REVISÃO REVIEW

 

Equações de predição da aptidão cardiorrespiratória sem testes de exercício e sua aplicabilidade em estudos epidemiológicos: uma revisão sistemática

 

Prediction of aerobic fitness without stress testing and applicability to epidemiological studies: a systematic review

 

 

Geraldo de Albuquerque Maranhão NetoI; Paulo Mauricio Campanha LourençoI; Paulo de Tarso Veras FarinattiII

IDepartamento de Epidemiologia, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IILaboratório de Atividade Física e Promoção da Saúde, Instituto de Educação Física e Desportos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Uma baixa aptidão cardiorrespiratória é considerada fator de risco independente para o óbito por todas as causas, mas principalmente por doença coronariana. Devido a essa importância e à dificuldade de avaliá-la por meio de testes de exercícios, formas alternativas de avaliação foram sugeridas, envolvendo equações de predição sem a necessidade de realização de exercícios. O presente estudo objetivou analisar criticamente esses modelos e, principalmente, sua aplicabilidade em estudos epidemiológicos. Foi realizada uma revisão de artigos publicados entre 1966 e 2002. Os critérios para julgar a qualidade dos estudos foram: (a) inclusão de variáveis explicativas com base teórica; (b) critérios de validação (padrão-ouro); (c) equações apresentadas por completo, incluindo erro padrão da estimativa; (d) equações submetidas a processo de validação cruzada. Apenas cinco dos 23 estudos selecionados atenderam a todos os critérios de qualidade. Conclui-se que, em princípio, os modelos sem exercícios podem constituir alternativa viável para avaliação da aptidão cardiorrespiratória em estudos epidemiológicos. No entanto, ainda são poucas as equações disponíveis cuja validação permite grau aceitável de generalização.

Aptidão Física; Análise de Regressão; Avaliação


ABSTRACT

Cardiorespiratory fitness is used as an independent factor for evaluating risk of all-cause mortality, but mainly from coronary heart disease. Nevertheless, evaluation of fitness based on stress tests poses numerous epidemiological difficulties. Alternative forms of evaluation have therefore been suggested using non-exercise-based regression models. This study aimed to analyze these models and their applicability to epidemiological studies. A systematic review was conducted of articles published from 1966 to 2002. The models were classified according to: (a) theoretical justification for the explanatory variables included in the model; (b) validation criteria (gold standard); (c) regression models fully reported, including standard error of estimation; and (d) cross-validation. The search process yielded 23 studies, five of which met all established quality criteria. The authors conclude that cardiorespiratory evaluation by non-exercise-based models could be feasible in epidemiological studies. However, few equations appear to meet the minimum external validation requirements to provide data that could be generalized to large populations.

Physical Fitness; Regression Analysis; Evaluation


 

 

Introdução

A aptidão cardiorrespiratória é considerada o componente da aptidão física relacionado à saúde que descreve a capacidade dos sistemas cardiovascular e respiratório de fornecer oxigênio durante uma atividade física contínua 1. O risco de morbi-mortalidade por doenças crônico-degenerativas tem sido associado a baixos níveis de aptidão cardiorrespiratória e atividade física 2,3,4,5,6. Seria, então, importante avaliar a capacidade cardiorrespiratória em nível populacional. A utilização da aptidão cardiorrespiratória como variável de exposição em estudos epidemiológicos, porém, é limitada pelos elevados custos, por dificuldades técnicas de operação e pelo tempo gasto em sua mensuração 7,8.

Isso tem motivado o desenvolvimento de métodos mais simples, substituindo os testes de exercício por equações de regressão para se estimar a aptidão cardiorrespiratória com base em características físicas e hábitos de vida 8,9, 10,11. Técnicas desse tipo, mais simples, menos onerosas e de rápida aplicação, favoreceriam a utilização da aptidão cardiorrespiratória como variável de exposição em estudos epidemiológicos, principalmente em localidades com pouca infra-estrutura 9,12. Assim, o objetivo do estudo foi analisar as equações de predição da aptidão cardiorrespiratória sem exercício e verificar sua possível utilização em estudos epidemiológicos.

