ARTIGO ARTICLE
Corrimento vaginal referido entre gestantes em localidade urbana no Sul do Brasil: prevalência e fatores associados
Self-reported vaginal discharge among pregnant women in an urban area in Southern Brazil: prevalence and associated factors
Tânia M. V. da FonsecaI; Juraci A. CesarII; Arnildo A. HackenhaarI; Eduardo F. UlmiIII; Nelson A. NeumannIV
IHospital Universitário, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
IIDepartamento Materno-Infantil, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
IIIUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
IVCoordenação Nacional da Pastoral da Criança, Curitiba, Brasil
RESUMO
Por intermédio de delineamento transversal, buscou-se determinar a prevalência e identificar fatores associados à ocorrência de corrimento vaginal referido entre gestantes da cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. Utilizando-se de questionário padrão, foram investigadas características sócio-econômicas, demográficas, reprodutivas, condições de moradia, assistência recebida e ocorrência de corrimento vaginal referido entre estas gestantes. Para as comparações entre proporções utilizou-se teste do qui-quadrado e para análise multivariada regressão de Poisson. Dentre as 339 gestantes estudadas, 51,6% referiram corrimento vaginal na gestação. As seguintes variáveis mostraram-se significativamente associadas à ocorrência de corrimento vaginal referido: idade (razão de prevalências: RP= 1,49), estado civil (RP = 1,31), ocorrência de infecção urinária (RP = 1,56), hiperglicemia na gestação atual (RP = 1,48), uso de dispositivo intra-uterino (RP = 2,35), ocorrência prévia de parto prematuro (RP = 1,37) e utilização de anticoncepcional oral como fator de proteção (RP = 0,79). Este estudo mostrou prevalência elevada de corrimento vaginal referido entre as gestantes estudadas e permitiu identificar aquelas com maior risco de adoecer por esta causa, o que pode contribuir para a adoção de medidas preventivas.
Descarga Vaginal; Gestantes; Prevalência; Fatores de Risco
ABSTRACT
The purpose of this study was to determine the prevalence and risk factors associated with self-reported vaginal discharge among pregnant women in the city of Rio Grande, South Brazil. Using a cross-sectional design, a standard interview was applied to pregnant women at home by previously trained interviewers, covering the following: demographic, reproductive, and socioeconomic data, household conditions, health care, and illnesses during pregnancy, including vaginal discharge. The chi-square test was used to compare proportions, and Poisson regression was used in the multivariate analysis. Among the 339 pregnant women interviewed, 52% reported vaginal discharge. The following variables were significantly associated with the outcome: age (prevalence rate, PR = 1.49), marital status (PR = 1.31), urinary tract infection (PR = 1.56), hyperglycemia (PR = 1.48), use of an intrauterine device (PR = 2.35), and history of preterm delivery (PR = 1.37), with oral contraception showing a protective effect (PR = 0.79). Prevalence of self-reported discharge was high among this group of pregnant women. Several risk factors were also identified for the disease under study. These findings can contribute to the implementation of preventive interventions.
Vaginal Discharge; Pregnant Women; Prevalence; Risk Factors
INTRODUÇÃO
Corrimento vaginal implica eliminação de líquido, que não sangue, através da vagina. É uma das principais causas de consulta médica, sobretudo entre mulheres em idade fértil. Pode ser classificado em fisiológico e patológico. O corrimento de origem patológica pode ser determinado por vários agentes causais, sendo mais comuns os sexualmente transmitidos. Neste caso acompanha-se de ardência ou prurido vulvovaginal, secreções de várias tonalidades com odor, dispareunia e disúria. O corrimento vaginal fisiológico resulta da eliminação de muco cervical, descamação e transudação vaginal 1,2.
Os principais fatores associados à ocorrência de corrimento vaginal patológico no período gestacional são as doenças sexualmente transmissíveis (DST), idade inferior a 20 anos (25 anos em certos locais) 3,4,5,6, união conjugal não estável, múltiplos parceiros sexuais, manter relação sexual sem uso de preservativo 7 e ter a cor da pele preta 8.
Quando associado às DST, o que ocorre em 25% a 90% das vezes, o corrimento vaginal pode causar graves danos à saúde da gestante e do recém-nascido como, por exemplo, prematuridade e baixo peso ao nascer, corioamnionite, endometrite puerperal 7,9,10 e infecção da ferida operatória pós-cesárea 11. Há ainda estudos mostrando que as DST não ulcerativas aumentam o risco de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), em 3 a 10 vezes. Se a DST cursar com úlceras genitais, este risco aumenta para 18 vezes 2.
