ARTIGO ARTICLE

 

Projeto Diagnóstico da Farmácia Hospitalar no Brasil: uma proposta de hierarquização dos serviços

 

The Hospital Pharmacy Survey in Brazil: a proposal for hierarchical organization of hospital pharmaceutical services

 

 

Ana Márcia MessederI; Claudia Garcia Serpa Osorio-de-CastroII; Luiz Antonio Bastos CamachoII

ISecretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil
IIEscola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo desenvolver uma abordagem capaz de hierarquizar hospitais de acordo com o desempenho dos seus serviços de farmácia hospitalar frente a indicadores de estrutura e processo. A abordagem empregada considera questões a respeito da influência do contexto hospitalar sobre o desempenho dos serviços e a interdependência das atividades. Foram construídos algoritmos de atividades para diferentes níveis de complexidade hospitalar, considerando pontuações diferenciais de acordo com a necessidade de realização da atividade pelo serviço no nível de complexidade em que o hospital se insere. Foram atribuídos pesos diferenciados para componentes, no intuito de indicar que alguns componentes influenciam mais o desempenho do serviço. A aplicação da abordagem aos serviços de farmácia hospitalar analisados permitiu determinar os hospitais que apresentam melhor e pior desempenho dos serviços. Utilizando-se categorias de desempenho bom, regular e insuficiente, nenhum dos serviços de farmácia hospitalar, independentemente do nível de complexidade hospitalar, integra a categoria de bom, e mais de 50% dos serviços integram a categoria de insuficiente.

Avaliação; Avaliação de Serviços de Saúde; Serviços de Farmácia Hospitalar


ABSTRACT

This paper discusses the development of a methodological approach to classify hospital pharmacies according to their performance, measured by structure and process indicators. The method considers the influence exerted on performance by the level of care in the hospital and the interdependence among pharmaceutical activities. Algorithms for assessing performance of hospital pharmacies were constructed for each level of care. Different weights were used for core activities in the pharmacy and other specific activities, according to the level of care in the hospital where the respective service was provided. This methodology allowed classifying hospital pharmacies from best to worst, based on performance. Independently of level of care in the hospital, no hospital pharmacies were classified as high-performance, and more than 50% were classified as low-performance.

Evaluation; Health Services Evaluation; Hospital Pharmacy Service


 

 

INTRODUÇÃO

A avaliação é uma prática habitual do homem, inerente ao processo de aprendizagem 1. No sentido mais amplo, avaliar insere a idéia de atribuir valor a algo, sem compromisso com o fundamento do juízo ou com método específico 2. No sentido estrito de avaliar serviços ou programas, isto é, avaliar intervenções sociais, podemos defini-la como os "procedimentos que, apoiados no uso do método científico, servem para identificar, obter e proporcionar a informação pertinente e julgar o mérito e o valor de algo de maneira justificável" (Aguilar & Ander-Egg, 1994, apud Uchimura & Bosi 2; p. 1562), o que costuma se chamar de avaliação sistemática.

Uma prática avaliativa ainda amplamente difundida e que apresenta caráter eminentemente técnico é a avaliação normativa. A lógica conceitual, a ênfase em relações de causa-efeito, a objetividade quantitativa e a replicabilidade são as principais vantagens desse tipo de avaliação. No entanto, para que se possa obter conclusões mais consistentes sobre a qualidade dos serviços, questões relacionadas com o contexto dos mesmos devem também ser consideradas 3.

O projeto Diagnóstico da Farmácia Hospitalar no Brasil foi um estudo de âmbito nacional, desenvolvido para suprir a carência de informações sobre a situação dos serviços de farmácia hospitalar. Na sua primeira fase, já realizada, constituiu-se como uma avaliação normativa de estrutura e processo, utilizando-se da abordagem de análise de sistemas de Donabedian, baseada no tripé estrutura-processo-resultados 4.

No desenvolvimento da primeira fase do projeto, algumas questões importantes não foram finalizadas, o que impediu a hierarquização direta dos serviços segundo desempenho ao final da análise. Para o desenvolvimento da segunda fase do projeto, que incluirá um estudo de casos dos resultados, faz-se necessário hierarquizar os serviços participantes segundo estrutura e processo, de modo a selecionar as unidades de diferentes níveis de desempenho, complementando-se a estratégia original de avaliação.

