RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Elza Melo

Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. elzamelo@medicina.ufmg.br

 

 

ANÁLISE DIAGNÓSTICA DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE PARA REDUÇÃO DE ACIDENTES E VIOLÊNCIAS. Minayo MCS, Deslandes SF, organizadoras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007. 349 p.

ISBN: 978-85-7541-128-5

Resultante de pesquisa qualiquantitativa realizada em cinco capitais brasileiras - Manaus, Distrito Federal, Recife, Rio de Janeiro e Curitiba -, o trabalho em tela tem por objetivo avaliar o processo de institucionalização da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (PNMRAV), publicada em 16 de junho de 2001 no Diário Oficial da União. Institucionalização aqui, a exemplo do encontrado na obra de Habermas 1,2, tem sentido alargado e, como bem entendem as organizadoras, inclui os processos relativos à legitimação e formação de opinião coletiva acerca da inclusão do tema na agenda de saúde; toda a regulamentação necessária, nos diferentes níveis do Estado e, por fim, a efetivação dos princípios e diretrizes em práticas desenvolvidas pelo setor. Acidentes e violências - por suas características, magnitude e complexidade; custos social, pessoal e financeiro; relação direta com o setor saúde com fartas conseqüências, tudo isso em franco contraste com a incipiente organização do setor e com o perfil do profissional de saúde - representam um dos principais problemas de saúde pública e um grande desafio para todos 3,4. São, portanto, bem-vindos, ambos, a política e o livro sobre a avaliação da PNMRAV. Apenas como curiosidade, chamamos a atenção para a diferença entre o título do livro e o título da PNMRAV - intencionalidade, supomos, de reiterar a relação saúde e violência e a necessidade de abordagens apropriadas, que poderão, ademais, gerar aprendizado para o inteiro funcionamento do SUS.

Primeira coisa a ser dita sobre o mérito do trabalho, corroborando a pretensão das organizadoras, refere-se à importante contribuição metodológica que o livro traz. Os capítulos 2 e 3, sobre o método e a construção de indicadores, respectivamente, com certeza servirão de orientação para aqueles que pretendem ingressar para a complexa área de avaliação de políticas e, óbvio, serão motivo de reflexão para aqueles que já são experimentados no assunto. A organização da metodologia em fases sucessivas, em que cada uma delas mescla produção de dados empíricos por meio de diferentes procedimentos, fundamentos teóricos, realização de seminários, a preparar um novo patamar de conhecimento, a partir do qual se inicia uma nova fase, reflete o cuidado com que se faz a aproximação do objeto de estudo. É verdade, sentimos falta do olhar do usuário, sem o qual só dificilmente poder-se-ia falar em qualidade do cuidado, mas, do mesmo modo, sabemos dos custos que isso acarretaria em pesquisa com a abrangência que esta possui.

A PNRMAV, segundo o texto, é o principal marco para inclusão da violência na agenda do setor de saúde. A promoção de saúde constitui o seu eixo central, logo o desenvolvimento da cidadania, a construção de redes de proteção e o estimulo à cultura da paz são seus objetivos principais. Ao lado da promoção, outras ações de saúde são propostas pela política: monitoramento das ocorrências; atendimento pré-hospitalar das vítimas; atendimento interdisciplinar e intersetorial às vítimas; atendimento voltado à recuperação e reabilitação; capacitação de Recursos Humanos; desenvolvimento de estudos e pesquisas. Todas elas são avaliadas no livro, mas a ênfase, explicitamente anunciada, recairá sobre o atendimento pré-hospitalar, hospitalar e de reabilitação.

Em se tratando de pesquisa com produção dos dados empíricos, não há como evitar, mesmo em espaço tão exíguo, a apresentação de resultados e análises; assim, citamos alguns pontos relevantes e comuns aos municípios estudados:

• As taxas de morbimortalidade por acidentes e violências são elevadas, ocupam as primeiras posições no ranking das causas de mortes e internações, afetam predominantemente a população jovem e idosa e mostram expressiva concentração na população masculina.