A maioria dos estudos sobre o assunto é realizada com grupos de maior risco como, por exemplo, trabalhadoras do sexo, adolescentes, mas raramente com mulheres gestantes, como neste caso. Por este motivo, conhecer as características das gestantes de maior risco de apresentarem corrimento vaginal associado à DST é de fundamental importância à assistência em nível de prevenção primária e de complicações materno-fetais.
O objetivo deste estudo foi medir a prevalência e identificar fatores de risco ou proteção associados à ocorrência de corrimento vaginal referido entre gestantes residentes na periferia da cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil.
Metodologia
A cidade de Rio Grande possui cerca de 200 mil habitantes, com 97% deles residindo na área urbana. Possui o único porto marítimo do estado e se localiza a 320km de Porto Alegre. A base de sua economia é a indústria petroquímica, de fertilizantes e de pescados. O seu produto interno bruto (PIB) per capita é de aproximadamente R$ 19.000,00. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município é de 0,793. Quando utilizado o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE-2003), ocupa a 29ª posição no quesito desenvolvimento geral e a 453ª posição em termos de indicadores básicos de saúde dentre os 496 municípios do Estado do Rio Grande do Sul (Fundação de Economia e Estatística do Estado do Rio Grande do Sul. http://www.fee.rs.gov.br, acessado em 26/Ago/2005).
Entre os meses de junho de 2004 e dezembro de 2005 foi realizado, através de amostragem não-aleatória em bairros periféricos da cidade, estudo transversal para medir a ocorrência de corrimento vaginal referido entre gestantes. Estas gestantes foram selecionadas por meio de busca ativa nos seus domicílios. Utilizou-se de um delineamento transversal, visto ser ele o mais adequado para medir a ocorrência de doença e ou eventos freqüentes e de possibilitar a coleta de informações para um grande número de indivíduos em um curto espaço de tempo e a um custo relativamente baixo 12.
Este estudo faz parte de um projeto de intervenção mais amplo cujo objetivo principal é melhorar a qualidade da assistência à gravidez e ao parto entre gestantes residentes em bairros periféricos da cidade de Rio Grande. O critério para seleção dos bairros foi possuir o programa da Pastoral da Criança. Três grupos de gestantes foram constituídos, sendo realizada intervenção mediante visita domiciliar mensal em dois deles e o terceiro grupo que não recebeu, foi usado como grupo controle 13. Nestas mesmas gestantes foram investigados diversos fatores supostamente associados à ocorrência de corrimento vaginal em algum momento da gravidez. Tais variáveis são apresentadas mais adiante neste artigo. Para definição do desfecho foi utilizado o relato da ocorrência de corrimento vaginal associado à pelo menos um dos sintomas: prurido, disuria, dispareunia, odor e coloração que não branco 1.
O tamanho da amostra foi calculado com base nos seguintes parâmetros: erro alfa de 0,05, erro beta de 0,20, prevalência de desfecho (corrimento vaginal) de 30% 3, com margem de erro de 5 pontos percentuais, risco relativo de 2,0 para exposição igual ou superior a 10%. A este valor foram acrescidos 10% para perdas e 15% para controle de possíveis fatores de confusão 14. Com base nesses dados, a amostra deste estudo deveria incluir pelo menos 340 gestantes.
Foram selecionados 12 entrevistadores com 18 anos ou mais de idade, ensino médio completo e disponibilidade de 40 horas semanal. O treinamento foi realizado nas dependências da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), com duração de 40 horas e constou de leitura dos questionários, do manual de instrução e de realização de entrevistas. O estudo piloto foi conduzido em localidade não selecionada para o estudo.
Para a coleta de dados, foram utilizados dois questionários. O primeiro deles foi aplicado por ocasião do recrutamento da gestante e o segundo até duas semanas após o parto. Com o primeiro questionário, investigaram-se características demográficas da gestante, nível sócio-econômico e condições de habitação e saneamento da família. Especificamente sobre a gestante, foram investigados dados sobre sua vida reprodutiva e cuidados ginecológicos prévios a esta gestação. O segundo questionário buscava informações quanto à assistência recebida durante a gestação e o parto e a ocorrência de corrimento vaginal referido, bem como suas características e sintomas associados (desfecho), tratamentos realizados, presença de sintomas no parceiro sexual e número de parceiros tidos durante a gestação 1,2.
