade de programas preventivos voltados para o combate e controle da obesidade no Brasil, que contemplem não só medidas antropométricas, sexo e idade, mas as diferenças sócio-econômicas, culturais e ambientais regionais e locais de nossa população.
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Recebido em 22 de abril de 2002
Versão final reapresentada em 5 de dezembro de 2002
Aprovado em 17 de dezembro de 2002