• Agressões (armas de fogo, objetos cortantes e perfurantes, força física) e acidentes de transporte preponderam entre as causas externas de morbimortalidade.

• No que diz respeito ao funcionamento e à organização da rede de serviços, predominam, em todos os municípios, o atendimento médico, cirúrgico e odontológico; são escassas as ações voltadas para a compreensão do contexto da violência e para a prevenção; igualmente escassas, são as atividades de promoção de saúde; as equipes são preparadas, mas insuficientes.

• O atendimento pré-hospitalar móvel, com a criação do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU), parece ser o ponto positivo mais destacado; no entanto, os caminhos da sua integração com os serviços anteriores existentes, em especial, o corpo de bombeiros, não são desprovidos de conflitos; a articulação com o sistema hospitalar não é bem avaliada pelos gestores; a utilização desses serviços por pessoas com quadros crônicos para vencer as barreiras de acesso e a existência de trotes (que chegam a 60% das chamadas no Distrito Federal!) são dificuldades relatadas.

• O atendimento hospitalar mostra, em todos os municípios, deficits de leitos de UTI; em Manaus e Recife, a rede é insuficiente para a demanda; no Rio de Janeiro é fragmentada e desarticulada. Apesar de vários indicadores utilizados serem satisfatórios em todos os municípios (transporte e transferências das vítimas adequados; suporte de radiologia e de laboratório; existência de protocolos de atendimento), a reabilitação e suporte familiar só são desenvolvidos em poucos serviços, e os dados de mortalidade nos serviços de emergência são muito discrepantes e pouco confiáveis.

• O atendimento de reabilitação é um grande desafio para o SUS; o escopo da atuação é reduzido e os poucos serviços priorizam as deficiências físicas; há pouco investimento, os gestores estão pouco sensibilizados com questão.

• O sistema de informação mostra, no que tange à análise dos dados, no nível pré-hospitalar, discrepância entre dados qualitativos e quantitativos; precariedade no Rio de Janeiro e insuficiência nas demais capitais; insuficiência na utilização dos dados em todas as capitais; inexistência de integração com bancos de outras instituições; no nível hospitalar, há discrepâncias entre os dados quantitativos e qualitativos. A notificação de violência contra a criança e o adolescente é a mais institucionalizada e mais bem implantada, nos níveis tanto pré como hospitalares, com destaque para o Rio de Janeiro, pioneiro na implantação da ficha de notificação, e para Curitiba, pela criação da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente.

• Todos os municípios fazem capacitação, mas é insuficiente; na maioria são cursos de curta duração e não inseridos nos currículos de graduação; o nível pré-hospitalar móvel é o que recebe capacitação de modo mais regular e permanente.

• Destacamos dois pontos de suma importância. O primeiro refere-se à participação mínima do atendimento e de prestação de cuidados preventivos realizados pela atenção básica. Os desdobramentos são evidentes: "a ausência ou insuficiência de investimento na esfera da AB, especialmente nas regiões metropolitanas, resulta no inchamento das demandas de emergências hospitalares". O segundo ponto preocupante é a debilidade da promoção de saúde, verificada em todos os municípios. Repete-se para a abordagem dos acidentes e violências a lógica do modelo flexneriano, contra o qual sempre nos batemos, mas ainda hegemônico. A bem da verdade, esse é um fato conhecido e esperado, que, olhado sob certa perspectiva, apenas nos diz o quanto ainda há por fazer. Contudo, não se pode ignorar o fato de que, também no livro, o tema seja tão pouco desenvolvido, sendo essa a principal crítica a ele, que de resto se torna crítica metodológica, em virtude da centralidade da promoção - explicitamente reconhecida - para a política avaliada.

 

1. Habermas J. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Cambridge: The MIT Press; 1996.         

2. Habermas J. A inclusão do outro: estudos de teoria política. 2ª Ed. São Paulo: Edições Loyola; 2004.         

3. Ministério da Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.         

4. Melo EM, Melo MAM, Pimenta SMO, Lemos SMA, Chaves AB, Pinto LM. A violência rompendo interações. As interações superando a violência. Rev Bras Saúde Matern Infant 2007; 7:89-98.        

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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