RESENHAS BOOK REVIEW

 

 

Joel Alves LamounierI; Márcia Rocha ParizziII

IFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. jalamo@medicina.ufmg.br
IIPrograma de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.

 

 

OBESIDADE E SAÚDE PÚBLICA. Anjos LA. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. 100 pp.

ISBN: 85-7541-082-2

Obesidade e Saúde Pública, do médico e doutor em Fisiologia do Exercício Dr. Luiz Antônio dos Anjos, traz grande contribuição para profissionais de saúde de diferentes especialidades – epidemiologia, nutrição, pediatria, clínica médica, endocrinologia, fisioterapia, educação física e outras – que se dedicam ao estudo, à prevenção e ao tratamento da obesidade em todas as faixas etárias. Em linguagem simples e objetiva, é um livro que esclarece dúvidas freqüentes dos especialistas. Mantendo o foco na saúde pública, apresenta um conteúdo distribuído em quatro capítulos: Avaliação Antropométrica e da Composição Corporal; Agravos à Saúde e Epidemiologia da Obesidade; Etiologia; Prevenção e Controle. Além das referências bibliográficas, inclui, também, uma parte final com sugestões de leituras, das quais, muitas acessíveis pela Internet.

O formato pequeno, de bolso, facilita a consulta rápida pelo profissional no trabalho do dia-a-dia, tanto na clínica quanto na saúde pública. O leitor encontrará informações, descritas com muita propriedade pelo autor, sobre avaliação nutricional, composição corporal, requerimento energético e manuseio de dados de inquéritos nutricionais e epidemiológicos sobre o estado nutricional da população brasileira. Em artigos publicados e nos dados ilustrados no livro, amplia-se, também, o conhecimento sobre a chamada "transição nutricional" em nosso país. Fica evidente a dimensão e a importância clínica-epidemiológica da obesidade para saúde pública, epidemia global que já atinge também o Brasil. Ao longo do texto, o autor procura mostrar os fatos, sob a luz do conhecimento científico, complementados com opiniões e experiências pessoais.

O capítulo de avaliação antropométrica e da composição corporal inclui os aspectos ligados à definição de obesidade, critérios para classificação nutricional e avaliação de gordura corporal. O autor explora bem as definições da obesidade e os índices antropométricos, em especial, o índice de massa corporal (IMC), com uso amplamente disseminado na população. É preciso salientar, no entanto, que o diagnóstico de uma pessoa obesa é clínico e baseia-se no aspecto geral com evidente excesso de tecido subcutâneo. Às vezes chega-se a um tipo disforme, com dobras cutâneas, estrias, abdome pendular, gibosidade dorsal.

O IMC ou índice de Quetelet, cujo valor normal varia com idade e sexo, é considerado atualmente a melhor alternativa clínica para mensurar a adiposidade. O autor define bem as vantagens do uso do IMC, principalmente em estudos populacionais. Todavia, esclarece as limitações, considerando as diferenças de interpretação de acordo com a etnia, idade, sexo, indicando a validação dos pontos de corte de IMC em função de outras medidas de composição corporal. A principal limitação é não ser possível diferenciar o excesso de peso por obesidade daquele decorrente do aumento por hipertrofia muscular, edema e ossos. Assim, os valores de IMC não são absolutos, pois um desportista pode ter o corpo musculoso e pelo valor de IMC ser considerado obeso. São apresentados os valores sugeridos para classificação do estado nutricional para as diversas faixas etárias e particularidades para diferentes populações. O IMC correlaciona-se muito bem com a gordura subcutânea e a gordura total, com o aumento da pressão arterial e com os lípides e lipoproteínas do plasma.

