NOTA ARTICLE
Alimentação institucionalizada e suas representações sociais entre moradores de instituições de longa permanência para idosos em São Paulo, Brasil
Social representations of eating and nutrition by residents of homes for the elderly in São Paulo, Brazil
Odete SantelleI; Ana Maria Cavalcanti LefèvreII; Ana Maria CervatoIII
ICurso de Nutrição, Centro Universitário Adventista de São Paulo, São Paulo, Brasil
IIInstituto de Pesquisa do Discurso do Sujeito Coletivo, São Paulo, Brasil
IIIFaculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
RESUMO
Foram analisadas representações sociais sobre alimentação entre moradores de instituições de longa permanência para idosos, para identificar condicionantes do comportamento alimentar que podem interferir no estado nutricional destes indivíduos. Realizada pesquisa qualitativa e exploratória em cinco asilos de São Paulo, Brasil. Participaram quarenta idosos de ambos os gêneros, sem distúrbios cognitivos, residentes nas instituições há seis meses ou mais. Foram selecionados vinte sujeitos desnutridos ou em risco de desnutrição e vinte sem risco de desnutrição. Foram utilizadas entrevistas com roteiro semi-estruturado e os dados analisados pela técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. Os resultados apontaram que, na percepção dos idosos, a rotina alimentar institucionalizada, os cardápios rotineiros e a oferta insuficiente de hortaliças e frutas interferem negativamente no processo de alimentação. Os idosos reconhecem que a alimentação equilibrada melhora a saúde e a qualidade de vida. Revelam que a inapetência de alguns está relacionada a comidas que não agradam ao paladar, problemas de saúde e à assistência inadequada durante as refeições. Este estudo contribuiu para identificar fatores psicológicos e sociais que podem concorrer para a maior freqüência de desnutrição entre idosos institucionalizados.
Alimentação Coletiva; Instituição de Longa Permanência para Idosos; Comportamento Alimentar
ABSTRACT
This study analyzed social representations of institutional eating and nutritional patterns among residents of long-term homes for the elderly, in order to identify conditioning factors for eating behavior that may interfere in their nutritional status. A qualitative exploratory study was performed in five homes for the elderly in São Paulo, Brasil, including 40 elderly participants of both sexes, without cognitive disorders, residing in these institutions for at least six months. The study selected 20 subjects who were undernourished or at risk of malnutrition and 20 without risk of malnutrition. Semi-structured interviews were conducted, and the data were analyzed according to the collective subject discourse technique. As perceived by these elderly, the institutional eating routine, the routine menus, and insufficient supply of fruits and vegetables have a negative interference on their eating. They also recognize that balanced nutrition improves health and quality of life. They report that lack of appetite among some residents is related to unpleasing meals, health problems, and inadequate help during meals. This study identified psychological and social factors that may lead to malnutrition among the elderly in institutions.
Collective Feeding; Homes for the Aged; Feeding Behavior
Introdução
O envelhecimento populacional brasileiro surge acompanhado de uma transição social, apresentando famílias menores e com necessidades financeiras que exigem a participação das mulheres no mercado de trabalho, reduzindo para muitos idosos, a perspectiva de envelhecimento em um ambiente familiar seguro 1. A busca por instituições de longa permanência para idosos surge como uma alternativa para as famílias de baixa renda ou para idosos que perderam seus vínculos familiares. Porém, a mudança para a instituição impõe alterações na rotina diária dos idosos, sobretudo na área da alimentação, que podem acarretar modificações de hábitos alimentares e fragilizar a saúde destes indivíduos 2.
Considerando que o envelhecimento com saúde e com qualidade de vida é um desafio para autoridades e para a sociedade, esta pesquisa objetivou identificar alguns fatores psicológicos e sociais envolvidos no comportamento alimentar de moradores de instituições de longa permanência para idosos, que podem contribuir para a instalação do risco de desnutrição na institucionalização.
Método
Pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, embasada na Teoria das Representações Sociais, sob a ótica da psicologia social 3. Os dados foram coletados no período de março a agosto de 2004, em cinco instituições de longa permanência para idosos do Município de São Paulo, Brasil.
Na seleção do perfil nutricional pretendido para os sujeitos do estudo, utilizou-se a aplicação da Mini Avaliação Nutricional (MAN) 4. Para as medidas antropométricas, avaliadas na MAN, foram aplicadas as técnicas de Gordon et al. 5 e Callaway et al. 6.
Participaram quarenta sujeitos de ambos os gêneros, com 60 anos e mais. Incluíram-se vinte sujeitos desnutridos ou em risco de desnutrição e vinte sem risco de desnutrição, sem prejuízo de cognição, residentes na instituição por um período mínimo de seis meses, sem presença de doença aguda e/ou acamados.
Aplicou-se questionário semi-estruturado, com perguntas para acessar fatores culturais ligados à alimentação; apreender a percepção dos idosos sobre a relação alimentação e saúde; identificar fatores situacionais, interferindo na rotina alimentar do idoso na instituição. Este artigo apresenta resultados parciais de respostas a quatro perguntas.
