ARTIGO ARTICLE
Prevalência e fatores associados à percepção de ocorrência de corrimento vaginal patológico entre gestantes
Prevalence of self-reported vaginal discharge and associated factors in pregnant women
Juraci A. CesarI, II ; Raúl A. Mendoza-SassiI; David A. González-ChicaII; Eduardo H. M. MenezesIII; Günther BrinkIII; Marcela PohlmannIII; Tania M. V. FonsecaIII
IDivisão de População & Saúde, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
IIPós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil
IIIHospital Universitário, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
RESUMO
Este estudo teve por objetivo medir a prevalência e identificar fatores associados à percepção de corrimento vaginal patológico por gestantes residentes em Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. Aplicou-se questionário padronizado a todas as parturientes nas maternidades do município em 2007. Utilizou-se teste do qui-quadrado para comparar proporções e análise multivariável por regressão de Poisson. A prevalência de corrimento vaginal foi de 40%. Análise ajustada mostrou as seguintes razões de prevalência: 1,6 (1,4-1,8) para adolescentes; 1,3 (1,1-1,6) para aquelas com até oito anos de escolaridade; 1,3 (1,1-1,5) para aquelas que ingeriram álcool; 2,0 (1,8-2,2) para aquelas que referiram corrimento vaginal em gestação anterior; 1,4 (1,3-1,6) para infecção urinária na gestação atual; prematuridade em gestação anterior mostrou-se protetor com RP = 0,8 (0,7-0,9). Os serviços de saúde deveriam priorizar diagnóstico e tratamento de corrimento vaginal entre gestantes adolescentes, de baixa renda familiar e escolaridade, com história prévia de corrimento em gravidez anterior e infecção urinária na gravidez atual.
Corrimento Vaginal; Vaginite; Gestantes
ABSTRACT
This study aims to determine the prevalence self-reported abnormal vaginal discharge and to identify associated risk factors in pregnant women in the municipality of Rio Grande, Rio Grande do Sul State, Brazil. A standardized questionnaire was applied to all pregnant women admitted for delivery in local maternity hospitals. The chi-square test was used to compare proportions, and Poisson regression was applied using multivariate analysis. Prevalence of vaginal discharge was 40%. Adjusted analysis showed the following prevalence ratios for vaginal discharge: 1.6 (1.4-1.8) for adolescents; 1.3 (1.1-1.6) for 8 years of schooling or less; 1.3 (1.1-1.5) for alcohol consumption; 2.0 (1.8-2.2) for vaginal discharge in the previous pregnancy; 1.4 (1.3-1.6) for urinary tract infection in the current pregnancy; and 0.8 (0.7-0.9) for history of prematurity. Local health services should target adolescent women, those with low schooling or low family income, and those with a history of vaginal discharge in the previous pregnancy or urinary tract infection in the current pregnancy.
Vaginal Discharge; Vaginitis; Pregnant Women
Introdução
Corrimento vaginal é uma das afecções mais comuns na idade fértil e um dos principais motivos de consulta médica em atenção primária em saúde 1. Acomete cerca de um terço de todas as mulheres e praticamente metade das gestantes 1,2,3. O corrimento vaginal patológico caracteriza-se pela presença de ardência e/ou prurido vulvovaginal, dispareunia, disúria e eliminação de secreções de diferentes colorações e com odor fétido 1,2. Este tipo de corrimento decorre, em geral, de agentes associados a doenças sexualmente transmitidas (DST) 4.
Diversos fatores de risco já foram identificados, dentre eles idade inferior a 20 anos, cor da pele preta, baixo poder aquisitivo, união conjugal não estável, múltiplos parceiros sexuais, manter relação sexual sem uso de preservativos 5,6,7,8 uso de dispositivo intra-uterino, ocorrência de hiperglicemia e/ou infecção urinária na gestação atual, parto prematuro prévio 4,7,8, tabagismo e desordens psicológicas como estresse, depressão e ansiedade 9,10.