As questões de maior destaque são a influência da complexidade hospitalar sobre complexidade da farmácia hospitalar e as inter-relações entre as atividades desenvolvidas pelo serviço de farmácia hospitalar 3.

Estima-se que o nível de complexidade dos serviços ofertados pelo hospital influencie a natureza e a complexidade das atividades realizadas pelo serviço de farmácia hospitalar. Na primeira fase do projeto, entretanto, o critério, simplificado, usado para complexidade hospitalar foi a presença de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI), o que se demonstrou insuficiente e inadequado 3.

Estima-se que a interdependência das atividades também influencie diretamente o desempenho do serviço. A realização inadequada de uma atividade pode influenciar negativamente a realização de outras atividades. Por outro lado, a realização, mesmo que adequada, de uma atividade desnecessária para o grau de complexidade do contexto hospitalar em que o serviço está inserido pode dificultar o desenvolvimento adequado das atividades essenciais. Na primeira fase do projeto, essa perspectiva não foi considerada, tendo os indicadores descritores das atividades sido analisados de modo independente, na maioria das vezes 3.

O objetivo do presente trabalho é desenvolver método de análise do desempenho dos serviços de farmácia hospitalar, considerando o nível de complexidade do hospital em que está inserido e a interdependência das atividades, com vistas à hierarquização dos serviços em termos dos elementos de estrutura e processo.

 

Metodologia

O estudo utiliza-se da amostra representativa de hospitais do Diagnóstico da Farmácia Hospitalar no Brasil 5. Do banco de 6.449 hospitais brasileiros, cadastrados pelo Ministério da Saúde, em 1998, foi constituído o universo de estudo, formado por aqueles que possuíssem mais de 20 leitos 6. O ponto de corte foi escolhido a partir de um consenso de especialistas, que considerou que hospitais com vinte ou menos leitos teriam menor probabilidade de apresentar um serviço de farmácia hospitalar 5.

A seguir, os hospitais foram divididos em estratos segundo os critérios de natureza jurídica (público, privado, filantrópico e universitário) e complexidade (com e sem UTI). O tamanho de amostra, calculado para estimativas conservadoras de proporções (0,50), com precisão de 0,06 e nível de confiança de 95%, foi de 250 hospitais. O número de hospitais em cada estrato foi selecionado aleatoriamente, mantendo a proporcionalidade de cada estrato no universo de hospitais 7.

Criou-se um modelo lógico para as atividades de farmácia hospitalar (Tabela 1), e, com base nesse modelo, foram definidos, por consenso de especialistas, 62 indicadores distribuídos conforme os componentes estabelecidos no modelo – gerenciamento, seleção de medicamentos, logística (programação, aquisição e armazenamento), distribuição, informação, seguimento farmacoterapêutico, farmacotécnica, ensino e pesquisa 5.

O instrumento de coleta utilizado foi um questionário composto por duas partes principais: a primeira, de caracterização geral do hospital, a ser respondida pelo diretor clínico ou seu representante, e a segunda, correspondente à farmácia hospitalar, a ser respondida pelo responsável pelo setor. Após a realização do pré-teste, o questionário final contemplou 224 perguntas, abordando aspectos de estrutura e processo dos serviços 5.

O processo de análise se baseou no modelo lógico supracitado. Todas as variáveis foram tabuladas, tendo os respectivos indicadores sido calculados. Durante o processo de análise, identificou-se a necessidade de elaborar novos indicadores, desdobramentos dos originais, para esclarecer questões que não se encontravam claramente representadas. Uma planilha expandida de 82 indicadores foi gerada 5.

No presente trabalho, os 250 hospitais analisados foram reclassificados com relação ao critério de complexidade. Para tanto, utilizou-se aquele estabelecido pela Portaria Técnica nº. 569, da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde, de 19 de agosto de 2002, que atualizou a tabela de níveis de hierarquia dos serviços de saúde do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) 8. Os hospitais foram classificados nos níveis que representam serviços que realizam procedimentos hospitalares (5 ao 8), por meio de consulta ao CNES 9. A amostra assim classificada foi investigada quanto à manutenção de sua representatividade, verificando-se a existência de categorias não representadas.

A seguir, realizou-se uma caracterização da amostra dos hospitais e seus serviços de farmácia hospitalar. Para tal, determinou-se a freqüência de hospitais por localização geográfica (Unidade Federativa e região) e por nível hierárquico de complexidade, de acordo com o CNES.