Os dados foram analisados pela técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) 7, com o apoio do programa QualiQuantiSoft (Lefèvre F, Lefèvre AMC. http://www.spi-net.com.br, acessado em 20/Out/2004). Para a elaboração dos discursos partiu-se da seleção de depoimentos literais, que foram submetidos a um trabalho analítico para se identificar as expressões-chave, que são pedaços das respostas que respondem às perguntas. Em seguida, foram reunidas as expressões-chave que apresentavam a mesma idéia central e foram construídos os DSCs. A idéia central é uma descrição sintética e mais fidedigna possível do sentido de um depoimento ou de um conjunto de depoimentos.
Identificou-se a origem dos depoimentos para analisar se havia diferenças na percepção sobre a alimentação entre os dois grupos de sujeitos, já que todos têm à sua disposição a mesma oferta de alimentos e alguns idosos são afetados negativamente pela rotina da alimentação institucionalizada e outros não.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Resultados
O conjunto das instituições de longa permanência para idosos pesquisadas foi formado por três instituições filantrópicas e duas privadas e com cotas de vagas reservadas para filantropia. O grupo estudado foi composto de 24 sujeitos do gênero feminino e 16 do gênero masculino e com o seguinte perfil do estado nutricional apontado pela MAN: (i) mulheres sem risco de desnutrição (n = 12; 50%), em risco de desnutrição (n = 9; 37,5%) e desnutridas (n = 3; 12,5%); e (ii) homens sem risco de desnutrição (n = 8; 50%), em risco de desnutrição (n = 7; 43,75%) e desnutrido (n = 1; 6,25%).
Para ilustrar este artigo, foram escolhidos quatro DSCs.
- Primeira questão
"Na sua opinião, quando uma comida pode ser considerada gostosa?" (Tabela 1).
Por limitações de espaço, os DSCs desta questão não serão apresentados, porém identificou-se que a apreciação da alimentação está relacionada a atributos presentes no alimento, como a apresentação, o sabor, o tempero no ponto certo.
- Segunda questão
"Em sua opinião, os idosos deveriam se alimentar bem porque...".
Os idosos foram unânimes em reconhecer que a alimentação adequada está relacionada a uma melhor saúde.
a) Discurso do sujeito coletivo da idéia central 12: para ter melhor saúde
"Bom, eu acho que nos alimentar bem tem que ser a vida toda; comer bem é pra todo mundo, não é só para o idoso, mas o idoso devia ter mais cuidado, não comer coisas pesadas, se alimentar direitinho porque o organismo já não tem aquele vigor. Na idade avançada, as pessoas têm menos resistência às moléstias, têm mais carência de cálcio, ferro, vitaminas importantes, essas coisas (...) então, a gente tem que comer para melhorar a resistência do corpo, ficar mais sadio, mais alegre e usufruir o tempo que tem pra viver em boa situação".
- Terceira questão
"Alguma coisa mudou na sua alimentação depois que você veio morar aqui? O que mudou?" (Tabela 2).
a) Discurso do sujeito coletivo da idéia central 13
"Mudou totalmente. Mudou o tempero, mudou o horário, mudou os pratos, mudou tudo. Aqui, o alimento é muito diferente. Eu estava acostumado com uma comida boa. Não é que eu goste de comidas caras, assim (...) é que aqui a alimentação é rotineira. Quando eu estava com a família, a gente comia coisas diferentes, uma mistura e outra. A gente comia muita salada, muita fruta. Aqui, não tem fruta todo dia. Aos domingos, a gente espera macarronada e quando vai comer é arroz e feijão. À noite, é uma sopa, uma sobremesa, é só isso. Eu não sou acostumado assim, eu comia melhor. Agora, aqui a gente come sem vontade, sem apetite, compreende?".
Segundo as declarações presentes nos depoimentos, os fatores que podem interferir no comportamento alimentar dos idosos que se mudam para a instituição referem-se principalmente à forma de preparo dos alimentos e monotonia dos cardápios da instituição. Registra-se maior participação de indivíduos sem risco para desnutrição.
b) Discurso do sujeito coletivo da idéia central 17
"Mudou. Aqui é tudo diferente. Eu passo fome porque não tenho como fazer. Eu não tenho dinheiro, não tenho onde buscar e sofro por causa disso. Por isso, é que estou fraca, não tenho ânimo, não tenho coragem, não tenho força".
Percebe-se o impacto negativo provocado no comportamento alimentar de alguns idosos em decorrência da mudança para a instituição. Os indivíduos que contribuíram para a formação desses DSC pertencem ao grupo de desnutridos.
- Quarta questão
"Algumas vezes os idosos daqui não comem bem por quê?" (Tabela 3).
a) Discurso do sujeito coletivo da idéia central 19
"Bom, na minha opinião, depende de muita coisa, né. A idade pesa, o organismo não funciona, digamos 100% normal. Então, depende da saúde do idoso, depende do estado de espírito da pessoa. Muitos, já chegam aqui com problema de saúde e não estão em condições de comer direito".