As complicações mais comuns conseqüentes ao corrimento vaginal patológico são infecção urinária, prematuridade, baixo peso ao nascer, corioamnionite, endometrite puerperal e infecção da ferida operatória pós-cesárea 4,7,11,12. Este tipo de corrimento aparece ainda associado a risco aumentado de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), sobretudo se em presença de DST com úlceras genitais 2,3,12.
Destas infecções, as que resultam em prematuridade e baixo peso ao nascer são as que apresentam maiores (e mais graves) repercussões sobre a saúde infantil 4,5,6,7. Estas crianças apresentam probabilidade substancialmente maior que os demais de adoecer e morrer no primeiro ano de vida e de apresentarem, já no inicio da vida adulta, doenças crônico-degenerativas 13.
Este estudo teve por objetivo medir a prevalência e identificar fatores associados à percepção de ocorrência de corrimento vaginal patológico entre gestantes residentes no Município de Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil, no ano de 2007.
Metodologia
Rio Grande possui cerca de 200 mil habitantes e está localizado na metade sul do Rio Grande do Sul, distante 300km de Porto Alegre, a capital do estado. Sua economia é bem diversificada, com predomínio da atividade portuária, da indústria petroquímica, de fertilizantes e de pescados. O comércio e a atividade agrícola são, também, importantes atividades econômicas. O sistema de saúde é constituído por dois hospitais gerais, com 715 leitos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS), bem como cinco ambulatórios especializados e 32 unidades básicas de saúde.
Foram incluídas neste estudo todas as mães residentes no Município de Rio Grande que tiveram filho entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2007 no Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Correa Jr. e na Santa Casa de Misericórdia de Rio Grande, os dois únicos hospitais da cidade. Nas duas maternidades destes hospitais, segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), nascem pelo menos 99% de todas as crianças do município. O delineamento utilizado foi do tipo transversal, com as mães sendo entrevistadas uma única vez em alguma dessas maternidades.
Entrevistadores previamente treinados visitavam diariamente estas maternidades e aplicavam questionário único pré-codificado buscando informações sobre local de residência da família, características demográficas e história reprodutiva materna; nível sócio-econômico, posse de eletrodomésticos e condições de habitação e saneamento da família, assistência recebida durante a gestação e o parto e intercorrências durante a gestação.
Embora a maioria das variáveis seja auto-explicativa, algumas delas necessitam de esclarecimentos adicionais, a saber:
Cor da pele: classificada pelo entrevistador em branca, parda/morena e preta;
Renda familiar: valor recebido por todos os moradores do domicilio no mês imediatamente anterior à entrevista;
Índice de bens: incluiu aspirador de pó, máquina de lavar roupa, DVD, geladeira, freezer, forno microondas, computador, telefone fixo, rádio, televisão, automóvel, ar condicionado e empregada doméstica fixa. Nesta variável também foram incluídas escolaridade da mãe e renda familiar. Dos distintos componentes gerados, o primeiro deles foi usado para criar um escore contínuo em que todas as variáveis incluídas contribuíram de forma direta. Este componente teve um eigenvalue de 5,18, explicando 32% da variabilidade total 14. Esta variável foi posteriormente dividida em tercis para as distintas análises realizadas;
Tabagismo materno: se fumou pelo menos uma vez nos seis meses anteriores a gravidez;
Consumo de álcool: se costumava tomar bebida alcoólica durante a gravidez;
Índice de massa corporal (IMC): peso da gestante dividido pela altura ao quadrado;
Ganho de peso durante a gestação: diferença entre o peso referido no início da gravidez e o peso obtido imediatamente antes do parto; e
Percepção de corrimento vaginal patológico: relato da ocorrência de corrimento vaginal associado à pelo menos um dos seguintes sintomas: prurido, disúria, dispareunia, odor e coloração que não branco 2.
Dez entrevistadores foram treinados durante cinco dias consecutivos. Este treinamento consistiu de leitura do questionário e do manual de instruções e aplicação do questionário em duplas entre si e perante todo o grupo de entrevistadores. Destes, oito eram acadêmicas do Curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e as outras eram graduadas em serviço social com ampla experiência neste tipo de estudo.