Foram calculadas as proporções de serviços de farmácia hospitalar quanto ao cumprimento aos indicadores de avaliação da estrutura e processo; à existência dos componentes do modelo lógico nos serviços, de modo a justificar a aplicação do módulo de avaliação; e à realização de cada atividade básica que deve existir em uma farmácia hospitalar (gerenciamento, seleção de medicamentos, logística, informação e distribuição de medicamentos) 10,11. Essa última proporção foi calculada com base na execução desses serviços em bloco.

Após a descrição da amostra, passou-se à construção dos algoritmos para pontuação, de acordo com o nível de complexidade hospitalar.

O primeiro requisito foi a presença justificada de componentes do modelo lógico, dado o nível de complexidade proposto. Foram considerados obrigatórios os componentes básicos que devem existir em todos os serviços, independente do nível de complexidade. Os componentes considerados foram:

• Nível 5 (hospitais de baixa complexidade): componentes básicos;

• Nível 6 (hospitais de média complexidade sem serviço de apoio diagnóstico-terapêutico ambulatorial de alta complexidade): além dos componentes básicos, os componentes farmacotécnica e seguimento farmacoterapêutico;

• Nível 7 (hospitais de média complexidade com serviço de apoio diagnóstico-terapêutico ambulatorial de alta complexidade): considerou-se os mesmos componentes do nível 6, com o acréscimo de outros indicadores não considerados no nível anterior;

• Nível 8 (hospitais de alta complexidade): todos os componentes.

Na planilha original, os indicadores foram organizados em seqüência coerente com o modelo lógico 5 [a lista completa dos indicadores pode ser disponibilizada mediante solicitação aos autores]. Após a determinação dos componentes a serem incluídos, fez-se uma análise de todos os indicadores propostos. Alguns indicadores foram retirados da análise por apresentarem redundância ou inconsistência, por exemplo, "porcentagem de hospitais que possuem cadastro de fornecedores", "porcentagem de farmácias hospitalares que possuem sistema de controle de estoque automatizado", "porcentagem de farmácias hospitalares que estão ligadas diretamente à área clínica ou à direção geral" etc.

A seguir, determinaram-se quais dos indicadores propostos para cada componente representavam características obrigatórias, não obrigatórias e indesejáveis, dentro de cada nível hierárquico. Por exemplo, para o Nível 5 (hospitais de baixa complexidade), no componente "Logística, Programação", o indicador "farmácia hospitalar com programação para abastecimento de medicamentos selecionados" era obrigatório e recebeu pesos variando de 29 a 32, dependendo do rearranjo de componentes realizados. Já o indicador "farmácia hospitalar que utiliza curva ABC para programação, dentre aquelas que possuem uma relação de produtos para compra", também do componente "Logística, Programação", não foi considerado obrigatório para os hospitais do nível 5.

As atividades incompatíveis com o nível de complexidade do hospital constituíram "indicadores indesejáveis". Para o componente "Farmacotécnica" nos hospitais do nível 6, por exemplo, a preparação de nutrição parenteral e a preparação de quimioterápicos eram indicadores indesejáveis.

Para calcular a pontuação dos hospitais, o cumprimento de cada indicador obrigatório foi contabilizado com um ponto. Os indicadores não obrigatórios foram contabilizados como "ponto de bonificação" somente quando todos os indicadores obrigatórios estavam presentes. A presença de indicadores indesejáveis anula a pontuação do componente.

Adicionalmente, arbitrou-se que caso o hospital apresentasse dado componente não obrigatório em seu nível hierárquico deveria apresentar, necessariamente, determinados indicadores daquele componente de modo a fazer jus a "ponto de bonificação". Por exemplo, para hospitais do nível 5, todo o componente "Farmacotécnica" era considerado não obrigatório, mas uma vez que o hospital tivesse o serviço e "realizasse a preparação de misturas intravenosas" era obrigatório que também tivesse "percentagem média de adequação das condições de preparação de misturas intravenosas na farmácia hospitalar".

