EDITORIAL
Acesso a insumos em saúde: desafios para o Terceiro Mundo
A exclusão social no âmbito da saúde é marcante. Na América Latina, com uma população de cerca de 560 milhões de habitantes, a metade não está coberta por mecanismos de proteção social e mais de 100 milhões de pessoas não têm acesso aos serviços de saúde, por razões econômicas ou geográficas, e nem mesmo à água potável ou saneamento básico. Neste contexto, os desafios que se apresentam para nossos sistemas e serviços de saúde, na tentativa de assegurar o acesso aos insumos essenciais, confrontam-se com o padrão de iniqüidade que nos transforma numa região de desequilíbrio, de extrema concentração de renda e de injustiças evidentes.
No marco de assegurar o acesso a insumos, temos que considerar que lidamos com produtos, com serviços e com populações vulneráveis. Nesse contexto, temos que buscar equilibrar a garantia de acesso com padrões de eqüidade e produtos de qualidade. O acesso a insumos deve ser considerado no marco de políticas de saúde, de C&T e política industrial. Nesse triplo enfoque, entremeamos os produtos que representam inovação, os avances terapêuticos e ao mesmo tempo um mercado em que levemos em conta a competição, os preços e superemos as barreiras ao acesso. Consideramos que o acesso a tais insumos, com destaque para os medicamentos essenciais, deve ser considerado no marco das políticas de saúde e incorporado nos sistemas e serviços de saúde como direito humano fundamental.
A estratégia de cooperação da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde para as Américas inclui como objetivo central o fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde, por intermédio de um triplo enfoque: resolver a agenda inconclusa, em especial assegurando a extensão do acesso a produtos e serviços de qualidade; proteger as realizações alcançadas, enfatizando a sustentabilidade das políticas sociais; enfrentar os novos desafios, entre os quais podemos incluir como assegurar acesso a novos produtos, como regular o mercado farmacêutico frente à nova Biotecnologia, Genômica e Proteômica. Também consideramos os novos marcos regulatórios que estão sendo impostos aos países da região na negociação de tratados de livre comércio (TLC) mais restritivos que os acordos globais subscritos no âmbito da Organização Mundial do Comércio, em especial o Acordo TRIPS.
Entre as principais barreiras ao acesso a novos produtos e novas tecnologias, despontam os denominados TLC TRIPS-Plus, impondo restrições além das nossas legislações nacionais e impedindo a entrada de produtos competidores de menor preço no mercado que se torna monopólico pela proteção patentária. Os termos aprovados nos TLC se sobrepõem aos marcos legislativos e alteram substancialmente as políticas de acesso a insumos em saúde.
Nossa região não é homogênea e as soluções não podem ser uniformes. Onde se localiza a inovação e o longo caminho entre a descoberta e o acesso devem merecer políticas integradas. As lições aprendidas no Brasil, com sua política de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, e o alinhamento das políticas com o desenvolvimento econômico, social e cultural são reflexões para assegurar um investimento capaz de gerar conhecimento com base em necessidades sociais que influenciem a agenda de pesquisa, assegurando inovações em produtos, processos/métodos, políticas e estratégias. Pensemos coletivamente e ousemos dar o salto, de políticas nacionais isoladas a uma integração sub-regional e regional, que venham assegurar o investimento na melhoria das nossas condições de saúde.
Jorge Bermudez
Unidade de Medicamentos, Vacinas e Tecnologias em Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde, Washington DC, Estados Unidos.
bermudej@paho.org