EDITORIAL
Saúde global e diplomacia da saúde
Paulo Marchiori BussI; Maria do Carmo LealII
IDiretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS). Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
IIVice Presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
O "breve" século XX, como definido por Eric Hobsbawm, foi marcado por importantes avanços econômicos, sociais e técnico-científicos, que melhoraram a qualidade de vida e as condições de saúde em todo o mundo. Contudo, como "era dos extremos", na mesma definição de Hobsbawm, o processo de globalização também tem criado grandes disparidades internacionais, produzindo enormes problemas sociais e de saúde, particularmente nos países mais excluídos dos circuitos centrais da economia global. As condições declinantes da saúde de grandes parcelas da população, a inseguridade alimentar e, evidentemente, as mudanças climáticas têm sido motivo de preocupações da chamada comunidade internacional.
Com diversas iniciativas, atendendo interesses muitas vezes contraditórios, as Nações Unidas, as agências de cooperação de países desenvolvidos e de alguns países emergentes e a filantropia internacional têm colocado a saúde como prioridade na agenda da cooperação internacional e dos programas de ajuda para o desenvolvimento. Esse processo tem sido denominado "diplomacia global da saúde", ou seja, o conjunto de negociações desenvolvidas em diversos níveis, que delineia e gerencia o ambiente das políticas globais em saúde; e que, idealmente, produz melhores resultados para a saúde da população de cada país envolvido (atendendo, assim, aos interesses nacionais), bem como implementa as relações entre Estados e reforça o compromisso de um amplo arco de atores em prol do empreendimento comum de assegurar a saúde como direito humano e bem público (Kickbusch I, et al. Bull World Health Organ 2007; 85:230-2). Como exemplo, pode-se mencionar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (http://www.un.org/millenniumgoals), conjunto de compromissos definidos pela Cúpula do Milênio, realizada pelas Nações Unidas, no ano 2000.
A saúde global e a diplomacia da saúde exigem novos mecanismos institucionais e profissionais de saúde pública, levando a que diversas instituições acadêmicas do mundo estabeleçam centros de pesquisa e formação de recursos humanos dedicados ao tema. Um exemplo, no plano nacional, foi dado recentemente pela Fundação Oswaldo Cruz, que criou, em janeiro de 2009, o Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS), com o objetivo de dar maior organicidade à sua já ampla função de cooperação internacional em saúde.
Como potência emergente global entre os países de renda média, o Brasil tem se destacado na diplomacia da saúde, no contexto da cooperação Sul-Sul, com o que temos denominado "cooperação estruturante em saúde" (Almeida C, et al. Global Forum Update on Research for Health. Volume 6: Innovating for the Health of All, 2009; p. 199-207), que consiste no apoio ao desenvolvimento e reforço dos sistemas sociais e de saúde, por meio da construção de instituições estruturantes dos sistemas de saúde e da formação de recursos humanos chaves, como estratégias centrais para a estruturação de capacidades próprias dos países em desenvolvimento.
Outra estratégia da política externa brasileira aposta na constituição de blocos regionais, nos quais a saúde vem recebendo prioridade central. São os casos da UNASUL Saúde (http://www.unasur-salud.org), no âmbito da União de Nações Sul-americanas, e da CPLP Saúde (http://www.cplp.org/Saúde.aspx?ID=353), no contexto da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Portanto, o que se quer registrar neste Editorial é a emergência da "saúde global" e da "diplomacia da saúde" como áreas da política externa e da cooperação internacional, assim como campo disciplinar e de formação de recursos humanos que deverá crescer substancialmente no mundo e no nosso país nesta próxima década, à medida que a solidariedade internacional superar a competição predatória entre as nações.