Um caso específico foi o do componente "Distribuição", no qual os indicadores representam diferentes sistemas de distribuição: coletivo, misto, por prescrição individualizada e por dose unitária. Somente um deles pode ser apresentado por cada serviço. Nesse caso, optou-se por escalonar a pontuação conferida de acordo com a complexidade de cada sistema. O sistema coletivo teve pontuação igual a 1; o sistema misto teve pontuação igual a 1,25; o sistema de distribuição de medicamentos por prescrição individualizada teve pontuação igual a 1,5; e o sistema de dose unitária teve pontuação igual a 1,5. Para o nível 5, considerou-se que o sistema coletivo seria aceitável, e os demais seriam bonificáveis. Para o nível 6, a presença do sistema coletivo foi considerada indesejável; o sistema misto foi considerado o mínimo; e os outros, bonificáveis. Para o nível 7, considerou-se o sistema coletivo indesejado, aceitáveis os sistemas misto ou por prescrição individualizada (sendo o segundo preferível ao primeiro), e o sistema de dose unitária, bonificável. Para o nível 8, consideram-se indesejáveis os sistemas coletivos e mistos, e aceitáveis os sistemas de distribuição por prescrição individualizada e por dose unitária (sendo o segundo preferível ao primeiro).

O Diagnóstico da Farmácia Hospitalar no Brasil determinou pesos fixos aos componentes 5 por considerar que alguns componentes são mais importantes para o desempenho do serviço do que outros, partindo do pressuposto de que todos estariam presentes na grade de análise. Os pesos foram determinados com base na literatura e na avaliação dos especialistas, baseando-se na influência que o componente teria na realização de uma adequada assistência farmacêutica hospitalar.

Alternativamente, no modelo proposto, os pesos foram rearranjados de acordo com a presença ou ausência de determinado componente, guardando as mesmas proporções iniciais. Nos casos em que componentes não obrigatórios em dado nível de complexidade eram realizados pelos serviços, a entrada de um componente implicava em novo rearranjo dos pesos.

Os algoritmos assim construídos, aplicados a cada nível de complexidade, permitiram diferenciar os hospitais pelo seu desempenho frente aos indicadores propostos.

A pontuação final de cada hospital no interior de um dado nível hierárquico foi obtida pelo somatório da pontuação dos indicadores ponderado por componente, o que permitiu hierarquizar os hospitais de acordo com o desempenho frente ao modelo lógico proposto. A pontuação obtida foi comparada com a pontuação ideal (máxima para o nível de complexidade considerado), dado o algoritmo proposto, sendo o resultado expresso na forma de percentual de aproximação. O percentual de aproximação também foi analisado sob três categorias: baixa pontuação 0 a 33,3%; média pontuação 33,4 a 66,6% e alta pontuação 66,7 a 100%.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A distribuição proporcional dos hospitais constantes do cadastro do CNES por níveis hierárquicos foi semelhante à da amostra de 250 hospitais, indicando representatividade da amostra. Segundo a classificação do CNES, a distribuição dos hospitais cadastrados resultou em 11,5% dos hospitais no nível hierárquico 5; 58,7% no nível 6; 12,7% no nível 7; 16,2% no nível 8; e 1% sem dado de nível hierárquico. Na amostra em estudo, 6,8% (17) dos hospitais estavam no nível hierárquico 5; 64% (160), no nível 6; 12,4% (31), no nível 7; 13,6% (34), no nível 8; e 3,2% (8), sem dado de nível hierárquico.

Há um maior número de hospitais dentro dos dois níveis mais baixos de complexidade hospitalar, representando, tanto no universo quanto na amostra, mais de 70% das unidades hospitalares brasileiras. O nível de complexidade mais representativo é o nível 6, no qual estão os hospitais de média complexidade sem serviço de apoio diagnóstico e terapêutico ambulatorial de alta complexidade.

O recorte usado para a seleção ou para estratificação da amostra não utilizou o critério de regionalidade. No entanto, é possível fazer algumas considerações com relação ao perfil de distribuição territorial. A freqüência dos hospitais por unidade federativa, de acordo com o nível hierárquico, apresentou a distribuição demonstrada na Tabela 2. Quando se agrupa por região, verifica-se que 33,6% dos hospitais estão localizados no Sudeste; 28,4%, no Nordeste; 18%, no Sul; 14%, no Centro-Oeste; e 6%, no Norte. Por nível de complexidade, na Região Sudeste, estão 52,9% dos hospitais do nível 8 e 41,9% dos hospitais de nível 7. Os hospitais de nível 6 apresentam uma distribuição entre as regiões comparável com a distribuição geral dos hospitais, 30,6% no Sudeste; 29,4% no Nordeste; 20% no Sul; 13,1% no Centro-Oeste e 6,9% no Norte. Dos hospitais de baixa complexidade (nível 5), 47,1% estão localizados na Região Nordeste.