 

Metodologia

A técnica de revisão adotada foi a sistemática, com o seguinte critério de inclusão: estudos que tinham como objetivo estimar a aptidão cardiorrespiratória sem testes de exercício, baseando-se em variáveis de simples aferição, úteis para estudos populacionais (peso, estatura, medidas antropométricas e nível de atividade física). A busca dos artigos foi realizada nos bancos de dados Medlars Online (MEDLINE) Silver Platter (janeiro de 1966 a setembro de 2002) e Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS) (1982 até 2002). Na busca pelo MEDLINE, as seguintes palavras-chave foram empregadas: physical fitness (como termos MeSH ­ Medical Subjects Headings); physical endurance (como termos MeSH); cardiorespiratory fitness; aerobic power; aerobic fitness; aerobic capacity; exercise capacity e functional capacity; prediction; estimation; nonexercise e non-exercise, todas como palavras de texto. No LILACS, os seguintes termos em inglês foram empregados como palavras de texto: physical fitness; physical endurance; estimation; prediction; nonexercise e non exercise. Todos os artigos potencialmente úteis obtidos por meio da busca eletrônica tiveram seus resumos extraídos e foram analisados de maneira independente por dois revisores, um deles da área de atividade física aplicada à saúde, com conhecimento sobre o tema em estudo e o outro, epidemiologista, com conhecimento sobre revisão sistemática. Com base na obtenção e leitura dos artigos, suas referências bibliográficas foram rastreadas à procura de outros artigos potencialmente úteis. O procedimento repetiu-se tantas vezes quanto necessário, até haver a convicção que em nenhuma das referências obtidas estariam contidos estudos que já não tivessem sido identificados.

A análise dos estudos considerou alguns tópicos, na tentativa de estabelecer critérios de qualidade semelhantes aos aplicados aos modelos com exercício, que são utilizados na pesquisa epidemiológica 13: justificativa teórica para inclusão das variáveis preditivas, critérios utilizados para validação das equações e verificação do processo de validação cruzada. Em um segundo instante, foi verificada a qualidade da análise de regressão utilizada na formulação das equações para a predição da aptidão cardiorrespiratória. Para tanto, foram analisadas as relações estatísticas entre variável dependente e independentes, utilizando-se o cálculo do R2 ajustado, a fim de determinar a força de predição das equações. Outras verificações referiram-se ao relato do Erro Padrão da Estimativa (EPE) e à apresentação da equação completa, informações que permitem a aplicação das equações em outros estudos 14. Após a análise dos estudos, uma classificação foi proposta no sentido de apontar os modelos de maior potencial de aplicação em pesquisa epidemiológica.

 

Resultados

Foram encontrados 23 estudos que atenderam aos critérios de inclusão, todos artigos originais publicados a partir de 1971 (Tabelas 1 e 2). Na Tabela 1, encontram-se os estudos em que foi utilizado o consumo máximo de oxigênio (Vo2 máximo) como variável dependente, tanto relativo (ml.kg-1.min-1), quanto absoluto (l.min-1). Já na Tabela 2, a variável dependente foi o tempo gasto durante um teste máximo de esteira, expresso em minutos ou em METS (múltiplo do gasto energético de repouso). Quatro estudos foram desenvolvidos em coronariopatas 15,16,17,18 e outros quatro em crianças e adolescentes 19,20,21,22, tendo sido os únicos a não validar suas equações junto a adultos saudáveis.

Critérios utilizados para validação das equações

A avaliação da aptidão cardiorrespiratória mais confiável e válida (padrão-ouro) é feita pela medida do consumo máximo de oxigênio (Vo2máx), obtido em teste de esforço máximo 23. No entanto, alguns estudos não o utilizaram para validar suas equações 19,22,24,25. Nestes casos, o valor predito para o modelo foi estimado indiretamente, aumentando-se a margem de erro. Já estudos como os de Blair et al. 9, Kohl et al. 12, Leon et al. 23, Milesis 26, Myers et al. 17 e Taylor et al. 27, utilizaram a duração do teste máximo em esteira como variável dependente. Apesar de a correlação entre o tempo gasto em um teste de exercício máximo e o Vo2máx geralmente exceder 0,90 13, isso também consiste em estimativa indireta da aptidão cardiorrespiratória, afetando a qualidade das equações preditivas.