As medidas das pregas cutâneas com paquímetro (pregas na região subescapular, na parede abdominal e no tríceps) ou a medida dos perímetros da raiz dos membros, do tórax e do abdome, bem como o controle de peso (curva ponderal), são, também, importantes no diagnóstico e seguimento dos casos. A medida da circunferência abdominal é outra maneira eficaz e simples de avaliar obesidade e os riscos aumentados para desenvolvimento de complicações, sobretudo, as doenças cardiovasculares e as metabólicas, como diabetes tipo II. Em adultos, consideram-se aumentados os valores > 94cm para sexo masculino e > 80cm para o feminino; muito aumentados > 102cm para homens e > 88cm para mulheres. Para crianças e adolescentes são recomendadas curvas de IMC obtidas com dados do National Center for Health Statistics1,2. Também, foi proposta uma tabela com valores de IMC para faixas etárias a partir de 2 anos até 19 anos, com intervalo de seis meses3, com valores baseados em dados de estudos internacionais, inclusive do Brasil, pela Força Tarefa Internacional de Obesidade. Os valores de IMC são bastante semelhantes considerando-se as duas publicações4. Recentemente, a Organização Mundial da Saúde publicou curvas de crescimento e desenvolvimento para crianças até cinco anos, que incluíram crianças em amamentação materna exclusiva até seis meses de idade, complementada com outros alimentos até um ano (Acta Paediatrica 2006; 95 Suppl 450). Na avaliação do crescimento foi incluído também o IMC.

Os agravos à saúde e epidemiologia da obesidade ilustram a importância e o impacto da doença, no âmbito individual e coletivo, dentre os quais, os custos alarmantes de cerca 1,5 bilhão de Reais por ano com internações hospitalares, consultas médicas e medicamentos. Desse valor, 600 milhões são provenientes do governo via Sistema Único de Saúde, e representa 12% do orçamento gasto com todas as outras doenças. A obesidade é um fenômeno que tem sido observado em praticamente todas as faixas etárias da população em vários países no mundo. Sua prevalência cresceu nos últimos anos e constitui um dos mais significativos problemas nutricionais da atualidade, devido, principalmente, às suas graves conseqüências biopsicossociais. Antes, mais comum entre adultos, já atinge também crianças e adolescentes de forma preocupante. Outras doenças também são relacionadas com a obesidade: dislipidemias, diabetes, hipertensão arterial, doenças respiratórias do tipo apnéia do sono, litíase biliar, distúrbios dermatológicos, distúrbios alimentares, dentre outros. No capitulo são apresentados e discutidos os dados de inquéritos realizados no Brasil a partir do Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF) em 1974, Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) em 1989, Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) em 2002-2003, Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) em 1997. Os dados mostram uma redução da desnutrição em crianças e aumento de sobrepeso e obesidade, situação de "transição nutricional", caracterizando mudança nas prevalências – diminuição de doenças transmissíveis e aumento das doenças crônicas não-transmissíveis. Entretanto, mesmo com elevadas prevalências de sobrepeso e obesidade, é importante ressaltar que cerca de 40% da população brasileira vive com insegurança alimentar, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004.

Quanto à etiologia, o autor aponta, através de estudos e reflexões, que fatores externos socioambientais sejam mais relevantes na incidência de obesidade do que os fatores genéticos. Dentre os principais fatores externos relacionados com o desenvolvimento da obesidade foram destacados: a exposição prolongada à escassez de alimentos – intra ou extra-uterina – levando à desnutrição e tendência à obesidade posteriormente; a transição nutricional com a troca do padrão tradicional para o padrão contemporâneo (preferência por alimentos industrializados) e o estilo de vida urbano, marcado pelo sedentarismo da população nas últimas décadas.

No entanto, é de fundamental importância ampliar a leitura acerca da complexidade das causas da obesidade. Esse fenômeno é também decorrente de uma adaptação da sociedade ao processo de globalização que vem ocorrendo no mundo nas últimas décadas. A globalização – cujo principal pilar é a formação de consumidores e centros comerciais, em substituição à formação de cidadãos e comunidades – alterou profundamente os valores, costumes, relações com o trabalho, vida familiar e lazer na sociedade contemporânea. Nesse cenário, a obesidade pode ser compreendida como um "efeito colateral" dessas mudanças. Na vida familiar, por exemplo, observa-se que pais e mães concentram esforços no crescimento profissional e material, para manterem seu poder aquisitivo e se conservarem em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, exigente de produtividade e eficiência. Sem tempo, não apresentam disposição para o convívio com os filhos. Um dos aspectos antropológicos que mais caracterizam as relações contemporâneas é o fenômeno do declínio do convívio. Na atualidade, se come cada vez mais sozinho: "os fast-foods são o protótipo da vida contemporânea, marcada por um consumo solitário, sem tempo, de um alimento pré-fabricado". Assim, muitos estudos apontam obesidade como um distúrbio da solidão e da desvalorização do cuidado nas relações interpessoais. O excesso de ingestão de alimentos pode ser entendido como uma forma eficiente de preencher vazios existenciais, tão comuns na sociedade mercantilista contemporânea. Esses aspectos não podem ser desconsiderados na condução do tratamento.