 

 

Percebe-se que há uma distribuição desigual entre a rede hospitalar brasileira, na qual a Região Sudeste apresenta a maior concentração hospitalar e a maior concentração de hospitais de maior complexidade do país, além de também apresentar proporção razoavelmente mais equilibrada de todos os níveis de complexidade. A Região Nordeste também apresenta uma grande concentração de hospitais. Desses, entretanto, 77,5% são hospitais de menor complexidade (níveis 5 e 6). As regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste podem ser exemplo de regiões que apresentam menor número de hospitais de maior complexidade. Essas desigualdades geradas pela dificuldade de oferta de serviços podem levar à migração de pacientes em busca de serviços mais complexos. Isso leva ao enfraquecimento das redes instaladas em outras regiões e à sobrecarga dos serviços da Região Sudeste.

O algoritmo proporcionou a estruturação de uma nova planilha de 62 indicadores. São esses os indicadores que permitiram a identificação, no interior dos estratos, do elenco dos hospitais com melhores e piores serviços de farmácia hospitalar. A eliminação de diversos indicadores no momento da elaboração do algoritmo foi fruto de crítica quanto à sua redundância e à sua capacidade explicativa frente aos demais. Os indicadores resultantes foram então aplicados à distribuição do projeto Diagnóstico da Farmácia Hospitalar no Brasil. Estima-se que a utilização dessa planilha de 62 indicadores, diferente da planilha original, possa proporcionar uma classificação mais adequada do que aquela anteriormente proposta. O desenvolvimento do algoritmo partiu ainda do pressuposto de que haveria uma interdependência entre atividades, ultrapassando a mera presença/ausência dos componentes para determinação de melhores e piores desempenhos.

O cálculo da proporção de cumprimento dos serviços de farmácia hospitalar aos indicadores criados para a avaliação de estrutura e processo evidenciou um valor baixo de cumprimento da maior parte dos indicadores, incluindo aqueles de atividades básicas da farmácia hospitalar. Ao se considerar todos os indicadores, seria esperado um cumprimento melhor por parte dos hospitais de maior complexidade. Todavia, independentemente do grau de complexidade dos hospitais, ocorreu o descumprimento da maioria dos indicadores, o que pode caracterizar um sinal de mau desempenho dos serviços. O descumprimento das atividades, principalmente das essenciais, pode estar reduzindo sua efetividade, acarretando erros com potencial de risco para a saúde dos pacientes. Vale ressaltar, no entanto, que as considerações feitas caracterizam tão somente a presença das atividades referentes aos componentes em análise.

Essa mostrou que a distribuição de medicamentos esteve presente em 249 dos 250 hospitais analisados. Essa é uma das funções básicas a serem desempenhadas, e não há registro da ocorrência de um serviço de farmácia hospitalar que não distribua medicamentos aos pacientes 10,11,12. O hospital onde não havia distribuição está desativado e fora da classificação do CNES, não fazendo parte da presente análise.

O gerenciamento foi o segundo componente mais presente, concentrando-se em hospitais de maior complexidade: 91,2% dos hospitais de nível 8 e 96,8% dos de nível 7; 64,7% dos hospitais de nível 5; e 76,3% dos de nível 6. Isso significa que existe uma parcela de hospitais que não apresenta formalização da atividade gerencial, o que pode acarretar problemas organizacionais que comprometem o rendimento do serviço 10,11,12.

A logística e a seleção foram os componentes que se seguiram, sendo tanto maior a sua presença quanto maior o grau de complexidade do serviço. Quando a logística é decomposta em três das suas etapas, a aquisição, a programação e o armazenamento, percebe-se maior presença do armazenamento, seguido pela aquisição e, em último, a programação. Estima-se que o descompasso na realização dessas atividades enfraqueça o desenvolvimento do componente. A seleção de medicamentos tem como produto o elenco de medicamentos fornecido pelo hospital e as diretrizes e estratégias que garantam sua adoção. Se não há seleção, não há como determinar o que deve ser programado e comprado. Falhas da logística e da seleção podem acarretar desperdícios de recursos humanos e financeiros, dificultando ou impedindo o adequado fornecimento dos medicamentos.

