ARTIGO ARTICLE
Adaptação transcultural da Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz)
Cross-cultural adaptation of the Independence in Activities of Daily Living Index (Katz Index)
Valéria Teresa Saraiva LinoI, II; Silvia Regina Mendes PereiraII; Luiz Antônio Bastos CamachoI; Sergio Telles Ribeiro FilhoII; Salo BuksmanII
IEscola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
IISociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
Desenvolvimento e análise do desempenho de uma adaptação transcultural para o português da Escala de Katz de independência em atividades da vida diária. Duas traduções e duas retrotraduções analisaram as equivalências conceitual, de itens e semântica para a escolha da versão final. A equivalência operacional foi avaliada em um estudo piloto, testando-se a confiabilidade e a consistência interna da versão adaptada por meio de reteste no mesmo dia em 156 pacientes ou após sete dias da primeira entrevista. A resolução de diferenças sutis em alguns itens levou à equivalência cultural. A versão final foi considerada fácil de se entender e de aplicar. A concordância corrigida para o acaso (kappa ponderado) foi de 0,91. O alfa de Chronbach variou de 0,80 a 0,92. A versão em português da Escala de Katz de independência em atividades da vida diária, completamente desenvolvida e testada, provou ser equivalente à original em inglês. Os itens apresentaram consistência interna e as taxa foram confiáveis.
Atividades Cotidianas; Reprodutibilidade dos Testes; Idoso
ABSTRACT
This study involved the development and performance assessment of a cultural adaptation of the Katz scale of independence in activities of daily living, translated into Portuguese in Brazil. Two translations and two back-translations of the items were analyzed by experts in order to decide on the final version. Operational equivalence was assessed in a pilot study. The reliability and internal consistency of the adapted version were assessed by retesting 156 patients on the same day or 7 days after the first interview. Cultural equivalence was achieved after resolving subtle differences in some items. The final version was considered easy to understand and use. Chance-corrected agreement (weighted kappa) was 0.91. Cronbach's alpha ranged from 0.80 to 0.92.
CONCLUSIONS: a Portuguese version of the Katz scale of independence in activities of daily living, thoroughly developed and tested, proved equivalent to the original version in English. The items were internally consistent and the rates were reliable.
Activities of Daily Living; Reproducibility of Results; Aged
Introdução
O conceito de capacidade funcional implica a habilidade para a realização de atividades que permitam ao indivíduo cuidar de si próprio e viver independentemente 1, constituindo-se no foco do exame do idoso e num indicador de saúde mais completo do que a morbidade, relacionando-se diretamente com a qualidade de vida 2,3.
A capacidade funcional é medida por meio de instrumentos padronizados que avaliam o desempenho do idoso nas atividades da vida diária e nas atividades instrumentais da vida diária. Uma das escalas mais utilizadas para avaliar o desempenho nas atividades da vida diária é a Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (EIAVD), ou Escala de Katz 4,5,6,7,8,9,10,11. Ela foi desenvolvida para a avaliação dos resultados de tratamentos em idosos e predizer o prognóstico nos doentes crônicos. A EIAVD consta de seis itens que medem o desempenho do indivíduo nas atividades de autocuidado, os quais obedecem a uma hierarquia de complexidade, da seguinte forma: alimentação, controle de esfíncteres, transferência, higiene pessoal, capacidade para se vestir e tomar banho 4. Essa seqüência é semelhante à observada durante o desenvolvimento infantil, em que primeiramente a criança aprende a levar a colher à boca para, somente mais tarde, tornar-se capaz de tomar banho de forma independente. Tais considerações levaram à suposição de que a escala se baseia em funções primárias biológicas e psicossociais 12.
Através de revisão da literatura, verifica-se que o conceito de capacidade funcional é o mesmo em diferentes culturas 13,14,15,16. No Brasil, Veras 17 demonstrou, no Rio de Janeiro, que a habilidade para realizar as atividades da vida diária era menor entre as classes de baixa renda e, tal qual em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais 18, diminuía com a idade. Em São Paulo, utilizando inquérito domiciliar, Rassi 19 também demonstrou que a dependência para a realização das atividades da vida diária aumentava com a idade.
No Brasil, a tradução livre da Escala de Katz vem sendo amplamente utilizada, sem ter sido realizada a adaptação transcultural, passo imprescindível antes de se conduzir um estudo e aplicar seus resultados. Esta etapa implica a análise das diferenças existentes entre as definições, crenças e comportamentos relacionados ao objeto de investigação 20.
