EDITORIAL

 

A Reforma Psiquiátrica brasileira: ajudando a construir e fortalecer o Sistema Único de Saúde

 

 

Maria Tavares Cavalcanti

Instituto de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
mariatavarescavalcanti@gmail.com

 

 

A psiquiatria nasceu associada às suas formas institucionais de cuidado, e o seu início confunde-se com o próprio surgimento dos asilos, espaços que "protegeriam" os alienados e os separariam de outros "párias" da sociedade, como bem demonstrou Foucault em sua "história da loucura".

No Brasil, a medicina mental começou no século XIX, e como na Europa, os hospícios tornaram-se locais super povoados excedendo suas capacidades inicialmente previstas. Por que os hospícios fracassaram como lugar de cuidado e se tornaram locais de abandono? Seria a falta de tratamento eficiente ou de profissionais suficientemente dedicados às suas tarefas? Ou há algo da própria especificidade da psiquiatria que obriga a um cuidado mais singular e menos massificado?

Após a II Grande Guerra, surgiram na Europa e nos Estados Unidos os movimentos de transformação da assistência psiquiátrica direcionados à diminuição de leitos nos hospitais psiquiátricos e à implantação de um cuidado territorial e comunitário.

No Brasil, a Reforma Psiquiátrica confunde-se com o próprio movimento pela Reforma Sanitária e com o processo de redemocratização do país. As lutas pela abertura política e por uma saúde pública de acesso universal caminharam juntas com a busca por uma assistência psiquiátrica mais humana e voltada para a melhoria da qualidade de vida por meio da ampliação das redes afetivas e sociais. O debate sobre os rumos e diretrizes para o setor saúde culminou com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990. Na saúde mental, a oposição ao modelo assistencial hegemônico centrado no hospital psiquiátrico deu origem à chamada Reforma Psiquiátrica, impulsionada pelo Movimento da Luta Antimanicomial.

A estratégia adotada pelo Ministério da Saúde para fomentar o redirecionamento da assistência foi a implantação de serviços de saúde mental comunitários em todo o país, denominados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Dada a diversidade de porte populacional entre os municípios, diferentes modalidades de CAPS foram criadas, incluindo CAPSad, específicos para portadores de transtornos ligados ao consumo abusivo de álcool e outras drogas, e CAPSi voltados para a atenção a crianças e adolescentes.

Além dos CAPS a rede pública de cuidados na comunidade de base municipal é composta por serviços residenciais terapêuticos, centros de convivência, ambulatórios de saúde mental e hospitais gerais. Os CAPS são articuladores da política de saúde mental num determinado território e têm como função organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais, prestando atendimento em regime de atenção diária e promovendo a inserção social de pessoas com transtornos mentais por intermédio de ações intersetoriais.

O desafio atual diz respeito às formas de integração e articulação da saúde mental com a atenção básica, uma vez que a cobertura oferecida pelos serviços especializados é insuficiente para a maior parte da população que necessita de assistência em saúde mental. Essa integração encontra-se na ordem do dia e a recente Portaria nº. 154/2008, do Ministério da Saúde, cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs). Sua forma de funcionamento ainda está em debate e, certamente, apenas o tempo poderá nos indicar os benefícios que eles irão trazer para o enraizamento de uma assistência à saúde mental realmente de base comunitária.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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