Justificativa teórica das variáveis preditivas

A justificativa teórica das variáveis preditivas objetiva evitar que façam parte do modelo final apenas por sua significância estatística, sem que haja uma preocupação quanto à base científica da inclusão da variável 28,29. Com o objetivo de criticar o uso das variáveis das equações encontradas e relações com a aptidão cardiorrespiratória, optou-se por analisá-las separadamente: (a) idade ­ aparece em 14 estudos. O Vo2máx diminui com a idade em torno de 10% por década de vida a partir dos 25 anos 30,31. Por intermédio da análise dos coeficientes beta, podemos verificar uma associação inversa na grande maioria dos estudos, exceto nos que apresentaram uma faixa etária muito estreita; (b) sexo ­ as diferenças de aptidão entre homens e mulheres estão relacionadas à composição corporal e hematócrito, favoráveis ao sexo masculino 32,33. Nas equações em que a variável é incluída, os homens são sempre categorizados com maior valor; (c) atividade física ­ a atividade física aeróbia regular pode abrandar a redução do VO2max com a idade 34,35. A intensidade da atividade aeróbia é o principal fator determinante na maioria dos modelos, associada a indicadores como nível de atividade física, histórico de atividade física, atividade física de lazer, dispnéia e suor, índice de corrida e caminhada ou freqüência de atividades com sudorese; (d) tabagismo ­ pesquisas demonstram menores níveis de aptidão cardiorrespiratória e função pulmonar em fumantes 36,37,38; (e) dobras cutâneas, IMC, percentual de gordura, recíproco do índice ponderal, peso ­ podem ser considerados índices relacionados à composição corporal. Sua utilização explica-se pelo fato de que sobrepeso e obesidade têm na inatividade física uma de suas causas 39. Além disso, quanto maior a quantidade de gordura corporal, maior o denominador no cálculo do Vo2 máx relativo; (f) circunferências, volumes de membros inferiores e estatura ­ são índices relacionados à massa corporal magra. Um indivíduo fisicamente ativo, com o sistema cardiorrespiratório desenvolvido, apresentaria um certo aumento da massa muscular 21; (g) indicadores de autonomia funcional ­ baseiam-se na idéia de que uma menor aptidão cardiorrespiratória estaria relacionada a uma menor capacidade de realizar atividades do cotidiano 15,16,17,18; (h) capacidade funcional percebida ­ utilizada no estudo de George et al. 40, é uma autoclassificação da aptidão cardiorrespiratória. Trata-se de uma alternativa ao histórico de atividade física, uma vez que se pode ter boa aptidão cardiorrespiratória determinada geneticamente, sem necessariamente exercitar-se regularmente 41; (i) força de preensão manual ­ Leon et al. 23, incluíram essa variável no modelo, mas encontraram fraca associação. As adaptações musculares decorrentes do aumento de força muscular seriam diferentes daquelas necessárias para o aumento doVo2máx42; (j) horas de sono ­ a falta de horas de sono parece afetar a qualidade de vida, tendo relação com índices de mortalidade, mas não parece associar-se ao nível de aptidão cardiorrespiratória 23; (l) quantidade semanal de café ou refrigerante à base de cola (copos/semana) ­ a utilização de bebidas com cafeína, por seu efeito estimulante, poderia apresentar relação com o aumento da aptidão cardiorrespiratória, apesar de dados neste sentido serem escassos. No modelo de Leon et al. 23, a relação foi inversa; (m) freqüência cardíaca de repouso ­ com a melhoria da aptidão cardiorrespiratória, a freqüência cardíaca de repouso sofreria uma redução 32; (n) diâmetro de cotovelo ­ no estudo de Verma et al. 24, esta foi uma variável mantida no modelo final. Contudo, não foi encontrada na literatura justificativa para isso.