Diariamente os entrevistadores visitavam todos os domicílios pertencentes aos bairros selecionados em busca de gestantes com até 16 semanas de gestação. Em encontrando alguma delas e esta aceitando participar do estudo, aplicava-se o primeiro questionário. O segundo foi aplicado após o parto por ocasião da visita do entrevistador ao domicílio da mãe.
A codificação das questões fechadas foi realizada pelo próprio entrevistador, enquanto as questões abertas, pelo revisor. Em seguida, os questionários foram duplamente digitados, por diferentes profissionais e na ordem inversa do primeiro digitador. Essa etapa foi realizada com o programa Epi Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos). A análise preliminar incluiu a verificação de erros de amplitude e avaliação da consistência das variáveis.
A análise inicial consistiu da verificação de freqüências das variáveis independentes e do desfecho. As razões de prevalências (RP) brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram calculados por regressão de Poisson com ajuste robusto da variância 15. Para a análise multivariada, elaborou-se um modelo conceitual de análise (Tabela 1), ajustando-se o efeito de cada variável para aquelas do mesmo nível ou de níveis superiores 16. Adotou-se um valor p de 0,20 para entrada das variáveis no modelo ajustado de análise com o objetivo de controlar possíveis fatores de confusão. Foi utilizado o nível de significância de 95% para um teste bicaudal. As medidas de ocorrência e de efeito utilizadas foram prevalência e razão de prevalências, respectivamente 17. Todas essas análises foram feitas utilizando-se o Stata, versão 7.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).
O controle de qualidade foi realizado com 10% das gestantes escolhidas de forma sistemática. A estas gestantes foi aplicada, novamente, uma parte do questionário que continha as perguntas julgadas não facilmente modificáveis, como cor da pele, idade, estado civil, paridade, tipo de construção da moradia, entre outras. Foi realizado teste kappa para estas variáveis, sendo o menor índice obtido o de 0,76 para estado civil, fato que revelou elevada concordância nas respostas obtidas.
Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa em Saúde da FURG e aprovado.
Resultados
Dentre as 361 gestantes com gravidez confirmada, 21 não foram encontradas após o parto e uma recusou-se a participar do estudo, o que representa 6,1% de perdas. Logo, a amostra final deste estudo foi composta de 339 mulheres.
Metade das gestantes possuía entre 20 e 29 anos; 75% eram de cor de pele branca, 80% viviam com companheiro, 20% possuíam até quatro anos de escolaridade, 60% renda familiar inferior a dois salários mínimos mensais e 51% haviam exercido trabalho remunerado nos 12 meses antecedentes à entrevista. Três quartos de todas elas residiam em casa construída de tijolos com três ou mais moradores por cômodo de dormir.
A quase totalidade (96%) realizou pelo menos uma consulta de pré-natal, com três quartos delas completando seis ou mais consultas no período; pouco mais da metade realizou, nos 12 meses antecedentes à entrevista e em algum momento do passado, consulta ginecológica e exame para detecção precoce de câncer de colo uterino, respectivamente. Um terço de todas as gestantes estava pelo menos na terceira gestação, 20% já haviam tido no mínimo um aborto (espontâneo ou provocado), 12% referiram ocorrência prévia de parto prematuro e 8% mencionaram ruptura prematura de membranas. Por fim, 44% delas apresentaram infecção do trato urinário durante esta gestação, e 20% foram hospitalizadas pelo menos uma vez ao longo da gravidez. Apenas quatro mulheres (1,2%) relataram ter mais de um parceiro sexual nesta gestação; 23% de todas elas afirmaram ter fumado e 12% ingerido bebidas alcoólicas durante a gestação. O método contraceptivo mais utilizado antes de engravidar foi anticoncepcional oral com 59%, seguido por preservativo masculino (condom) com 57%. Por fim, a prevalência de corrimento vaginal referido na amostra foi de 51,6%.