O tipo de tradução mais utilizado atualmente é realizado por duplas de tradutores independentes, em que se aplica o método de retradução ou back translation 21,22,23,24. A estratégia de Herdman et al. 25 recomenda, além da retradução, a análise de seis tipos de equivalência em ambas as culturas, a saber: conceitual, que ocorre quando eles apresentam a mesma idéia; itens, que se refere à adequação dos elementos da escala original para representar o conceito em questão no idioma em que o instrumento será aplicado; semântica, cujo objetivo é a transferência do significado entre as duas línguas; operacional, relativa à possibilidade de utilização de um formato semelhante de questionário, instruções, forma de administração e métodos de avaliação; de medida, cujo objetivo é verificar se as diferentes versões alcançam níveis similares em termos de validade e confiabilidade. Quando todos os tipos de equivalência forem alcançados, pode-se falar em equivalência funcional. Nesse caso, o instrumento medirá igualmente o conceito nas duas culturas, os resultados encontrados serão comparáveis e estará estabelecida a adaptação transcultural da nova versão.
Dada a importância do conhecimento do desempenho nas atividades da vida diária no exame de idosos e a necessidade de utilização de instrumentos adaptados para a nossa cultura, este trabalho tem por objetivo realizar a adaptação transcultural da EIAVD para a língua portuguesa, utilizando a estratégia de Herdman et al. 25, mantendo a pontuação criada pelos autores da escala em 1976 26.
Métodos
Avaliação das equivalências conceitual e de itens
A revisão da literatura demonstrou a universalidade da expressão capacidade funcional, dando-se por estabelecida a equivalência conceitual, indicando que o constructo tem a mesma concepção em ambos os idiomas. Da mesma forma, observou-se que os elementos existentes na escala são pertinentes em qualquer país ou cultura, instituindo-se a equivalência de itens, pois os elementos da escala original representam o conceito em questão nas duas línguas.
Equivalência semântica
Consistiu em quatro etapas:
1) Tradução independente do instrumento para o português por um grupo de profissionais com experiência na área da geriatria e fluentes no idioma inglês (T1) e por um profissional de nível superior bilingüe (T2);
2) T1 e T2 foram, respectivamente, retraduzidas para o inglês por um médico americano radicado no Brasil (R1) e por uma tradutora juramentada (R2), de forma independente e sem acesso ao original;
3) Uma subseqüente avaliação formal foi realizada por um epidemiologista, proficiente nos dois idiomas, que apreciou a equivalência entre o original e cada uma das retraduções (R1 e R2) sob a perspectiva do significado referencial dos termos (correspondência semântica). Utilizou-se um formulário específico, desenhado de forma a mascarar a origem dos itens da versão original e da retradução que, quando comparados, foram classificados em quatro níveis: inalterado, pouco alterado, muito alterado ou completamente alterado;
4) A equipe de pesquisadores analisou o significado geral de cada item da escala, comparando-se o que foi captado na tradução (T1 e T2) para o português com o original em inglês. Esta correspondência transcende à literalidade das palavras, encampando aspectos mais sutis, como o impacto que um termo tem no contexto cultural da população-alvo. A apreciação é necessária porque a correspondência literal de um termo não implica interpretações semelhantes em diferentes culturas. A partir de então, se propôs uma versão-síntese.
Equivalência operacional
O pré-teste da versão proposta foi realizado por oito profissionais que trabalhavam com idosos, mas não utilizavam o instrumento em suas práticas. Eles examinaram 24 pacientes para avaliar a clareza do instrumento e a adequação da aplicação na sua forma de entrevista.
Equivalência de medida
Esta etapa foi realizada em duas instituições de longa permanência da cidade do Rio de Janeiro por uma dupla de pesquisadores, sendo entrevistados auxiliares de enfermagem que assistiam os idosos em regime de plantão. Uma amostra não probabilística foi selecionada de modo a representar indivíduos para os quais a escala foi desenvolvida, sendo selecionados 100 indivíduos com 60 ou mais anos de idade. Não foram considerados elegíveis pacientes com doenças agudas graves ou em fase terminal de câncer e doenças degenerativas.