Validação cruzada

A existência de estudos de validação cruzada determina o potencial de generalização da equação de predição 10,13. Nem todos os estudos selecionados realizaram validação cruzada. Entre os que o fizeram estão: Mathews et al. 8, Jackson et al. 10, Heil et al. 11, George et al. 40 e Whaley et al. 43. Duas técnicas diferentes de validação cruzada foram utilizadas: split sample e a estatística PRESS. No caso da técnica split sample, a equação é aplicada em um grupo com as mesmas características da amostra original, verificando-se depois a correlação entre valores preditos e observados. No estudo de Jackson et al. 10, a acurácia da equação proposta foi confirmada em 423 homens e 43 mulheres saudáveis e hipertensos, calculando-se a correlação de Pearson entre os valores preditos com %G (r = 0,82) e com IMC (r = 0,79). No modelo de Whaley et al. 43, a correlação entre valores estimados e preditos (r = 0,85) fez os autores considerarem a equação como válida. A validação cruzada realizada no modelo de Heil et al. 11, utilizou 65 indivíduos de características semelhantes aos do grupo em que a equação foi validada. Apesar da pequena amostra, o resultado da correlação de Pearson foi significativo (r = 0,85).

George et al. 40, propuseram um processo de validação cruzada diferente dos anteriores. Ao invés de utilizarem uma amostra do grupo inteiro em estudo, o que (segundo os autores) acabaria limitando o número amostral, valeram-se do método de soma dos quadrados dos resíduos preditos (PRESS). Esse método permite a utilização de todos os indivíduos em estudo, na validação e na validação cruzada. Parte-se do cálculo dos resíduos preditos para cada sujeito, enquanto o mesmo é excluído do modelo original 44. No estudo em questão, a soma dos quadrados levou a um R2 de 0,71, demonstrando a boa acurácia do modelo. Seguindo o exemplo desse estudo, Mathews et al. 8, utilizaram o método PRESS em seu modelo, ratificando a sua validade (R2 = 0,74).

Apresentação dos dados estatísticos

O EPE indica a variação não explicada pela linha de regressão, sendo uma medida da discrepância entre as variáveis observadas e preditas. Nas Tabelas 1 e 2, pode-se notar a sua inclusão nos modelos, quando relatada. Todos os artigos apresentaram o R da equação (chamado de coeficiente de correlação múltipla), com base no qual foi possível calcular o R2 (coeficiente de explicação) e, principalmente, o R2 ajustado, referentes à capacidade explicativa do modelo. O cálculo do R2 ajustado justifica-se para permitir comparar a qualidade do ajuste dos modelos preditivos com números diferentes de variáveis. Pode-se afirmar que as equações cujo R2 ajustado é maior investem-se de maior capacidade explicativa 14. Um estudo de regressão múltipla deveria apresentar o EPE, o R2 ajustado e a equação completa 13,14. Como pode ser observado nas Tabelas 1 e 2, nem todas as equações reportaram o EPE ou apresentaram a equação preditiva completa. Finalmente, procurou-se apreciar a qualidade de cada estudo, de acordo com os critérios pré-determinados (Tabela 3). Apenas cinco estudos atenderam a todos os critérios de qualidade: Mathews et al. 8, Jackson et al. 10, Heil et al. 11, George et al. 40 e Whaley et al. 43. Convém ressaltar, ainda, que estes estudos foram também os que apresentaram maior valor de R2 ajustado.

 

 

Discussão

Estudos mais recentes tendem a substituir variáveis que utilizam técnicas complexas ou de aplicação demorada (tais como a mensuração de dobras cutâneas ou da freqüência cardíaca), pela percepção do indivíduo sobre sua capacidade de realizar atividades cotidianas e de lazer 8,40. As principais vantagens metodológicas são o menor custo, porque dispensa auxiliares de pesquisa treinados; maior rapidez na obtenção dos dados e, conseqüentemente, a possibilidade de estudar grandes grupos populacionais. No caso da medida da freqüência cardíaca de repouso, um período de 5 a 10 minutos é exigido, duração maior que a de alguns testes submáximos. Outra vantagem é evitar a introdução de erros de aferição indireta, o que pode ocorrer no método das dobras cutâneas utilizado para estimar o percentual de gordura corporal, conforme encontrado nos estudos de Heil et al. 11, Jackson et al. 10 e Whaley et al. 43.