A informação, a farmacotécnica, o seguimento farmacoterapêutico e o ensino e pesquisa foram componentes pouco presentes nos hospitais avaliados, sendo que sua freqüência aumenta proporcionalmente à complexidade. A informação é uma das atividades básicas da farmácia hospitalar; sua baixa presença nos hospitais demonstra que os serviços estão omissos, pelo menos formalmente, quanto à garantia do uso seguro e racional dos medicamentos. As outras atividades são consideradas secundárias 11,12; sua presença não é obrigatória em todos os serviços, devendo depender da complexidade.

Outra análise determinou a proporção de hospitais que realizavam todas as atividades básicas, por nível hierárquico. No nível hierárquico 5, nenhum serviço de farmácia hospitalar apresentou todos os componentes básicos; no nível hierárquico 6, apenas 1,3% (2/160) dos serviços apresentaram todos eles; no nível hierárquico 7, 9,7% (3/31); e no nível 8, 5,9% (2/34). O fato de grande parte dos serviços não desempenhar o conjunto das atividades básicas sinaliza a inadequação do serviço, uma vez que esse conjunto é fundamental para a consecução da assistência farmacêutica aos pacientes hospitalizados.

Após a descrição da amostra, foram aplicados os algoritmos desenvolvidos para cada nível hierárquico aos serviços de farmácia hospitalar daquele nível, de modo a obter a pontuação dos serviços. Pontuações ideais foram primeiramente calculadas. Para o nível 5, essa foi de 470 pontos; os serviços de farmácia hospitalar estudados apresentaram pontuações entre 223,5 e 51, tendo o melhor serviço alcançado 47,6% da pontuação ideal; e o pior serviço, 10,9%. O melhor serviço analisado foi o de um hospital filantrópico sem UTI de Santa Catarina, e o pior serviço analisado foi o de um hospital privado sem UTI do Rio Grande do Sul.

Para o nível 6, a pontuação ideal foi de 624,9, e os serviços de farmácia hospitalar estudados pontuaram entre 401,5 e 41,5; o melhor serviço alcançou 64,3% da pontuação ideal; e o pior serviço, 6,6%. A melhor farmácia hospitalar analisada foi a de um hospital privado sem UTI de Minas Gerais, e o pior serviço analisado foi o de um hospital filantrópico sem UTI de Mato Grosso do Sul.

Para o nível 7, a pontuação ideal foi de 830,8, e os serviços de farmácia hospitalar estudados apresentaram-se entre 462,5 e 72,5 pontos. O melhor serviço alcançou 55,7% da pontuação ideal; e o pior serviço, 8,7%. Um hospital público sem UTI de Minas Gerais foi o melhor serviço analisado, e o pior foi o de um hospital privado sem UTI do Ceará.

Para o nível 8, a pontuação ideal foi de 884,3, e os serviços de farmácia hospitalar estudados apresentaram pontuações entre 544,5 e 105. O melhor serviço alcançou 61,6% da pontuação ideal; e o pior serviço, 11,9%. O melhor serviço analisado foi o de um hospital universitário com UTI do Rio Grande do Sul, e o pior foi o de um hospital privado sem UTI do Paraná. A distribuição dos percentuais de aproximação das pontuações idéias, por nível hierárquico, é apresentada na Figura 1.

Para todos os níveis de complexidade, a adequação máxima alcançada não ultrapassou 2/3 da pontuação total. Utilizando como ponto as categorias de alta, média e baixa pontuação, pode-se dizer que nenhum serviço de farmácia hospitalar alcançou o patamar de "bom". Mais alarmante é constatar que, no nível 5, 70,6% dos serviços de farmácia hospitalar estariam na categoria insuficiente; no nível 6, 71,9% dos serviços; no nível 7, 61,3% dos serviços; e, no nível 8, 55% deles, indicando insuficiência dos serviços de farmácia hospitalar, em todos os níveis de complexidade. O significado sanitário é de que esses serviços podem vir a causar mais risco do que benefício à população usuária.

Ainda, nos níveis de complexidade 8, 7 e 6, os serviços analisados como melhores são os de hospitais públicos, filantrópicos ou universitários. Os piores serviços são, em sua maioria, os de hospitais privados. No nível 5, de menor complexidade, tanto os melhores quanto os piores serviços eram privados. Esse achado pode indicar uma maior inadequação dos serviços privados aos padrões mínimos de qualidade para o desempenho de uma assistência farmacêutica hospitalar correta e segura. Os serviços de caráter público, não só hospitais do serviço público nas três esferas governamentais, como também os hospitais filantrópicos e universitários, apresentariam maior adequação na qualidade do serviço.