O estudo piloto foi realizado nas duas maternidades da cidade, antes do início da coleta definitiva de dados e tinha por objetivo testar o questionário a ser utilizado bem como o enunciado de cada questão. Nesta etapa, cada um dos treinandos aplicou pelo menos quatro questionários completos. Em seguida foram sanadas todas as dúvidas, realizadas as correções no questionário e a versão final impressa. Todos os instrumentos utilizados no estudo foram acompanhados de um manual com instruções detalhadas de preenchimento.
Nos dias úteis, a coleta de dados foi feita pelas duas entrevistadoras, enquanto nos finais de semana e durante feriados, as entrevistas eram realizadas pelos bolsistas, todos acadêmicos do Curso de Medicina da FURG.
Ao final de cada dia de trabalho, o entrevistador codificava os questionários por ele aplicados e, na mesma semana, os entregava na sede do estudo onde as questões abertas eram codificadas, os questionários integralmente revisados e entregues à digitação. Neste local, eram duplamente digitados por diferentes profissionais, sendo que a segunda digitação era feita na ordem inversa da primeira. Ao término de cada lote, estas digitações eram comparadas e os erros listados e corrigidos. O passo seguinte envolveu a verificação de consistência dos dados para cada bloco de variáveis. Respostas incongruentes eram checadas de posse do questionário e, quando necessário, o mesmo era devolvido para o supervisor da coleta de dados a fim de elucidar o problema com a entrevistadora responsável. Estas etapas foram realizadas através do programa Epi Info 6.4 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos). Ao final desta etapa, os dados eram acumulados em um banco para colocação de rótulos, análise de consistência e criação das variáveis derivadas. Todas estas etapas bem como a análise multivariada descrita a seguir foram realizadas utilizando-se do pacote estatístico Stata versão 9.2 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).
A análise multivariada foi realizada obedecendo à modelo hierárquico previamente definido. Neste modelo, algumas variáveis eram consideradas sobredeterminantes em relação às demais. As variáveis do primeiro nível poderiam atuar diretamente sobre o desfecho, no caso percepção de corrimento vaginal patológico durante a gestação, ou, através das variáveis localizadas nos demais níveis, atuarem de forma indireta, sobre a doença em questão. A Tabela 1 apresenta os diferentes níveis deste modelo bem como as variáveis incluídas em cada nível 15.
A significância estatística de cada variável no modelo foi avaliada através do teste de Wald 16. Inicialmente, cada bloco de variáveis de um determinado nível foi incluído na análise, mantendo-se no modelo todas aquelas variáveis com valor de p < 0,20. Neste modelo, as variáveis, situadas em um nível hierarquicamente superior ao da variável em questão, eram consideradas como potenciais confundidores na relação com o desfecho, enquanto as variáveis situadas em níveis inferiores eram consideradas como potenciais mediadores da associação. As variáveis, selecionadas em um determinado nível, permaneciam no modelo sendo consideradas como potenciais fatores de risco para o desfecho em questão, mesmo que, com a inclusão de variáveis hierarquicamente inferiores, viessem a perder sua significância estatística. Para as comparações entre proporções, utilizou-se teste do qui-quadrado com correção de Yates para tabelas 2x2, enquanto, para a análise multivariada, utilizou-se a regressão de Poisson com controle para efeito de delineamento e ajuste robusto da variância 16.
Para o controle de qualidade, foram refeitas 10% de parte das entrevistas com as mães nas residências utilizando-se questionário padrão resumido. O principal objetivo desta atividade era garantir que as entrevistas tivessem sido realizadas, bem como de comparar as respostas obtidas entre estes questionários-controle e o original aplicado pelo entrevistador.
O protocolo de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da FURG. Além disso, garantiram-se a confidencialidade dos dados, a participação voluntária e a possibilidade de deixar o estudo a qualquer momento, sem necessidade de justificativa.