No que diz respeito à atividade física cotidiana, a equação proposta por Bruce et al. 45 foi a primeira a incorporá-la em modelos de predição da aptidão cardiorrespiratória. Outros autores procuraram aumentar a acurácia de seus modelos, especificando a intensidade e a natureza das atividades realizadas. Foram criados índices do nível de atividade física baseados em características fisiológicas, tais como transpiração e taquipnéia 12,23,46, ou na classificação das atividades praticadas de acordo com sua intensidade 7,9,10,26. Essas características representam o principal eixo da evolução metodológica dos estudos e têm contribuído para maior precisão dos modelos de predição.

Mesmo assim, esse tipo de modelo ainda é pouco utilizado na pesquisa epidemiológica. As equações propostas por Jackson et al. 10 são as únicas que, até o momento, foram utilizadas em outros estudos 47,48. Algumas razões para isso podem ser apontadas. Deve-se lembrar que um dos fatores que definem a utilidade epidemiológica dos modelos é o seu potencial de aplicabilidade a uma ampla gama de indivíduos, particularmente aqueles com baixo nível de aptidão, já que representam o grupo de maior risco à saúde. Por isso, estudos como o de George et al. 40, dirigidos a grupos de indivíduos muito bem condicionados, produzem informações com valor limitado. Mathews et al. 8, ao categorizarem a estimativa da aptidão cardiorrespiratória em quintis, ampliam a possibilidade de aplicação de seu modelo de predição a grupos populacionais com diversos níveis de aptidão. De forma geral, os modelos têm sido desenvolvidos com caucasianos de nível sócio-econômico e cultural médio ou elevado. Como este perfil não corresponde às características étnicas e sociais de grande parte da população mundial, incluindo-se aí a população brasileira, há um risco não negligenciável desses modelos terem seu potencial de generalização reduzido.

Outro fator limitador reside no fato de a variável que descreve a atividade física auto-referida restringir-se, na grande maioria dos estudos, às atividades de lazer 8,10,11,12. Apenas Whaley et al. 43 incluíram em seu modelo, efetivamente, atividades de natureza ocupacional. No estudo de Ainsworth et al. 7 esse tipo de atividade também foi observado. Entretanto, como foi estudada uma população com atividades ocupacionais sedentárias ou extremamente leves, não contribuiu para o modelo final de predição. Aliás, populações com baixo nível de atividade ocupacional são freqüentemente encontradas em diversos estudos 8,10,11,12. Mesmo a população do estudo de Blair et al. 9 ­ contando 15.627 homens e 3.943 mulheres ­ não foi considerada representativa da população americana, uma vez que realizavam atividades ocupacionais de baixa intensidade e possuíam nível educacional e sócio-econômico elevado. Por outro lado, como a natureza e intensidade da atividade física exigida pelo trabalho podem afetar a aptidão cardiorrespiratória 49, essa variável não deveria ser ignorada. É evidente a necessidade de incluir, no desenvolvimento e validação de modelos de predição, indivíduos de baixo nível sócio-econômico e informações sobre a atividade física laboral. A busca de modelos adequados a pessoas com características mais diversificadas poderia ampliar as possibilidades de classificação da aptidão cardiorrespiratória e sua utilização em estudos epidemiológicos, principalmente nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

Os modelos sem exercício são, por vezes, comparados a testes submáximos utilizados na pesquisa epidemiológica 10. Se alguns desses estudos demonstram um valor de R2 maior do que os sem exercício (0,81; 0,85), os valores do EPE são comparáveis (± 4 ml.kg-1.min-1) 50, ou não são relatados, o que limita a sua utilização 50. Além disso, no caso do estudo de Siconolfi et al. 51, a validação foi realizada em amostra com faixa etária estreita, desvantagem que afeta ainda mais a aplicabilidade das estimativas. Já o modelo de Mathews et al. 8 revela-se comparável a testes submáximos utilizados por estudos epidemiológicos.