A maioria das contribuições desse DSC foi registrada entre os indivíduos sem risco de desnutrição.
Discussão
O risco para desnutrição na institucionalização está presente em ambos os gêneros.
Feldman 8 admite que a identificação do risco para desnutrição no idoso é uma atividade complexa em função das dificuldades em se diferenciar as alterações corporais relacionadas ao envelhecimento das alterações decorrentes de doenças, do consumo inadequado de alimentos e nutrientes ou do estilo de vida sedentário.
Morley 9 refere que o estado nutricional inadequado está associado a altas taxas de morbidade e mortalidade. A presença de problemas de saúde, interferindo na alimentação do idoso, é referida como algo comum na instituição, indicando um fato que merece ser valorizado pelas equipes de saúde e pelas pessoas responsáveis pela alimentação.
Saad & Camargo 10 admitem a necessidade de um atendimento diferenciado para a atenção à saúde do idoso. Os dados deste estudo sugerem que, o estado nutricional de idosos institucionalizados poderá ser melhorado por meio de medidas que promovam a adequada ingestão de alimentos. Schuman 11 comenta que algumas modificações dietéticas na alimentação dos idosos podem ser necessárias devido a mudanças fisiológicas que podem afetar a habilidade para digerir e absorver alimentos, contudo, o alimento deverá ser nutritivo e saboroso.
Considerações finais
Observou-se entre os idosos desnutridos ou em risco de desnutrição, indivíduos mais exigentes quanto à maneira como são tratados, incluindo neste contexto a expectativa por uma alimentação melhor elaborada. Os idosos sem risco de desnutrição foram reconhecidos como sujeitos mais adaptados à residência coletiva, demonstrando, contudo, expectativas quanto a uma alimentação mais variada.
Infere-se por este estudo que a aceitação das refeições nas instituições de longa permanência para idosos poderá ser melhorada através do planejamento de cardápios que contemplem as preferências alimentares dos idosos e que atendam às suas necessidades nutricionais. Considera-se, finalmente, a necessidade de atenção especial para os indivíduos que necessitam de alimentação assistida, possibilitando um estado nutricional equilibrado e uma melhor qualidade de vida para estes sujeitos.
Colaboradores
O. Santelle participou de todas as etapas do desenvolvimento do artigo. A. M. C. Lefèvre e A. M. Cervato participaram da idealização do artigo, análise e revisão do texto.
Agradecimentos
Ao Centro Universitário Adventista de São Paulo pelo apoio financeiro, ao programa de pós-graduação da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e aos administradores das instituições de longa permanência para idosos pela viabilização da pesquisa relatada neste artigo.
Referências
1. Chaimowicz F, Greco DB. Dinâmica da institucionalização de idosos em Belo Horizonte, Brasil. Rev Saúde Pública 1999; 33:454-60.
2. Hendricks J, Calasanti TM. Social dimensions of nutrition. In: Chen LH, editor. Nutritional aspects of aging. v. 1. Boca Raton: CRC Press; 1986. p. 77-98.
3. Moscovici S. La psychanalyse: son image et son public. Paris: Presses Universitaires de France; 1976.
4. Guigoz Y, Vellas B, Garry P. Assessing the nutritional status of the elderly: the Mini Nutritional Assessment as part of the geriatric evaluation. Nutr Rev 1996; 54(1 Pt 2):S59-65.
5. Gordon CC, Chumlea WC, Roche AF. Stature, recumbent length, and weight. In: Lohman TG, Roche AF, Martoreli R, editors. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics Books; 1988. p. 3-8.
6. Callaway CW, Chumlea WC, Bouchard C, Himes JH, Lohman TG, Martin AD, et al. In: Lohman TG, Roche AF, Martoreli R, editors. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetcs Books; 1988. p. 39-54.
7. Lefèvre F, Lefèvre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: Educs; 2003.
8. Feldman EB. Aspects of the interrelations of nutrition and aging. Am J Clin Nutr 1993; 58:1-3.
9. Morley JE. Why do physicians fail to recognize and treat malnutrition in older persons? J Am Geriatr Soc 1993; 39:1139-40.
10. Saad PM, Camargo ABM. O envelhecimento populacional e suas conseqüências. São Paulo Perspect 1989; 3:40-5.
11. Shuman JM. Nutrição no envelhecimento. In: Mahan LK, Escott-Stump S, organizadores. Krause alimentos, nutrição e dietoterapia. São Paulo: Editora Roca; 1998. p. 293-315.
Correspondência:
O. Santelle
Curso de Nutrição, Centro Universitário Adventista de São Paulo.
Av. Giovanni Gronchi 6582, apto. 14
São Paulo, SP 05724-002, Brasil.
odete.santelle@unasp.edu.br
Recebido em 13/Mai/2006
Versão final reapresentada em 05/Jul/2007
Aprovado em 24/Jul/2007