Resultados
Dentre as 2.558 mães residentes no Município de Rio Grande que deram à luz nas duas maternidades da cidade, foi possível obter informações sobre 2.523 delas. Isto representa uma taxa de resposta de 98,6%. Dentre as 34 gestantes que não participaram do estudo, uma recusou-se e as demais não foram encontradas. Das 2.557 que efetivamente participaram deste estudo, 79% foram hospitalizadas pelo SUS, 16% através de convênios e 5% de forma totalmente particular.
A prevalência de corrimento vaginal entre todas as gestantes estudadas foi de 40%. A Tabela 2 mostra maior prevalência de corrimento vaginal entre gestantes de cor da pele preta (46%), com idade entre 13 e 19 anos (52%), que não possuíam marido/companheiro (44%), com escolaridade entre 5 e 8 anos (46%), pertencentes ao pior tercil de renda familiar (45%), com menor disponibilidade de bens no domicilio (45%), que não trabalharam durante a gravidez (43%) e que moravam com três ou mais pessoas no domicílio (42%). A Tabela 3 mostra maior ocorrência de corrimento vaginal entre gestantes que relataram consumo de álcool durante a gravidez (54%), que tiveram filhos nascidos mortos previamente (43%), que referiram corrimento em gestação anterior (72%), que não realizaram citopatológico de colo uterino antes desta gestação (42%) e com IMC inferior a 18,5kg/m2. Na Tabela 4 verifica-se maior prevalência de corrimento vaginal entre aqueles que iniciaram o pré-natal no terceiro trimestre de gravidez (50%), que realizaram de 2 a 5 consultas de pré-natal (43%), que fizeram pré-natal nas unidades básicas de saúde e ambulatórios (45%), que se disseram portadoras de diabete mellitus (46%), que referiram infecção urinária durante a atual gestação (52%) e que estiveram no segundo quartil de ganho de peso durante a gestação (43%). Para as demais variáveis, não houve diferença importante na prevalência de corrimento vaginal entre as categorias.
Na análise ajustada conforme modelo hierárquico previamente definido, as seguintes variáveis perderam a significância estatística: cor da pele, trabalho durante a gravidez, exame citopatológico de colo uterino antes da gestação, número de consultas de pré-natal realizadas, e local de realização do pré-natal. Para a quase totalidade das demais variáveis houve perda de efeito após ajuste para variáveis do mesmo nível e de níveis inferiores. A razão de prevalências (RP) para ocorrência de corrimento vaginal para gestantes adolescentes caiu de 1,57 (1,37-1,80) na análise bruta para 1,53 (1,33-1,76) na análise ajustada quando comparadas a gestantes com 30 anos ou mais de idade; gestantes com até oito anos de escolaridade apresentaram RP para corrimento vaginal de 1,27 (1,02-1,57) em relação a gestantes com 12 anos ou mais de estudo, enquanto que aquelas pertencentes ao pior tercil de renda familiar apresentavam RP = 1,16 (1,02-1,30) em relação àquelas do melhor tercil; gestantes pertencentes ao pior tercil de índice de bens mostraram RP = 1,20 (1,05-1,36) e 1,16 (1,03-1,32) de maior ocorrência de corrimento em relação às do melhor tercil; a RP para consumo de álcool materno manteve-se significativamente associada, embora tenha seu efeito reduzido de 1,36 (1,13-1,65) na análise bruta para 1,27 (1,04-1,54) na analise ajustada; a ocorrência de prematuros em gestação anterior mostrou-se protetor à ocorrência de corrimento, tendo passado de 0,85 (0,72-1,00) na análise bruta para 0,80 (0,68-0,95) na análise ajustada; o relato de corrimento vaginal em gestação anterior mostrou a maior RP em relação ao corrimento na gestão atual: 1,94 (1,75-2,16), sendo este valor praticamente o mesmo obtido na análise bruta. Por fim, gestantes que relataram ocorrência de infecção do trato urinário na gestação atual também apresentaram maior RP para corrimento vaginal, sendo 1,56 (1,42-1,71) na análise bruta e 1,45 (1,32-1,59) na análise ajustada.