As Tabelas 2, 3 e 4 apresentam o resultado das análises brutas e ajustadas conforme modelo hierárquico (Tabela 1). A Tabela 2 apresenta a distribuição do desfecho de acordo com variáveis demográficas, sócio-econômicas e condições de moradia. Na análise bruta (primeiro nível), apenas a variável idade, em anos completos e situação conjugal mostraram-se associadas (valor p < 0,20) ao desfecho. Ao se ajustar a variável idade para todas as demais variáveis do mesmo nível, verificou-se que a RP do grupo de menor idade (13 a 19 anos) em relação ao de maior idade (30 anos ou mais) caiu de 1,58 (IC95%: 1,14-2,21) para 1,49 (IC95%: 1,07-2,07). Queda semelhante na RP foi observada para aquelas com idade entre 20 e 29 anos quando comparadas também às de 30 anos ou mais. Viver sem companheiro mostrou RP = 1,35 (IC95%: 1,09-1,67) na análise bruta, caindo para 1,31 (IC95%: 1,06-1,63) em relação às que viviam com companheiro; isto após ajuste para variáveis do mesmo nível. No segundo nível (Tabela 3), mostraram-se significativamente associadas ao desfecho as variáveis: ocorrência de prematuridade e infecção urinária prévia e hiperglicemia na gestação atual. A RP para prematuridade prévia tornou-se significativa somente após ajuste, passando de RP = 1,21 (IC95%: 0,93-1,59) para 1,37 (IC95%: 1,04-1,79); a RP para ocorrência de infecção urinária foi de 1,68 (IC95%: 1,36-2,07) na análise bruta, caindo para 1,56 (IC95%: 1,27-1,91) após ajuste e hiperglicemia, que apresentou RP bruta de 1,65 (IC95%: 1,29-2,11) e de 1,48 (IC95%: 1,16-1,88) após ajuste. Por fim, mostraram-se significativamente associadas ao desfecho após ajustes as seguintes variáveis: uso de anticoncepcional oral e de dispositivo intra-uterino. O uso de anticoncepcional oral antes de engravidar mostrou-se protetor contra ocorrência de corrimento, com RP de 0,75 (IC95%: 0,61-0,92) na análise bruta e 0,79 (IC95%: 0,65-0,96) na análise ajustada. A Tabela 4 mostra estas análises.
Discussão
Este estudo mostrou elevada prevalência de corrimento vaginal referido durante a gestação, sendo mais freqüente entre mulheres de menor idade, sem relação conjugal estável, com história prévia de parto prematuro, infecção urinária, alteração da glicemia na gestação atual e dentre usuárias de dispositivo intra-uterino prévio à gestação. O uso de anticoncepcional oral imediatamente antes da gravidez atual mostrou-se protetor.
Ao interpretar os resultados, é preciso ter em mente algumas limitações que podem ter ocorrido neste estudo, a saber: (1) viés de informação, pois nem sempre a queixa de corrimento vaginal indica presença de infecção, podendo corresponder a conteúdo vaginal fisiológico que na gestação torna-se mais abundante devido a alterações hormonais 18. Isso pode ter superestimado a real prevalência de corrimento vaginal observada. A fim de minimizar o problema, utilizou-se, além da ocorrência de corrimento, a presença associada de pelo menos um dos sintomas como prurido, disuria, dispareunia, odor e coloração que não branca 1; (2) diagnóstico baseado unicamente no relato feito pela gestante sem, portanto, confirmação clínica ou laboratorial, o que seria considerado padrão-ouro. Isto não foi feito por dificuldades logísticas, custos e, sobretudo, porque a quase totalidade dos estudos sobre o assunto é baseada na sintomatologia referida pela paciente 2; (3) a prevalência encontrada foi bastante superior à prevalência estimada. Isto ocorreu porque não se encontrou, durante a realização do projeto deste estudo, nenhum outro, mostrando a prevalência de corrimento vaginal referido entre gestantes com as mesmas características daquelas estudadas, razão pela qual se utilizou a prevalência obtida entre todas as mulheres em idade fértil 3. Porém, em estudo recente entre gestantes realizado em Pelotas, 47% das mães pertencentes à coorte de 2004 referiram corrimento vaginal no período gestacional (Victora CG, comunicação pessoal).