Alguns modelos são comparados a questionários de histórico de atividade física, constantemente utilizados na pesquisa epidemiológica. É, geralmente, pequena a associação entre atividade física levantada por questionários e aptidão cardiorrespiratória. Apesar de a primeira ser considerada o principal determinante da última, questionários sobre atividade física relatada em entrevista ou auto-referida não parecem adequados para avaliar a aptidão cardiorrespiratória 51. Quando elevada, a correlação depende quase que exclusivamente de questões referentes a atividades intensas. No entanto, esse é um aspecto que não deveria ser descartado, pois equações de predição muitas vezes surgem com um questionário simples, que tem a força de predição aumentada ao levar-se em conta outras variáveis associadas à aptidão cardiorrespiratória.

 

Conclusão

Em que pese a diversidade de modelos de predição da aptidão cardiorrespiratória sem exercício, na verdade são poucos os que reúnem qualidades suficientes para aplicação em estudos epidemiológicos. Nestes casos, porém, os modelos parecem ter bom potencial para estimar a potência aeróbia, assim como para identificar indivíduos com maior risco de mortalidade por doença cardiovascular. Alguns tópicos poderiam ser considerados em estudos futuros, principalmente quando se leva em conta sua aplicação na realidade brasileira: (a) preferência por variáveis preditivas que não dependam de avaliadores treinados e sejam rapidamente aferidas, representando economia de recursos humanos e materiais; (b) ampliação da especificidade dos modelos desenvolvidos às características de grupos populacionais diversos, considerando-se nível sócio-econômico e educacional. No caso do Brasil, especial atenção deveria ser dispensada às diferenças regionais, influenciando diretamente na rotina e natureza das atividades físicas praticadas.

 

Colaboradores

G. A. Maranhão Neto foi responsável pela revisão bibliográfica e elaboração do texto. P. M. C. Lourenço participou da revisão do artigo. P. T. V. Farinatti participou da fase de análise e da elaboração do texto.

 

Agradecimentos

Estudo parcialmente financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Processo E-26/151.802/1999) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Bolsa de Produtividade em Pesquisa para Paulo T. V. Farinatti, processo 300754/2000-0).

 

Referências

1. American College of Sports Medicine. ACSM's guidelines for exercise testing and prescription. 5th Ed. Baltimore: Williams and Wilkins; 1995.        

2. Blair SN, Cheng Y, Holder JC. Is physical activity or physical fitness more important in defining health benefits? Med Sci Sports 2001; 33:S379-S99.        

3. Delvaux K, Philippaerts R, Lysens R, Vanhees L, Thomis M, Claessens AL, et al. Evaluation of the influence of cardiorespiratory fitness on diverse health risk factors, independent of waist circumference, in 40-year-old Flemish males. Obes Res 2000; 8:553-8.        

4. Lee CD, Blair SN, Jackson AS. Cardiorespiratory fitness, body composition, and all-cause and cardiovascular disease mortality in men. Am J Clin Nutr 1999; 69:373-80.        

5. Pate RR, Pratt M, Blair SN, Haskell WL, Macera CA, Bouchard C, et al. Physical activity and public health. A recommendation from the centers for disease control and prevention and the American College of Sports Medicine. JAMA, 1995; 273:402-7.        

6. Wei M, Kampert JB, Barlow CE, Nichaman MZ, Gibbons LW, Paffenbarger Jr RS, et al. Relationship between low cardiorespiratory fitness and mortality in normal-weight, overweight, and obese men. JAMA 1999; 282:1547-53.        

7. Ainsworth BE, Richardson MT, Jacobs DR, Leon AS. Prediction of cardiorespiratory fitness using physical activity questionnaire data. Medicine, Exercise, Nutrition and Health 1992; 1:75-82.        

8. Mathews CE, Heil DP, Freedson PS, Pastides H. Classification of cardiorespiratory fitness without exercise testing. Med Sci Sports Exerc 1999; 31: 486-93.        

9. Blair SN, Kannel WB, Kohl HW, Goodyear N, Wilson PWF. Surrogate measures of physical activity and physical fitness. Am J Epidemiol 1989; 129: 1145-56.        

10. Jackson AS, Blair SN, Mahar MT, Wier LT, Ross RM, Stuteville JE. Prediction of functional aerobic capacity exercise testing. Med Sci Sports Exerc 1990; 22:863-70.        

