RESENHAS BOOK REVIEWS
Hermano Albuquerque de Castro
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. castro@ensp.fiocruz.br
TERRITÓRIO, AMBIENTE E SAÚDE. Miranda AC, Barcellos C, Moreira JC, Monken M, organizadores. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. 274 p.ISBN: 978-85-7541-159-9
O livro Território, Ambiente e Saúde é um acúmulo de discussões teóricas e metodológicas e toma o território como base das condições objetivas onde ocorrem os eventos e os efeitos na saúde e no ambiente. Contribui para a inserção da saúde ambiental na pauta do Sistema Único de Saúde e no desenvolvimento de políticas públicas transversais, a partir da compreensão do território, do espaço e das relações sócio-ambientais. Ao longo dos seus capítulos, busca integrar o território com a saúde, fornecendo elementos para as análises em saúde e ambiente, revalorizando os espaços geográficos em face dos problemas emergentes na saúde coletiva.
O livro surge em um momento singular da vida do planeta e no século eleito pela Organização Mundial da Saúde, como o século do ambiente. É fruto da consolidação dos textos enviados ao III Seminário Nacional de Saúde e Ambiente, organizado pela Fundação Oswaldo Cruz, o qual se divide em três partes estruturadas com os seguintes temas: Território e Saúde: Dimensões Teóricas e Conceituais; Territórios e Conflitos Ambientais: Dinâmicas Socioeconômicas e Implicações na Saúde; Desafios Metodológicos.
Em diferentes capítulos, a obra retoma o debate sobre os problemas ambientais e sua relação com a saúde. Qualifica o território simultaneamente como instância onde o capital exerce seu poder e causa danos irreversíveis ao ambiente e onde a sociedade resiste às ações destrutivas do homem e tenta, na luta diária, tomar para si direções alternativas ecologicamente possíveis e corretas para uma vida melhor no planeta.
Na primeira parte, já no primeiro capítulo, apresenta uma crítica à geografia política clássica quando incorpora ao poder do território os diversos atores sociais que surgem da população, não considerando apenas o poder do Estado. Com essa condição, o território passa a ter um papel estratégico para os estudos da saúde e do ambiente, chamando a atenção para o fato de que os processos ambientais e sociais transcendem os limites espaciais.
Caracteriza, ainda, a heterogeneidade das populações nos territórios, visto que os conflitos emergem devido ao antagonismo produzido por diferentes interesses, expressos, por sua vez, nos projetos ambientais na cidade, no campo e na floresta. Apresenta uma crítica contundente ao discurso neoliberal ambiental, que tenta legitimar, valendo-se do slogan "desenvolvimento sustentável", a espoliação dos territórios mediados por teorias entre riscos e benefícios.
No capítulo 2, os indicadores de saúde ambiental são trabalhados de forma fácil e objetiva. O geoprocessamento é apresentado como uma potente ferramenta para a organização e análise de dados incorporados ao sistema de informações geográficas. Recupera a estrutura de matriz, composta por diferentes níveis de agregação; mais adiante, na parte III do livro, em Desafios Metodológicos, retomará, com um estudo de caso, a matriz de indicadores constituída por Força Motriz, Pressão, Estado, Efeito e Ação. Aqui, oferece ao leitor possibilidades para o aprendizado no manuseio desses instrumentos e para o desenvolvimento de ações de vigilância ambiental em saúde.
No capítulo 3, na discussão sobre espaço e saúde, os autores rechamam Milton Santos e trazem para o interior da Saúde Pública e da Epidemiologia questões que dizem respeito às diversas dimensões do espaço e sua influência nos processos de adoecimento. Apontam a distribuição de certas doenças como resultante da organização social territorial e mostram, através disso, o impacto direto na mortalidade das populações, como, por exemplo, a mortalidade infantil e sua distribuição espacial nos centros urbanos e nas zonas rurais.
Inicia-se, ainda no capítulo 3, o ensaio sobre a influência das adversidades climáticas sobre a saúde da população. A primeira parte do livro se encerra com um dos capítulos explorando o termo "refugiados ambientais" e "refugiados econômicos", correlacionando a globalização e a insustentabilidade dos atuais modelos globalizados, as quais forçam populações inteiras ao êxodo, na tentativa de proteger a saúde e buscar novas possibilidades de vida.
A segunda parte do livro recupera a sustentabilidade com base no fortalecimento do conceito da justiça ambiental. Aponta os resultados da chantagem do capital, cujas autoridades locais se rendem às pressões empresariais e os movimentos sociais resistem à "hospitalidade" exigida pelo capital e são apontadas como responsáveis pelo "não desenvolvimento" e pela perda de renda e emprego. Apresenta uma critica forte ao modelo monocultural exportador como fator de degradação do ambiente e da condição de sobrevivência humana, principalmente para os habitantes locais que perdem parte da produção familiar e ainda cedem terras para a monocultura. O processo da monocultura torna os trabalhadores rurais em "bóias frias" diante de um trabalho intenso, submetendo-os a várias situações de sobrecarga, até o esgotamento físico e a morte.
Um capítulo estimulante para a reflexão é aquele sobre a economia ecológica, que repensa teoricamente a economia em uma perspectiva sócio-metabólica, que se dá através da construção de vínculos sociais, culturais e históricos. O modelo permite a compreensão dos conflitos, através da cadeia produtiva, situações de ameaças à saúde e à vida das populações, vinculado aos diferentes níveis dos processos produtivos existentes, tais como os conflitos no momento da extração, do transporte, dos rejeitos etc.
O capítulo que instiga o leitor a compreender o risco, o faz de forma plena e objetiva, através da passagem do paradigma preventivo clássico para o paradigma precaucionário, do desmonte ideológico do otimismo tecnológico e da introdução das incertezas inerentes aos processos antrópicos. Desnuda a possibilidade da falta de controle dos riscos tecnológicos e ambientais perante uma sociedade indefesa e sem o conhecimento adequado para a sua proteção. O princípio da precaução mais uma vez aparece como a possibilidade de garantir minimamente a saúde e a preservação do meio ambiente. Ao final da segunda parte, o livro aponta para o empoderamento da sociedade e indica como caminho para uma humanidade socialmente justa a construção de espaços coletivos atendendo aos interesses estratégicos das populações.
A última parte do livro, Desafios Metodológicos, busca traduzir os diferentes modelos e abordagens para a vigilância em saúde ambiental. É apresentado um modelo para a construção de indicadores, baseado em uma matriz composta por Força Motriz, Pressão, Estado, Exposição e Efeitos. Sua construção envolve a população atingida, resgata múltiplos olhares, busca caminhos para a intervenção e aponta os indicadores de ação. A experiência vivenciada por uma população moradora na Chapada do Araripe expressa os problemas da produção de gesso como uma questão sócio-ambiental e retrata a relação das equipes profissionais com a população. O resultado fornece elementos para a construção da matriz e elege os indicadores para a ação. Estes apresentam-se adequados para o planejamento estratégico no âmbito das políticas públicas e para a ação dos gestores locais quanto aos recursos, sendo aplicados de acordo com as prioridades apontadas pela matriz.
Os últimos capítulos apresentam as ferramentas e as formas de organização sócio-espacial utilizadas para a vigilância. O território, o ambiente e a saúde se interligam, de forma inclusiva. A participação social reforça os elos dos diferentes segmentos sociais e de suas identidades, na qualidade de atores sociais capazes de compreender seus processos históricos e culturais na direção da resolução dos problemas ambientais e de saúde.