RESENHAS REVIEWS

 

Claudia Rodrigues-Carvalho

Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. claudia@mn.ufrj.br

 

 

A RECEPÇÃO DO DARWINISMO NO BRASIL. Heloisa Maria Bertol Domingues, Magali Romero Sá & Thomas Glick (org.). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003. 192 pp.
ISBN 85-7541-032-6

Desde o lançamento de A Origem das Espécies até o desenvolvimento da síntese neodarwiniana, as idéias de Darwin foram alvo de polêmicas. Seu impacto filosófico pôde ser sentido além dos gabinetes de pesquisa, afetando também a esfera social, onde o darwinismo foi aplicado a questões relativas à origem e à variabilidade morfológica humana.

Em A Recepção do Darwinismo no Brasil, organizado por Heloisa Bertol Domingues, Magali Romero Sá & Thomas Glick, temos a oportunidade de mergulhar nas principais repercussões das idéias de Darwin (e de outros evolucionistas como Haeckel e Spencer) no meio acadêmico brasileiro; de observar o quanto essas idéias foram assimiladas e quais foram os principais pontos de controvérsia.

O prefácio de Henrique Lins de Barros fornece o pano de fundo necessário para as discussões que se seguirão. De forma sucinta é reconstruído o contexto científico pré-Darwin e o impacto causado pelas idéias de seleção natural, sobrevivência do mais apto e descendência comum – sem esquecer seus desdobramentos posteriores, como a quimera do darwinismo social.

Ainda na apresentação, Heloisa Betol Domingues e Magali Romero Sá alertam para a freqüente confusão entre darwinismo e evolucionismo, lembrando ao leitor que nem todos os partidários do conceito de evolução concordavam, de fato, com Darwin. Uma arena particular de embate, salientam as autoras, deu-se no campo das ciências antropológicas, onde estudos arqueológicos e investigações em antropologia física (especialmente a craniometria) levantaram dados e argumentos pró ou contra as perspectivas darwinianas.

Na introdução, Thomas Glick tece interessante paralelo entre as experiências no Brasil de Darwin – no século XIX – e do geneticista Theodosius Dobzhansky – em meados do século XX. Como ponto focal para ambos, a grande diversidade biológica brasileira. Se no primeiro caso a estada de Darwin destaca internacionalmente o potencial do país para os estudos de história natural, no segundo, todo um programa de genética de populações passa a ser desenvolvido no país.

Na tentativa de avaliar a repercussão do pensamento darwiniano, Glick recorre ao acervo de bibliotecas nos principais centros de intelectualidade acadêmica no país, incluindo-se nesta lista não apenas as instituições voltadas para a história natural, mas também o Instituto Politécnico e algumas faculdades de direito, onde o darwinismo poderia despertar interesse em discussões relativas a questões sociais. De fato, obras de Darwin e de darwinistas influentes puderam ser encontradas no conjunto destas instituições, indicando, ao menos, que os elementos necessários para o debate encontravam-se à disposição.

Em um país de forte orientação católica, era esperado que esta literatura fosse antes de tudo combustível para contestações acaloradas ao darwinismo, todavia, como salienta Glick, a presença de evolucionistas e simpatizantes das idéias de Darwin encabeçando as principais instituições de pesquisa e os anseios intelectuais por teorias que legitimassem as diferenças raciais, acabou por amenizar a polêmica, pelo menos em comparação com outros países latinos, onde a reação contrária foi mais intensa.

É curioso perceber que os primeiros dados concretos e substanciais a corroborarem a perspectiva darwiniana foram realizados no Brasil, pelo pesquisador alemão Fritz Müller. Sua contribuição na consolidação do darwinismo é o tema do primeiro capítulo, onde Nelson Papavero resume a atuação desse pesquisador que se tornou correspondente do próprio Darwin e cujas idéias foram utilizadas por Ernest Haeckel para a formulação de sua Lei Biogenética Fundamental.