Discussão
O corrimento vaginal referido afetou pelo menos 4 em cada 10 gestantes riograndinas. Sua ocorrência mostrou-se significativamente associada àquelas de menor idade, de pior escolaridade e renda familiar, que consumiram álcool e que referiram infecção do trato urinário na gestação atual e corrimento vaginal patológico na gravidez anterior. O relato de parto prematuro em gestação prévia mostrou-se um fator de proteção à percepção de ocorrência de corrimento vaginal patológico.
Corrimento vaginal é motivo freqüente de consulta médica, sobretudo no período gestacional 1,2. Estudo recente entre gestantes pertencentes à coorte de Pelotas, Rio Grande do Sul, de 2004, revelou prevalência de 47%; outro estudo conduzido com gestantes de baixa renda na periferia da cidade de Rio Grande, em 2005, tendo utilizado o mesmo critério diagnóstico referido neste artigo - presença de corrimento acompanhado de pelo menos prurido, disúria, dispareunia ou odor fétido e coloração que não branca, encontrou prevalência de 52% 8. Estas prevalências foram maiores que os 40,3% aqui encontrados. No caso de Pelotas, esta diferença se deve ao critério diagnóstico utilizado, baseado unicamente no relato de ocorrência de corrimento desde o início da gestação sem a necessidade da presença concomitante de sinais e/ou sintomas. Isto fez com que corrimentos de origem fisiológica fossem, possivelmente, classificados como sendo patológicos. No estudo de Rio Grande foram incluídas somente mulheres de baixo poder aquisitivo (renda familiar mensal inferior a dois salários mínimos mensais) residentes na periferia da cidade, grupo este que sabidamente apresenta maior prevalência deste tipo de patologia 4,5,6,8,10.
O fato de o corrimento vaginal ter mostrado maior razão de prevalência entre adolescentes em relação a gestantes com 30 anos ou mais pode ser atribuído a sua menor imunidade humoral, ao maior número de parceiros sexuais 1,2,3,4,5,12. Entre as adolescentes, a produção do muco cervical, que funciona como uma espécie de barreira química e mecânica à instalação de processos infecciosos é escassa, o que acaba facilitando a instalação de processos infecciosos 2. Esta idade é ainda caracterizada não somente por um período de maior atividade sexual, mas também por uma maior rotatividade de parceiros 2,3,4,12. Não fosse a maior taxa de uso de preservativos por parte dos adolescentes, conforme demonstrado recentemente pela Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas relacionadas à DST/AIDS da População Brasileira em 2008 (PCAP-2008), tanto a prevalência de corrimento nesta faixa etária quando suas respectivas RP em relação às demais idades seriam maiores ainda, sobretudo porque o não uso de métodos de barreiras facilita a ocorrência deste tipo de infecção 12,17,18.
A RP para ocorrência de corrimento vaginal entre gestantes com menos de 12 anos de escolaridade e pertencentes ao pior tercil de renda foi de 25% e 16% maior em relação àquelas de melhor escolaridade e renda familiar, respectivamente. Outros estudos, também controlando para diversos fatores de confusão, mostram associação neste mesmo sentido, o que evidencia a importância destes fatores na determinação desta doença 4,5,7,8,9,10,11.
A infecção do trato urinário mostrou-se altamente associada ao corrimento vaginal, com RP = 1,56 (1,27-1,91). Esta associação foi também encontrada em outros estudos 7,8. A infecção do trato urinário é um dos mais importantes determinantes da prematuridade 19, sendo os prematuros os que apresentam os maiores riscos de adoecer e morrer no primeiro ano de vida, sobretudo por causas infecciosas 13. Esta associação observada mostra a necessidade do diagnóstico precoce e do manejo adequado do corrimento vaginal a fim de impedir um processo com enorme potencial de ocorrência de óbito infantil.
Neste estudo, o relato de parto prematuro prévio mostrou-se um fator de proteção à percepção da ocorrência de corrimento vaginal, com RP = 1,37 (1,04-1,79). Recente meta-análise realizada tendo como desfecho somente as vaginoses bacterianas, que respondem por cerca de metade de todos os corrimentos vaginais patológicos, foi inconclusiva 19. Este achado é inesperado e difícil de interpretar sem fazer diagnóstico da infecção vaginal referida. Há, claramente, necessidade de mais estudos sobre este assunto.