Vários outros autores apontam associação inversa entre idade e ocorrência de corrimento vaginal 3,6. No caso da adolescente, deve-se a características biológicas como menor imunidade humoral e também da dificuldade em realizar sexo seguro. Adolescentes de ambos os sexos costumam estar mais suscetíveis às DST, tanto pela busca de novas experiências que as levam a práticas sexuais de maior risco quanto pela maior dificuldade em convencer o parceiro a usar preservativo. No caso da mulher de maior idade, a produção de muco cervical e a imunidade humoral estão presentes, diminuindo assim o risco de infecções quando da exposição 7.
A variável multiplicidade de parceiros sexuais e a cor de pele não estiveram relacionadas com a ocorrência do desfecho, embora em outros estudos sobre o assunto sejam consideradas como fator de risco para sua ocorrência 7,8,19.
A situação conjugal não estável favorece a busca de novos parceiros, o que facilita a disseminação de DST e, conseqüentemente, beneficia a ocorrência de corrimento vaginal 2,5.
O fato de gestante com história prévia de parto prematuro apresentar maior razão de prevalências à ocorrência de corrimento vaginal pode ser decorrente da presença de algum tipo de infecção geniturinária, visto que a causa infecciosa está presente em cerca de 40% dos casos de trabalho de parto prematuro espontâneos 20. Estudo realizado em São Paulo mostrou que a ocorrência de prematuridade foi cerca de três vezes maior entre gestantes com corrimento vaginal secundário a uma DST 21.
O relato de infecção urinária durante a gestação revela-se fortemente associado à ocorrência de corrimento vaginal neste estudo, o que foi também referido em outros estudos. Mulheres com infecção do trato urinário apresentam taxa muito mais elevada de trabalho de parto prematuro, resultando em baixo peso ao nascer, um dos principais determinantes da mortalidade infantil 20,22,23.
Neste estudo, as gestantes que se apresentaram com hiperglicemia também relataram mais freqüentemente ocorrência de corrimento vaginal. Isso pode ser atribuído ao fato de a hiperglicemia provocar imunossupressão e, com isso, facilitar a infecção vaginal causada, especialmente, por Cândida albicans 1,2,11.
Todas as mulheres deste estudo que fizeram uso de dispositivo intra-uterino (DIU) imediatamente antes de engravidar apresentaram corrimento vaginal no período gestacional. Este mesmo achado foi relatado em estudo em que foram avaliados ocorrência de DST e tipo de método contraceptivo 24.
O uso de anticoncepcional oral mostrou-se eficaz como protetor para a ocorrência de corrimento vaginal. Este resultado contradiz o de outros estudos, sobretudo no que diz respeito ao corrimento vaginal causado por cândida, mas achados semelhantes foram obtidos quando o agente causal do corrimento vaginal é a vaginose bacteriana 24,25.
Os resultados deste estudo reforçam a idéia de que o corrimento vaginal é um problema freqüente, com importante repercussão sobre a saúde da mulher. Muitos dos fatores aqui mencionados podem ser trabalhados em nível coletivo com educação, prevenção e promoção em saúde, mas que, também, em nível individual devem alertar o profissional de saúde para aquelas gestantes com maior risco de apresentar tal sintoma associado a uma DST e, quando do seu diagnóstico, promover o seu manejo adequado. Assim, mesmo sem um estudo de validação que utilizasse métodos diagnósticos clínicos e laboratoriais, os resultados deste estudo são consistentes com a literatura quanto aos fatores de risco e proteção.
Fica evidente a necessidade de realizar mais pesquisas com este grupo populacional, visando definir de forma clara os fatores associados à ocorrência de corrimento vaginal, utilizando um tamanho de amostra maior e com método de validação, já que agora há pelo menos dois estudos na região mostrando que esta doença acomete pelo menos metade das mulheres no período gestacional.
Colaboradores
T. M. V. Fonseca fez coleta de dados, análise e interpretação dos resultados e redação do artigo. J. A. Cesar trabalhou na concepção do trabalho, análise e interpretação dos resultados e redação do artigo. A. A. Hackenhaar trabalhou na análise dos resultados. E. F. Ulmi trabalhou na coleta dos dados. N. A. Neumann trabalhou na concepção do estudo.
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Correspondência:
T. M. V. Fonseca
Hospital Universitário
Universidade Federal do Rio Grande
Rua Dr. Nascimento 455, sala 5
Rio Grande, RS 96200-300, Brasil
tania.fonseca@vetorial.net
Recebido em 22/Jan/2007
Versão final reapresentada em 24/Jul/2007
Aprovado em 30/Jul/2007