A idéia de que a hierarquização proposta pode ser capaz de diferenciar os melhores e os piores serviços é corroborada pela análise de casos específicos da amostra. Quando, por exemplo, analisam-se os dois hospitais considerados como os melhores do nível hierárquico 8 em contraponto aos dois hospitais que apresentaram os piores desempenhos naquele nível, percebe-se, nesses serviços, a ausência completa de vários componentes que deveriam ser realizados. Observa-se também a presença de atividades realizadas da forma mais incipiente possível, quando se esperaria maior especialização. Por exemplo, no que tange ao sistema de distribuição, os piores desempenhos ocorreram em hospitais com sistema coletivo. Ao mesmo tempo, os hospitais de melhor desempenho apresentaram maior adequação dos componentes realizados, uma maior coordenação entre as atividades desenvolvidas e a presença de atributos pertinentes ao nível de complexidade hospitalar em que se inserem. Análises semelhantes realizadas nos outros níveis de complexidade apresentaram resultados concordantes com os expressos acima. Esta parece ser uma indicação de que o método desenvolvido foi capaz de discriminar serviços de farmácia hospitalar quanto à estrutura e ao processo.

Os resultados da hierarquização utilizando a abordagem proposta demonstraram uma boa capacidade de diferenciação dos serviços. A validade de conteúdo dessa abordagem, ou seja, a aparente coerência entre o que se quer medir e o instrumento de medida, pode ser defendida com base nessa capacidade de diferenciação. Ressalta-se, também, o fato de que a validade de conteúdo dos indicadores de estrutura e processo utilizados foi estabelecida por painel de especialistas. Assim, os dados apresentados fornecem um indicativo de validade de conteúdo da abordagem empregada para hierarquização dos hospitais.

A validade de constructo, isto é, a relação entre os conceitos teóricos e sua operacionalização, é sugerida pela coerência entre as observações sobre estrutura e processo das farmácias hospitalares analisadas e o que se conhece dos hospitais onde estão inseridas. Entretanto, essa suposta validade depende da avaliação complementar de resultados ainda a ser desenvolvida.

A validade de critério, capacidade do instrumento em medir atributos de acordo com um critério externo, também será verificada na avaliação de resultados. O grau de aprofundamento da análise possível no estudo de caso proposto e os elementos de resultado a serem agregados poderão gerar o referencial externo para validar os indicadores. Essa verificação de validade, no entanto, pode ser comprometida pelo pequeno número de unidades de análise, próprio dos estudos de casos.

 

CONCLUSÕES

A abordagem desenvolvida para hierarquizar os hospitais com base no desempenho dos serviços de farmácia hospitalar, determinado por indicadores de estrutura e processo, considerando questões da complexidade hospitalar e da interdependência de atividades, mostrou-se capaz de diferenciar os serviços e, assim, determinar os melhores e piores dentre eles.

O desenvolvimento dessa abordagem redundou na produção de algoritmo por nível hierárquico e de nova planilha de 62 indicadores. A aplicação direta do método produziu a hierarquização dos hospitais integrantes do estudo Diagnóstico da Farmácia Hospitalar no Brasil, permitindo determinar os hospitais a serem estudados na segunda fase do projeto. Os indicadores propostos e os algoritmos criados apresentam validade de conteúdo e podem ser aplicados em outros contextos. Acredita-se que essa proposta possa contribuir para aplicações futuras de métodos de avaliação de farmácia hospitalar.

 

Colaboradores

A. M. Messeder realizou a busca bibliográfica, coleta e análise de dados, discussão e redação do artigo. C. G. S. Osorio-de-Castro contribuiu com a coleta e análise de dados, revisão dos resultados, discussão e revisão do texto final. L. A. B. Camacho contribuiu com a análise de dados, revisão dos resultados, discussão e revisão do texto final.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência
A. M. Messeder
Coordenação Geral de Planejamento
Articulação e Gestão de Programas
Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos
Secretaria de Ciência
Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde
Esplanada dos Ministérios, Bloco G, sala 830
Brasília, DF 70058-900, Brasil
ana.messeder@saude.gov.br

Recebido em 15/Mai/2006
Aprovado em 20/Set/2006

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