Gestantes que consumiram álcool apresentaram risco significativamente maior à ocorrência de corrimento vaginal (RP = 1,24; 1,04-1,54). Identificou-se um único estudo entre gestantes, realizado na Dinamarca, que mostrou associação entre álcool e a ocorrência de vaginose bacteriana 20.
Finalmente, encontrou-se que o relato de corrimento vaginal em gestação anterior foi o mais importante preditor de corrimento na gestação atual. A RP foi cerca de duas vezes maior (RP = 1,94; 1,75-2,16). Embora seja um achado esperado, não se encontrou nenhum outro estudo que tenha avaliado esta associação, mas é plausível pensar que a ocorrência prévia facilite a instalação de novo processo infeccioso ou que, pela presença dos mesmos fatores de risco, o desfecho volte a ocorrer na gestação subseqüente.
Mais recentemente, dois estudos bem conduzidos por Patel et al. 9,10 na Índia mostraram de forma evidente a forte associação entre doença (ou desordem) mental comum, tais como depressão, ansiedade, entre outras, e corrimento vaginal patológico. O risco observado foi de 2,2 (1,4-3,2). Em vista disso, os autores ressaltam a necessidade de levar em conta aspectos psicossomáticos, em geral, negligenciados durante consulta médica, que contribuem para o estabelecimento de doenças infecciosas como a aqui abordada.
Embora se tenha considerado a combinação de sinais e/ou sintomas para o estabelecimento do diagnóstico de corrimento patológico neste estudo, há que se considerar a possibilidade de superestimativa de prevalência desta doença, visto que se baseia na percepção da gestante. Por exemplo, o aumento da secreção vaginal decorrente da maior transudação e produção de muco cervical, típicos da gravidez, pode estar sendo interpretado como corrimento patológico pela gestante. Não há razão para acreditar que isto tenha ocorrido de forma sistemática e muito menos que fosse capaz de modificar de forma significativa a freqüência desta doença.
O corrimento vaginal de origem patológica mostrou-se altamente prevalente na população estudada, que inclui tanto pacientes atendidos pelo SUS quanto convênio ou particular do Município de Rio Grande. Gestantes de menor idade, escolaridade, pior renda familiar e consumidoras de álcool apresentaram as maiores associações em relação à ocorrência de corrimento vaginal. Especial atenção deveria ser dispensada àquelas com infecção do trato urinário na gravidez atual, que pode ter sido desencadeada por um corrimento patológico subjacente; o mesmo deveria ser feito com gestantes que referiram corrimento em gravidez anterior. Estes foram os principais riscos identificados. Por fim, fica a evidente necessidade de (1) investigar o papel do corrimento vaginal patológico sobre a prematuridade e (2) validar a percepção materna, obtida através de questionários como o utilizado neste estudo, em relação à identificação do agente etiológico responsável por estes corrimentos.
Colaboradores
J. A. Cesar elaborou o projeto e realizou a análise de dados e a redação final do artigo. R. A. Mendoza-Sassi contribuiu com a elaboração do projeto, análise de dados e redação final do artigo. D. A. González-Chica auxiliou na análise dos dados e redação do artigo. E. H. M. Menezes, G. Brink, M. Pohlmann e T. M. V. Fonseca auxiliaram na preparação de instrumento, coleta de dados e redação final do artigo.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS), Pastoral da Criança e Secretaria de Saúde e Ação Social da Prefeitura Municipal de Rio Grande.
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Correspondência:
J. A. Cesar
Divisão de População & Saúde
Universidade Federal do Rio Grande
Rua General Osório s/n, Campus Saúde
Rio Grande, RS 96200-400, Brasil
jacesar@terra.com.br
Recebido em 27/Mai/2009
Versão final reapresentada em 27/Ago/2009
Aprovado em 09/Set/2009