Uma outra análise foi realizada utilizando-se uma amostra de 57 indivíduos distribuídos da seguinte forma: acompanhantes de pacientes provenientes de um hospital geral foram entrevistados por uma dupla, enquanto que a outra dupla entrevistou aqueles de um ambulatório de geriatria e de uma instituição geriátrica de longa permanência. As visitas foram realizadas no mesmo dia havendo um intervalo variando entre 15 e 60 minutos entre as avaliações.
O protocolo do estudo e o consentimento informado foram realizados de acordo com a Declaração de Helsinki, de 1975, revisada em 1983, e foi aprovado pela Comissão de Ética da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, seção Rio de Janeiro.
Análise dos dados e tamanho da amostra
As variáveis sócio-demográficas foram consideradas na caracterização dos sujeitos da pesquisa.
A consistência interna dos itens do instrumento foi medida pelo coeficiente alfa de Cronbach estimado com dados de cada observador.
A pontuação gerada pela aplicação da escala por dois observadores foi comparada em tabela cruzada. A concordância simples foi calculada pela proporção de indivíduos em que os dois observadores obtiveram a mesma pontuação. A concordância corrigida para o acaso foi estimada pela estatística kappa 27 e kappa ponderado 28. A concordância segundo o kappa foi classificada como ausente (< 0,0), fraca (0,10-0,20), regular (0,21-0,40), moderada (0,41-0,60), substancial (0,61-0,80) ou quase perfeita (0,81-1,00) 29. A distribuição dos dados discordantes foi analisada de modo a verificar tendenciosidade dos observadores.
Os dados foram digitados em planilha eletrônica e processados com o programa PEPI (Computer Programs for Epidemiologists; http://www.sagebrushpress.com/pepi).
O tamanho da amostra necessária para estimar a reprodutibilidade da escala foi calculado usando-se o programa nQuery Advisor versão 4.0 (Statistical Solutions, Saugus, Estados Unidos), tomando como base em cenários plausíveis de concordância corrigida (kappa ponderado). Considerando a hipótese conservadora de coeficiente de reprodutibilidade igual a 0,70 ± 0,10 seriam necessários aproximadamente 95 indivíduos.
Resultados
Avaliação da equivalência semântica
A apreciação do significado referencial entre os termos oriundos das retraduções e os do instrumento original revelou pouca ou nenhuma alteração em 97,8% e 78,2% em R2 e R1, respectivamente (Tabela 1).
Na elaboração da versão síntese, apesar de dez itens terem sido considerados muito alterados em T1/R1 na análise do significado referencial, que avalia o sentido das palavras, cinco foram selecionados em virtude do melhor significado geral. Um exemplo disso foi a seleção do termo vaso sanitário em vez de privada, palavra considerada vulgar em relação à primeira (Tabela 2).
Avaliação da equivalência operacional
O pré-teste da versão revelou ser o instrumento de fácil aplicação e bem compreendido, tanto pelos profissionais quanto pelos idosos, não sofrendo influência de escolaridade ou gênero. Alguns examinadores sugeriram maior detalhamento do instrumento como, por exemplo: no item referente à continência, solicitou-se explicar o que é catéter e também acrescentar a variável "uso freqüente de fralda geriátrica". No item referente ao banho sugeriu-se acrescentar outras partes do corpo além daquelas já citadas. Os autores entenderam que tais modificações alterariam o instrumento original e mantiveram o texto.
Um total de 156 anciãos foram analisados por 4 aplicadores com a versão em português da Escala de Katz, sendo 57 com reavaliação no mesmo dia e 99 com 7 dias de intervalo (Tabela 3). No subgrupo em que o reteste foi feito no mesmo dia a concordância foi de 78,9% (IC95%: 66,1-88,6) e a concordância corrigida para o acaso (kappa) foi de 0,74 (IC95%: 0,61-0,87). O kappa ponderado foi 0,91 (IC95%: 0,86-0,96). A distribuição das diferenças no teste-reteste mostrou pequena assimetria: pontuação média na Escala de Katz igual a -0,11 (IC95%: -0,25-0,04) sem significância estatística (p = 0,1591).
Quando o reteste foi feito com sete dias de intervalo a concordância foi de 50,5% (IC95%: 40,3-60,7), o kappa foi 0,41 (IC95%: 0,30-0,53) e o kappa ponderado 0,67 (IC95%: 0,58-0,76). A distribuição das diferenças na pontuação no teste e reteste mostrou assimetria substancial média de 0,36 (IC95%: 0,13-0,59) e estatisticamente significativa (p = 0,0021).