A presença de cientistas e intelectuais de orientação evolucionista no cenário acadêmico brasileiro de certa forma direciona o debate para o nível das particularidades. A evolução não está propriamente em discussão e sim os mecanismos propostos por Darwin. Para entender este contexto, nada melhor do que conhecer os pesquisadores e suas produções científicas. Esta foi a perspectiva de Regina Gualtieri, no segundo capítulo, ao analisar a produção científica do Museu Nacional em dois momentos particulares: o primeiro, sob a administração de Ladislau Netto (1875-1893), abrangendo os últimos anos da monarquia e o início da república; e o segundo, sob a administração de João Batista de Lacerda (1895-1915).

A busca por modernidade e visibilidade da instituição no meio científico pode ser considerada o elo comum entre esses dois períodos. Não se verificou uma posição monolítica da instituição em relação ao darwinismo, mas foi notada sua influência no direcionamento das pesquisas, a despeito de não ter sido aceito integralmente.

O terceiro capítulo, elaborado por Heloisa Domingues & Magali Romero Sá centra-se, como o próprio título indica, nas controvérsias evolucionistas do século XIX, demonstrando a complexidade das opiniões sobre o tema em questão.

O papel das análises craniométricas e os estudos de Lacerda e Rodrigues Peixoto são destacados como fortes argumentações antidarwinistas. As autoras ainda se debruçam sobre outros pesquisadores como o já citado Ladislau Netto, Miranda Azevedo, Sylvio Romero, entre outros, para a indicar a diversidade de opiniões sobre o darwinismo e os diferentes graus de assimilação dessas idéias no discurso de cada pesquisador.

Como pode ser observado ainda no Capítulo 3, as análises craniométricas de materiais brasileiros não foram realizadas apenas em nosso solo. O próprio Imperador Pedro II enviou fósseis a estudiosos como Quatrefages e Virchow para que tecessem suas considerações sobre questões relativas à antiguidade e origem dos primeiros americanos.

No Capítulo 4 temos a oportunidade de apreciar mais de perto as contribuições de um desses pesquisadores, o alemão Rudolf Virchow. Com maestria, Luis de Castro Faria apresenta-nos as investigações desse pesquisador em materiais oriundos de sambaquis de brasileiros, destacando o interesse exercido por tal tema e o importante papel desempenhado por seus colaboradores/coletores na transmissão das informações necessárias às análises. Trava-se contato não apenas com o pensamento do cientista, mas com um modo muito peculiar de fazer ciência, com base em peças selecionadas e relatórios remetidos de locais distantes, num exemplo claro do imperialismo científico citado por Glick, ainda na introdução.

O quinto capítulo, de Thomas Glick, trata da atuação de Tehodosius Dobzhansky no Brasil, sob o patrocínio da Fundação Rockfeller, e o desenvolvimento da genética de populações em nosso país, demonstrando como a feliz combinação de pessoal qualificado, um programa adequado de pesquisas e um ambiente favorável aos estudos (fisicamente falando), pode ser importante para o desenvolvimento de todo um campo de investigação.

A miscigenação e os desdobramentos da questão racial ganham destaque no sexto capítulo, de autoria de Lilia Moritz Schwarcz. Do pessimismo científico às idéias de branqueamento, passando pelas perspectivas elitizantes das escolas de direito e a questão da medicina legal, a autora transita pelos meandros dos discursos raciológicos do início do século XX, deixando claro como idéias evolucionistas foram utilizadas para manter o mito das diferenças raciais.

O último capítulo discute as influências do darwinismo no positivismo brasileiro. Glick, ao centrar seu olhar sobre o grupo catarinense Idéia Nova – o qual teria atuado sobre a clara influência de Fritz Müller e posteriormente de Haeckel e Spencer – mostra a amplitude da penetração das idéias darwinistas em diferentes centros intelectuais do país.

Em síntese, os trabalhos aqui apresentados cumprem, com eficiência, a tarefa de apresentar o mosaico complexo da repercussão do darwinismo entre os cientistas e intelectuais brasileiros através de um período de tempo relativamente extenso e marcado por profundas transformações culturais.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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