Na obesidade é fundamental prevenção e controle, que implica a economia de elevados recursos financeiros destinados ao tratamento da própria doença, como também doenças associadas ou decorrentes. As doenças cardiovasculares como infartos agudos do miocárdio, morte súbita, insuficiência cardíaca por coronariopatia, assim como as doenças cerebrovasculares, como os acidentes vasculares cerebrais isquêmicos e hemorrágicos, são responsáveis por mais da metade dos óbitos no Brasil. A profilaxia dessas doenças é, por isso, prioridade absoluta. Nas últimas quatro décadas, diversos estudos epidemiológicos definiram claramente os principais fatores de risco para essas doenças. Dentre os fatores modificáveis destacam-se: a hipercolesterolemia (LDL elevado), HDL baixo, hipertensão arterial, tabagismo, diabetes, sedentarismo, obesidade e estresse psicossocial. No entanto, como a obesidade está fortemente associada a três grandes fatores de risco – a hipertensão, as dislipidemias e a resistência à insulina –, hoje, não existem dúvidas de que uma abordagem preventiva deve ser já iniciada na infância e adolescência. Além de a intervenção ser benéfica, é importante lembrar que na infância são formados os hábitos alimentares e de atividade física. Os primeiros dois anos e também na fase pré-escolar são os períodos de risco pela hipertrofia e hiperplasia dos adipócitos. A obesidade infantil e na adolescência está diretamente relacionada à obesidade na idade adulta, pois cerca de 50% de crianças obesas aos seis meses de idade e 80% das crianças obesas aos cinco anos de idade permanecerão obesas. Além disso, aterosclerose e hipertensão arterial, doenças típicas de adultos, são processos iniciados na infância e relacionados à obesidade. Crianças alimentadas com mamadeira ou com dieta mais próxima do adulto correm mais riscos. Assim, a prevenção já começa com as boas regras da alimentação na infância, desde o nascimento, pela amamentação exclusiva até os seis meses de vida, forma mais adequada e natural para alimentar o ser humano. O incentivo ao aleitamento materno, por exemplo, é um dos fatores de proteção e prevenção contra a obesidade, pois estudos mostram que crianças não amamentadas ou com menor tempo de amamentação tendem a ser obesas na vida adulta.

A maioria dos estudos sobre nutrição, realizados no século passado se concentrou nos aspectos da desnutrição. Atualmente, nos países desenvolvidos e naqueles em desenvolvimento que se encontram no estágio de transição nutricional (entre os quais o Brasil), verifica-se redução na prevalência da desnutrição e predomínio do excesso de peso. Assim, são verificados dois extremos da má nutrição – desnutrição pela carência e obesidade pelo excesso – que compartilham do mesmo cenário. O combate à fome tem justificativa visto que ainda existem bolsões de pobreza com desnutrição. Outra questão é a distribuição de renda de forma cruel, concentrada a maior parte nas mãos de uma pequena parcela da população. Esses são fatores que devem ser considerados numa análise mais profunda da questão nutricional e de suas implicações na saúde da população brasileira. Tanto a fome zero quanto obesidade zero devem ser parte de uma mesma política que passa por um programa de educação nutricional e melhor distribuição de renda, para que as famílias possam ter melhor conhecimento e mais acesso aos alimentos de qualidade nutricional. Nesse contexto, Obesidade e Saúde Pública pode muito contribuir para o entendimento dessa questão pelos profissionais da saúde e público em geral.

 

 

1 Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity: 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht2) and triceps skinfold thickness. Am J Clin Nutrition 1991; 53:839-46.
2 Centers for Disease Control and Prevention. CDC growth charts: United States. http://www.cdc.gov/growthcharts/.
3 Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH, Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ 2000; 320:1-6.
4 Abrantes MM, Lamounier JA, Colosimo E. Comparison of body mass index values proposed by Cole et al. (2000) and Must et al. (1991) for identifying obese children with weight-for-height index recommended by the World Health Organization. Public Health Nutr 2003; 6:307-11.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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