Quando a análise do reteste no mesmo dia desconsiderou o item "transferência" o kappa passou de 0,74 para 0,82. Com os dados do reteste com sete dias de intervalo, desconsiderando o item "banho", o kappa foi de 0,41 para 0,54. Os demais itens não mostraram impacto substancial na confiabilidade da pontuação (Tabela 3).
Os itens no reteste no mesmo dia mostraram consistência interna com os dados dos observadores 1 e 2 (alfa 1 = 0,92; alfa 2 = 0,91) superior ao observado no reteste com sete dias de intervalo (alfa 1 = 0,80; alfa 2 = 0,83). A consistência aumentou ligeiramente quando a análise desconsiderou o item "alimentação".
A concordância entre os observadores em cada um dos itens da escala foi, de modo geral, maior quando teste e reteste foram feitos no mesmo dia (Tabela 4). A concordância corrigida foi substancialmente menor nos itens "continência", "vestir" e "banho".
Durante a etapa de análise da equivalência de medida surgiram situações que deram margem a dúvidas não solucionadas por consenso entre os pesquisadores, optando-se por contatar o autor do instrumento. As seguintes questões foram analisadas e interpretadas pelo Dr. Katz:
a) Um indivíduo que não consegue se vestir sozinho, em virtude de não alcançar uma prateleira alta para pegar as roupas dependente;
b) Residente de instituição de longa permanência que utiliza cadeira de rodas sem freio e necessita de terceiros para segurar a mesma na hora da transferência dependente;
c) Paciente que pode se banhar sozinho, mas, por insegurança, requer a presença de outra pessoa dentro do banheiro observando o banho dependente;
d) Paciente demente que mantém a continência urinária e fecal, mas urina em locais impróprios, como por exemplo, a sala-de-estar dependente;
e) Paciente colostomizado que é capaz de trocar e limpar a bolsa de colostomia sem ajuda independente;
f) Paciente que deve ser conduzido para o banho em cadeira de rodas, mas é capaz de se banhar sozinho dependente.
A caracterização do estado funcional é baseada no estado real e não na habilidade de realizar a tarefa sem auxílio de terceiros. Dessa forma, nas situações "a" e "b", os indivíduos serão considerados dependentes até que se resolvam os problemas ambientais.
Ser independente é ser capaz de desempenhar a função sem supervisão. Assim, um idoso que só toma banho quando há um parente presente dentro do banheiro, como no exemplo "c", é considerado dependente, apesar de ser capaz de realizar o ato sem auxílio direto. O mesmo se dá no modelo "d" em que o paciente é continente, mas precisa de controle externo para executar a ação nos locais adequados. Por outro lado, na condição "e", o indivíduo incontinente que consegue manusear a bolsa de colostomia ou a fralda é considerado independente.
A última dúvida gerada durante a pesquisa, descrita em "f", surgiu pela dificuldade de discriminar o tipo de dependência. Houve acordo em relação à dependência na transferência e discordância em relação ao banho. O autor do instrumento original considerou o paciente dependente, pois ele necessita de auxílio para o desempenho da função.
O cumprimento de todas as etapas exigidas para a adaptação transcultural originou a versão em português da EIAVD (Tabelas 5 e 6).
Discussão
Utilizando-se a estratégia de Herdman et al. 25, observamos discrepâncias entre o instrumento original e a retradução, havendo, assim, oportunidades de melhora na tradução, que foram discutidas abertamente pelos pesquisadores. Embora longo, o procedimento sistemático foi necessário para garantir a produção de uma versão com equivalência lingüística.
O fato de não haver termos completamente alterados na análise do significado referencial deve-se, em nossa opinião, à simplicidade do instrumento, que avalia atividades essenciais para o autocuidado, naturalmente adquiridas à medida que o ser humano se desenvolve. Em razão disso pode-se prever que a interpretação das mesmas sofra poucas influências entre as culturas. Todos os itens analisados são pertinentes às duas culturas e os termos apresentam similaridade em ambos os idiomas, caracterizando uma tradução simétrica 16. Não obstante, a expressão "sponge bath", traduzida como "banho de esponja" por um dos tradutores, e "banho de leito" por outro, mostrou a importância de haver um ou mais médicos envolvidos no processo, influenciando positivamente o resultado final, já que a primeira expressão não tem significância clínica em nosso meio.