11. Heil DP, Freedson PS, Ahlquist LE, Price J, Rippe J. Nonexercise regression models to estimate peak oxygen consumption. Med Sci Sports Exerc 1995; 27:599-606.        

12. Kohl HW, Blair SN, Paffenbarger Jr RS, Macera CA, Kronenfeld JJ. A mail survey of physical activity habits as related to measured physical fitness. Am J Epidemiol 1988; 127:1228-39.        

13. Morrow JR, Jackson AW, Disch JG, Mood DP. Measurement and evaluation in human performance. Champaign: Human Kinetics; 1995.        

14. Altman D. Practical statistics for medical research. London: Chapman and Hall; 1995.        

15. Lee TH, Shammash JB, Ribeiro JP, Hartley LH, Sherwood J, Goldman L. Estimation of maximum oxygen uptake from clinical data: Performance of the specific activity scale. Am Heart J 1988; 115: 203-4.        

16. Hlatky MA, Boineau RE, Higginbotham MB, Lee KL, Mark DB, Califf RM, et al. A brief self-administered questionnaire to determine functional capacity (the duke activity status index). Am J Cardiol 1989; 64:651-4.        

17. Myers J, Do D, Herber W, Ribisl P, Froelicher VF. A nomogram to predict exercise capacity from a specific questionnaire and clinical data. Am J Cardiol 1994; 73:591-6.        

18. Rankin SL, Briffa TG, Morton AR, Hung J. A specific activity questionnaire to measure the functional capacity of cardiac patients. Am J Cardiol 1996; 77:1220-3.        

19. Bonen A, Heyward VH,Cureton KJ, Boileau RA, Massey BH. Prediction of maximal oxygen uptake in boys, ages 7-15 years. Med Sci Sports 1979; 11:24-9.        

20. Mayhew JL, Gifford PB. Prediction of maximal oxygen uptake in pre-adolescent boys from anthropometric parameters. Res Q 1975; 46:302-11.        

21. Shephard RJ, Weese CH, Merriman JE. Prediction of maximal oxygen intake from anthropometric data. Int Z Angew Physiol 1971; 29:119-30.        

22. Verma SS, Gupta RK, Kishore N, Gupta JS. A simple relationship between aerobic power and body weight in indian adolescent boys. Indian J Med Sci 1986; 40:93-6.        

23. Leon AS, Jacobs DR, Debacker G, Taylor HL. Relationship of physical caracteristics and life habits to treadmill capacity. Am J Epidemiol 1981; 113: 653-60.        

24. Verma SS, Bharadwaj H, Malhotra MS. Prediction of maximal aerobic power in healthy indian males from anthropometric measurements. Z Morphol Anthropol 1980; 71:101-6.        

25. Verma SS, Sharma YK, Kishore N. Prediction of maximal aerobic power in healthy indian males 21-58 years of age. Z Morphol Anthropol 1998; 82:103-10.        

26. Milesis CA. Prediction of treadmill performance from clinical characteristics in healthy persons. J Cardiopulm Rehabil 1987; 7:365-73.        

27. Taylor HL, Jacobs DR, Schucker B, Knudsen J, Leon AS, Debacker G. A questionnaire for the assessment of leisure time physical activities. J Chronic Dis 1978; 31:741-55.        

28. Herminston RT, Faulkner JA. Prediction of maximal oxygen uptake by a stepwise regression technique. J Appl Physiol 1971; 30:833-7.        

29. Mastropaolo JA. Prediction of maximal O2 consumption in middle-aged men by multiple regression. Med Sci Sports 1970; 2:124-7.        

30. Jackson AS, Wier LT, Ayers GW, Beard EF, Stuteville JE, Blair SN. Changes in aerobic power of women, ages 20-64 yr. Med Sci Sports Exerc 1996; 28:884-91.        

31. Spina RJ, Ogawa T, Kohrt WM, Martin III JH, Hollosky JO, Ehsani AA. Diferences in cardiovascular adaptations to endurance exercise training between older man and women. J Appl Physiol 1993; 75:849-55.        

32. McArdle WD, Katch FI, Katch VL. Fisiologia do exercício ­ energia, nutrição e desempenho. 4a Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.        

