FORÚM FORUM
Fórum: raça, racismo e saúde no Brasil
Em todos os continentes, é freqüentemente possível identificar processos sócio-políticos em que questões de índole étnico-racial estão presentes, quase sempre mescladas a outras, de fundo religioso e/ou nacional. O que muda, historicamente, é a natureza dessa interseção (Fredrickson GM. Racism: A Short History. Princeton: Princeton University Press; 2002). A produção acadêmica mundial a respeito é crescente: nos bancos de referências bibliográficas Web of Science, a média anual de artigos indexados por "racismo" aumentou progressivamente nos últimos três qüinqüênios: 159 (1990/1994), 286 (1995/1999) e 321 (2000/2004). É menos freqüente a investigação dos efeitos desse fenômeno sobre a saúde populacional, e.g. no Brasil, onde vem se intensificando o debate a respeito das desigualdades raciais e de ações afirmativas voltadas para sua superação. Os artigos deste Fórum reúnem evidências relevantes para esse debate e apontam elementos de uma agenda de pesquisa que deve subsidiar crescentemente a saúde pública brasileira.
Chor & Lima destacam temas conceituais e metodológicos relacionados à pesquisa no campo. Apresentam também evidências empíricas instigantes: indígenas e pretos morrem proporcionalmente em idades mais precoces, mas a análise da mortalidade por causas inspira a busca de hipóteses mais específicas. Por exemplo, entre homens jovens (15-29 anos), as desigualdades raciais na mortalidade foram primordialmente atribuíveis às agressões, e pardos encontraram-se em posição intermediária entre pretos e brancos. Entre homens e mulheres na faixa de 40-69 anos, entretanto, apesar de a mortalidade por doenças cerebrovasculares ter sido também maior entre pretos, entre pardos foi inferior àquela registrada para brancos. O que esses fatos (ou artefatos?) revelariam?
Cardoso et al. trazem subsídios importantes para pesquisadores e para gestores dos bancos de dados de mortalidade (SIM) e nascidos vivos (SINASC) no país. Eles observam que a introdução do registro da característica raça/cor nesses sistemas, em meados da última década, foi seguida de rápida diminuição da proporção de dados faltantes; porém, essa situação ainda é insatisfatória, com amplas desigualdades regionais e intra-regionais na qualidade dos dados, e sujeita a retrocessos. Assim mesmo, ao conduzir criativas análises de sensibilidade variando as premissas quanto à distribuição dos dados faltantes, os autores produziram evidências robustas da pior situação de indígenas e negros quanto às mortes infantis.
Finalmente, Lopes apresenta-nos um painel da produção acadêmica recente nas áreas da demografia, sociologia e economia, assim como textos de ativistas do movimento social negro e outros, disponíveis nas páginas de órgãos governamentais. A autora amplia assim a documentação das desvantagens sociais generalizadas da população negra no Brasil quanto a emprego, renda, habitação e educação, além de reunir evidências adicionais no campo das desvantagens em saúde, e.g. quanto à esperança de vida ao nascer e às causas externas de morte. Lopes destaca a abrangência e a complexidade das ações necessárias à superação das desigualdades raciais na sociedade brasileira, e enfatiza a pertinência da aferição mais direta e circunstanciada dos efeitos da discriminação racial sobre a saúde. A propósito, Chor & Lima ressaltam as evidências empíricas existentes, em países como os Estados Unidos e Inglaterra (e os primeiros esforços nacionais a respeito), de que circunstâncias sócio-econômicas adversas explicam apenas parcialmente o pior quadro de saúde de grupos étnico-raciais não-brancos, que seria influenciada por efeitos mais diretos da experiência de discriminação racial.
Eduardo Faerstein
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. eduardof@umich.edu