Em relação à equivalência operacional, embora o instrumento original tenha sido elaborado por meio da observação direta de pacientes internados, a escala vem sendo largamente usada na forma de entrevista ambulatorial, apresentando resultados semelhantes à análise do desempenho individual 30,31,32,33. Igualmente a esses estudos, encontramos equivalência operacional aplicando o instrumento tanto em nível ambulatorial quanto hospitalar, por profissionais não bilíngües que lidam com idosos. Com respeito à compreensão do questionário, nenhum dos entrevistados apresentou dificuldades para respondê-lo. Em nossa opinião, isso se deve à formulação simples e objetiva do instrumento original, observação já feita por outros autores 34.
A concordância interobservador corrigida para o acaso alcançada com esta versão do instrumento foi substancial no reteste no mesmo dia e moderada no reteste com sete dias de intervalo. Considerando a concordância parcial através do kappa ponderado, a concordância foi quase perfeita no reteste do mesmo dia e substancial no reteste com sete dias de intervalo. Neste subgrupo, a discordância entre os observadores não só foi maior como também indicou tendência do observador 1 de atribuir pontuações maiores do que o observador 2. É possível que a convergência dos observadores possa ser aumentada por meio de instruções com vistas a ampliar a homogeneidade na aplicação dos itens, particularmente aqueles que mostraram maior influência na concordância, como "banho", "vestir" e "transferência". Para ambos os observadores, o instrumento indicou maior coerência interna no subgrupo retestado no mesmo dia. Os níveis do coeficiente alfa de Cronbach alcançados podem ser tomados como evidência empírica da validade do constructo independência nas atividades da vida diária conforme avaliado pela escala. Sua validade de conteúdo pode ser defendida considerando-se a convergência entre geriatras sobre os elementos componentes do que tem sido chamado de independência nas atividades da vida diária. A validade de critério não foi avaliada diretamente, mas pode ter sido afetada pelas limitações observadas na reprodutibilidade.
Neste trabalho houve grande variabilidade no item "banho" nas avaliações entre os observadores. Esse fato poderia ser explicado pelo sintetismo da escala, levando o respondedor a interpretar os fatos de forma diferente. Um instrumento mais completo, com maior detalhamento, permitiria a escolha de graus intermediários de dependência.
A falta de coincidência nas respostas em outros itens pode ter ocorrido devido ao intervalo de tempo entre as entrevistas, levando o respondedor a fornecer diferentes informações, como já observado por Applegate et al. 35. Descarta-se a possibilidade de ter havido modificações na capacidade em realizar o ato, pois no espaço de sete dias, na ausência de intercorrências clínicas, torna-se pouco provável o surgimento de mudanças significativas na capacidade funcional.
Concluímos que o método de Herdman et al. 25 permitiu obter uma versão em português do EIAVD fiel ao original em inglês, pois a retradução se aproximou do original, e onde havia diferenças, estas foram corrigidas. A aplicação em campo da versão em português confirmou a funcionalidade da escala original. A despeito disso, há situações que podem gerar dúvidas, necessitando de desdobramentos durante a aplicação do questionário. Sugerimos um treinamento com exercícios para a completa compreensão do que seja supervisão, orientação ou assistência pessoal ativa, a fim de se identificar corretamente o estado funcional.
Colaboradores
V. T. S. Lino e S. R. M. Pereira participaram do grupo T1, pesquisa de campo para análise de confiabilidade, seleção dos termos para elaboração final da versão em português e escreveram o artigo. L. A. B. Camacho realizou o cálculo do tamanho da amostra, a análise da equivalência semântica entre o original e cada uma das retraduções (R1 e R2) e análise da confiabilidade. S. T. Ribeiro Filho e S. Buksman participaram do grupo T1, pesquisa de campo para análise de confiabilidade e seleção dos termos para elaboração final da versão em português.
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Correspondência:
V. T. S. Lino
Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
Fundação Oswaldo Cruz
Rua Aristides Lobo 57, casa 10, Rio de Janeiro
RJ 20250-450, Brasil
valerialino@ensp.fiocruz.br
Recebido em 31/Ago/2006
Versão final reapresentada em 31/Mai/2007
Aprovado em 25/Jun/2007