33. Woodson RD. Hemoglobin concentration and exercise capacity. Am Rev Respir Dis 1984; 129 Suppl:72.        

34. Astrand PO, Bergh U, Kilbom A. A 33-yr follow-up of peak oxygen uptake and related variables of former physical education students. J Applied Physiol 1997; 82:1844-52.        

35. Rogers MA, Hagberg JM, Martin 3rd WH, Ehsani AA, Holloszy JO. Decline in VO2max with aging in master athletes and sedentary men. J Appl Physiol 1990; 68:2195-9.        

36. Conway TL, Cronan TA. Smoking, exercise, and physical fitness. Prev Med 1992; 21:723-34.        

37. Cooper KH, Gey GO, Bottenberg RA. Effects of cigarette smoking on endurance performance. JAMA 1968; 203:189-92.        

38. Sandvik L, Erikssen G, Thaulow E. Long term effects of smoking on physical fitness and lung function: a longitudinal study of 1393 middle aged Norwegian men for seven years. BMJ 1995; 311: 715-8.        

39. Bar-Or O, Foreyt J, Bouchard C, Brownell KD, Dietz WH, Ravussin E, et al. Physical activity, genetic, and nutritional considerations in childhood weight management. Med Sci Sports Exerc 1998; 30:2-10.        

40. George JD, Stone WJ, Burkett LN. Non-Exercise VO2máx estimation for physically active college students. Med Sci Sports Exerc 1997; 22:415-23.        

41. Perusse L, Tremblay A, Leblanc C, Bouchard C. Genetic and environmental influences on level of habitual physical activity and exercise participation. Am J Epidemiol 1989; 129:1012-22.        

42. Docherty D, Sporer B. A proposed model for examining the interference phenomenon between concurrent aerobic and strength training. Sports Med 2000; 30:385-94.        

43. Whaley MH, Kaminsky LA, Dwyer GB, Getchell LH. Failure of predicted VO2max to discriminate physical fitness in epidemiological studies. Med Sci Sports Exerc 1995; 27:85-91.        

44. Holiday D, Ballard J, McKeown B. Press-related statistics: regression tools for cross-validation and case diagnostics. Med Sci Sports Exerc 1995; 27:612-20.        

45. Bruce RA, Kusumi F, Hosmer D. Maximal oxygen and nomographic assesment of functional aerobic impairment in cardiovascular disease. Am Heart J 1973; 85:546-62.        

46. Siconolfi SF, Lasater TM, Snow RCK, Carleton RA. Self-reported physical activity compared with maximal oxygen uptake. Am J Epidemiol 1985; 122:101-5.        

47. Kelley GA, Lowing L, Kelley K. Gender differences in the aerobic fitness levels of young African-American adults. J Natl Med Assoc 1999; 91:384-8.        

48. Rossy LA, Thayer JF. Fitness and gender-related differences in heart period variability. Psychosom Med 1998; 60:773-81.        

49. Salmon J, Owen N, Bauman A, Schmitz MK, Booth M. Leisure-time, occupational, and household physical activity among professional, skilled, and less-skilled workers and homemakers. Prev Med 2000; 30:191-9.        

50. Jetté M, Campbell J, Mongeon J, Routhier R. The Canadian home fitness test as a predictor for aerobic capacity. Can Med Assoc J 1976; 114:680-2.        

51. Siconolfi SF, Garber CE, Lasater TM, Carleton RA. A simple, valid step test for estimating maximal oxygen uptake in epidemiologic studies. Am J Epidemiol 1985; 121:382-90.        

52. Jacobs DR, Ainsworth BE, Hartman TJ, Leon AS. A simultaneous evaluation of 10 commonly used physical activity questionnaires. Med Sci Sports Exerc 1993; 25:81-91.        

 

 

Endereço para correspondência
Geraldo de Albuquerque Maranhão Neto
Departamento de Epidemiologia, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua São Francisco Xavier 524, Rio de Janeiro, RJ
20559-900, Brasil
geraldoneto@infolink.com.br

Recebido em 19/Nov/2002
Versão final reapresentada em 13/Mai/2003
Aprovado em 1/Jul/2003

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br